Mignon

Um rapaz de linho antigo avança pelo rio…

És tu, minha amada?

Convoco-te

No incauto exercício da Memória:

Sabores de suor

A pele transida na fímbria do universo

A vida e a língua equilibrando-se no gume da lucidez

Transbordando as nossas águas já quase sem terra para humedecer

Meu corpo desidratado no teu

E tu em mim quase exígua de desejo

As línguas loucas no sexo

Mãos como mapas de abril

Abrindo territórios selvagens

Por entre todos os membros

Pés, joelhos, pernas

E a vida toda desmembrada, passo a passo, naquele quarto.

Uma romã…

Queria eu recordar

Como o fruto mais difícil de comer

Demorado

E o suco

Escorrendo entre seus seios

Na noite negra da cidade

Os teus cabelos húmidos que me sufocavam

Como me sufoca agora a garganta seca da memória.

Comi o deserto para poder recordar-te

Quando toda a água já se evaporou dos nossos corpos.

E agora fico aqui,

Com um nó intocável

Em parte nenhuma do corpo

Que já não existe

 

Ana Horta

 

 

 

 

 

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4 Responses to Mignon

  1. “Meu corpo desidratado no teu

    E tu em mim quase exígua de desejo”

    Simplesmente, amei!

    Ana Horta,
    sinta-se sempre à vontade para nos presentar com textos maravilhosos como este.
    Abs

  2. Que texto mais lindo!!!!
    Ana Horta está sempre me surpreendendo e dando presentes à minha alma.
    Que bom ter vc escrevendo para o LW, Ana.
    Que venham mais e mais textos para nos maravilhar e enternecer.

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