– Não, senhora! Eu quero que vá trocar de roupa, pra gente sair para jantar. Quero te levar num restaurante de um cliente da tienda. Não fica muito longe daqui.
– Um restaurante?
– É. Eu quero te levar para jantar.
Acho que ela entendeu a minha intenção, pois acariciou meu rosto apreciando. Eu não fazia o estilo de pessoa que ficava falando “eu te amo” e coisas desse tipo. Era um traço meu. Algo como achar que palavras não davam significado a tudo, mas os gestos… Era nisso que eu acreditava.
– Muito bem. Vamos ver esse restaurante que quer me levar. Vou me arrumar. – Me beijou outra vez e saiu para o quarto dela.
Eu havia comprado um vestido para aquela noite. O mais engraçado é que nunca me importei com esse tipo de atitude, porém, cada vez mais, eu me sentia imbuída em agradá-la, ou conquista-la. Um sentido novo que começava a dar à uma relação. Eu queria que ela me olhasse com admiração, não importava a hora, quando ou o dia. Queria que ela sentisse por mim esta admiração em todos os momentos. Olhei o vestido cor cinza-prateado, num tom claro e comecei a achar que tinha exagerado. Suspirei e fui me arrumar.
*******
– Olívia, vamos no seu carro ou no…
Ela entrou na sala e eu estava de pé, olhando uns quadros pendurados na parede, sem saber muito bem o que fazer. Estava ansiosa e apreensiva. Estranhava a forma como eu me vestia, ou mesmo me mostrava para ela. Vamos combinar que vestido não era muito a minha praia e, não sei porque fiz essa escolha. Eu sempre me sentia um ser de outro mundo quando usava vestido. Eva se aproximou, me observando sem nada falar. Me senti nua.
– Você está linda! – Ela sacudiu a cabeça. – Desculpa, não é que não ache você linda, eu acho. Mas você… você não se cansa de me surpreender e devo dizer que com surpresas muito boas.
Ela abriu um enorme sorriso e eu… bem, eu estava sem graça, mas muito contente.
– Vamos?
Perguntei na impossibilidade de responder ao comentário dela.
– Vamos. No meu ou no seu carro?
– Vamos no seu, mas eu dirijo. Sei o caminho. E, a propósito, você está maravilhosa como sempre. – Sorri.
Ela se chegou, enlaçando minha cintura e falou no meu ouvido.
– O ruim de se namorar uma mulher é que quando a gente sai, não pode nem dar um beijo.
– E por que não?
Virei meu rosto em direção à ela.
– Vai querer voltar para o quarto para retocar a maquiagem? Mas me aguarda quando a gente voltar…
Se virou e saiu pela porta da frente. Eu balancei a cabeça, rindo. Ela estava ótima! Eu achava que, dali a pouco, eu é que não seguraria essa mulher.
***
– O lugar é muito bonito, Olívia. Você tinha razão.
– O dono é um dos meus clientes mais fiéis. Ele diz que uma boa culinária se faz com bons produtos e que eu forneço os melhores. Tá que pode ter sido uma pequena bajulação por conta dos descontos que pede. – Ri – Mas outras pessoas me falaram do restaurante dele e disseram que o atendimento é ótimo; fora que é um lugar bonito.
– Realmente, é lindo. Todo esse jardim em volta, conservado nessa época do ano… Ele deve ter uma estufa para trocar essas plantas.
– É. Ele diz que é uma das marcas do estabelecimento dele. E vamos combinar que essa meia-luz dá um ar muito legal ao ambiente.
– Sim, eu gostei…
De repente, Eva parou de falar e ficou reparando na porta de entrada. Eu estranhei e me virei. Paralisei também. Pela porta entravam Lúcia, Lito, Pepa e o tal do Alonso, que era aquele conhecido de Eva e que eu tinha minhas restrições. Pelo visto, Lúcia estava “pegando” o indivíduo mesmo.
Lúcia foi a primeira a nos ver e me sorriu. O tal Alonso seguiu o olhar dela e sorriu para Eva. Vieram em nossa direção.
– Nossa, que legal, mãe! A Olívia te tirou da toca. Que coincidência!
Eva levantou para beijar a filha e cumprimentar a todos. Eu a segui no gesto. O conceito de “saia justa” nunca se encaixou tão bem na minha vida, como naquela hora.
– É filha. A Olívia comentou sobre esse restaurante e resolvemos conhecer.
– Você está ótima, Eva. Precisamos marcar para você me contar as novidades.
– Com certeza, Alonso. Agora as coisas estão melhorando e podemos marcar, sim.
Lúcia e Lito vieram me beijar. Ela sorria, e garanto que ela iria mexer comigo depois, só pelo tipo de sorriso que ela deu.
– Como vai, senhora Gallardo? – Lúcia a cumprimentou, com um sorriso sincero. – Espero que bem. Deixe-me apresentar meu enteado.
– Seu enteado?
Eva inquiriu olhando para mim. Encolhi ligeiramente os ombros. Nunca conversamos sobre o Lito e sua relação comigo. Não tinha sido por mal.
– Sim. Ele é filho do meu ex-marido. – Lúcia respondeu, sem muita explicação.
– Nós podíamos sentar todos juntos. – Pepa sugeriu.
– Eu e Olívia já pedimos o jantar e acabará chegando antes do de vocês. – Eva tentou se esquivar.
– Ora, Eva, posso pedir para o “maitre” atrasar um pouco os pratos de vocês para que possam se sentar junto conosco. Não acredito que haverá problemas. E assim, colocaremos os assuntos em dia.
Não eram os meus planos para aquela noite, mas até que não achei má ideia. Queria saber quem era esse sujeito.
– É uma ótima ideia, senhor Afonso…
– … Alonso.
– Ah, mil perdões. Senhor Alonso.
Eu não errei o nome dele por sarcasmo. Muitas vezes, trocava o nome de pessoas que não me eram muito agradáveis. Parecia até implicância, mas não era. Como se algo misturasse na minha cabeça, numa hora como aquela. Vi Lúcia segurar o riso e olhar para baixo e, quando reparei, Eva fazia o mesmo. O que é que tinha acontecido com essas mulheres? Se aliaram contra mim?
Eva pediu licença e foi à toalete. Senti que ela não ficara muito bem. Segurei minha onda para não ir atrás dela. Sentamos todos juntos. Tempos depois, Eva retornou da toalete e eu havia deixado um lugar entre eu e Pepa para que ela sentasse.
Acreditem, a noite foi mais agradável do que poderíamos imaginar. Uma hora eu observei a mesa, calada. Eva ria com a filha, conversava com Alonso, descontraída, e interagia com Lito e, algumas vezes, até mesmo com Lúcia. O tal do Alonso era um homem agradável e via a interação dele com Lúcia, reparando o cuidado que tinha com ela.
“ Quem diria…” Pensei. Isso não retiraria toda a prevenção de Eva com relação a Lúcia e nem a minha com relação ao tal do Alonso, mas já era um grande começo. Pela primeira vez, Eva conversava com o Lito. Mesmo já tendo falado com ele na época que estava no hospital, mas não era a mesma coisa. Naquele tempo, Eva não se encontrava no equilíbrio de suas emoções. Achei engraçado que ele se esforçava para não soltar o seu linguajar, engolindo os “porras”, “caralhos” e toda gama de gírias e palavrões que costumavam fazer parte da linguagem dele. Creio que foi para não ficar mal com a sogra e com o namorado de Lúcia. Ele, mais uma vez, “deu mole” para mim. Na primeira oportunidade que tivesse, cairia na pele dele. Ao final, nos despedimos e imaginem: eu dei beijinho no Alonso e Eva em Lúcia.
Pegamos a estrada de volta e, em vinte minutos, eu poderia entrar na casa da fazenda e “cair de boca”, literalmente, nos lábios de Eva. Estava morrendo de saudades dela toda só para mim.
– Gostou do Alonso?
– É um cara agradável.
– Ele é um dos poucos homens decentes que conheço. Eu fico rememorando minha vida e me pergunto se eu não tenho um atrativo para pessoas dissimuladas.
Olhei de rabo de olho para ela. Onde ela queria chegar com essa conversa?
– Sim. E? – Estimulei que continuasse.
– Alonso fazia esgrima comigo, apesar de ser mais velho e estar em categorias acima da minha. Era filho de um dos sócios novos do clube. Filho de comerciantes. Quando meu pai anunciou o casamento, ele tentou falar comigo. Lógico que meu pai proibiu. Não queria que eu tivesse contato com ninguém, antes de me casar.
– Mmm. Entendi. Ele é de uma família de novos ricos, cujas famílias tradicionais aceitam pelas relações comerciais, mas não tem apreço.
Vi Eva rir de lado, mas continuava a olhar para frente.
– É isso. No entanto, foi o único que se preocupou comigo e com o que eu estava passando. Logo depois do casamento, ele me procurou. Se enraiveceu com o que havia acontecido comigo.
– Ele sabe o motivo de seu pai ter casado você?
– Nunca falei. Na época, eu sentia vergonha por tudo que me acontecia. No entanto, não era isso que importava para ele. Ele se indignou pelo simples fato de meu pai me forçar a um casamento indesejado.
– Ele gostava de você? Quer dizer, vocês já…
– Não! – Ela gargalhou. – Você está me saindo uma ótima ciumenta, mesmo que diga que não.
– Não estou nada, engraçadinha. É só precaução. – Falei e ri.
– Ele tinha uma namorada e era apaixonado. Se casou com ela tempos depois. Nossa relação nunca foi por esse caminho. Acho que, por isso, eu o considero tanto.
– Por que está me falando essas coisas?
– Por que vi sua cisma com ele em relação à Lúcia. Se está preocupada com ela, não fique. Como disse antes, ele era apaixonado pela esposa. Ela tinha um mal congênito no coração e faleceu há cinco anos. Depois que a mulher dele morreu, nunca o vi tão solto e admirando tanto alguém. Fique tranquila. Ele é um bom homem.
– É. E com um filho babaca.
– O quê?
– Ah, deixa para lá, Eva.
Eu me esconjurei de ter soltado aquela frase. Eva não precisava de mais problemas.
– O que sabe do filho de Alonso?
– Nada, Eva. É um problema dele.
– Olívia, ainda não nos conhecemos bem, mas vou falar um pouco sobre o que gosto e o que não gosto. Sabe uma das coisas que me deixa mais irritada?
– Ok! Ok. Já entendi.
Estacionei e saímos do carro. Entramos na casa e ela parou no meio da sala, me observando. Eu mirei seus olhos e vi que não dava para voltar atrás e nem contar uma historinha qualquer, mesmo que fosse para poupa-la. Sentei no sofá e comecei a contar toda a história que envolveu Lito, o garoto e Pepa. Ela escutou e vez ou outra, soltava uma expressão de eto. Ao final, levou a mão ao rosto e espremeu os olhos com a ponta dos dedos.
– O que Rodrigo anda pensando?! – Falou irritada. – Ele está perseguindo minha filha? Deus, a Pepa está…
– Calma, Eva. O Lito não deixou passar. O garoto entendeu o recado e se tivesse acontecido algo, o Lito me procuraria.
– O pai dele se esforça para cria-lo. Deu tudo que pôde e o ama, além da conta.
– Talvez seja esse o problema.
– O quê?
– Eva, aprendi com a vida que tudo em exagero faz mal. Seja para o corpo ou para o espírito. Comer demais faz mal, fazer exercícios demais faz mal, não fazer atividade física nenhuma, faz mal. Com a mente é o mesmo. Se você dá mimos demais, faz mal. – Falei, displicente. – O amor deve ser incondicional, mas não irracional. Alguma vez, você negou coisas para sua filha por ver que ela queria aquilo por pirraça?
– Claro que sim!
– Pois é. Pelo visto seu amigo não negava nada, nem quando o filho fazia pirraça. Ele não sabe escutar não. Sua filha não quer nada com ele e ele quer a força, independente da vontade dela ou de qualquer um. Quando fazem algo que o contraria, esperneia e tenta por meios escusos virar o jogo. Esse garoto não admite ser contrariado.
– O Alonso sabe disso?
– Não conversei mais com Lito para saber a quantas anda, mas acredito que sim. Senão, conhecendo o pouco que conheço de Lito, não estaria na mesma mesa que Alonso. Eu não estive com Lúcia por esses dias para saber mais sobre isso, também. Aliás, nem havia conversado com ela, pois o Lito que ficou de falar.
Eva me olhou, durante um tempo sem nada falar. Ela tinha ar de curiosidade no semblante. Depois soltou a bomba.