Carmem seguiu para a empresa pensando que a vida a dois que Marcela decidiu ter com ela tinha começado mal. Se iria viver com ela queria uma convivência agradável. Não sentia mais tanta raiva por ela ter se aproveitado da sua situação. Não sabia por que, mas o fato não a perturbava como no início. De que adiantava ficar remoendo aquilo ou acusando-a? A vida era valiosa demais para deixar de vivê-la intensamente. Era só nisto que queria pensar. Ligaria para Marcela a tarde para fazer uma massagem no ego dela. Ela que não inventasse de ficar com raiva porque queria transar à noite.
Maria Dantas estava fazendo uma revolução geral com a sua equipe poderosa quando chegou. Trabalhavam como nunca tinha visto outro grupo produzir.
Às duas da tarde Maria parou diante da sua mesa abrindo um sorriso, questionando:
– E o nosso jantar? Que tal hoje?
– Iria se pudesse, desculpe. Não leve a mal porque não é pessoal.
– Hummmm! Não se pertence mais. Que bom que encontrou a sua outra metade. Até amanhã então!
– Até.
Ficou pensando confusa nas palavras dela. “Não se pertence mais.” Será que não se pertencia mesmo?
Pegou o telefone conferindo o número na agenda. Ligou anunciando seu nome. Enquanto esperava imaginou se Marcela faria a desfeita de não atendê-la.
Pensava distraída quando ouviu a voz de Marcela.
– Alô? Carmem? Aconteceu alguma coisa?
– Não.
– Você está me ligando, por isto estou estranhando.
– Não é que estou aqui na empresa e tenho um tempo livre agora. Estava pensando se a sua raiva já teria passado.
Explicou num tom que embora tenha tentado disfarçar, soou ansioso.
– Por que estava pensando sobre este assunto?
– Bem, ontem à noite você dormiu com raiva de mim…
– Você está enganada, dormi muito bem depois que me fez gozar.
– Foi? Mas, hoje pela manhã…
– Tinha uma reunião inadiável e quis dar uma carona para Giana. Sei que estou em débito com você.
– Pensei em te ligar também porque você se queixou que falo pouco. E hoje, confesso que acordei um tanto fogosa.
– Excitada, eu percebi.
Carmem sorriu se justificando.
– Não leve a mal. Não costumo ser tão óbvia.
– Não levei a mal, Carmem. Não precisa se explicar. Achei muito agradável te ouvir falando do seu estado matinal.
– Sim, eu ontem adormeci logo, estava cansada depois do longo dia. Fiquei sozinha na cama está manhã, acho que você não percebeu porque estava com pressa.
– Percebi que você estava querendo abrir as pernas para mim. Pena que não pude ficar.
Carmem olhou para a janela brincando com a caneta entre os dedos.
– Você sempre vai falar assim? Acho tão…
– Tão?
– Abrir as pernas, isto é tão esquisito e frio, assim me soa. Fico pensando que quer me chocar. Eu não sou reprimida, nem sou de ficar horrorizada com o que ouço, mas você poderia ser um pouco mais…
– Mais o quê? Por que eu iria querer te chocar?
– Você sabe, custa ser branda com as palavras? Mais jeitosa, talvez, menos direta, quem sabe. É muito difícil ser mais doce?
– Está querendo que eu me contenha? Que fale tipo: Carmem? Posso te falar coisas picantes? Vou te ofender se te chamar de gostosa, de sexy? Não tenho sido carinhosa o suficiente para você?
– Estou em Buenos Aires e você em São Petersburgo, só pode ser isto!
– Por favor, não vamos viajar pelo mundo agora…
– Não se faça de desentendida e me poupe da sua ironia! Falei que você não é carinhosa? Acordei toda excitada e o que você fez? Deixou-me na cama sozinha e obviamente precisei me masturbar. Você não estava lá, tive que dar um jeito.
Marcela prendeu o riso comentando.
– Adorei te ver toda oferecida na cama. Só faltou me pedir para te chupar.
– Está vendo? É disto que estou falando, estou na empresa, precisa falar assim? Como é que eu fico agora?
– Fica molhadinha e qual é o problema?
– O problema? Já sei, você quer é que eu fique te desejando o tempo todo.
– Você já me deseja o tempo todo, e eu, bom, não vou me fazer de rogada, sei que te deixo louca na cama. Você também me deixa louca.
– Está querendo elogios? Quer ganhar congratulações pelo seu desempenho? Espere sentada!
– Estamos com algum problema?
Marcela perguntou sem se alterar.
– Me diz você, acha que liguei para te ouvir sendo desagradável comigo?
– Está bem, Carmem. Eu me excedo às vezes, mas aquele tapa foi desnecessário.
– Em relação a isto eu não concordo porque você foi abusada. Porque se lembrou do tapa? Já passou!
– Abusada? Não acho! Se você fosse abusada comigo eu iria adorar. Poderia ter me pedido para te dar prazer, eu teria voltado para a cama na hora.
– Quer saber? Você diz certas coisas nas horas mais inapropriadas. Deveria prestar mais atenção. Estou trabalhando e não posso ficar neste estado, toda, ai você sabe! Você é obscena demais.
– Não reaja desta forma, fica parecendo com aquelas beatas que se horrorizam por nada. Coram-lhe as bochechas, cobrem a boca com as mãos chocadas por qualquer bobagem, não gosto de você assim. As pessoas podem se incomodar com coisinhas, você não precisa agir como elas.
– Que ótimo, cometi um erro, não devia ter te ligado!
– Não, calma, eu adorei a sua…
– Vou jantar com a minha mãe hoje. Depois irei para a sua casa.
– Ótimo. Estarei te esperando. Tchau!
Carmem desligou o telefone irritada consigo mesma. Não devia ter ligado, mas se não o tivesse feito não pararia de pensar nela. Ainda bem que tinha lhe dado prazer antes de dormir, foi um golpe de mestre. Balançou a cabeça sorrindo, precisava parar de ficar pensar em Marcela. Tinha que trabalhar e foi o que fez.
Quando deixava a empresa levou um susto ao ver Paula descendo de um táxi caminhando na sua direção.
– Olá! Você me deu um grande bolo!
– Oi, Paula! Que surpresa!
Carmem respondeu dando um abraço nela.
– Só vindo aqui para te ver.
– Solange não te ligou informando que eu não poderia ir?
– Sim, ela avisou que você não poderia ir jantar comigo. Imaginei logo que está enrabichada por alguma mulher. Não resisti e vim saber os detalhes sórdidos, e claro, te ver, lógico!
– Hahahaha, obrigada por me fazer sorrir. Não existem detalhes sórdidos.
– Aposto que existem. Escuta, não podemos tomar um drinque? Vou embora já neste domingo. Pode ser em um bar qualquer nesta área.
– Claro que podemos. Tem um bar que eu gosto de ir logo ali. Vamos até lá.
Carmem foi com ela pensando que seria bom conversar um pouco com Paula. Tinham transado no passado e a amizade que cultivaram após o que viveram era algo significativo. Ao mesmo tempo falar sobre Marcela não lhe parecia algo muito fácil. Pensar nela fazia com que sentisse coisas, necessidades, o desejo renascia forte, os sentimentos eram devastadores. Estava vivendo um redemoinho de emoções que procurava conter, e quanto mais tentava, mais elas a dominavam.
Sentaram no bar pedindo os drinques. Paula a fitou, comentando:
– Fiquei feliz por você estar se saindo bem na empresa do seu pai, mas triste por ele estar tão mal no hospital.
– Pois é, também estou triste com isto. Quanto à empresa era o meu sonho cuidar dela. Para isto estudei e dediquei-me tanto.
– Eu sei minha amiga. Agora quer me contar quem é a mulher que está te deixando sem chão?
– É uma mulher, você sabe como são essas coisas. Já teve algumas na sua vida, não é?
– Sim, eu tive e entendo como é. Está muito envolvida?
– Ufa! Nem sei como abordar este assunto.
– Claro que sabe. Você não foi jantar comigo por causa dela. Do contrário, mesmo que tivesse que desmarcar o nosso jantar, teria me ligado, não sua secretária. Sinal que não quis traí-la.
Carmem rodeou a beirada do copo de uísque com a ponta do dedo pensando nas palavras de Paula.
– Estou percebendo que a coisa é séria. Veja você, está resguardando ela.
– Não, não estou, é que…
– Pode falar. Eu não deixei de ser sua amiga.
– É difícil falar deste assunto.
– Está envolvida, admita!
– A verdade é que estou lutando para não me envolver.
– Por quê?
– Porque não quero me apaixonar por ela.
– Olha, quando falamos que não queremos nos apaixonar é porque já perdemos o controle dos sentimentos. O pior que eu acho é a negação, você está tentando enganar a si mesma.
– Admito que não quero ver o que vai dentro de mim.
– Estou notando. Vejo nos seus olhos e também… Nessa sua sensualidade que parece nem perceber.
– Tenho um envolvimento sexual, é isto. Faço sexo e gosto cada vez mais. Acho mais confortável acreditar que é o sexo que me agrada.
– Está falando sério? Para o sexo agradar é preciso gostar da pessoa que você transa. A gente se curtia, lembra?
– Quando nós íamos para a cama era apenas sexo. A gente transava o quê, duas vezes, três vezes por mês?
– Mais ou menos isso, só quando estávamos desesperadas por sexo e não aparecia ninguém interessante. O que vivemos certamente não se compara com o que está vivendo agora. Nós não ficamos nem balançadas uma pela outra.
– Eu sei que não ficamos.
– Eu ainda acho que ficar sem sexo é o maior atraso de vida. Você tem mais é que aproveitar.
Carmem sorriu olhando pela janela. A mulher de preto, a que viu no restaurante estava sentada em uma mesa na sorveteria do outro lado da rua.
Voltou a fitar Paula comentando.
– Você deve se lembrar como eu gostava de beijar.
– Sim, é claro que eu me lembro.
– Pois é e eu nunca tinha feito sexo sem beijo na boca e agora, bem… Eu quero e não consigo beijá-la. É uma aflição porque minha vontade é tamanha… Ai, que agonia! Você não faz ideia da tortura que é não poder beijar.
– Ah, meu Deus! Ela não te beija?
– Não. Ela evita, vira o rosto, me escapa, eu não entendo a razão.
– Mas, já conversaram sobre isso?
– Não sei como abordar o assunto.
– Você aborda perguntando.
– Não quero perguntar nada. Além disso, não somos namoradas. A gente cobra quando tem uma relação, não é?
– Não são namoradas? O que vocês são?
– Somos duas mulheres que transam.
– Ok, mas mesmo sendo só sexual, também é uma relação. Você sabe que até na cama tem que haver concessões.
– Você me conhece, não vou implorar por beijos e fico pensando que ela só pode estar querendo me deixar fissurada.
– Se for este o objetivo parece que está conseguindo.
– Sim, está e eu quis fugir. Por isso aceitei o seu convite para jantar. Ia transar com você para parar de pensar nela. Desculpe por isto, eu não sou assim.
– Ia me usar, entendi. Sei que você não é assim. Eu também queria transar com você, não para não pensar em uma mulher, só porque estou mesmo a perigo.
– Eu imaginei, mas não dá. Foi uma ideia idiota da minha parte. Não iria adiantar porque ela está tão latente em mim. Sem contar que ela percebeu as minhas intenções ao aceitar jantar com você.
– Ficou com ciúmes?
– Ciúmes? Acha que ela sente ciúme de mim? Duvido!
– Qual é a natureza desta relação de vocês? Não se beijam; não são confidentes, ela não sente ciúmes, você não aceita que já está envolvida. Acha que isto vai dar em quê?
– Estou com cara de quem está achando alguma coisa, Paula? Por favor, vou eu lá saber? Se eu tivesse certeza de algo não estaria tão confusa com o que estou vivendo.
– Que droga, minha amiga, o que está acontecendo com você?
– Já falei que é um relacionamento sexual.
– Desde quando você desistiu de encontrar o amor?
– Amor cai do céu? Caiu algum no seu colo? Percebo que não já que ainda pensa que sou um alvo sexual à sua disposição.
– É assim? Vai me atacar porque estou tocando na sua ferida?
– Você não está tocando em ferida alguma…
– Tem certeza? Essa perturbação toda está te desorientando. Por que será?
– Porque sou feita de carne e osso, não estou morta e tenho sentimentos. É tão difícil assim perceber?
– Só estou querendo te ajudar.
– Você não pode me ajudar a não sentir o que eu sinto.
– Sei que não posso.
– Não pode mesmo.
– Tudo bem. Vocês não se beijam, mas fazem sexo oral, não é?
– Ahhh, como assim? Pareço ter me transformado em uma palerma? Que pergunta, é claro que fazemos! Ainda mais ela que tem uma pegada, meu Deus do céu, me deixa louca!
– Não me diga! Crazy? Adoro! Me conta tudo! Ela chupa gostoso? Quantas vezes você goza?
– Está querendo ir a Paris sem entrar no avião? Tenha dó, eu não sou mais tão boba!
– Ai, Carmem, no passado nós contávamos tudo uma para outra. Não faz assim, amiga!
– No passado parecíamos duas atrasadas mentais. A gente era descuidada e não levávamos nada a sério. Sabe o que nós éramos?
– O quê?
– Duas otárias!
– Aí, que horror! Eu nunca me achei uma otária…
– Não? Paula, você pegava livros na biblioteca só para se masturbar.
– Nossa, é mesmo! Mas era tão bom.
– Tenha dó, você nunca leu nenhum daqueles livros. Eu ficava de cara com aquilo.
– Ok, eu sei que você leu todos aqueles livros e eu só brinquei com eles.
– Muitos daqueles livros eram incríveis e você perdeu porque só te serviram para sentir prazer.
– Você também não se masturbou quando os leu?
– É diferente, não acha? Eu me envolvi com cada livro, não os usei como se fosse um vídeo pornô.
– Eu sei, Carmem. De tanto você falar na minha cabeça eu passei a ler o fórum da revista Playboy.
– Lógico e fez muito bem! Pode crer, nem todo mundo nasceu para ler livros. E se tratando de sexo tem que ir direto à fonte. Livros são escritos por quem ama escrever. Pornografias são escritas para despertar prazer. É muito simples, você custou a entender, que bom que aprendeu.
– Pode estar certa que não uso mais este subterfúgio nos livros. Eu mudei, Carmem.
– Mas até poderia usar, se chegasse ao final do livro hahahahaha.
– Tudo bem, sei que você sempre achou isto muito pouco inteligente.
– Acho realmente. Ainda assim dou por mim olhando para você e lembro-me do quanto nós já fomos pretensiosas. A gente transava só para ter orgasmos, pensa, isto é tão pobre. Depois ficávamos nos gabando como se fossemos duas espertalhonas. O pior é que ainda sonhávamos com o amor. Como encontraríamos amor no meio daquela vida vazia que a gente levava?
– Também não é assim, nós não transamos tanto. Peguei muita mulher gostosa. Você também pegou, nem vem!
Carmem pensou em Marcela e no quanto ela era gostosa. Tinha sim pegado mulheres gostosas, era verdade. Mais, aquilo é que era duro de encarar, nenhuma chegava aos pés de Marcela.
– Eu também não me arrependo, mas se tivesse a cabeça que eu tenho hoje, teria feito tudo diferente.
Dados da autora: Então uma leitora diz: “Astridy Gurgel? Ah, ela escreve umas cenas de sexo ótimas.” Acho de fato patusco. Tomar atenção apenas às cenas de sexo é muita penúria, ui! Sim, tenho que admitir que exista quem goste de ler romances e quem goste de ler cenas de sexo. Apenas passa pela minha cabeça se a pessoa nunca ouviu falar em revista pornô. Hoje em dia basta entrar em um site do gênero e já está, goza rapidinho. Bom, a realidade é que cada uma faz o que bem entende com o que lê. A história fica e os orgasmos passam. Que o diga Uma Mulher Misteriosa.
– Imagino. Aposto que a sua mãe está feliz.
– A minha mãe feliz? Não mesmo, acha que ela é doida, psicopata, daí para pior. Vive me enchendo de perguntas íntimas, é um sufoco. Não dá para contar certas coisas. Se mamãe sonhasse como ela mexe comigo teria um faniquito.
– A sua mãe é muito esperta, ela já deve ter percebido.
– Ela tem as desconfianças dela, mas não alimento. Agora eu preciso ir. Ainda tenho que ir vê-la.
– Não está morando mais com ela?
– Não. A história é longa. Adorei te ver. Desculpe qualquer coisa. Você paga ou quer que eu pague?
– Eu pago, deixa! Amei te rever! Cuida-se, ok?
– Pode deixar. Cuida-se também. Tchau!
– Tchau Carmem!
Seguiu para casa onde esteve jantando com a mãe e a irmã. Laura comentou animada no fim do jantar.
– Ricardo adorou o carro novo que você mandou.
Carmem soltou os talheres fitando a irmã.
– Você disse que estava juntando dinheiro e que não compraria um carro. Não entendi.
A mãe comentou confusa.
– Alguma coisa mudou minha filha?
Não tinha dado carro nenhum e percebeu na hora que devia ser coisa de Marcela. Necessitava ajustar aquela situação. Não tinham que saber quem foi que deu o carro. Estava cansada de dar explicações.
– Achei que ele merecia. Não acham também?
– É que você falou que não daria carro nenhum. Achei muito estranho.
– Esqueça-se disto mãe, se ele ficou feliz, melhor para todos. Agora tenho que ir.
– Onde você está morando?
Laura perguntou indo até a porta com ela.
– Estou morando com uma mulher.
– Ah, sim, uma mulher! Como está sendo viver com ela?
– O sexo é maravilhoso.
Carmem comentou começando a rir.
– Oh! Quer melhor do que isto? Vocês estão tipo casadas?
Carmem sorriu beijando o rosto dela.
– Não estou casada, só estou morando com ela.
Calou-se olhando para a mãe de relance.
– Não comente sobre este assunto com mamãe. Ela não aprova a ideia nem gosta dela.
– Claro! Não gosta por quê? Mamãe a conheceu?
– Mamãe não a conheceu, mas você sabe como é a nossa mãe.
– Como sei. Podia trazê-la aqui. Talvez mamãe mude de ideia.
– Trazê-la aqui? Nem pensar.
– Então tá.
– E você?
– Eu o quê?
– Está namorando?
– Não. Sei lá, eu tenho uns rolos, sabe como é.
– Uns rolos? Tantos assim?
– Não são tantos. Essa coisa de relacionamento é um lance muito complicado.
– Eu que o diga.
– Deixa para lá! Tchau, Carmem!
– Tchau, mana!
Foi direto para o hospital e o pai estava pior. Ficou algum tempo com ele e depois seguiu para casa de Marcela.
Continua…