Jill arregalou os olhos e agarrou a frente da minha camisa tentando me puxar para o lado. Eu até deixei que ela o fizesse, mesmo sabendo que não precisava me mover. Mattheus tinha vindo para cima de mim assim que fiquei de costas para ele, eu já esperava isso e não me surpreendi nem um pouco. Estava calmo daquela forma porque via James a um passo de nós e correndo e também vi que meu amigo parecia furioso.
Dei um passo para a direita saindo da frente de James que passou por mim como um raio e me virei para ver o que acontecia. Ele foi com seu antebraço de encontro ao peito de Mattheus jogando o zagueiro tão forte para trás que ele acabou sendo amparado pelos amigos que estavam ainda formando um semicírculo a nossa volta.
– Você tem problema cara! – gritou meu amigo ao mesmo tempo em que o outro jogador foi arremessado longe – Tá maluco!?
– Mas que merda tá acontecendo aqui? – gritou também o treinador deles chegando e parando logo ao meu lado – Corbb e Anderson, os dois vão comigo pra sala da diretora agora! – falou ele fazendo todos os outros alunos começarem a tentar se afastar para não terem o problema de ter que acompanhar a nós dois para a diretoria – Vocês dois vão explicar direitinho para a diretora o que era esse tumulto aqui fora.
– Esse nerd estúpido que se meteu no que não lhe dizia respeito treinador! – falou Mattheus com raiva ainda, metade de seus amigos já estavam longe dele.
– É melhor você pensar antes de falar alguma besteira, Corbb – falou James apontando o indicador na altura do rosto do zagueiro.
– Você não tem que dizer merda nenhuma, Hozter! Nem estava aqui – retrucou Mattheus indo pra perto do treinador.
Ele provavelmente achava que por ser um dos bons jogadores seria ouvido pelo treinador e assim se livraria de qualquer confusão com a diretoria, mas eu teria o prazer de ficar mais uma hora na escola só para poder ter certeza de que ele faria uma visita à Senhora Lewis.
– Com licença treinador – falei chamando a atenção de todos para mim de novo – Eu acredito que se uma visita à diretoria vai feita então a Srta. Jill Laars também terá de estar presente visto que o que realmente iniciou esse tumulto foram os insultos do Sr. Corbb dirigidos a ela. Eu apenas tentei interferir para que a situação não chegasse a patamares críticos quando o Sr. Corbb deu a entender que a agressão verbal fosse passar para a física.
– Fique com suas histórias para você, Anderson – Mattheus disse avançando na minha direção ainda achando que iria me intimidar.
James entrou na frente dele, mas eu o ignorei e caminhei até a garota, amiga de Jill, que estava com os outros dois rapazes um pouco mais afastados de nós. Assim que cheguei em frente a ela estendi minha mão com um sorriso pequeno e, quando ela retribuiu o cumprimento eu me apresentei.
– Meu nome é Arthur Anderson – falei e ela puxou sua mão de volta – Sou um amigo da Jill também, tenho algumas aulas com ela.
– Meu nome é Lillian, mas me chame de Lily – ela respondeu com um olhar desconfiado – Esses são Frederick e Carlos.
– Você poderia mandar pra mim a gravação que você fez no seu celular? – pedi educadamente – Não quero prender você aqui também, então se apenas me enviar a gravação do ocorrido acredito que poso resolver todo o problema sem envolver mais ninguém.
– Eu posso ficar – ela disse rapidamente se adiantando ao entender que a gravação dela poderia ajudar Jill – Eu posso ficar e falar o que aconteceu desde o começo. Além de entregar a gravação para a diretora.
Sorri para ela e pedi que me acompanhasse de volta para perto do treinador. Mattheus estava com uma expressão assustada e apreensiva, apesar de tudo o cérebro mal utilizado dele sabia reconhecer que suas atitudes não seriam bem vistas pela diretora. Lillian passou por mim indo rapidamente se aproximar de Jill e eu parei em frente ao treinador tendo o olhar raivoso, mas contido do zagueiro em mim.
– A Srta Lily se ofereceu a comparecer a diretoria também para apresentar o vídeo que se encontra em seu aparelho celular que retrata praticamente todo o início da confusão. Acredito que temos de ir todos conversar com a Sra. Lewis – falei calmamente e o treinador concordou com a cabeça.
Ele se virou de costas chamando todos nós para irmos com ele. Mattheus olhou para trás procurando algum de seus amigos que fosse defender seu lado, mas não achou ninguém, enquanto que pelo lado de Jill foram a garota e os dois rapazes. James empurrou Corbb pelos ombros fazendo-o andar logo atrás do treinador e seguiu conosco.
——xxx——
Bem seja dita a verdade, a reunião com a Sra. Lewis não demorou muito tempo. Ficamos menos de uma hora dentro da sala dela. Apenas eu, Jill, Lillian e Mattheus. Como testemunhas oculares eu e Lillian retratamos todos os acontecimentos anteriores ao vídeo e, logo depois dele ser apresentado a situação de Mattheus ficou muito complicada. Eu e Jill fizemos questão de repetir cada uma das palavras abusivas e desrespeitosas que ele proferiu e, mesmo ele negando tudo, a situação inteira era contra ele. Afirmamos que haviam outras testemunhas, duas delas se encontravam do lado de fora.
Eu disse que haviam vários outros jogadores do time e o treinador, Sr. Weelt, se prontificou a exigir a verdade de seus jogadores. Mattheus continuava negando, mas sabia que assim que questionados pelo treinador Weelt nenhum dos seus companheiros de time diria mentiras. Uma cópia do vídeo foi entregue à Sra. Lewis e todos, exceto Mattheus, foram liberados. Assim que saímos os rapazes que estavam esperando Lillian e Jill se levantaram abraçando as duas. Lillian se soltou deles rápido e pareceu aliviada ao poder abraçar Jill que retribuiu o gesto e parecia tranquilizar a garota.
James e eu passamos por eles em direção ao estacionamento. No caminho mandei uma mensagem para Jill remarcando nossa caça a livros clássicos em minha biblioteca para o dia seguinte após as aulas. Chegamos ao estacionamento e James entrou em seu carro que estava na vaga mais próxima do prédio. Nos despedimos e ele saiu enquanto eu andava calmamente na direção do meu carro que estava mais longe. Antes que conseguisse chegar a porta do meu carro ouvi a voz de Jill me chamando. Olhei para trás, estava a um passo da traseira do meu Dodge. Ela desceu o pequeno lance de escadas que levavam ao começo do corredor e continuou correndo na minha direção.
Não tive muita reação com o que ela fez logo depois. Realmente não esperava aquilo. A vi se aproximar de forma rápida pensando que Jill poderia ser uma das atletas se quisesse pela velocidade com que corria pelo estacionamento. Achei que ela fosse parar ao chegar perto de mim para me dizer algo, nada me preparava para o que ela fez quando estava perto o bastante. Jill simplesmente correu até seu corpo se chocar com o meu. Surpreso com a atitude dela eu demorei a entender que ela estava com os braços em volta dos meus ombros me abraçando. Levei mais alguns segundos antes de retribuir o abraço passando meus braços por seu tronco.
– Obrigada – ela sussurrou com o rosto ao lado do meu e o queixo apoiado em meu ombro – Obrigada por tudo o que fez. Por arriscar seu anonimato pra impedir que aquele jogador iniciasse uma briga comigo – ela continuou ainda me abraçando apertado e eu apenas sorri – É sério Arthur – ela completou se afastando um pouco de mim, mas ainda mantendo as mãos nos meus ombros.
– Não fiz nada que não faria por alguém importante pra mim – respondi tirando minhas mãos da cintura dela – Eu não tenho muitos amigos, mas as amizades que faço são sempre verdadeiras pra mim.
Ela sorriu outra vez e voltou a me abraçar, dessa vez com os braços em volta do meu troco. Acabei por passar meus braços novamente em volta dela, agora sobre seus ombros. Esse abraço foi mais rápido e ela logo se afastou.
– Você fez muito mais do que o necessário – disse Jill me soltando e colocando as mãos nos bolsos de seus jeans – Eu iria partir pra cima daquele jogador se ele resolvesse brigar. Isso com certeza me traria problemas depois. Você não só impediu que ele me atacasse como também evitou que eu me metesse numa grande confusão. E fez isso mesmo sabendo que enfrentar ele poderia te trazer atenção demais. Ninguém nunca tinha escolhido abrir mão de algo importante, como sei que seu anonimato é pra você, apenas pra me ajudar. Fora minha mãe e meu tio, você é a primeira pessoa que faz algo do tipo por mim. Acho que nunca vou poder te agradecer o suficiente.
Podia ver sinceridade no olhar dela, junto de uma gratidão imensa. Como se o fato de eu ter corrido riscos por ela fosse a coisa mais incrível que alguém já tivesse feito por ela até hoje. Pude notar que, mesmo Jill parecendo ser forte e mesmo sua família parecendo-lhe dar suporte, ela ainda não era o tipo de pessoa que tinha pessoas próximas de si. O tipo de pessoa que não possuía laços fortes com outras pessoas que não tivessem uma ligação de sangue com ela. Jill poderia ser muito mais frágil do que eu um dia cheguei a imaginar e ver o carinho que ela demonstrava por mim naquele momento me mostrou que eu não tinha mesmo nenhum motivo no mundo para duvidar das atitudes dela.
– Tem uma coisa que minha mãe sempre me diz – falei sorrindo pra ela tentando demonstrar que eu não me arrependia nem um pouco dos riscos aos quais me submeti – Existem dois tipos de pessoas que um dia vão cruzar o nosso caminho. Aquelas que vão nos deixar desconfiados e com um pé atrás, pessoas das quais temos que estar sempre protegidos e preparados para reviravoltas. E aquelas as quais podemos confiar a nossa própria vida sem receios porque surgiram para estar ao nosso lado e nos apoiar sempre que necessário. Na minha vida você com certeza é o segundo tipo de pessoa – disse com um sorriso e ela sorriu de volta.
– Vou sempre tentar demonstrar que você está certo sobre mim nisso – ela respondeu se aproximando de mim outra vez e dando um beijo no meu rosto que me deixou um tanto surpreso, mas não o suficiente para me fazer perder meu sorriso sincero – Até amanhã Arthur – ela completou se afastando e voltando para a entrada do prédio.
Quando olhei na direção em que ela caminhava pude ver, perto do fim do corredor, os três amigos dela vindo na direção do estacionamento. O rapaz mais alto trazia a mochila de Jill nas mãos e ela correu na direção deles para pegar suas coisas. Entrei no meu carro e, quando saía da vaga, vi pelo retrovisor o grupo se aproximar na minha direção. A garota que agora eu sabia se chamar Lillian vinha com um braço em volta da cintura de Jill e os quatro sorriam um para o outro. Quando me direcionei para a saída do estacionamento olhei novamente nos retrovisores e vi Jill acenando para mim e logo sendo seguida pelos outros três. Tirei a mão esquerda para fora da janela acenando de volta e segui para casa com reflexões confusas sobre o que havia acontecido nas ultimas horas e o que aquilo poderia acarretar de diferente na minha vida.