Vontade Ferrenha.

Capítulo 26

Clarice deu um largo sorriso ao mesmo tempo em que observou a expressão surpresa de Layse.

– Já te conheço muito bem. Sem contar que você está nesta idade em que os jovens transam como se o mundo fosse acabar. Masturbam-se horrores porque o sexo nem sempre é tão constante como gostariam.

– Ontem estava mesmo para explodir, como estou todos os dias, acertou nisto. Por isto fiquei, mas enquanto estava acontecendo só pensava na Valentina. Ela não sai da minha cabeça. Isto me deixa cada vez mais consumida.

– Layse? Olha aqui uma coisa, a sua história com a Valentina apenas começou. Quando ela vier de vez para Cielo veremos o que vai acontecer.

– Eu penso nisto todos os dias. Tipo como vai ser quando ela vier.

– Exatamente. Vou te dar um conselho. A Valentina é uma mulher moderna, portanto, ela não é nenhuma santa, como também não é uma pecadora. Aproveita a vida no que faz ela muito bem. Isto não é novidade nesta cidade, o povo comenta essas coisas e já ouvi alguns comentários de que ela passa mais tempo sozinha do que namorando. Vocês tiveram intimidades e por mais que sexo não prenda ninguém, um sexo bem feito, ah, filha, marca muitos pontos.

– Acho que ela ficou comigo, porque eu a deixei na mão antes. Quase transamos, mas ela foi tão antipática, só faltou me chamar de fedelha. Por isto preferi deixá-la na mão.

– Ah, deixou-a na mão antes? Isso você não me contou. Então marcou ponto. Fez muito bem, Layse.

– Acha que marquei ponto? Não sei não, ela ficou foi muito furiosa. Já estava quase chegando lá, se é que me entende.

– Sei sim, estava quase atingindo o orgasmo. Vai por mim, ela não vai te esquecer. Bancar a difícil não foi nada mal. Você ficou na cabeça dela.

– Isto foi antes, mas depois fui até o fim.

– Tudo bem, mas antes você a deixou desorientada. Para atrair a Valentina vai ter que ser muito inteligente. Ela não é boba e é exigente com essa coisa de namoro.

– Ah, então lascou. 

– Lascou nada, você mexe com ela. Vou ser muito sincera agora.

– Uai, seja então, por favor!

– É possível que a Valentina tenha receios de envolver-se com você por ser mais nova. Também pelo pai dela ser o seu padrinho. Essas coisas pesam. Ela também pode não ter certeza dos próprios sentimentos.

– Quando estava na cama comigo ela esqueceu completamente da minha idade.

– Imagino bem o motivo. Essa mulher que você ficou ontem foi você que a procurou?

– Eu não, não procuro ninguém. Foi ela que veio atrás de mim quando estava na praça.

– O tempo da paquera parece que ficou no passado. Agora as mulheres pulam em cima e pronto.

– Hahahahaha, foi assim mesmo. Ela queria, aproveitei mesmo.

 – Fez muito bem. Experiência é sempre bom, afinal, a Valentina é experiente. Você precisa extravasar. Quando ela voltar e se der conta de que você não está esperando por ela, vai ficar cabreira. Nenhuma mulher gosta de ser deixada de lado, ser esquecida ou desprezada. Sei que você me entende.

– Entendo é muito bem o que está falando. Ela já me perguntou se as lésbicas da cidade dão em cima de mim. Disse até que elas iriam querer se aproximar com o passar do tempo.

– Viu? Ela sabe que você tem os seus encantos. Você é bonita e já reparei que essas lésbicas te olham mesmo com os olhos compridos. Por aí já dá para perceber como a Valentina é esperta, ela sabe das coisas. Vai chover mulher na sua horta.

– Uai! Não quero chuva de mulher coisa nenhuma, Clarice. Eu só quero…

– Só quer a Valentina, já sei, já sei, “mas quem não tem cão caça com gato.” Quem é a mulher que você ficou?

– A Claudia, filha do vereador.

– Ah, sim! Faz sentido. Aquela nunca escondeu que queria dar para você.

– Por favor, Clarice! Assim fico sem graça.

O rosto de Layse ficou de fato corado ao ouvir aquilo.

– Não perca tempo com pudores desnecessários. A Claudia estuda na mesma faculdade que a Valentina, sabia disso?

– Sabia sim. Ela mencionou que a Valentina contou que transou comigo.

– Hum, sei. Esta tudo explicado então.

– O que esta explicado?

– Essa Claudia não é nada boba, Layse.

– Como assim?

– Estou vendo que você não se deu conta do que se passou. O que aconteceu me parece óbvio. A Claudia já te deu muitos sinais e você ignorou todos eles.

– Sim, ignorei porque amo a Valentina.

– Claro, mas veja bem. A Valentina revelou a ela que vocês foram para a cama. Aposto que não fazia a menor ideia de que a Claudia já estava de olho em você. É verdade que não sabemos se a Valentina entrou em detalhes ao contar os fatos, mas isto não importa agora. Foi por isto que a Claudia partiu para cima de você mais confiante.

– A Valentina não deveria ter contato. Só isso que eu acho.

– Ela também tem o direito de desabafar. Você contou para mim e para a Isadora.

– Sim, contei porque confio em vocês. Pelo jeito a Claudia não é tão amiga da Valentina quanto ela pensa.

– Claro que não é. A Claudia é muito sagaz, isto sim. Fique de olhos bem abertos. Não gostei nada disto.

– De ela ser tão sagaz?

– Não, de ela trair a confiança da Valentina transando com você pelas costas dela.

– Ah, mas as pessoas não são assim? Não vivem traindo umas às outras? Não é mais novidade, Clarice!

– Não é mesmo, mas aproveite para aprender mais com tudo isto. Agora vai lá chamar o Isaque, por favor. Ele deve estar doidinho por um café. 

– Claro!

Layse saiu para chamar o rapaz e Clarice ficou sorrindo sozinha com a xícara de café na mão.

 

No final do mês Layse e Ceição se mudaram para a casa de Clarice. A senhora, boa que só, recebeu Ceição em sua residência sem ressentimentos. As pessoas acumulam mágoas porque não amadurecem o suficiente para entender que mágoa é uma ferida aberta. Uma ferida deve ser curada, e não alargada. Já Clarice era uma mulher vivida, que passou por sofrimentos, os maiores foram a perda dos seus entes queridos. Já não tinha parentes vivos, só umas primas que nunca a procuraram nem para saber se estava viva ou morta. Agora, cada ano de vida a mais era lucro e ela não preenchia os seus dias com sentimentos negativos. Até mesmo por isto, a convivência das três na casa foi desde o primeiro dia tranquila, sem que nada alterasse o comportamento de Layse no trabalho. Pelo contrário, morando na casa passou a trabalhar mais. Além de Isaque, Clarice contratou mais dois rapazes que faziam os trabalhos mais pesados. Os legumes, hortaliças e as frutas chegavam cedinho aos sacolões e supermercados.

                Layse recebeu o resultado do exame de DNA das mãos do próprio Salomão. Sentindo-se vitoriosa por ser mesmo filha de Agenor, tirou uma cópia do exame anexando-o no quadro de avisos da escola. Logicamente foi chamada à diretoria, onde recebeu uma reprimenda da diretora. Nem a bronca foi capaz de diminuir sua alegria, já que os alunos chegaram a ler o resultado, pois fez questão de espalhar que todos precisavam ler uma coisa muito importante no quadro de recados. Curiosos, ela só fez rir enquanto eles se amontoavam para ler o exame que anexara explodindo de orgulho.

Nas semanas que se seguiram, as rosas e as violetas continuaram crescendo cada vez mais lindas no quintal de Clarice. A cada remessa que entregavam mais pedidos chegavam. A plantação de milho aumentou porque Layse teve a ideia de criar a festa do milho na cidade. Aquele foi o primeiro ano que fizeram o evento vendendo milhos de todas as formas em barracas cedidas pela prefeitura que abraçou a ideia passando a divulgar em toda a região a festa do milho em Rocas de Cielo. Layse estava se tornando cada vez mais empreendedora e suas ideias acabavam se tornando um grande sucesso. Chovia dinheiro na conta bancária de Clarice e mulheres na vida de Layse. Cada vez mais elas a assediavam, porque Claudia contou para algumas amigas como Layse era gostosa demais. A informação correu no meio lésbico da cidade, ao ponto de Layse começar a se sentir incomodada com tantas cantadas que recebia. 

O Bar de Juarez Silva foi fechado para uma reforma. Reabriu surpreendendo a todos os frequentadores. O atendimento aos clientes passou a ser outro, além da reforma completa, o antigo local nos fundos onde os jovens tinham que beber escondido não existia mais. Também os ratos desapareceram. O espaço foi aberto, ficando amplo e agradável. A maioria dos jovens da cidade continuava bebendo lá porque Juarez agora era uma delicadeza de pessoa com cada um deles. Os antigos beberrões de cachaça que viviam por lá desapareceram. A nova clientela de nível elevado aderiu ao estabelecimento revitalizado que recebeu outro nome. O antes “bar do Juarez” passou a chamar-se “Taberna Silva”. Layse se tornou frequentadora do bar, e provavelmente era uma das clientes mais especiais para o proprietário. Além de tratá-la muito bem, Juarez contava para os comerciantes que frequentavam o bar quando tomava umas e outras a mais, da bronca que tinha ganhado dela. Era gentil, a ponto de sentar-se à mesa e bater longos papos com os frequentadores. Gostava de sentar-se à mesa de Layse também para conversar com ela. Costumava até tomar ideias sobre novas melhorias para o bar. Respeitava demais suas opiniões. Layse sugeriu que ele comprasse uma máquina de tocar músicas com fichas para bar. Garantiu que com o tempo, a venda das fichas cobriria o custo da mesma e passaria a dar muito lucro. Aconselhou-o ainda a entrar para a “Associação Brasileira de Licenciamento Fonográfico”, para não vir a ter problemas com os direitos autorais das músicas futuramente.

– Uai, isto quer dizer vou ter que pagar para tocar as músicas aqui no bar, Layse?

– Claro que vai, Juarez. As músicas não são suas ou são?

– São não, mas já pago tantos impostos. Que vida essa minha.

– Não reclame, homem, tem de ser. Se não pagar a licença poderá vir a ter problemas. Não acho aconselhável andar fora da lei, ainda mais que o seu bar agora tem até fila de espera para as mesas. Invista e vai ver o sucesso que a máquina vai fazer aqui. Muitas delas agora já são digitalizadas.

– Então vou fazer umas pesquisas para saber o preço desta máquina e ver essa situação de me licenciar nesta Associação o quanto antes. Obrigado pela sugestão.

– Disponha Juarez. Ainda vai me agradecer.

– Deus te ouça, Layse! Deus te ouça! 

A notícia da transformação e do sucesso do bar de Juarez além de ter se tornado do conhecimento de todos com o passar dos meses, também chegou às cidades mais próximas de Cielo. Agindo totalmente em segredo, alguns comerciantes da região começaram a procurar Layse para pedir sua ajuda. Quando os comerciantes começaram a procurá-la, Layse estranhou, mas o dinheiro que ofereciam não tinha como ser recusado. Layse ia a supermercados, a casas noturnas, bares, restaurantes, lojas, até em hotéis e motéis nos finais de semana e a única coisa que precisava fazer era relatar tudo que achava inapropriado, a forma como era tratada nos estabelecimentos pelos funcionários, dando suas ideias para futuras melhorias. Suas despesas eram todas pagas, assim sendo, aquilo para Layse se tornou uma espécie de lazer.

Todo o dinheiro que recebia, e não era pouco dinheiro, ia sendo depositado na primeira conta poupança que abriu. Nunca antes tinha lhe sobrado dinheiro para guardar. Até mesmo uma parte do salário que recebia pelo trabalho na casa de Clarice era acumulado. Agora recebia um bom salário. Não tendo mais que custear o sustento de uma casa, seus problemas com dinheiro findaram. Com isso Layse se sentia encorajada a trabalhar cada vez mais. Até a sua autoestima deu um salto.

Terminou o segundo grau, passando com ótimas notas na prova do Enem. Fez a inscrição na faculdade começando a estudar como planejara fazer pela internet. Já estava perto de completar dezoito anos e tinha uma vida financeira estabilizada. O que Layse queria agora era comprar um carro.

Quando completou dezoito anos, um empresário de São Paulo ouviu a história da jovem que transformou a vida de um dono de bar na cidade de Rocas de Cielo, tornando o homem praticamente rico. Após ouvir os relatos do viajante com grande atenção, Matias Reis, decidiu viajar até Rocas de Cielo para constatar a veracidade dos fatos. Precisava conhecer o bar mais famoso da cidade. Uma das coisas que o surpreendeu foi o sucesso que a máquina “Jukebox” fazia com os jovens frequentadores do bar. Eles chegavam a fazer filas para escolher as músicas do seu agrado. Chovia dinheiro com a venda das respectivas fichas, o que fazia o orgulhoso Juarez sorrir bonachão cada vez que abria a caixa registradora vendo-a se enchendo de notas. Assim que constatou que o bar do Juarez vivia apinhado de jovens, Matias quis logo entrar em contato com Layse.

Continua…



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