Feliz
Para quem bem viveu o amor
Duas vidas que abrem
Não acabam com a luz
São pequenas estrelas
Que correm no céu
Trajetórias opostas
Sem jamais deixar de se olhar
É um carinho guardado no cofre
De um coração que voou
É um afeto deixado nas veias
De um coração que ficou
É a certeza da eterna presença
Da vida que foi
Da vida que vai
É a saudade da boa
Feliz, cantar Que foi, foi, foi
Foi bom e pra sempre será
Mais, mais, mais
Maravilhosamente amar
GONZAGUINHA
Tem uns sete ou oito anos que nos conhecemos.
A primeira vez que nos vimos foi numa livraria
grande que tem na Paulista. Eu estava
procurando um livro sobre a época da segunda
guerra para um trabalho do meu sobrinho. Ela
estava com uns 6 ou 7 livros, segurando meio
desajeitado, até que um menino passou
correndo e esbarrou nela. Desequilibrou e todos
caíram no chão. Me abaixei e comecei a ajudá-la
a recolher tudo.
– Nossa obrigada!! – disse meio sem graça.
Quando levantei o rosto para responder, meus
olhos se perderam nos seus olhos. Ela é linda, de
uma beleza delicada.
– Ahh imagina, isso vive acontecendo comigo!
– Sabe eu preciso ser mais atenta. Quando entro
numa livraria é como se entrasse em outra
dimensão. – sorri de um jeito doce e meio
tímido.
E me pego apenas olhando pra ela, não sei o que
dizer, só sei que quero conhecer essa mulher da
pela cor de canela e cabelos lindos.
– Você gosta de café?
– Gosto sim. – diz com um olhar meio confuso.
– E de pão de queijo?
– Demais uai! – e solto uma linda gargalhada.
– Opa pelo visto você é da terra que inventou né?
– Sim, eu sou.
– Tem um lugar aqui muito bom, nada
comparado ao que tem na sua terra, mas garanto
que é bom.
Conversamos por muito tempo e sinto que uma
amizade leve irá se construir. Antes de nos
despedirmos, trocamos telefones e sorrisos.
Agora sabemos nossos nomes e temos como nos
falarmos.
Uma semana depois ela me manda por
mensagem um mini dicionário mineirês. Dou
muita risada e não me contenho, respondo:
“Bel imagino você falando todas elas e não
consigo parar de rir!!”
“Clara é bem isso aí mesmo viu? Rsrsr”
De fato a amizade surge e conversamos sempre,
desde coisas engraçadas e bobas até
confidências mais sérias. Com o tempo criamos
uma intimidade de verdadeiras amigas. Muitas
coisas que só converso com ela e sinto que é
recíproco.
Depois de alguns meses, ela me telefona:
– Oi Clara tudo bom?
– Tudo e com você moça?
– Tudo ótimo, olha tenho que ir para São Paulo
na sexta e pensei se poderíamos nos encontrar
no sábado.
– Claro!
Acabamos marcando um almoço perto do seu
hotel. Ela fala sobre seu trabalho, que está
cansada de viajar tanto e que pretende tirar
férias, só que sem data ainda. Falo das minhas
coisas e o papo atravessa a tarde.
– Bom tenho que ir, meu voo saí as 9. – percebo
uma leve tristeza.
Nos abraçamos por um tempo mais longo que o
comum. Sinto uma pontada de tristeza por ter
sido tão pouco tempo.
Apesar de sempre estarmos conectadas de
alguma forma, os encontros reais não acontecem
com tanta frequência. Essa amizade vai
amadurecendo e a intimidade acompanha.
Não lembro ao certo quanto, mas eu comento
alguma coisa sobre sentir falta de ter alguém,
namorar, essas coisas. Ela manda uma
mensagem:
“E é necessário que se tenha ao lado o tempo
todo?”
“Ah seria bom, o contato físico, o cheiro, essas
coisa, cê sabe!”
“Tenho uma ideia, mas não sei como você pode
reagir…”
“Oxi diga moça!”
“Ah Clara, a gente conversa sobre tantas coisas e
sabemos que a amizade existe sim, mas não é só
amizade, concorda?”
Desconfiava disso, mas da minha parte, apesar
de brincarmos muito, não tinha certeza se ela
sentia algo parecido.
“Olha eu confesso que você sempre me atraiu
muito, não ia ficar meia hora catando livro do
chão se você fosse corcunda e manca!”
Ela manda uma carinha rindo e escreve que
sente algo muito parecido, e lá pelas tantas,
estamos trocando mensagens um tanto
calientes. Na hora fico com receio, mas isso
acaba meio que se tornando algo rotineiro nas
nossas conversas.
Passam alguns meses e minhas férias chegam.
Resolvo curtir com classe, então com muita
economia feita, reservo uma semana para
conhecer Paris. Quem nunca sonhou em sentar
num café de Paris e curtir o clima mágico da
cidade?
Toda animada, mando mensagem para ela
dizendo que na próxima semana irei realizar
meu sonho. Ela diz que vai antecipar sua viagem
e irá me encontrar lá. Fico um bom tempo
vibrando com dois sonhos sendo realizados
juntos.
Um dia antes da viagem, recebo sua mensagem:
“estou triste”
“por quê?”
“não consegui antecipar a viagem…..”
“ahhh….”
“tentei mas foi impossível, me desculpa?”
“claro…”
Aproveitei muito a viagem, lógico que seria
melhor com ela como guia, mas de certa forma
ela estava. Me sugeria lugares pra ir, onde
comer, como falar algumas coisas.
Isso foi crescendo, sentia que de alguma forma,
estávamos participando uma da vida da outra,
cada dia mais.
Uns seis meses depois que voltei de Paris, a
empresa que trabalho me manda para um curso
na cidade dela. Combinamos que quando eu
chegasse, mandaria uma mensagem.
Dessa vez conseguimos nos encontrar e
passamos o dia passeando, conversando, mas
nada além ou mais íntimo. Quando ia convidá-la
para ir comigo ao hotel, ela recebe um
telefonema de alguém do trabalho e ela precisa
viajar urgente para alguma outra cidade. A
despedida é meio chata, mas ela diz que tentará
voltar antes que eu volte pra SP.
Acabo tendo que voltar no domingo antes do
almoço e ela só chegaria no meio da tarde. É,
mais uma vez que quase conseguimos, quase.
O tempo vai passando e não conseguimos mais
nos encontrar pessoalmente. Em contrapartida,
as conversas por mensagens vão ficando cada
vez mais intensas e constantes. Sinto que existe
uma espécie exótica e rara de amor ou paixão,
entre nós, mas que tudo conspira para que não
se realize plenamente.
Hoje comemoramos 10 anos dessa amizade
surreal, linda e estranha ou exótico ou ao menos,
bem diferente. Ou não. Vai que existam mais
pessoas vivendo essa coisa surreal e deliciosa
também?
Combinamos de a noite nos falarmos pela
câmera. Marcamos hora, o que será o jantar e a
música que ouviremos. Abriremos um vinho e
brindaremos à nossa amizade/namoro/surreal.
Tim tim!!!