Era finalmente sábado, o resto da semana havia sido relativamente calmo. Jill continuou falando comigo, mas ainda parecia sentir algum receio sobre eu perguntar a respeito da nossa conversa na segunda. Eu decidi sequer pensar mais nisso. Na sexta ela não havia aparecido na escola e uma parte de mim sentiu preocupação. Enviei uma mensagem perguntando se ela estava bem quando as aulas acabaram, mas ela não me respondeu.
Erika e eu saímos para correr e encontramos James começando a corrida dele quando estávamos voltando. Nos convidou para almoçar com ele e seus pais, mas pretendíamos ter um dia em família porque Alex tinha uma viagem marcada para segunda. Tínhamos acabado de almoçar e eu estava na sala vendo um filme qualquer, Alex estava no pequeno estúdio que tínhamos e Erika estava na cozinha preparando um dos doces preferidos meu e de Alex para quando fossemos fazer nossa maratona de séries mais tarde.
A campainha tocou e a primeira coisa que me veio a mente foi que James havia resolvido aparecer para passar a tarde aqui. Mas descartei esse pensamento no segundo seguinte; meu amigo jamais usaria a campainha, ele era o tipo que entrava sem bater. Pulei do sofá indo na direção da porta, pude ouvir Erika gritar da cozinha para que eu abrisse e eu respondi que já estava indo logo antes de chegar em frente a porta. Quando a abri tive a surpresa de ver Jill parada de costas para a porta. A moto estava estacionada logo em frente. Ela usava um jeans surrado e os coturnos junto da inseparável jaqueta que notei estar fechada.
– Hey – disse chamando a atenção dela que já estava se virando ao ouvir a porta abrindo.
– Oi – ela disse parecendo levemente surpresa – Eu não tinha certeza se encontraria você em casa – ela falou com um sorriso sem graça erguendo a mão direita até seus cabelos.
– Não tinha planos de sair – falei dando de ombros e abri mais a porta indicando para ela entrar – Algum problema? Você não apareceu ontem e nem respondeu minha mensagem.
– Bom – ela começou com um suspiro e notei que ela não havia aberto a jaqueta como se não pretendesse tirá-la – Aconteceu algo sim, por isso não apareci ontem. Aliás, vim aqui saber se você pode me passar a matéria de Literatura.
– Veio só pra isso? – perguntei curioso quando chegamos até o sofá e ela se sentou em uma ponta enquanto eu me sentava na outra.
– Ok…Não, não foi – ela disse com um suspiro cansado; a encarei mais atentamente e notei olheiras fundas e uma expressão exausta – Eu queria te pedir um favor.
– Eu achei que tivesse vindo por causa de uma coisa que eu havia prometido – falei ficando realmente confuso, mas acabei tendo de rir da expressão ainda mais confusa que surgiu no rosto dela – Achei que você tinha vindo aqui pra conhecer as minhas mães, Jill. Não foi isso?
– Merda! Eu tinha me esquecido disso – ela falou realmente parecendo ter se esquecido completamente sobre esse assunto – Elas estão aqui? – ela perguntou parecendo ficar ainda mais ansiosa do que já aparentava – Puta que pariu – pude ouvir ela sussurrar enquanto olhava em volta tentando ver uma delas – Não foi por isso que eu vim, apesar de eu querer que tivesse.
– Jill – a chamei fazendo-a direcionar seus olhos verdes para mim – O que foi que aconteceu? Porque você está aqui exatamente?
Mal terminei minha pergunta e vi algo se mover pode dentro da jaqueta dela. Encarei com meus olhos levemente arregalados por trás dos óculos e ergui a mão direita apontando para a jaqueta que voltou a se mover. Vi ela suspirar ao notar minha reação e começar a descer o zíper.
– Vim te pedir um favor – Jill começou a falar enquanto sua regata branca começava a aparecer, mas ela não foi a única coisa que surgiu de dentro da jaqueta aberta – Foi por isso que eu vim.
Havia uma pequena bola de pêlos enrolada contra a camisa de Jill. Pelos brancos e cinzas misturados e que se moviam. Não demorei a notar as pequenas orelhas e, logo depois, as patinhas se esticando pela regata dela como se tentasse escalar o tecido. O filhote de gato estava tentando subir pelo troco de Jill como se quisesse atenção. Ela abaixou o rosto sorrindo para ele enquanto o pegava e desgrudava as pequenas garras do tecido de sua blusa segurando-o com uma das mãos para terminar de abrir a jaqueta com a outra.
– Você nunca disse que tinha um gato – comentei como um idiota, mas no momento eu estava tentando entender o porque dela estar com um filhote de gato no colo.
– Eu não tinha, bom… eu tenho a pouco tempo – ela disse suspirando e, distraidamente, acariciando a cabeça do gato – Eu já te disse que tenho um trabalho de meio período certo?
– Já, você comentou algumas vezes sim – falei me recordando dela comentar sobre esse trabalho que, pelo que eu lembrava, começava depois do horário da escola.
– Bom, eu trabalho até perto da meia noite – ela contou parecendo desconfortável com ter que se explicar pra mim, mas mesmo assim continuou – Faz quase 10 dias que, quando saí, encontrei uma caixa perto da minha moto no beco atrás da loja onde eu trabalho. Eu achei ele lá, estava morrendo de frio e fome, não consegui deixar ele e o levei pra casa. Estou cuidando dele a uns dias sem meu tio saber, não que ele não goste de animais, mas… – ela fez uma pausa como se tentasse decidir o que ou como deveria me falar o que viria a seguir – Digamos que não estamos passando por uma situação financeira muito boa no momento, ele não deixaria termos uma despesa a mais com um animal, mesmo se eu garantir pra ele que isso sairia exclusivamente do meu salário.
– Se você já vinha cuidando desse gato a dias, porque veio me pedir um favor só agora? – perguntei confuso.
– Dude – ela disse parecendo incomodada com eu ter chamado ele apenas de “esse gato” – O nome dele é Dude – ela disse se ajeitando no sofá – Olha, Arthur, eu juro que se tivesse como eu não estaria aqui e teria lidado com tudo sozinha como sempre fiz. Mas eu meio que não tive uma escolha, ok? E você me disse um dia que nós éramos amigos e que eu não precisaria me importar em pedir sua ajuda se precisasse. Pois bem, eu preciso agora.
– Jill eu nunca disse que não te ajudaria – falei me aproximando mais dela e desencostando as costas do sofá para ficar de frente a ela – Eu só estou tentando entender porque agora e o que aconteceu.
Ela desviou o olhar de mim encarando a mesa de centro da sala. O filhote a estava encarando fixamente e, quando ela ficou tempo demais na mesma posição, ele voltou a tentar escalar a roupa dela para chamar sua atenção. Ela soltou um suspiro cansado e o fez descer antes de deixar suas mãos acariciarem os pelos enquanto voltava a me encarar.
– Ele esteve e ainda está meio doente a alguns dias – ela contou encarando o filhote que estava ronronando baixinho com o carinho – Eu fiz algumas horas extras nos últimos dias. Minha sorte é que meu chefe gosta de gatos, então me deixa levar ele pro serviço enquanto estou lá. Meu tio está trabalhando de manhã então não tem problema ele ficar em casa cedo, mas a tarde eu levo ele comigo pra que ele não descobrisse. Com as horas extras que consegui eu pude leva-lo num veterinário ontem, por isso faltei as aulas – ela contou voltando a me encarar – Só que quando eu voltei da clínica encontrei com meu tio em casa. Ele tinha voltado mais cedo do trabalho, viu o Dude. Bom, nós brigamos feio e eu não voltei pra casa ainda.
– Você quer deixar o Dude aqui até se acertar com seu tio, certo? – perguntei num tom calmo para não parecer que eu a estava interrompendo de forma brusca demais – É esse o favor que veio me pedir não é?
– Sim – ela disse soltando um suspiro mais longo – Não vai ser por muito tempo, prometo. Só preciso ir conversar com meu tio. Não quero levar o Dude de volta porque não sei como vai ser a reação dele. Você faria isso? Pode ficar um dia ou dois com ele pra mim? – ela perguntou com certa expressão de esperança pairando seu rosto.
Obviamente eu não iria negar, era um favor simples e eu não tinha nenhum problema com animais, nem Alex e Erika tinham. Não haveria problema nenhum pra mim ficar com o gato por alguns dias até ela se resolver com o tio. Mas eu não tive tempo de responder a ela que sim. No instante em que eu sorri e iria responder a voz de Erika veio da cozinha fazendo Jill arregalar os olhos e ficar paralisada no sofá. O que me fez rir de verdade porque ela estava, literalmente, em choque.