PERFUME
Texto: Naty Souza
Revisão: Nefer
Ilustração: Táttah Nascimento
Não sei se vocês têm esta impressão sobre o funcionamento da memória, mas a que tenho acerca da minha é que ela é como pipoca: vai pulando de um lado pro outro até se fixar em algo inesperado.
Ontem peguei um perfume que uso já há quase duas décadas. Tenho outros, claro, porém este é mais acentuado, para a noite. É o meu cheiro, a minha marca. Sempre o vi em prateleiras de perfumarias chiques ou senti nos pescoços dos rapazes que beijava na adolescência. Sim, eu me acreditava hétero convicta! Que piada! Nem entendia o porquê da cidade toda falar de mim desde a adolescência. Entretanto, isso é papo para outro dia. Voltemos ao perfume.
No ano que fui morar fora do país, eu queria uma vida nova. Estava solteira, quarenta quilos mais magra, realizando o sonho de uma vida de fazer intercâmbio na Europa. E eu precisava de um novo cheiro para essa fase.
Andando pelas ruas de algum bairro em Lisboa, longe das lojas de grifes famosas, passei por uma pequena perfumaria. Uma promoção me chamou a atenção na vitrine e comprei a tão sonhada fragrância, que já não era tão cara, pois não era a marca do momento.
Fui para a pensão onde morava, após ter pego um panfleto sobre as boates gays da cidade. Me banhei, troquei e passei o perfume. Me lembro da roupa que usava, da minha imagem no espelho do pequeno e gelado quarto que eu dividia com uma enfermeira portuguesa. Ela estava de plantão, e eu, sozinha, me arrumando.
Minhas colegas brasileiras, dos quartos ao lado, perguntavam para onde eu iria. Disfarcei e disse que iria a uma festa dos alunos ERASMUS*. Elas não poderiam se oferecer para ir comigo, pois não estudavam. Foram para Portugal na ilusão de uma vida melhor.
Saí de casa e parei em um bar qualquer no Bairro Alto, que tocava uma música celta. Tomei algumas cervejas no balcão. Estava esperando a abertura do Portas Largas. O bar era lindo, assim como as pessoas que o frequentavam. No entanto, era só o ponto de partida da noite. Tomei mais algumas cervejas e decidi que já estava na hora de ir para a discoteca (boate, em Portugal, significa “puteiro”).
A ansiedade me fez chegar um tanto cedo, estava quase vazia. Uma ou outra mulher aqui e acolá. Quando me dirigi ao bar, me deparei com uma promoção de shots. Nunca tinha ouvido falar dessa bebida, e olha que eu sempre experimentei de um tudo alcoólico nessa vida! A bartender, muito paciente em falar aquela língua, até então muito estranha pra mim, mais devagar, me convenceu a experimentar. A bebida se resumia a um copinho com meia dose de vodca e o restante de licor Tia Maria, feito a base de café. A ideia era virar de uma só vez. Gostei da brincadeira e tomei três entre uma cerveja e outra.
Eu estava muuuuito alegre e a fim de beijar. Uma moça me pediu pra sentar-se na cadeira ao lado da minha. Ela não era linda, mas pensei: “dá pro começo”. Rio sozinha em pensar na minha ilusão e inocência! A dita cuja nem se apresentou. Queria só mesmo um lugar pra sentar. Tentei lançar meu “olhar 43” para várias mulheres que ali estavam ou chegavam. Nada! Sem contato visual!
– Mas, que merda é essa? Esse povo não paquera, não beija na boca nessa porra de país? – pensei, desanimada e bêbada.
A música alta e animada me fez olhar para a pista de dança. Eu estava louca pra gastar o álcool ingerido, contudo não tinha coragem de fazê-lo sozinha. Foi quando olhei e vi um rapaz muito animado ao som de Tina Turner. Pensei:
– Essa bicha é minha salvação! Vou ficar olhando, até ele perceber e eu me oferecer pra ir lá.
Dito e feito. Após alguns minutos encarando o homem, ele me olhou divertido e eu sinalizei algo. Ele prontamente me chamou para a pista. Dançamos aquela música e aí nos apresentamos. Ele estava acompanhando um casal hétero. E no fim do papo descobri que ele não era gay, ou pelo menos acreditava que não era naquela época, e que o casal estava lá por ser uma boate de swing!
Deus, onde eu tinha amarrado minha égua? Devia ser praga da ex, só podia! A solução era beber mais e tentar gastar energia na pista, já que eu não estava a fim de sair dali pra uma suruba com dois homens e só uma mulher.
Mas, como o álcool faz tudo ficar mais leve e sem importância, acabei aceitando o beijo do rapaz alegre. E depois da amiga dele, com quem gastei um bom tempo. E por fim, do marido que estava isolado, num canto. O perfume foi elogiado pela moça. Se fui pra casa com eles? Lógico que não! No grau em que eu estava, não tinha condições de pensar em sexo, muito menos com desconhecidos, em outro país, sendo dois homens.
Depois de trocarmos telefones, fui para casa de táxi. Me amaldiçoei por ter bebido tanto, quando adentrei o prédio e me lembrei que morava no terceiro andar, o pé direito era altíssimo e não havia elevador. Cheguei ao meu quarto colocando os bofes pra fora, praticamente rastejando. Só consegui tirar as botas. O frio era tanto que não tirei a roupa, deitei como estava. Ou será que tombei? Quando penso nisso, ainda hoje, rio muito!
No fim das contas, o tal perfume me rendeu algo bem melhor que a noitada dos meus sonhos: um grande amigo, de quase vinte anos, que agora é assumidamente gay. E me fez ter consciência de que a minha vida sexual, durante o intercâmbio, seria um zero à esquerda.
Fim!
*Programa de intercâmbio em nível mundial, do qual participam universidades e cursos de diversos países de todos os continentes.
Kkkkkk rindo muito dessa tua presepada kķkk boate de swing??? Quê confusão, mais escadas pra finalizar a noite kkķkk. Guria espero que o restante da tua estada em Portugal tenha sido divertido assim kkk ao menos as lembranças né kkk. Ter um amigo assim por tanto tempo não é qualquer coisa, que maravilha.
Só pela próxima presepada kķkk
Um abraço Naty
Suzi, minha cara, foi um ano maravilhoso e cheio de presepadas! Acredite! Pra quem chegou com “óculos cor-de-rosa” na Europa, a coisa foi de mal a pior em uns aspectos e de muito crescimento em outros.
Tem outra história que em breve aparecerá por aqui, chamada “Desventuras em Série”. Se você quer ver presepada, leia este! kkkkk…
De uma coisa nunca vou poder reclamar: tenho muuuuita história pra contar deste ano fora. E muito menos deste grande amigo. Aliás, tenho uma outra amiga que conheci em Londres, brasileira, que está entre aquelas que contamos nos dedos das mãos.
Abraços e obrigada pelo comentário