Who You Are

Capítulo 34 – Problemas Familiares

No final da última aula Jill e eu fomos os últimos e saímos juntos da sala. No estacionamento o carro de James continuava na vaga, ele ficaria para mais um treino pois nos aproximávamos das férias de inverno e as competições estavam entrando nas fases classificatórias definitivas. Encostados no meu carro estavam Carlos e Lillian, eu já sabia que levaria ele até a academia para que conversasse com minha mãe sobre seu treinamento, mas não sabia ainda se Lillian iria conosco. Acabou que ela disse que iria para casa, ver como estavam as coisas e aproveitar para tentar conversar com a mãe enquanto o pai ainda não havia chegado. Jill se dispôs a leva-la. Pedi para falar com ela rapidamente enquanto jogava a chave do meu carro para Carlos abrir e entrar e eu e ela caminhamos alguns passos para perto da BMW.

– Será que você poderia vir falar comigo depois de deixar Lilly em casa? – perguntei encarando-a de forma séria e ela devolveu com um olhar preocupado – Se não puder hoje tudo bem, não sei se tem que fazer algo agora a tarde antes do seu trabalho, mas precisamos mesmo conversar.

– Eu estou de folga hoje, só trabalho amanhã – respondeu desviando o olhar para os dois irmãos que estavam perto dos nossos veículos – Pode ser, me manda o endereço de onde você vai estar por mensagem que eu te encontro lá.

Concordei e voltamos para perto dos dois que nos esperavam. As duas subiram na moto e saíram enquanto eu ainda manobrava meu Dodge para fora da vaga. Carlos seguiu quieto ao meu lado, mas eu não interrompi seu silencio. Parecia que ele precisava daquele momento só com os próprios pensamentos; eu entendia a necessidade. Quando parei no estacionamento da academia da minha mãe foi que ele finalmente resolveu falar algo.

– Arthur? – me chamou um tanto tímido e sem desviar os olhos do retrovisor lateral do carro, fiz um som indicando que estava atento a ele para que continuasse – Qual a relação que a sua mãe tem com a mãe dela? Você disse que sua avó ainda é viva.

Respirei fundo me recostando no banco de couro e encarando minhas mãos sobre o volante. Não gostava de falar da minha avó paterna. Não que tivéssemos uma má relação, mas eu não aprovava a forma como ela queria ditar as regras da minha vida e os meus passos para o futuro. Mas Carlos não estava me perguntando por uma simples curiosidade, ele precisava de uma perspectiva, apesar de eu achar que talvez ela fosse um tanto além da situação que ele poderia viver futuramente.

– As duas tem uma relação amigável – respondi depois de notar que estava a muito tempo parado, tanto que ele finalmente me encarou, mas eu não devolvi o olhar e mantive o meu sobre o volante – A relação delas nunca foi muito boa, minha avó é um tanto controladora…e, pelo pouco que descobri com o tempo, não era como se ela quisesse ter sido mãe outra vez. Ela nunca superou a morte do meu pai, menos ainda aprovou a profissão que Erika decidiu seguir. Mas junto disso tem muito do preconceito dela, pela relação da minha mãe com a mamãe…Ela suporta…acho que agora respeita…mas ainda não aprova. Talvez só por isso a relação delas continue conturbada. Vovó nunca vai abrir mão dos preconceitos dela, mas acho que se o fizesse por uma única vez ela teria orgulho da minha mãe pelo que ela conquistou.

Virei meus olhos para os dele, os castanhos escuros pareciam perdidos e angustiados. Era quase palpável a ligação familiar que Carlos sentia e a dependência que ele ainda tinha com a aceitação e aprovação dos pais. Mas havia algo mais ali que eu não soube identificar. Algo familiar, mas que eu não soube reconhecer. Sequer tive tempo para tentar, ele desviou o olhar e, logo depois, estava saindo do carro. O acompanhei até dentro da academia, direto para o escritório da minha mãe enquanto mandava a mensagem com a localização para Jill.

Erika estava sentada em sua cadeira com um monte de papéis espalhados na mesa e encarando a tela do computador quando entramos. Ela recolheu tudo e pediu que Carlos sentasse na cadeira em frente a ela, eu me sentei no sofá próximo a ampla janela para o interior da academia enquanto eles conversavam. Ele havia decidido aceitar a proposta, mesmo que o pai ainda não aprovasse. Senhor Garcia não havia tido uma boa reação, ele não apoiava Carlos naquilo. Havia dito ao filho que, se ele escolhesse aceitar aquela proposta, ele poderia deixar de contar com a ajuda dele.

Não que Carlos estivesse sendo expulso de casa, pelo menos a esse extremo a situação não chegou. O pai dele garantiu que um teto e comida para Carlos nunca faltariam, mas que não deveria esperar nada além disso. Ele estaria por sua conta e risco nesse caminho que estava escolhendo, mesmo assim havia decidido ir em frente e confiar nas palavras de Erika de que ele tinha potencial. Minha mãe não estava o iludindo, ela deixou muito claro os riscos, as dificuldades, as possibilidades dele falhar, as chances que tinham de nunca conseguirem chegar muito longe. Eu tinha que admitir que ele tinha coragem, um tipo de coragem que eu não sabia se teria um dia.

Eles começariam naquele mesmo dia, Erika pretendia começar com ele na musculação, para que Carlos ganhasse mais força e mais músculos além de mais resistência que seria adquirida com horas na esteira. Jill me avisou que estava na porta no momento em que eles se levantaram, avisei aos dois e minha mãe esperou que ela chegasse ao final da academia para cumprimenta-la antes de arrastar Carlos para a sala de equipamentos e estoque buscar para ele um uniforme da academia. Com um olhar ela entendeu que a presença de minha amiga era para algo mais sério e nos disse para ficarmos no escritório e que eles demorariam um pouco.

– E então? O que quer conversar? – ela perguntou assim que entramos e nos sentamos, cada um numa das extremidades do sofá.

– Quero saber o que está acontecendo com você – falei diretamente e os olhos verdes me encararam com certa raiva – E não adianta me dizer que não é nada, nem ficar brava com eu estar me intrometendo – falei antes que ela interrompesse o que eu dizia – Eu estou preocupado e está escrito na sua cara que é algo sério e importante.

– Não há nada que alguém possa fazer. E eu não quero falar sobre isso – Jill respondeu mudando sua expressão para cansaço ao me ouvir falar de minha preocupação com ela.

– Se tem algo que eu aprendi com minhas mães é que Sempre, sempre há alguém que pode fazer algo – respondi num tom mais brando, queria que ela se sentisse confortável para se abrir comigo – Não tem que me contar o que houve se não quiser, mas, por favor, me deixe descobrir uma forma de te ajudar. É minha amiga e não quero ver você parecendo exausta da forma que estou vendo agora. Confie em mim, eu só quero te ajudar.

– Vai confiar em mim também e me contar sobre James? – ela perguntou num tom de brincadeira, mas que ainda parecia forçado e cansado.

– O segredo é dele, não meu. Por mais que eu confie em você tanto quanto confio nele, James não tem essa confiança contigo ainda – falei dando de ombros, ela se inclinou apoiando os cotovelos nos joelhos e virando o rosto na minha direção – Um dia ele vai confiar em você tanto quanto eu e vai te contar o que tiver de contar.

– Você definitivamente é um bom amigo, Arthur – ela respondeu rindo baixo e ainda me encarando – Aposto que deve ter ajudado muito quando James se assumiu pra você – fiquei sem reação, tentei não arregalar os olhos, mas minha expressão assombrada e temerosa deve ter aparecido porque Jill começou a rir de mim e se recostou de novo ao sofá virando parcialmente seu corpo na minha direção – Pela expressão no seu rosto você não esperava que alguém pudesse descobrir que James é gay, não é? – ela perguntou e riu quando neguei com a cabeça.

– Como? – perguntei ainda totalmente surpreso.

– Não foi tão difícil quanto você pode estar imaginando – ela respondeu dando de ombros e encarando a parede atrás da cadeira de minha mãe por alguns segundos – A gente costuma reconhecer uns aos outros no meio da multidão de gente que não é como nós – ela falou soltando um suspiro.

– Gaydar? – eu perguntei lembrando de Alex brincando com a expressão várias vezes ao acertar quando conhecia alguém que não era do mundo hétero.

– É – Jill riu, talvez por eu ter usado a expressão – É meio que um sexto sentido. De certa forma a gente desenvolve isso como uma forma de proteção, um jeito de ser mais seletivo na hora de achar alguém com quem se abrir. Nem sempre funciona. Digamos que eu já tive um tempo bom para aprender a usar o meu.

– Entendi – falei me recuperando do susto, de certa forma eu sentia que não precisava pedir para que ela mantivesse o segredo, confiava em Jill – Mas você está fugindo do assunto aqui. Eu ainda quero saber como te ajudar.

Ela deitou a cabeça para trás apoiando-a no estofado e colocou os braços sobre o encosto do sofá soltando uma respiração pesada. Esperei que Jill dissesse algo, sentia que estava chegando até a confiança plena dela em mim e não queria forçar que ela se abrisse antes da hora. Esperei por alguns minutos até que ela resolveu falar.

– Meu tio – Jill disse num tom baixo que só escutei porque o ambiente estava silencioso – Aconteceram umas coisas, ele perdeu o emprego e acabou no hospital…Não sabemos até quando vamos conseguir manter a casa, se ele não se recuperar logo não vai conseguir um novo emprego a tempo de pagarmos o aluguel. Eu estou trabalhando, mas o que recebo não dá nem para as despesas da casa, quanto mais o aluguel todo. E ele não pode ficar sem os remédios também. Estamos vendendo tudo o que temos pra pagar as despesas do hospital, também já comecei a procurar um emprego que pague melhor. Mas se as coisas não melhorarem vamos ter que sair da casa, dependendo do que acontecer talvez trocar de cidade…na pior das hipóteses eu vou acabar tendo que vender a moto. Mas não vou aceitar seu dinheiro, Arty. Nem tente. Não me sentiria bem aceitando isso.

Ficamos em silencio depois disso. Ela ainda não olhava para mim e eu não desviava o olhar do rosto dela que encarava o teto. Jill amava aquela moto, pelos poucos pedaços de informação que eu havia conseguido nos últimos meses eu sabia que a moto era algo que veio da mãe dela. Não tinha ideia de história toda, mas sabia o quão importante era aquele veículo de duas rodas para ela. Talvez fosse mais importante do que o Dodge era para mim. Considerar vende-la. Seja lá a situação em que ela e o tio estavam, só poderia ser extrema para ela considerar isso. Minha mente trabalhava em velocidade máxima tentando achar uma forma de ajudar que não envolvesse oferecer dinheiro a ela, não seria aceito, e talvez ela ficasse com raiva de mim por oferecer. Mas tinha que haver algo que eu pudesse fazer. Qualquer coisa para ajudar.

– No que seu tio trabalha? – perguntei a primeira coisa que veio a minha mente naquilo tudo.

– Nem começa Arthur! – Jill reclamou se levantando – Eu e ele vamos dar um jeito, é um problema nosso. Vamos resolver.

– Hey! – falei me levantando também – Calma aí. Eu não estou oferecendo um trabalho nem criando uma vaga para ele do nada. Só perguntei para pensarmos como ajudar ele a encontrar um novo emprego – falei me aproximando dela que parou perto da mesa, toquei seu ombro – Eu sei que é um problema de vocês, mas, como seu amigo, eu quero poder ajudar. Aposto que todos os nossos amigos iriam quere ajudar se você contasse a eles o que está acontecendo – disse apertando de leve o ombro dela que se apoiou na mesa com as duas mãos segurando a borda; coloquei minha outra mão sobre o outro ombro dela antes de continuar – Aposto que até James iria querer ajudar – falei com um tom de riso fazendo ela sorrir fraco.

– Não é tão fácil pra ele conseguir emprego, ele cursou quase um curso todo de marketing, mas nunca se formou e até hoje nunca trabalhou em nada na área – ela respondeu suspirando e baixando a cabeça – Caixa em supermercados, zelador, serviços gerais, é só isso que ele tem como experiência e a maioria desses empregos não foi formal.

– Certo – falei concordando – Vamos começar fazendo um currículo pra ele – disse pensando da forma mais prática que podia – Você disse que ele esteve no hospital e que ainda está se recuperando, pois então. Fazemos o currículo e eu e você distribuímos no lugar dele. Vamos onde você e ele acharem que devemos ir entregar esses currículos e ai torcemos para chamarem ele em algum lugar. O que acha? – questionei num tom animado e sorrindo.

Jill riu baixo me encarando. Ela rolou os olhos segurando o riso logo depois.

– Eu acho que não consigo acreditar que você existe – ela respondeu finalmente se afastando da mesa, suas mãos soltaram a borda da madeira e seus braços envolveram minha cintura quando Jill me abraçou colocando o rosto no meu ombro – Você é bom demais pra esse mundo Arthur. Obrigada por querer e tentar ajudar.

Não respondi. Não era necessário uma resposta para isso. Apenas a abracei de volta sabendo que tudo o que ela precisava era de um pouco de apoio. Provavelmente era exatamente isso tudo o que o tio de Jill também precisava. Ambos precisavam de alguém que os apoiasse sem nenhuma razão além de querer vê-los bem. Sem pedir nada em troca nem esperar uma devolução. Apenas uma pequena demonstração de empatia vinda de alguém de fora. Era isso o que eu faria e, obviamente, pediria a ajuda das minhas mães sem que ela soubesse para encontrar mais rápido algo que pudesse ajudar aos dois. Erika sempre me dizia que bons amigos são a família que a vida coloca no nosso caminho para ajudar a gente a seguir em frente quando nossa família de origem não é o bastante ou não está lá. Jill era uma amiga, portanto, parte da minha família, assim como o tio dela também passou a ser no momento em que a integrei a essa minha nova e pequena família de amigos. Definitivamente eu faria algo para ajudar.

 

 

N/A: Eu atrasei esse cap pq hj é 1 de Abril….queria inventar algo pra brincar com vc…mas não consegui =P

Então ele vai ser só um cap atrasado mesmo ¯\_(ツ)_/¯
Espero que tenham gostado dele pelo menos hehe
Bjs
;]


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