Ela veio em uma tarde de verão, trazia consigo um livro de poesias.
Sentou-se em uma mesa do quiosque, a mais afastada, pediu um suco ao garçom e ficou a admirar o lago e as pessoas que passeavam pelo calçadão às suas margens praticando esportes, caminhando ou brincando com os filhos.
Observava o riso, a alegria, a beleza de cada rosto de quem por ali passava e isso se tornou uma rotina.
Sentava-se sempre naquela mesa, sempre com o mesmo livro entre as mãos e o mesmo olhar perdido, hora fixo no lago, hora preso naqueles que o desfrutavam. Seus olhos eram de um azul celeste e pareciam estar sempre a vagar por outros mundos, por milhões de devaneios. Eram melancólicos na maior parte do tempo, mas, às vezes, um brilho diferente os iluminava. A boca pequena e carnuda, estava sempre crispada como se uma grande mágoa lhe corroesse o coração, mas sempre tinha um sorriso a oferecer quando estava perto de uma criança.
Monique não sabia seu nome, nem os motivos de tanta dor transparecer em seu semblante. Admirava-a de longe, do balcão onde trabalhava no quiosque. Entre o atendimento a um freguês e outro, desviava seu olhar para àquela que havia se tornado o seu objeto de adoração, de desejo, seu mistério particular ao qual sonhava desvendar e, no entanto, nunca teve coragem de se aproximar dela para, ao menos, perguntar se desejava tomar mais alguma coisa.
Era sempre assim, ela chegava ao início da tarde e ia-se embora com o sol, mas permanecia nos pensamentos da garçonete como se fosse o próprio ar que respirava. Sua ausência a afetava mais do que desejava, mas alegrava-se, pois sabia que a veria de novo no dia seguinte e poderia admirar-lhe durante uma tarde inteira.
Tornou-se um hábito ir para o lago em seus dias de folga em vez de descansar. Sentava-se em baixo de uma árvore e ficava a observar o seu doce mistério.
A amava.
A certeza disso veio devagar infiltrando-se em sua mente, em seu coração e, por fim, no corpo. O desejo de provar seu beijo tornava-se cada vez maior e não sabia como lidar com isso, então o guardou para os sonhos, pois sabia que não era correspondida, sequer havia sido notada por aquela que em tão pouco tempo tornou-se dona do seu coração.
O tempo foi passando e, um dia, ela veio caminhando lentamente com o auxílio de uma bengala. Monique preocupou-se, sentiu um aperto no peito como se fosse um mau presságio, teve ímpetos de ir falar com ela, mas ainda não tinha coragem para tanto.
A bengala tornou-se uma companheira fiel e não a largou por muito tempo. Chegaram dias em que ela não apareceu e Monique sentiu-se perdida, exausta, triste e desconsolada ao imaginar as piores tragédias, pois notou que seu amor definhava.
Mas, ela retornou um tempo depois, mais magra, mais abatida.
Havia dias em que uma senhora idosa a acompanhava, amparando-a carinhosamente.
Aos poucos, Monique sentia que perdia o seu amor, mas não tinha coragem para se aproximar e se declarar.
Mais uma vez, ela sumiu por dias e estes se tornaram semanas. Monique desesperou-se; não dormia, não comia, trabalhava como um autômato. Sequer conseguia sorrir. A família e os amigos preocuparam-se, seu patrão deu-lhe férias, mas ela se recusou a tirá-las. Então, continuou a trabalhar dia após dia na esperança de vê-la caminhando tranquilamente pela calçada, com expressão séria na face alva e seu velho livro de poesias nas mãos.
Ela voltou em uma tarde de primavera, vinha em uma cadeira de rodas. Estava magra e abatida, parecia respirar com dificuldade. A velha senhora empurrava a cadeira e sentou-se ao seu lado durante toda a tarde. Monique mal trabalhou, não conseguia tirar os olhos dela, a angústia e o medo de perdê-la lhe consumindo por dentro.
Quando partiu, pensou ter vislumbrado um pequeno sorriso em seus lábios dirigido a ela e, nesse instante, decidiu que no dia seguinte lhe diria tudo o que sentia.
Preparou-se o melhor que pôde. Vestiu-se o mais bela possível, escovou os cabelos, pôs uma maquiagem leve, comprou flores e foi trabalhar. Aguardou a tarde inteira pela sua chegada, mas ela não veio. Seus dias, novamente, se tornaram negros e sem graça. A dor da saudade e da angústia lhe corroendo o coração e as lágrimas teimavam em lhe dominar quando se encontrava sozinha.
Alguns meses depois, olhava fixamente para a calçada desejando que ela surgisse, no entanto, em seu lugar, surgiu a velha senhora. Caminhava devagar, o rosto enrugado com uma expressão severa. Trazia consigo o livro de poesias e caminhou em sua direção. Olhava-a fixamente.
A velha parecia cansada e abatida, como se carregasse um grande peso sobre os ombros. Ao se aproximar, entregou-lhe o livro silenciosamente e saiu com passos lentos e pesados.
Monique apertou o livro contra o peito por longo tempo e chorou. Naquele instante, soube que a havia perdido, que o seu doce mistério havia partido e a deixado só como jamais havia imaginado estar.
Sentou na primeira cadeira que encontrou e abriu com cuidado e carinho o objeto que acompanhou seu amado mistério por tanto tempo. Suas mãos tremiam e as lágrimas mal permitiam que enxergasse caindo sobre as páginas amareladas.
Havia algo escrito na primeira página, como se fosse uma dedicatória:
“Em uma tarde de verão, sentia-me perdida e sem esperanças. Foi quando a vi. Seu sorriso aqueceu meu coração, me deu forças para lutar, para seguir adiante. Por essa razão, passei a freqüentar o quiosque todas as tardes, pois, embora nunca tenhamos trocado qualquer palavra, sentir a sua presença me alegrava o espírito.
Inúmeras foram as vezes em que me peguei a observá-la e desejei tocá-la, mas sempre tive medo. Medo de que você não sentisse o mesmo que eu e de que o amor tivesse encontrado apenas o meu coração. Então, me conformei em vê-la e admira-la todas as tardes. Fizesse frio ou calor, meu dia não era dia sem que vislumbrasse teu sorriso.
Fiquei doente, já o estava, aliás.
Passei dias sem poder me locomover, sem que pudesse vê-la por um instante e isso me matava aos pouquinhos. Queria aparecer diante de você bem, como na primeira vez que a vi, mas o mal me abatia. Logo, tive que me apoiar em uma bengala e não tardou até o momento em que chegasse a cadeira de rodas. Senti minha vida se esvaindo, minha alma desejando a partida, mas não podia fazer isso.
Sempre que fechava os olhos, era o teu olhar e o teu sorriso que via. E, nessas doces lembranças, encontrei forças para me reerguer, para lutar por minha vida com o único desejo de um dia poder lhe dizer estas palavras olhando-te nos olhos.
Consegui! Estou quase curada.
Meu remédio? Você.
Não sei seu nome, minha doce e amada estranha, não sei como chamá-la a não ser de amor. Sim, eu a amo! Você encontrou morada em meu coração sem que eu o percebesse no instante em que a vi pela primeira vez.
Se sentes o mesmo que eu, por favor, venha ao meu encontro. Não vamos perder nem mais um segundo da vida e do que o amor nos reserva.
Espero-te,
Sua Alessandra”.
As lágrimas, antes de tristeza, agora eram de pura felicidade. Monique não podia segura-las, sentia a felicidade percorrendo todas as veias de seu corpo, dominando seu coração e espírito.
Ela a amava e queria vê-la.
Olhou mais uma vez para o livro, no canto da página havia um endereço. Ainda tentando conter as lágrimas, caminhou em direção a calçada que a guiaria até aquela a quem havia entregue seu coração sem que um único sussurro tenha sido pronunciado entre elas para dizer o que suas almas já sabiam.
FIM DO ATO 1
Que lindo, é incrivel a força de um amor
Que graciosidade! Muito delicado! Amei! O amor é realmente a arma mais poderosa do mundo p vencer as lutas q enfrentamos no dia-a-dia.
Outra vez, atrasada com uma resposta para ti, linda! Feliz que tenha apreciado esse encontro em três atos de amor! 😉
Beijão!