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À flor da pele II
“… eu vi troca de troca de olhares, ouvi os gemidos e até algumas palavras que não tenho coragem de repetir. Fiquei parada por alguns segundos olhando eles e o ódio tomou conta de mim. Eu e o Carlos nunca tivemos uma intimidade como aquela, nossa, como senti vontade de mata-los! E depois veio o asco… e quando me faltou o ar, eu dei as costas e saí bem rápido daquele lugar.
Tem uma avalanche dentro de mim, sinto vontade de chorar, de gritar, talvez, quebrar algumas coisas, e isso é desesperador! Consegue me entender, Sophie? Estou cheia de emoções e ao mesmo tempo é como se eu não sentisse mais nada.
Eu não estava pensando, sabe. Apenas tomei o primeiro táxi que encontrei, mas não tinha ideia de onde ir, só queria sair dali. Quando olhei para minha bolsa e lembrei do perfume, quis joga-lo fora e quando o peguei, veio um pedaço de papel amassado junto, tinha escrito: Jenny, foi muito bom ter passado esse final de tarde contigo. Meu dia tinha tudo para ser o pior de todos e você simplesmente fez dele o melhor, quando precisar, não hesite em entrar em contato. Beijos, Sophie.
E tinha seu número e endereço, continuei não pensando, te liguei várias vezes, mas não obtive sucesso, deveria ter desistido, mas acabei passando o endereço para o motorista.
Sabe, só agora eu consigo ver como fui desesperada e até mesmo ousada, o fato de você ter me passado o seu endereço, não significava que eu podia simplesmente aparecer sem avisar. Mas, eu ponderei muito antes de sair do táxi, só que acabei saindo e para que eu realmente entendesse que não era o meu dia, quando cheguei na portaria, o senhor me informou que você tinha saído. Acho que peguei um grande mico, e vejo como fui deprimente, sentei na escadaria e deveria estar com um aspecto deplorável mesmo, ainda devo estar. O senhor da portaria até me deu um copo com água. Quando eu já estava agradecendo e me preparando para ir embora, você chegou, e eu não sabia o que dizer…
É isso, Sophie… eu e o Carlos, sempre brigamos, sempre discutimos, esse até foi o motivo por eu estar no parque naquele dia, e chorando daquela forma. Eu sei que nosso casamento estava ruim, mas nunca pensei que ele faria isso. ”
Sophie pensava em como aquela era uma história quase conhecida, não que ela tivesse passado exatamente pelo mesmo, mas porque, se trocar as personagens, acrescentar ou retirar alguns detalhes, não é diferente das tantas outras histórias que já tinha ouvido. A jovem concordava que havia muito casamento ruim por aí, e que esse era mais um dos motivos para ela nunca pensar em casamento. Mas, achava que não precisavam terminar sempre com traição, porém, esse parece o modo mais eficaz.
Sophie olhou muito séria para Jenny, e falou que discordava apenas de uma coisa. Foi firme quando afirmou que a ida de Jenny ao parque não foi pela discussão que ela havia tido com o esposo e sim, para derrubá-la.
Nem houve tempo para frase ser devidamente concluída e ambas já estavam rindo, mais doses de whisky foram servidas e mais sorrisos apareceram. O clima começava a ficar mais descontraído, até o celular de Sophie tocar, era Helena, ela atendeu com raiva, sabia que ela não desistiria enquanto não fosse atendida, nem deixou que a mulher do outro lado falasse, apenas informou que a encontraria no dia seguinte, entendia que precisava resolver aquela situação e Helena mal conseguiu se despedir pois a jovem desligou o aparelho, encheu o copo quase até a borda e engoliu a bebida como se fosse água.
– Ei mocinha, agora acho que sou eu que preciso dizer, vai com calma. Está tudo bem, Sophie?
– Algumas coisas são tão complicadas…
– Descomplique-as!
– Ah Jenny, sabe quando você precisa dar um basta em algo, mas simplesmente não consegue? E quando você analisa os motivos pelos quais ainda se mantem presa em tudo isso, a conclusão faz você parecer fútil e isso causa raiva e decepção de si mesma. Sabe como é se sentir assim?
Sophie falava o que sentia e Jenny não conseguiu evitar de se sentir dentro daquelas palavras, logo algumas lagrimas trataram de cair novamente. Abraçaram-se e passaram a noite e boa parte da madrugada entre desabafos e bebida. Ainda estavam conversando, quando Jenny simplesmente adormeceu. Sophie se permitiu ficar admirando-a enquanto dormia, até ser surpreendida por um latido do James, que estava encarando como se a recriminasse por fazer aquilo. Sentiu-se tímida, como se fosse flagrada por alguém ao fazer algo errado, levantou com cuidado e foi trocando passos até o quarto, pegou um cobertor, retornou à sala e cobriu Jenny.
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Quando Jenny acordou pela manhã, já passavam das dez horas, sentia a cabeça doer e pesar, não tinha costume de beber tanto como fez durante a noite. Abriu os olhos devagar, e sorriu ao encontrar o James deitado sobre os seus pés…
– Bom dia, bela adormecida! __ era uma Sophie visivelmente animada.
– Nossa, você acorda sempre com esse sorriso, mesmo depois de ter bebido tanto?
– Não, mas tendo a fazer bonitinho quando tem visita!
– Você consegue me fazer rir sempre. Desculpa, acabei dando mais trabalho do que devia.
– Sabe Jenny, você deveria parar de se desculpar tanto, ser mais solta. Você é tão formal!
Jenny gargalhou com o comentário, e informou a Sophie que houve um tempo em que ela era mais “solta”, o que fez com que a jovem ficasse curiosa em saber como seria essa outra “versão”, já que a mulher que estava a sua frente não parecia muito com alguém que costuma levar a vida menos a ferro e fogo. Sophie direcionou Jenny até o banheiro, deu toalhas e roupas, e ainda que brincando, informou que a esperava para tomar o café da manhã e para o interrogatório, a cerca de conhecer a “Jenny descontraída”. Jenny fez sua higiene pessoal, e retornou para sala.
– Jenny, seu celular tocou várias vezes!
– Depois eu olho…
– Você que sabe, vamos tomar café?
– Vamos, o cheiro está ótimo e tudo tão bonito…, mas, me diga Sophie, o que deseja saber ao meu respeito?
– Na verdade, nada!
– Por que?
– Não entenda errado, mas é meio chato quando as pessoas se definem. Gosto de conhecer, de descobrir. Fica mais divertido e interessante.
– Entendi.
– Mas, mudando de assunto, você já sabe o que vai fazer em relação ao seu casamento? Ou ainda não pensou a respeito?
– Eu não sei. Na verdade, eu nem queria voltar para casa. Mas, não posso evitar esse encontro.
– Vocês precisam conversar. Por tudo que você me contou ontem, existem questões que deveriam ser expostas. Talvez, vocês se perdoem, e tenham daqui para frente um casamento mais feliz, ou não…
– Sophie… eu, por muitas vezes, quis que o Carlos fizesse algo que resultasse no término do nosso casamento. Acho que algumas vezes desejei isso tão forte, que acabou acontecendo. Mas, nunca pensei que isso me magoaria tanto.
– Quanto mais acho que entendo as pessoas, percebo que estou muito longe disso. E não, eu não estou te julgando, mas, não seria melhor se você tivesse dito a ele que não estava dando certo?
– Eu não queria ser a “vilã” da história.
– Agora com certeza você é a vítima. Então devo entender que você conseguiu o que queria?
– Não, porque eu me sinto culpada também.
– Realmente, você e o seu esposo tem muito a conversar.
– Parece que sim. Só não sei como vou começar a conversa.
– Não se preocupe com isso, você apenas pensa que não sabe, mas na hora as palavras vão surgir.
O café da manhã terminou quase que na hora do almoço, a conversa ainda fluía, e Jenny estava completamente admirada com a postura e os pensamentos de Sophie, que apesar de ser mais nova que ela, a jovem de 24 anos, demonstrava mais maturidade que ela, uma mulher prestes a fazer 33 anos. Ouvia atentamente aos conselhos que Sophie lhe passava.
Sophie olhou para o relógio, e lembrou que havia marcado com Helena, arrependeu-se no mesmo instante em que recordou do compromisso, se não tivesse aceitado o encontro impulsionada pela raiva, teria mais tempo para passar com a Jenny. Por outro lado, Jenny precisava mesmo retornar para casa, colocar o casamento sobre a mesa e conversar com o esposo, era certo que haviam muitas dúvidas e sentimentos mal resolvidos entre eles. No mais, a jovem pensava que não podia simplesmente virar para Jenny e dizer: Olha, eu sou uma garota de programa e estou indo me encontrar com uma cliente louca, a fim de evitar que ela acabe destruindo minha lista de clientes, mas a verdade é que eu preferia mesmo ficar aqui, com você.
Não, ela não podia falar aquilo pra Jenny, não daquele jeito, muito menos naquele momento. Ela apenas disse que precisava resolver coisas de trabalho, mas ofereceu o seu apartamento para que Jenny ficasse o tempo que precisasse, mas educadamente Jenny recusou, sentiu que também não podia abusar tanto daquela gentileza.
Sophie levou Jenny até em casa, esperou que ela abrisse a porta e entrasse.
Lhe partia o coração ao ver aquela mulher se sentir tão insegura e sem saber em como seria sua vida dali por diante, desejou ter o poder de resolver todos os problemas da Jenny, depois abraça-la e dizer que tudo ficaria bem. E foi mesmo o que desejou, quase que em uma prece, para que tudo ficasse bem, deu partida no carro e foi embora.
Em poucos minutos, Sophie estava no restaurante em frente ao parque, Helena já estava a sua espera. A conversa foi rápida, mas, não menos intensa. Helena se declarou confessando ser apaixonada por Sophie desde que deixou Geovanna, talvez, até mesmo antes. Estava certa de que a paixão que sentia era tão forte e absoluta que não se importava com o tipo de trabalho que Sophie tinha, desde que ela fosse prioridade. Insistiu para que a jovem ficasse com ela, e vivessem um romance. Mas, para Sophie, aquela hipótese estava fora de cogitação, primeiro porque há mais de seis anos que ela não se envolvia com alguém, além do profissional. Depois, apesar de achar que para Helena dinheiro parecia dar em arvores, já que sempre lhe pagou muito bem, além dos presentes caros: joias, roupas assinadas por estilistas famosos, ou ainda os eventos em que a levava, sempre a apresentando a pessoas importantes, ou ainda que houvesse certa compatibilidade sexual, Sophie pensava que precisaria sentir algo a mais por Helena, além de interesse material ou tesão momentâneo, para aceitar tal proposta. A resposta foi simples, curta e direta: “Eu e você, sem chances. Não vai acontecer e para de fazer essas loucuras, de ameaçar minhas outras clientes, não quero ter que te chamar para conversar novamente sobre isso, porque não será nada bom. Adeus, Helena. ”