Um olhar do destino

6 – Egresso

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Egresso
Jenny abriu a porta, olhou para Sophie que lhe sorriu confiante dentro do carro, voltou seu olhar para a casa, respirou fundo e entrou. Desejou que Carlos estivesse no trabalho, mas foi justamente com ele que ela se deparou.
Carlos andava de um lado para o outro, falava ao telefone, nitidamente aborrecido. Ela só conseguiu ouvir o final da conversa: “Não precisa mais, ela chegou. Obrigado! ”

– Aonde você estava?
– Na casa de uma amiga!
– Você acha isso certo? Será que não pensa? Que diabos você tem na cabeça? Não deu notícias, nem mesmo uma mensagem, e olha que eu te liguei inúmeras vezes.
– Hum…
– Hum? É isso que você tem a dizer? Uma mulher casada e de respeito não passa a noite fora de casa sem ao menos deixar um aviso. E que amiga é essa? Porque eu liguei para todas as suas amigas e nenhuma delas sabiam aonde você estava.
– É uma amiga nova, você não conhece.
– Qual o seu problema? Ainda me responde desse jeito, parece debochar da minha preocupação! Pensei que estávamos melhorando, Jênnifer… você prometeu que iria me ajudar a fazer esse casamento dá certo, e agindo dessa forma, fica bastante difícil. Será que você tem noção do quanto me preocupei? Saí ligando para os nossos amigos, depois conhecidos, parente, polícia, hospitais e até…
– Sua amante? Você ligou para sua amante? Hein, Carlos… me diz, ligou para ela? Como você é dissimulado. __ àquela altura, Carlos estava pálido e maquinando o que poderia dizer. – Me cobrando promessas enquanto você não conseguiu, nunca conseguiu, cumprir com uma sequer. ME DIZ CARLOS, LIGOU PARA SUA AMANTE TAMBÉM? CONTOU PARA ELA QUE EU NÃO DORMIR EM CASA E QUE VOCÊ ESTAVA PREOCUPADO COM QUE EU ESTIVESSE FAZENDO O MESMO QUE VOCÊ TEM FEITO COMIGO?! RESPONDE!!!
– Você está louca? Você só pode ter pirado de vez, do que você está falando, que amante?! De onde você tirou essa ideia absurda?
– Aí Carlos, para! Pelo AMOR DE DEUS, não se faz de idiota, nem me faz de burra, porque eu odeio isso. Eu vi, e não sei como você foi capaz de fazer isso com a gente, não sei mesmo… eu estou com tanto nojo de você. NOJO, CARLOS… entende isso?
– O que você viu, Jenny… você por acaso bebeu? Está tendo um surto?
– PARA CARLOS, PARE DE QUERER ME PASSAR POR LOUCA… até porque você nunca me viu louca, mas não estou tão longe disso. Não acredito que você é tão fingido assim, meu Deus, eu não te reconheço, ou então, esse é o verdadeiro Carlos e eu que nunca enxerguei. Imagina o quanto mais de coisas que você já deve ter mentindo para mim, vi você ontem, você e aquela vagabunda na sala de arquivos. Você, Carlos, você e a sua amante!
– Jenny, amor…
– Não, não me chama de amor! Nem toca em mim, se afasta. Quando você me chama de amor, quando fala o meu nome, chega a embrulhar meu estomago. E não me diz que eu vi coisas ou que sou louca, porque eu enxergo muito bem. E quer saber, vai trabalhar Carlos, porque eu não consigo olhar para essa tua cara, se a preocupação era comigo, estou aqui, vai trabalhar, é melhor não conservamos agora. Já disse, não me toca, SAÍ DE PERTO DE MIM, PORRA!

Jenny foi ao quarto trocar de roupas e quando voltou para sala, se deu conta de que o esposo havia mesmo ido trabalhar. Ela ligou o som, precisava que o volume das músicas fossem mais alto que seus pensamentos e jogou-se no sofá. Claro que a música não funcionou como ela gostaria, os pensamentos continuavam a fervilhar em sua mente, pensava em tudo que a Sophie havia lhe falado, principalmente na parte em que ela e o Carlos precisavam ter uma conversa séria e sincera, que apenas depois de uma conversa desse nível, ela poderia saber o que fazer.
Mas, Jenny questionava se realmente valia a pena ter uma conversa com o Carlos, já que ele sequer tentou reverter a situação, ao invés de ficar e tentar conversar, se desculpar, não, ele realmente foi ao trabalho. Ela sabia que havia dito para ele ir, mas ele não precisava mesmo ir, decerto quando chegasse no escritório iria direto contar para a amante que ela já sabia de tudo.

Para Jenny, as atitudes de Carlos, ou a falta delas só mostravam o quanto aquele casamento já estava acabado. Antes, ela poderia aceitar tudo, até mesmo perdoar uma traição, mas depois deles finalmente estarem tentando se acertar, dela ter confiado, não. Ela simplesmente não podia aceitar algo assim, não depois dele ainda querer culpá-la ou fazer com que parecesse uma louca. Sentia-se frustrada, triste, porém, decidida.

Ela voltou ao quarto, pegou duas malas grandes de viagem e colocou as roupas de Carlos, em outras três caixas, colocou maioria dos objetos pessoais dele. Pensou em fazer uma bela fogueira com todos aqueles pertences, mas não fez. Apenas colocou tudo em um canto da sala, voltou para o sofá e lá permaneceu.

Era uma sexta-feira, e naquele dia, a Jenny simplesmente não existiu: não foi trabalhar, não atendeu ligações, não pegou a correspondência, não preparou o jantar. Ficou sentada no sofá, sequer mudou de posição, ou expressou alguma reação. Pensava na sua vida, e a via passar como se fosse um filme, porém não derramou nem mesmo uma lagrima.

O dia havia passado por ela, e não o notara.
Chegou a noite, a chuva veio e foi embora, e ela não percebeu.
Só acordou daquele transe, quando o Carlos retornou do trabalho, já passava das dezenove horas. Ele jogou as chaves na peça ao lado do sofá, folgou a gravata e a olhou pensativo, talvez, estivesse tentando encontrar palavras, mas foi ela quem começou, não quis se dar mais uma vez a possibilidade de acreditar que poderia dar outra chance aquele casamento. Sophie poderia ter razão, as palavras surgiriam.

– Não quero brigar, Carlos…
– Estou envergonhado, nem sei o que dizer.
– Não é verdade, só está sem saber qual desculpa dá, só está planejando quais palavras usar. E isso diz muito, não é?
– Jenny, querida… podemos passar por isso, sempre passamos por nossas crises. Vamos nos dar uma chance, só mais uma, hein? Eu tiro uns dias de folga, fazemos uma viagem, apenas eu e você, hein?
– Como disse, eu não vou brigar, eu não vou te falar coisas duras ou feias, arrumei suas coisas, estão dentro dessas malas e caixas. Eu quero que você saia dessa casa, se esqueci de colocar alguma coisa, ligue antes de vir buscar.
– Jenny, por favor. Amor, não faz isso com a gente. Oh Jenny, eu nem tenho para onde ir.
– Um hotel, ou melhor, vai para casa daquela vadia.
– Ela é casada, tem filhos. Não era algo sério, era só sexo sabe, eu amo você. Eu quero ficar com você Jenny!
– Carlos, isso tudo é mais nojento do que eu imaginava. Apenas dê um jeito de sair daqui, não quero ver você, falar, sentir tua presença. Por favor, vai embora. Adeus, Carlos.

Carlos ligou para alguns amigos, mas nenhum teve um sofá para acomodá-lo. Ele acabou conseguindo uma vaga em um hotel, levou as malas e as caixas para o carro e voltou para se despedir da Jenny, afirmando que aquilo não era o fim, que apenas daria um tempo para que ela pudesse pensar melhor. Nada Jenny respondeu, ele bateu a porta e foi embora. Ela deitou no sofá e começou a chorar. Eram lagrimas pelo casamento fracassado, pelas alegrias e tristezas, por ela, pela nova e estranha sensação de liberdade, pela frustração, pelo orgulho ferido e pela certeza de que perdeu a batalha qual mais havia se dedicado. Chorou até dormir.

Passou pelo final de semana, como personagem clichê de filmes qual o gênero é romance: chocolates, sorvetes e filmes que a deixavam mais deprimida. Se alguém pudesse vê-la, acabaria achando que um caminhão havia a atropelado; seu cabelo estava desgrenhado, havia molho de pizza na blusa, e os olhos inchados pelo choro. Assim ela estava, assim ela permaneceu. No domingo, já início de noite, a pessoa que passou em frente ao espelho enquanto ia para cozinha pegar mais doce, não dava para ser reconhecida.

Na segunda, foi despertada com uma ligação do trabalho, era o outro gerente de vendas, dizia-se preocupado com a falta de notícias, mas ela sabia que ele estava apenas desesperado, por não estar dando conta do trabalho. Não é fácil ser gerente de vendas, e foi então que viu a tão famosa luz no fim do túnel, era aquela a solução. O segredo milenar para esquecer os problemas pessoais, ou ao menos coloca-los de lado, era dedicar-se ao trabalho. Aquela seria a sua formula para não dar vazão aos sentimentos, decidiu que a partir daquele momento embarcaria em sua vida profissional, iria trabalhar até ficar esgotada e não ter espaço para pensar em qualquer outro assunto a não ser trabalho.

Jenny levantou do sofá, tomou um banho e foi trabalhar.



Notas:



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