Who You Are

Capítulo 16 – Sexta-feira de Jogo

Minhas mães tinham ido passar o fim de semana em Los Angeles. Alex teria uma gravação no sábado que poderia se prolongar até domingo, por isso Erika decidiu ir junto. Depois de ter chegado em casa ainda irritado com a pequena cena que tive de encarar com Mattheus, eu decidi relaxar um pouco. Haviam duas coisas que eu fazia para isso, primeira era ir até a academia e usar um saco de areia que estava sempre pendurado, a outra seria ir até o pequeno estúdio que tínhamos. Ficar algumas horas com a guitarra nos braços testando arranjos e imaginando composições era bom para me acalmar.

Ninguém sabia, mas eu ajudei Alex em várias das composições dela para o último disco e para o próximo que estava sendo gravado. Em muitas eu apenas a ajudei em seu próprio processo criativo, em outras fui parte tão fundamental que ela fez questão de colocar meu nome no disco como coautor, mesmo comigo suplicando para que ela não o fizesse. Ninguém nunca se deu conta de que era eu o segundo nome em várias músicas porque meu nome foi assinado como A.A.Stuarts, o sobrenome da minha mãe biológica. Assim eu ganhava o crédito, mas ninguém descobria quem eu era, afinal, 99% das pessoas não se preocupa em pesquisar quem eram os compositores, ainda mais se fossem apenas coautores.

Apesar de eu querer muito sentar lá dentro e ficar brincando com acordes eu sabia que apenas uma coisa iria me ajudar a extravasar todos os sentimentos ruins que me consumiam naquele momento. Fui até meu quarto e coloquei um short, larguei mochila e tudo o mais no quarto e subi para a academia. Tirei minha blusa e envolvi as mãos nas faixas cinzas, minhas favoritas. Me aqueci e fui até o saco de areia. Depois de treinar sequencias de golpes no saco de areia e sem ele me dei conta de que tinha menos de uma hora para me arrumar e sair de casa.

Havia dito que passaria na casa de Lillian e Carlos para busca-los para o jogo. Ambos haviam me dito que não teriam como ir de casa até a escola já que não tinham carro e moravam num bairro bem mais longe. Me ofereci para ir busca-los. De primeira nenhum dos dois quis aceitar, diziam que eu não iria querer circular pela vizinhança deles. Eu disse que se não me falassem onde era a casa deles iria ficar passeando com meu carro pelo bairro até encontra-los. Acho que me saí bem convincente, porque eles desistiram de me contrariar.

Tomei um banho e me troquei. Uma calça jeans, um all star vermelho, uma camisa social de mangas compridas num azul claro, um cinto preto de couro. A camisa estava por dentro da calça e apenas o botão da gola ficou aberto. Coloquei meus óculos e vi que estava atrasado, deixei o cabelo meio molhado e corri pegando minha carteira e as chaves. Faltando meia hora para o início do jogo eu estacionei em frente a casa dos dois irmãos. Na casa ao lado estavam parados 3 rapazes, aparentemente mais velhos do que eu. Todos me encararam e eu os encarei de volta, não tinha medo deles e minha postura disse exatamente isso.

Quando um deles se levantou Carlos saiu da casa com Lillian logo atrás. Desliguei o carro e guardei a chave no bolso antes de sair e dar a volta cumprimentando o rapaz com um aperto de mãos. Carlos olhou para os rapazes com preocupação, mas eu não pareci incomodado. Quando um deles se aproximou eu abri a porta afastando o banco e pedindo para Lillian entrar. Ela me olhou com olhos arregalados, mas quando o irmão lhe deu um pequeno empurrão ela aceitou entrar. Eu fechei a porta antes de me virar.

– ¿Quién es tu amigo, Carlos? – perguntou o mais velho em um ehol carregado e parando a frente do meu colega, mas me encarando.

– Pablo, déjelo – sussurrou Carlos ficando nervoso com a situação, ele parecia estar, propositalmente, parado em frente ao latino para que ele não se aproximasse muito de mim.

– Buenas noches señor. Carlos y yo estudiamos en la misma escuela – falei me colocando ao lado de Carlos e encarando o rapaz que tinha a minha altura, me orgulhava do meu ehol e não tive dificuldade em dizer todas as pronuncias corretamente.

– Então el chico sabe falar a minha língua – comentou ele com um meio sorriso convencido – Que surpresa.

– Não realmente, ehol é uma das línguas mais faladas no mundo – falei sorrindo calmamente e ergui a mão direita para ajeitar os óculos empurrando-o de volta ao lugar – Se nos der licença, eu e meus amigos temos que ir. Vamos ver um jogo – falei estendendo a mão na direção dele que me olhou sem entender – Foi um prazer conhece-lo, Señor Pablo – disse ainda esperando que ele retribuísse o cumprimento.

Por alguns instantes ele me encarou seriamente. Aposto que nunca alguém como eu o tinha tratado daquela maneira cordial. A maioria teria medo ou o olharia com desprezo. Ele encarou meus olhos de forma profunda buscando uma dessas coisas, mas não encontrou nada além de educação e tranquilidade. Acabou erguendo a mão direita até a minha num aperto forte que retribui da mesma maneira sem demonstrar desconforto. No fim meu aperto foi mais firme que o dele e o rapaz afrouxou a mão na minha e nos soltamos.

– Tenha uma boa noite – disse ainda sorrindo como se não tivesse sentido a força dele, mas estava com essa expressão porque acredito que ele tenha sentido mais a minha.

Quando ele se virou sem me responder e deu as costas para nós esperei que andasse alguns passos antes de me virar para Carlos que me olhava como se eu não fosse normal. Sorri para ele e fiz meu caminho para entrar no carro.

– Você é louco? – perguntou Lillian se debruçando sobre o meu banco e projetando seu corpo no vão entre os acentos dianteiros.

– Claramente não, mas qual a razão da sua pergunta? – questionei sorrindo e ajeitando meus óculos novamente enquanto inseria a chave na ignição com a outra mão e ouvia a porta do passageiro se fechar.

– Você acabou de bater de frente com um membro de uma das gangues do bairro – falou Carlos inconformado – E não me diga que não sabia que ele era um porque você, “claramente”, é inteligente o bastante para ter notado.

– Notei que ele se preocupou com quem eu era porque desconhecia meu carro – falei acelerando e virando na esquina seguinte – Notei também que quando te viu sair da casa ele fez sinal para que os outros dois esperassem de longe. E também notei que ele ficou muito mais sério quando viu Lillian sair atrás de você toda arrumada – disse dando de ombros e erguendo a mão para ajeitar os óculos, mesmo que eles não estivessem fora do lugar, mas eu queria apenas disfarçar o sorriso de canto que estava em meu rosto – São parentes?

– Primos em quarto grau – falou Carlos estreitando os olhos, mas ainda sem acreditar na minha calma ao lidar com seu primo – Famílias latinas são muito unidas.

– Eu sei – falei calmamente e me recostei no acento relaxando meus músculos – Vejam o lado bom desse encontro – falei sorrindo – Agora não terei nenhum problema em andar pelo bairro de vocês. Provei não ser um idiota no lugar errado. Também provei não ser nenhum babaca querendo levar vantagem em alguém ali. Além de que mostrei que não tenho motivos para ter medo deles.

– Você é definitivamente louco – falou Lillian rindo e depois estávamos os três rindo.

——xxx——

Chegamos a escola e fomos direto ao campo aberto. Todos os refletores estavam ligados e as arquibancadas já estavam quase lotadas. Vários torcedores da outra escola compareceram e ocupavam um lado das arquibancadas. Carlos disse que iria comprar bebidas para nós enquanto eu e Lillian fomos buscar comidas. Os outros acabaram não vindo e seriamos apenas nós três para assistir ao jogo. Comprei quatro cachorros-quentes e duas pipocas além de um pacote de doces. Lillian vinha carregando as pipocas e eu todo o resto quando encontramos Carlos com as bebidas. Conseguimos achar um lugar vago no meio das fileiras e nos sentamos.

Durante o jogo eu ia explicando mais das regras aos dois. Descobri que Lillian entendia mais rápido do que Carlos e acabei me surpreendendo quando, no último período do jogo, ela já estava comentando as estratégias junto comigo. Eram 21h50 quando finalmente o jogo acabou, vencemos com um placar de 36 a 21, uma vitória até tranquila. James se aproximou da arquibancada depois da vitória nos convidando para uma festa que o time tinha preparado. Nos entreolhamos, mas nenhum de nós estava com vontade de enfrentar uma casa cheia de jogadores alegres e bêbados.

Negamos o convite e James foi para o vestiário se trocar para ir a tal festa. Eu sabia que teria que ficar atento ao meu celular dali até a madrugada porque meu melhor amigo poderia precisar de um apoio para chegar em casa, mas estava contente de ter tido companhia naquela noite. Iria levar os dois para casa e depois ir descansar até que James precisasse que eu o fosse buscar na tal casa.



Notas:



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