Retornando àquela noite na fazenda…
– Me perdoe, Olívia. Eu sei que eu… que eu fiz você sofrer, mas eu não podia, naquele momento. Eu tinha que me afastar de tudo para saber o que fazer. Eu tinha tomado minha decisão, pouco antes de você e Pepa chegarem.
– Não, Eva. Eu entendo você. Só não consigo viver nessa gangorra de insegurança e emoções. Eu não dou conta. Eu não quero viver me escondendo. Cada vez que ceder a isso, estou reprimindo algo em mim que me machuca. Não quero que ache que é falta de amor, só… só que não posso mais.
– Não acho que é falta de amor. Aliás, você foi uma das pessoas que mais demonstrou sentir amor por mim. E sei que, nessa loucura da minha vida, eu afetei você de alguma forma. Não me arrependo de ter feito o que fiz, mas sei que teriam outras alternativas, apenas não consegui enxergar.
Eu larguei o corpo no sofá. Não tinha mais forças. Fiquei muda. Eva se levantou e se encaminhou para o corredor.
– Onde vai?
– Me espera só um segundo.
Fiquei na sala, olhando tudo à minha volta. As coisas estavam sem foco. No entanto, sabia que era a minha alma que estava fora do lugar. Eu estava com um grande buraco negro por dentro. Comparava àquilo com o sentimento de dias sem comer. Era uma sensação de estar diante de uma mesa enorme com vários alimentos, mas nenhum deles saciaria minha fome. Alguns minutos depois, Eva retornou com uma bacia na mão e algumas coisas pousadas nos ombros. Se aproximou e foi quando vi que tinha água fumegante dentro dela.
– O que é isso?
– Isso é algo para você não pegar uma pneumonia. Estou fazendo à moda antiga. – Sorriu. – Tira esses tênis molhados do pé.
Aquilo me parecia surreal, mas tirei os tênis, como ela pediu.
– Agora põe os pés na água quente e só tire quando ela não estiver mais aquecendo você. Depois enxugue e vista essas meias. Vou buscar umas pantufas para você calçar depois.
– Eva, a gente tem que conversar.
Falei descrente no que ela estava fazendo. Era como se o que eu tivesse falado, não tivesse chegado aos ouvidos dela.
– Eu sei. E vamos conversar, mas não quero que pegue uma pneumonia. A gente conversa, enquanto você se esquenta.
Saiu, novamente, retornando com um par de pantufas forradas com lã. Colocou do lado da bacia e sentou-se ao meu lado. Pegou a taça de vinho e deu um grande gole.
– Agora a gente pode conversar. Diga o que quer fazer, Olívia. Eu vou escutá-la, mas depois gostaria que me ouvisse, também.
Esse foi um momento difícil para mim. Meu coração estava destroçado, pois eu iria dispensar a única mulher que eu, verdadeiramente, amei em minha vida. Eu não tinha nenhuma condição psicológica de ficar com o “furacão Eva”. Ela chegou arrasando tudo à minha volta e eu sentia uma adrenalina incrível e gostosa, enquanto estava dentro desse furacão. Mas chegou a hora em que vi que iria perecer diante de sua força.
– Eu não posso mais, Eva. Não vou conseguir te acompanhar. Se ficarmos juntas, eu vou…
Inspirei fundo e prendi o ar em meus pulmões, para tentar conter a dor que me dilacerava diante do que eu iria dizer. Cerrei os olhos que já se enchiam de água. Era como se ficar com ela pudesse me matar e, se saísse desse relacionamento, pudesse promover uma tortura e sofrimento infinito.
Virei meu rosto em sua direção. Ela estava com a cabeça baixa e lágrimas escorriam por seus olhos. Eu deixei que as minhas derramassem também.
– Meu maior arrependimento, nisso tudo, foi ter feito você sofrer. Nunca quis lhe machucar, Olívia, creia-me. Só não consegui controlar meu desespero, ou minha sanidade diante de tudo que me aconteceu. Eu não sabia como agir ou me portar.
– Eva, por favor… – Eu já chorava, descontroladamente. – Eu não estou te culpando por nada. Seu pai, sim. A ele eu culpo.
– É. Mas, infelizmente, não posso culpa-lo pelas minhas atitudes.
– Mas eu posso culpa-lo pelas reações que você teve diante da vida. Foi um grande canalha e escroto. Antônio Gallardo minou você durante anos. Foi um grande “puto”, isso sim. Se vendia para quem oferecesse algo de vantajoso. Se tornou um homem vil e mesquinho. Seu pai só pensava nele.
– Talvez eu tenha desencadeado isso nele…
– Nunca teve a ver com você e com a descoberta de sua sexualidade. Ele usou disso para dar uma desculpa ao péssimo caráter que tinha e dar voz a perversidade que ele trazia dentro dele, assim como meu avô.
– Só que você reagiu diferente. – Ela soluçava.
– Porque eu sobrevivi. A perversidade de meu avô era de soluções imediatas. Naquela noite em que me bateu, vi nos olhos dele prazer ao fazê-lo. Eu não queria acreditar, mas eu vi. Se ele pudesse, me matava na própria casa. Só foi calculista. Achou que eu morreria com as sequelas da surra, e isso aconteceria se alguém não me levasse para o hospital. Seu pai matava você um pouco a cada dia.
– O prazer dele era ver o meu sofrimento.
– Exato. Se não fosse sua sexualidade, poderia ser outra coisa qualquer. Talvez não em você, mas em sua mãe, por exemplo. Você mesma disse que ele começou a bater nela, depois que viu que você se livrou do fardo que ele colocou na sua vida. E meu avô se livrou de minha mãe, depois que soube que eu estava viva e que ela me ajudara.
– Mas seu avô não quis matar sua mãe.
– Porque não teve oportunidade. Eles discutiram diante de empregados. Eu não sei o que seria de minha mãe se eles estivessem sozinhos em casa. Hoje olho para trás e vejo que nada teve a ver conosco. Eram eles e o sentimento doentio e perverso que tinham dentro deles.
Nós chorávamos por nossas dores, nosso encontro e nossos dissabores. Eva se chegou a mim e me beijou de súbito, segurando meu rosto entre suas mãos. O gosto salgado das lágrimas chegava aos nossos lábios. À medida que ela soluçava, eu seguia os passos dela, soluçando com igual intensidade.
– Senhora Gallardo…
Ao escutar Ramona, eu tentei me desvencilhar dos lábios de Eva, numa reação automática para protege-la. A empregada ainda não havia nos visto, pois falara enquanto entrava pela sala de jantar. Eva me segurou firme, forçando a língua em minha boca, me paralisando. Findou o beijo devagar e sussurrou entre nossos lábios.
– Eu não quero mais me esconder… eu não vou mais fazer isso.
Voltou-se para Ramona, que estava parada na outra sala, olhando para nós. Percebia-se que a empregada de Eva estava visivelmente vexada.
– Sim, Ramona.
– É que eu gostaria de encerrar na cozinha. A senhora quer mais alguma coisa?
– Não. Está tudo ótimo. Pode ir.
Quando Ramona se foi, olhei inquisitiva para Eva.
– Eu também não aguento mais me esgueirar para não ser descoberta. O que eu faria daqui para frente? Voltar à minha vida de encontros fugazes, longe daqui? Acho que não conseguiria e minha vida ficaria mais cinza ainda. Foi essa decisão que tomei, antes de você e Pepa chegarem, só não sabia de onde tiraria forças. Agora já sei. Eu te amo, Olívia. Acredita em mim?
– Acredito, mas…
– Olívia. Não pense que não tive muito medo, agora há pouco, mas depois que olhei para Ramona… é tudo tão menor. Tudo tão pior se eu continuar vivendo assim.
“Deus! Será que eu posso confiar? Será que eu posso tê-la perto de mim?” – Pensei por segundos. – “Quantas vezes me arrisquei por algo que achava que valia a pena e, de proporções bem menores do que o que sinto?”
Eu sorri para ela, segurei seu rosto e a beijei. Dessa vez com aquele ardor que me tomava, sempre que tinha a boca de Eva colada a minha. Voltamos a derramar lágrimas, mas, desta vez, por um motivo bem diferente.
Me afastei dela e fiz uma brincadeira, muito sem graça. Esqueci que era tudo muito novo para Eva. Eram brincadeiras que costumava fazer com amigas, mas esse foi um grande deslize meu. Pelo menos, eu achava.
– Agora o nome Gallardo vai ser sinônimo de “sapatão”!
Interrompi a fala. Eva me olhou durante um tempo e esboçou um sorriso de lado.
– Ótimo! Assim o nome dele vai ficar bem marcado na história de Valência. – Riu. – Depois que todo o reboliço acalmar, vou usar o nome da minha mãe. Meu nome todo é Eva Gallardo Vivas e a fazenda Esperanza terá à frente Eva Vivas, não Eva Gallardo.
– Por que não usava o nome da sua mãe? Aqui na Eha todos utilizam o nome do pai e da mãe.
– Meu pai fazia questão que usássemos o nome dele. Dizia que comercialmente era melhor, pois a família de minha mãe é de Peralta, na província de Navarra. Engraçado que, inconscientemente, já utilizava o nome Vivas nas relações comerciais que comecei a travar em Alicante, com os vinhos da minha fazenda.
– Mmm. Não sei se gostei disso.
– Que eu use o nome Eva Vivas?
– Não. Das relações comerciais de Alicante.
Eva me olhou diretamente, com o semblante preocupado.
– Isso quer dizer que você fica comigo? – Perguntou receosa.
– Depende. Quando viajar agora, terá que fazê-lo quando eu estiver disponível para ir junto e trate de vender aquele iate.
Ela gargalhou e eu a segui no riso, beijando-a logo em seguida.
– Eu vendo o iate, se puder comprar outro, você deixa? Eu gosto do mar. Ele me acalma e navegar, me dá a sensação de liberdade.
– Você pode, mas terá que trazer para a marina daqui. Assim, quando quiser ir à Alicante, vamos pelo mar.
– Nossa! Que mulher “mandona”! – Sorriu.
– Só quando tenho que me resguardar. Acha que vou dar mole para a duquesa de Lerma? “Nunquinha”!
– É.
Ela suspirou e senti um ar de tristeza. Em outras épocas, poderia me incomodar com isso, mas não senti ciúmes, ou mesmo insegurança. Apenas uma curiosidade.
– O que foi?
– Você não precisa se incomodar mais com Leonor. Provavelmente, depois que a notícia sobre mim se espalhar, ela não deverá querer se expor. Não esqueça que se nos virem juntas, ela estaria ao lado de uma “sapatão”.
– Não dê muito importância a essa palavra, Eva, senão realmente vai ficar pesado.
– É, você está certa. – Sorriu.
– E depois, não acredito que Leonor corte relações com você. Ela é o tipo de pessoa que tem seus casos escondidos, mas não o tipo de pessoa que evita, a qualquer custo, relações sociais com gays. Sejam comerciais ou de amizade.
– Por que acha isso?
Quando Eva perguntou eu fiquei um pouco sem graça, mas tinha que responder, não tinha jeito.
– Porque quando você me contou, eu fui dar uma olhadinha na internet.
Sorri sem graça. Pelo menos ela não tripudiou, apenas sorriu de leve e deixou que eu continuasse a falar.
– Ela sai em muitas colunas sociais e sempre anda com um camaradinha que é o maior viadinho. Acho que o cara é Dj, sei lá, mas é amigo pessoal dela. Tem um casal de mulheres que são casadas, que também são amigas dela.
Eva chegou mais próximo e enlaçou minha cintura. Passei meu braço sobre seus ombros e a trouxe, quase a colocando em meu colo. Mas estava desconfortável com os pés ainda dentro da bacia.
– Eu acho que a água está ficando fria. Vou tirar o pé que já não tá mais legal.
– Deixa eu ver isso. Espera.
Pegou a toalha e pediu para eu tirar os pés da água. Puxou a bacia e enrolou meus pés.
– Enxuga que eu vou colocar a água fora. Depois coloca a meia.
– “Si, señora”!
Quando Eva voltou, eu estendi os braços para que ela viesse se aconchegar em mim.
– Vem cá. Senta aqui no meu colo. Quero você pertinho de mim hoje.
Ela sorriu e sentou no meu colo de lado, colocando as pernas em cima do sofá e se aconchegando no meu peito. Me beijou na bochecha e apoiou a cabeça no meu ombro, fechando os olhos e curtindo o abraço. Eu sentia uma paz incrível. Era como andar descalça com os pés na grama e uma brisa gostosa da tarde passasse pelo corpo. Não me angustiava mais e, pela primeira vez desde que tudo começou, tive a sensação de que eu tinha um futuro perto de Eva.
– Vai dormir aí? – Mexi com ela e Eva abriu um pequeno sorriso, sem abrir os olhos.
– Não é má ideia. Meu sono anda agitado e acho que se você fosse meu travesseiro poderia dormir bem hoje.
Eu devia estar com cara de idiota, porque não conseguia parar de sorrir. Enfiei a mão por baixo da blusa dela, acariciando o abdômen. Amava dar pequenos beliscões naquela gordurinha que a gente costuma ter ao lado do umbigo. Era implicância, pois Eva detestava. Ela dizia que eu ficava pegando a parte que ela menos gostava do corpo dela. Sabia que era mentira e que ela falava isso para não admitir que sentia cócegas, ali. Ela não conseguiu malograr o riso e tentou afastar minha mão.
– Lá vem você implicar comigo. Não tem lugar melhor pra pegar, não?
Ah, tolinha! Quem mandou ela retrucar. Não podia deixar passar. Ela não me conhecia.
– Tenho.
Falei simplesmente, descendo minha mão e apertando o sexo dela por cima da calça. Ela riu mais alto e se encolheu em meu colo.
– Você é safada!
– E não gosta, não? – Respondi espalmando mais a minha mão, segurando firme entre as coxas dela.
– Isss! – Ela escondeu o rosto em meu pescoço, espremendo-se em meu colo. – Não faz isso, Olívia. Eu tô com saudade de você. É maldade comigo. – Falou rouca.
– Por que maldade? Pode ser bondade…
Deslizei minha mão num vai e vem no sexo por cima da calça e Eva afastou as pernas para facilitar a minha ação. Soltou mais um gemido e parecia não se importar onde estávamos, pois arfava sem se importar com os sons que fazia. Ela nunca havia permitido carinhos maiores em áreas comuns da casa e eu senti uma enorme felicidade. A porta da varanda, que dava para o jardim na parte de trás da casa, estava aberta e a lua aparecia tímida entre os galhos das castanheiras. Olhei para o rosto de Eva e ela curtia o carinho que fazia, mas não era o bastante para mim. Queria ouvi-la gemer, se contorcer de prazer em meu colo e ver seu rosto quando chegasse ao orgasmo.
Abri os botões da calça dela, ajeitando meu corpo e colocando a mão por dentro para tocá-la intimamente. Ela não fez qualquer resistência, facilitando minha incursão no sexo já úmido. Gemi alto, quando meus dedos encontraram as dobras mornas e a abertura dilatada para me receber. Introduzi meus dedos e foi a vez de Eva gemer alto em meu ouvido. Movimentou os quadris para me sentir dentro dela e pediu para que eu mexesse gostoso.
– Senti tanta falta do seu toque… Me faz gozar, Olívia.
A partir dali, nossos corpos se moveram com um único objetivo: dar voz ao nosso amor. Quando senti as paredes de Eva se contraírem e logo após relaxarem, molhando mais abundantemente meus dedos, meu sentimento não foi só de satisfação, mas de uma grande alegria.
Custei a acreditar que algumas horas antes, estávamos prestes a afastar toda essa felicidade de nossas vidas e que tudo estava indo para um buraco. O fato é que a partir deste dia, Eva mudou sua vida e seu comportamento. Não que ela não tivesse seus dias ruins e a sombra do pai ainda não a perturbasse eventualmente. No entanto, incrivelmente a aceitação da filha e, por que não dizer, a possível perda de outro amor, a fez criar forças para lutar pelo que ela era e queria para si.
Foram com estes sentimentos que Eva deixou as prevenções e nós duas éramos constantemente vistas juntas pela cidade e ela não deixava de demonstrar o carinho dela por mim. Nada exagerado, evidente, até porque foram anos de esconderijo e eu mesma não era dada a essas demonstrações públicas, coisa da minha própria personalidade. Apenas não nos furtávamos de dar as mãos quando queríamos, ou nos abraçar e por vezes um pequeno beijo. Os comentários começaram até que a questionaram no conselho do clube, em uma das reuniões. Ela não escondeu e disse que os comentários eram verdadeiros. Não deu muitas explicações e culminou naquela conversa com Ramon.