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Nem tudo que reluz é ouro
Saindo do parque, Sophie já conseguia ver a fachada do restaurante onde deveria estar. Atravessou a avenida, caminhou mais um pouco… entrou no restaurante e passou direto pela recepção, seguiu até a mesa de sempre, e pelo olhar e expressões direcionados a ela, Sophie já sabia que ouviria uma bela lição de moral sobre cumprir com os horários. Mas, a jovem manteve a postura firme e destemida, sentou-se e abriu um sorriso amarelo, como tentativa vã de pedir desculpas.
– Você está atrasada, muito atrasada!
– Helena…
– O que? Você acha mesmo que tenho a obrigação de ficar te esperando? Entenda Scarlet, só porque tenho um carinho a mais por você, isso não quer dizer que você é tão especial assim, odeio atrasos. Se falo um horário, é porque quero vê-la nesse horário. Estou pagando por isso, exijo que você pelo menos consiga cumprir com o que fala!
– Helena, o táxi em que eu estava pegou fogo, não sei se fogo, mas começou a sair fumaça de dentro do carro.
– Nossa, você está bem?
– Estou aqui, costumo cumprir com meus compromissos, mesmo que isso me faça chegar atrasada e até ser insultada da forma como fui.
Claro que por mais que quisesse, Sophie jamais contaria para Helena que o motivo real para aquele atraso, fora uma desconhecida que lhe sugou toda a atenção enquanto atravessava o parque e a fez perder a noção do tempo. Apesar do quase acidente não ter sido uma mentira, e ter funcionado perfeitamente, já que até mesmo um pedido de desculpas Sophie recebeu.
– Não Helena, você está certa, é um trabalho. Você está pagando e quer seus direitos, não tem que me pedir desculpas, muito menos prometer compensações, na verdade, sou eu quem te compensará e não o contrário.
Ah, Sophie sabia como dobrar Helena, ainda mais quando estava “vestida” de Scarlet. Aquele olhar lascivo e a mordida que Helena deu no lábio inferior, era a confirmação de que ela mal se recordava do atraso. E não tardou para que elas estivessem abrindo a porta de um quarto de motel.
Enquanto isso, Jenny ainda permanecia no parque, continuava sentada no mesmo banco, relutando em voltar para casa. Passava das vinte e uma horas quando ela finalmente tomou coragem e decidiu sair do parque, não que ela realmente estivesse pronta para encarar o Carlos. Estava cansada de brigar, tinha receio de que a discussão fosse retomada e toda aquela paz que estava sentindo fosse dissipada. Mas, para a sua surpresa ao chegar em casa, tudo foi muito diferente do que esperava:
As luzes estavam apagadas e haviam velas acesas, um cheiro delicioso de rosas no ar. Andou seguindo o caminho de pétalas vermelhas e encontrou a mesa de jantar posta, o Carlos estava vestido informalmente, mas não deixava de estar elegante, cabelo cortado e barba feita, com olhar cativante e o sorriso que tantas vezes deixava Jenny completamente desarmada, estampado na face.
– Certo… eu perdi alguma coisa?
– Querida, por favor me perdoa! Amor, eu fui um tolo, um verdadeiro idiota.
Antes mesmo que Jenny pudesse responder algo, Carlos a abraçou fortemente e pedia desculpas repetidamente. As velas, as rosas, o jantar preferido dela, o corte de cabelo igual à quando se conheceram, não a impressionaram tanto. Mas, aquele pedido de desculpas insistente e com lagrimas, a pegou de surpresa.
Jenny não sabia o que dizer e por isso nada disse, apenas retribuiu o abraço e viu aparecer em sua mente o sorriso da jovem que havia encontrado no parque, e aquele “… desejo sorte para que consigas resolver os problemas”. Jenny fechou os olhos e abraçou o esposo o mais forte que conseguiu, até que a imagem de Sophie desaparecesse de sua mente.
– Jenny, eu te amo. Eu prometo que as coisas vão voltar a ser como antes, não, as coisas serão melhores, muito melhores que antes. Apenas confie em mim, confie em nós, Jenny… por favor. Eu te amo!
– Uhum.
Aquela resposta, não era frieza ou indiferença, era apenas a Jenny sem saber o que sentia pelo Carlos, talvez ainda existisse amor. Ora, não vamos nos enganar, eles jamais admitiriam por livre e espontânea vontade que o casamento estava sendo um fracasso. Que se casarem foi um ato precipitado; havia muita paixão, muita loucura, exageradas demonstrações de afeto e pouca maturidade.
Jenny sempre pensava se algum dia foi realmente amor, e sempre chegava a conclusão de que haviam se enganado, acharam que estavam prontos para assumir um compromisso matrimonial, mas depois do primeiro ano, passaram a viver de crises e mais crises. Que eram resolvidas com uma falsa boa conversa, iludiam-se com teorias sobre o que poderiam fazer para salvar o casamento, mas nunca cumpriam com as promessas. Carlos por sua vez, sempre teve uma excelente lábia e conseguia convencer a esposa de que era possível sim, se darem mais uma chance, pois tudo que precisavam era se dedicar mais ao casamento e acreditar que tudo ficaria bem.
Mas naquela noite, por algum motivo, Jenny se sentiu particularmente culpada, talvez as lagrimas do Carlos e toda aquele momento romântico, fosse a explicação. Acreditou que não estava empenhando-se como deveria e precisava fazer algo, esforçar-se mais e por isso prometeu ao esposo que iria se comprometer mais e fazer com que as coisas dessem certo para eles.
Acredito que Jenny e Carlos viam o amor como um desafio, onde é preciso estar sempre alerta, esforçando-se, lutando e cometendo o mínimo de erros possíveis. Acredito que eles não entendiam que amor é como uma muda de arvore, que precisa de cuidados simples (porém, essenciais), para que cresça forte e saudável, para que suas raízes sejam profundas, seu caule (sustentação) seja forte e seus frutos sejam lindos tanto por fora quanto por dentro. Não… eles não sabiam disso! Mas, tudo bem não saber, a vida não veio com manual de instruções. E muitas vezes, tudo é questão de tempo (e paciência).
E, da noite onde foi protagonizada o momento mais romântico que Carlos já havia feito desde o casamento, até o dia em que tudo mudou e foi por água a baixo, passaram-se exatos três meses.
Três meses e, Jenny realmente acreditava que as coisas haviam mudado, ela e o esposo pareciam recém-casados, ainda que houvesse a necessidade de mudar um ou outra coisa, eles tinham conseguido recuperar, em partes, a essência do que também deveria ser um casamento, algo que até mesmo parece bobo, mas que é de extrema importância para o casal, e na maioria das vezes, eles só se lembram de fazer isso antes do casamento: namorar. Sim, mesmo depois de casados, as pessoas deveriam continuar a namorar. Ir ao cinema, teatro, jantar fora, conversar. Passear de mãos dadas, presentear sem motivos aparentes.
Jenny e Carlos, estavam retomando o namoro, a melhor fase do namoro. Até o sexo entre ambos estava melhor, não que eles fossem tão compatíveis na cama, mas haviam melhoras significantes.
Jenny sentia-se feliz por ter dado seu voto de confiança, não apenas ao Carlos, mas a si mesma e ao casamento, e estava funcionando, tanto que ela acreditava que eles poderiam fazer um comercial de margarina, ao menos era assim que ela estava enxergando as coisas… até a tarde em que ela saiu mais cedo do trabalho e aproveitou para passear no shopping. Olhando uma vitrine e outra, deparou-se com o perfume preferido do esposo: The One Gentleman, da Dolce & Cabbana. Até mesmo ela gostava quando Carlos usava aquele perfume, por isso o comprou. E no impulso, decidiu que iria até o trabalho do esposo levar o pequeno mimo, aproveitar para que de lá fossem jantar, talvez pegar um cinema.
Não foi mais que vinte minutos para que ela estivesse no escritório de arquitetura onde o esposo trabalhava, Carlos não estava em sua sala e quem a atendeu foi um dos assistentes do seu esposo. Um garoto alto, cabelos castanhos, com óculos de grau, armação grossa de cor azul e totalmente desajeitado. Levou alguns minutos para conseguir responder que o Carlos estava na sala de arquivos, e mais outros cinco minutos para explicar onde a tal sala ficava.
Primeiro ela decidiu que esperaria pelo esposo, além do mais, estava se divertindo ao ver o garoto ficar completamente desajustado e vermelho, quando ela o pegava olhando para o seu decote e talvez, isso tenha contribuído para os pensamentos salientes que passou a ter, saiu à francesa em direção a sala de arquivos, não teve dificuldades para encontrar. Havia uma placa com letras garrafais pregada na porta: SALA DE ARQUIVOS – SOMENTE ENTRADA DE PESSOAS AUTORIZADAS –
Mas, ela colocou a mão na fechadura, girou e a porta abriu. Entrou tentando fazer o mínimo de barulho, queria surpreender o Carlos, era uma ideia ousada, mas ela queria. Ah, pobre Jenny! Ela foi quem acabou sendo surpreendida: Carlos estava entre as pernas de uma das colegas de trabalho. Jenny paralisou com tal cena, parecia que estava assistindo um pornô de quinta categoria. Percebeu a troca de olhares, ouviu os gemidos e até algumas palavras de baixo calão.