As aulas haviam se encerrado a quase meia hora e eu passei esse tempo todo na biblioteca sozinho. Ignorei o fato de Jill não aparecer, eu não queria mesmo companhia hoje então credito isso como um lado bom do meu dia. Estava com os livros que achei que poderia usar para o trabalho de literatura e comecei a fazer minhas pesquisas e anotações sozinhos na mesa. Estou distraído com um pequeno texto em um dos livros quando o barulho de algo caindo me faz erguer o olhar rapidamente.
Vejo Jill puxar uma cadeira a minha frente, a mochila dela está jogada em cima da mesa ao lado dos livros. Ela não diz nada, apenas puxa a minha folha com anotações, confere o que eu já fiz e então retira um dos livros da pilha próxima a sua bolsa. Ela devolveu a minha folha ao lugar anterior, abriu o livro, puxou um caderno de capa marrom da mochila e começou a ler. Voltei ao meu livro, mas enquanto lia e anotava alguns pontos pude ver ela fazendo o mesmo. Ficamos quase uma hora naquele silencio absoluto até que ela fechou o terceiro livro e o soltou sem cuidado sobre a mesa. Ergui meu olhar pelo som e a vi esfregar os olhos e depois colocar a mão entre os cabelos bagunçando-os.
Olhei meu relógio conferindo que faltava 45 minutos para que o treino de James acabasse. Eu teria pelo menos mais meia hora para ler antes de guardar os livros e arrumar minhas coisas para encontrar meu amigo no estacionamento. Jill se recostou na cadeira de madeira e deixou a cabeça pender para trás relaxando o corpo e esfregando as mãos no rosto e depois nos cabelos. Respirei fundo abaixando o meu livro e o colocando, com calma, sobre a mesa.
– Você pode ir pra casa se quiser – eu disse pegando o livro que ela lia e recolocando ao lado do último que faltava sobre a mesa – Eu vou terminar esses, se quiser deixar suas anotações comigo eu posso ir organizando com as minhas depois – falei de forma inexpressiva.
– Você é um cara estranho – ela falou me deixando confuso, a encarei e ela sorriu divertidamente – Talvez eu deva seguir seu conselho. Queria finalizar isso hoje, mas acho que é trabalho demais para um dia só. Podemos marcar outro dia para terminarmos – ela disse começando a guardar suas coisas – Pode deixar suas anotações comigo que eu organizo elas. Você deveria ir pra casa também.
– Eu vou ficar mais um pouco – falei dando de ombros – Vim com James hoje e preciso esperar ele sair do treino. Por isso lhe disse pra deixar as suas anotações.
– Não vou te deixar fazer a parte mais difícil sozinho – falou ela num tom de tédio – Eu não deixo o meu trabalho para os outros fazerem. Vamos marcar outro dia logo para terminarmos isso. Você pode terminar esses livros hoje e juntamos as anotações e outro dia. Quando pode ser?
– Não posso após as aulas no resto dessa semana – falei lembrando de que Erika diminuiria as horas de treino nos últimos dias antes da luta para se poupar e que, por isso, ela passaria muito tempo em casa, fora que eu sempre a ajudava a treinar suas táticas de luta depois das aulas quando se aproximava uma luta oficial dela.
– A noite em dias de semana eu também não posso – falou ela coçando a cabeça enquanto pensava a respeito.
– Podemos resolver isso na segunda ou algum outro dia após as aulas na semana que vem – falei dando de ombros.
– Não posso marcar nada na semana que vem – ela disse mordendo o lábio inferior com uma expressão tensa – Tem algum problema pra você se fizermos isso no fim de semana? – perguntou ela erguendo uma sobrancelha.
Soltei um longo suspiro, no sábado eu queria fazer companhia à Erika, ela estaria precisando de apoio e incentivo e eu queria estar presente. Além do que eu não sabia a exata hora do voo dela; apenas sei que a pesagem ocorreria às 23:30pm do sábado. Ela provavelmente ficaria em casa até o último instante possível. O que nos deixava sobrando apenas o domingo.
– Podemos fazer isso no domingo – falei dando de ombros já que era nossa única saída – Me passa o seu endereço que eu vou até lá, você pode dizer a hora.
Jill coçou a nuca, o que identifiquei como um sinal de desconforto pela expressão dela. Eu a encarei por alguns segundos até que ela voltou a falar.
– Eu esperava que pudéssemos fazer isso na sua casa ou em qualquer outro lugar – ela disse com uma expressão séria.
– Qual o problema com a sua casa? – eu perguntei antes mesmo de pensar sobre a questão e a vi ficar ainda mais desconfortável.
– Meu tio não gosta de visitas – ela falou de forma curta e eu soube que não haveriam mais explicações.
Estranhei ela mencionar um tio, mas quem era eu para fazer um questionário em cima disso não é? Afinal eu vivia com duas mulheres que são minhas tias, mas que eu trato como mães porque meus pais faleceram. Pensei um pouco, Erika estaria fora da cidade e Alex também. Eu definitivamente não gostava de deixar pessoas estranhas entrarem na minha casa, não queria me expor de forma desnecessária. Minhas duas mães eram famosas e eu não queria que o nosso endereço começasse a ser espalhado por diversos grupos de adolescentes que, com 90% de chances, seriam fãs de uma delas.
Mas não tínhamos nenhuma outra opção. Desejei muito ter, mas não tinha. Suspirei e concordei com um aceno de cabeça enquanto ajeitava meus óculos. Combinamos de que, quando ela saísse de casa me mandaria uma mensagem avisando e, então, eu lhe enviaria meu endereço como resposta. Durante o resto da semana eu pensei seriamente em enviar o endereço da casa de James e fazer o trabalho com ela na casa do meu amigo. Mas era um domingo e nos domingos o senhor e a senhora Hozter gostavam de ficar em casa e ter um tempo em família. Apesar de eu ser bem vindo nesses momentos colocar Jill no meio disso não seria correto. Ela estava se levantando quando eu voltei a falar.
– Porque disse que eu sou um cara estranho? – perguntei com seriedade e vi ela se virar com um indício de sorriso.
– Você é um nerd – falou ela colocando a mochila sobre um ombro, mas não senti em seu tom que aquilo fosse um insulto – Qualquer cara ficaria no mínimo contente recebendo atenção de Denna Martin, mas você simplesmente parecia querer correr para longe dela. Eu cheguei a achar que era um certo nível de vergonha, mas você ficou claramente entediado. Mas digo que você é estranho porque parece com um nerd, mas não age como um. Vamos combinar que apesar de irritante e grudenta Denna é uma garota muito bonita, mas você simplesmente ficou entediado. Meu palpite é que, apesar de ser um nerd, você não é só isso. Ou é gay, ainda não concluí sobre essa possibilidade – ela deu de ombros e sorriu divertidamente notando minha expressão de completa confusão com aquelas deduções – Você só é um cara muito estranho Arthur Anderson. E eu conheço o bastante de caras estranhos para afirmar isso.
Depois dessas frases ela simplesmente saiu e eu fiquei lá me perguntando se havia sido mesmo uma boa ideia deixar que ela viesse até a minha casa. Afinal, se eu sou um cara estranho, ela é uma garota muito mais esquisita.
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Era domingo, pouco mais de 13 horas, quando recebi a mensagem de Jill. Para a minha surpresa ela se desculpou por não poder ir mais cedo na mensagem. Apenas respondi com meu endereço e olhei em volta da sala, minhas coisas estavam sobre a mesa da cozinha. Eu estava um tanto receoso de ter alguém desconhecido aqui dentro, mas tentei não pensar muito nisso. Alguns minutos depois ouço alguém tocar a campainha e vou até a porta. Jill estava parada ali com sua jaqueta preta de couro nos braços junto do capacete, coturnos pretos, jeans azul escuro e uma blusa cinza de mangas curtas. A deixei entrar e guiei o caminho até a mesa da cozinha.
– Eu não esperava que você fosse rico – falou ela olhando em volta.
– Faz diferença? – perguntei sem realmente quere saber a resposta, mas não podia negar a afirmação de que eu era rico.
A verdade era que minhas mães eram ricas, mas eu não estava com vontade de explicar parte da minha estrutura familiar para ela então deixei essa observação de fora. Nos sentamos e começamos a reunir as informações. Para minha alegria tudo estava bem organizado e não foi tão difícil com ela me ajudando, mesmo assim não nos demos conta da passagem das horas.
Perto das 17 horas eu nos servi com suco de laranja e sanduiches naturais que Erika tinha deixado pra mim no sábado. Acabamos com a jarra de suco enquanto ainda terminávamos os últimos detalhes do trabalho. Para minha surpresa era incrivelmente fácil conversar com Jill e, enquanto fazíamos os últimos parágrafos da conclusão cheguei a pensar que ela era uma boa pessoa. Estávamos tão concentrados nos últimos detalhes da capa que não percebemos que o já era noite.
– Porra Arthur!! – gritou a voz que reconheci ser de James logo após eu ouvir o som da porta da frente se abrindo – A transmissão especial sobre a luta da Tia Erika vai começar e você não está assistindo ainda?
A voz dele foi se aproximando, mas quando entrou na cozinha arregalou os olhos vendo que Jill ainda estava aqui. Entretanto eu não pensei mais em muita coisa, peguei meu celular e olhei as horas. Exatas 18:58h e a transmissão especial sobre a luta começaria em dois minutos. A luta começaria as 23 horas pelo horário do Texas; 21 horas horário da Califórnia. Mas seria uma defesa de cinturão, então as 19 horas o canal de esportes sobre o UFC começaria uma transmissão especial com o final da preparação das lutadoras. Duas horas de imagens, análises, comentários, previsões e com os movimentos das atletas até a arena e o octógono. James e eu nunca perdíamos essas transmissões.
– Puta merda – falei alto e larguei tudo, exceto meu celular para correr até a sala e ligar a televisão enorme, simplesmente esqueci de James e Jill na cozinha, eu não podia perder o começo da transmissão.
Pulei sobre o sofá e quase tropecei na mesa de centro. Alcancei o controle que estava em cima dela e liguei a televisão selecionando o canal correto. Em minha cabeça eu repetia em vezes seguidas que eu não podia ter perdido o começo. Eu nunca perdia, era quase uma espécie de amuleto de sorte. Eu nunca deixava de assistir as transmissões exceto que estivesse lá com ela. Respirei aliviado quando vi o programa iniciar com a propaganda da luta mostrando as duas e me soltei no sofá feliz que não perdi o início. Só então me lembrei de Jill e James que, naquele momento estavam parados um pouco atrás do imenso sofá da minha sala.
– Ok, um dos dois vai ter que me explicar isso de “Tia Erika” – disse Jill quando o programa cortou a abertura para os dois comentaristas que começaram a falar da adversária – Essa é Erika Anderson! Como assim ela é tia de vocês? – perguntou ela com os braços cruzados em frente ao peito e nos encarando com um olhar que poderia nos matar; se olhares matassem.
– Você a conhece? – perguntei tentando me desviar do assunto e dei uma rápida olhada a James, ele sabia que eu tentaria mata-lo por ter falado isso na frente dela.
– Me poupe a enrolação – falou Jill apoiando a mão direita no estofado e pulando sobre o sofá para cair sentada ao meu lado esquerdo – Ela é casada com a guitarrista e vocalista da minha banda preferida da atualidade. A mulher que foi a causa do UFC abrir uma nova categoria feminina. Não tem mulher no mundo todo que não a conheça – falou ela direcionando os olhos verdes diretamente para os meus azuis – Como ela é tia de vocês?
Suspirei, tentar mentir ou algo do tipo seria pior. Jill não parecia que cairia em uma mentira simples e eu não tinha tempo para elaborar um melhor. Encarei James com ódio para que ele soubesse que a culpa disso era dele. Se ele não tivesse chamado Erika de tia poderíamos apenas ter dito que éramos grandes fãs, mas o lerdo não notou a enorme moto parada na frente da minha casa.
– Os pais do James são grandes amigos dela – falei me virando para Jill que me olhava com uma expressão desconfiada.
– Seus pais também são grandes amigos dela? – perguntou com os olhos verdes desconfiados e, claramente, não acreditando na minha palavra.
– Não – respondi rolando os olhos e cruzando os braços em frente ao meu corpo – Ela é uma das minhas mães – falei encarando a televisão que mostrava a lutadora que enfrentaria Erika em algumas horas.
Tem algo errado que não está certo ou eu fui trolada…
No fim do capítulo tem um link para o capítulo cinco, pensei nossa que bom dois capítulos seguidos, cliquei toda empolgada e fui direcionada ao capítulo cinco de Argentun.
Eita kkkkk
Tinha algo errado mesmo, mas fui eu que selecionei uma opção errada na hora da publicação =P
Perdão por isso. Já corrigi! Agora está tudo normal (e eu to revisando mais antes de publicar =P )
;]