ERIS
Sabe quando tudo dá errado no seu dia? Pois bem, tudo deu errado no meu dia. Visitei mais lojas que eu queria, aguentei mais gente chata do que eu achei que poderia, perdi meu isqueiro e ainda o primeiro tempo da porra do jogo. Não, eu não torço pro time brasileiro que está jogando, mas eu odeio o suficiente as inglesas para não querer que levem o título.
E, agora, cá estou eu, dividindo uma promoção de chopp com uma estranha que mais grita do que assiste a TV, que definitivamente não entende uma mísera regra de futebol mas que curiosamente chama muito a minha atenção.
Ela me abraçou.
Não percebi quando fui atingida por um corpo pequeno e totalmente em ecstasy. O sorriso dela cobria a maior parte de seu rosto e seus braços eufóricos alcançaram meu pescoço, puxando meu corpo para o dela. Não recusei nosso encontro.
Ela me agarrou.
Por alguns segundos esqueci totalmente que não tinha sido o meu time a ganhar o campeonato já que o meu corpo vibrava tão forte com a energia dela, tão forte, que mais parecia uma bateria de escola de samba na arquibancada do Maraca.
Ela é pequena, tem a pele macia e delicada como um algodão, mas é negra como um céu noturno, e alcança toda a extensão da minha pele. Nosso contraste é muito gostoso de assistir.
A euforia do nosso encontro foi diminuindo, nosso abraço não está tão forte como antes, mas nossos corpos ainda continuam conectados, até que ela nos afasta e volta a tagarelar.
— Me perdoe, isso foi totalmente impensado — antes que ela pudesse falar mais alguma coisa, envolvi minha mão em sua cintura, trazendo-a de novo para perto.
O cabelo longo e ondulado com cachos assimétricos tocou meu rosto, o que me tirou uma risada leve.
O cheiro me remete ao verão.
Uma brisa refrescante porém quente.
Bem quente.
De repente tudo ficou muito quente.
I’m learnin’ to walk again
(Estou aprendendo a andar novamente)
I believe I’ve waited long enough
(Acredito que já esperei tempo demais)
Where do I begin?
(Por onde começo?)
Não percebo quando a DJ inicia o outro set. Só consigo reconhecer agora a música e é uma das minhas preferidas do Foo Fighters. Walk estoura nas caixas de som.
Nossos rostos ainda muito próximos, nossas respirações em desequilíbrio em sintonia. Os olhos de jabuticaba dela me encaram silenciosamente como se fizessem um pedido. Não sei se é a quantidade de chopp que eu tomei ou a euforia de ganhar um campeonato importantíssimo pro futebol feminino brasileiro, mas algo de diferente aconteceu.
Sabe aquele momento que antecede um beijo? Você não sabe ao certo quanto tempo dura, mas existe um misto entre curiosidade e desejo que acontece antes dos lábios se tocarem.
Ela fechou os olhos e aceitou o compasso da melodia. Fiz o mesmo. Suas mãos percorreram minhas costas de cima para baixo, parando na base da minha coluna, quando sobem novamente. Ela fica fazendo isso por um tempo, ainda de olhos fechados, e sentindo apenas a música.
Now
(Agora)
For the very first time
(Pela primeiríssima vez)
Don’t you pay no mind
(Não se preocupe)
Set me free again
(Me liberte outra vez)
To keep alive a moment at a time
(Para viver a vida um momento de cada vez)
But still inside a whisper to a riot
(Mas ainda, lá dentro, um sussurro para uma revolta)
To sacrifice, but knowin’ to survive
(Sacrificar, mas sabendo sobreviver)
The first to climb another state of mind
(A primeira subida para outro estado de espírito)
Meu coração ainda bate acelerado, mas minha mente se transporta para um lugar muito longe daqui. Escutar essa música sempre é uma sensação diferente. 5 anos. 5 fucking anos que a minha vida mudou completamente. E essa música me lembra toda vez que mudanças podem ser boas e que você nunca será o mesmo depois de uma grande colisão.
O corpo dela colide mais uma vez contra o meu, confirmando que ela também está sentindo o que estou sentindo.
Quero tirá-la daqui, quero sentir seu gosto, quero ouvir sua voz rente ao meu ouvido, quero ter seu hálito quente em mim de novo. O quanto eu bebi?Não faço ideia, eu não sei o que está acontecendo, eu só sei que é bom e eu não quero que esse momento acabe.
Eu só preciso sentir.
Eu só preciso senti-la.
Desço minha boca até seu queixo, me sinto tão perto que posso sentir a sensação de maciez e os pelos arrepiados. Percorro minha boca em seu pescoço, parando atrás de sua orelha, umedeço meus lábios e deixo um selinho. A respiração dela pesa quando sinto sua mão agarrar meu cabelo e puxar levemente.
— Deixa eu tirar você aqui? — sussurro em seu ouvido e antes que eu pudesse ter noção do que eu perguntei, ela balançou a cabeça em afirmação.
Foi apenas o tempo de pegar nossos pertences sob o balcão. Estendi minha mão para ela, segurando-a e começamos a andar pela multidão.
*
— Podemos estar aqui?
— Nós, sim — respondo enquanto olho para sua fisionomia confusa.
Andamos até a parte mais reservada do bar, o jardim dos fundos do Quimera. Quase sempre fazemos nossos churrascos de domingo aqui. Conheço este lugar como a palma da minha mão. E eu sei que aqui ninguém irá nos tirar a paciência.
— Tudo bem por você ficar aqui? — resolvi perguntar.
Ela acabou de me conhecer, deve estar confusa e não quero que ela se sinta desconfortável, ainda sou uma completa estranha para ela.
— Você não vai roubar meus órgãos ou nem nada do tipo, né? — minha vontade foi rir.
— Você acha que se eu fosse fazer isso, estaria te perguntando?
— Mas não é exatamente isso que um serial killer falaria?
Coloco uma mecha de seu cabelo atrás da orelha e caminho com ela até a parede de tijolinhos vermelhos. Me coloco entre suas pernas e a encaro ainda com minha mão em seu rosto.
— Podemos sair daqui se você quiser.
— Não — suspira — eu quero você.
Desço minha mão pela lateral de seu corpo e alojo nossos corpos pressionando-a na parede. Ela arfa sem tirar seus olhos de mim. Me aproximo dela mais uma vez e beijo a base de seu pescoço. Seu aroma continua como uma brisa quente de verão. Subo um pouco mais e beijo seu queixo até chegar em seus lábios. Pressiono mais nossos corpos contra a parede, colocando uma das minhas pernas entre as dela. Ela para de ficar na ponta dos pés e senta em minha coxa, ajeitando seu corpo em mim.
Pequena demais.
Toco em seus lábios grandes e macios, ela me dá espaço e adentro sua boca com curiosidade e muita vontade. Nosso beijo é intenso. Sua boca tem gosto de chiclete de menta e cerveja, também tem gosto de eletricidade e vontade. É exatamente como eu imaginei.
Levo uma de suas mãos na minha nuca porque gostei do que senti quando me abraçou lá fora.
Ela solta um gemido enquanto puxo seu lábio inferior para mim e esse barulho é o suficiente para que eu passe as minhas mãos por dentro de seu suéter. Ela intensifica nosso beijo e puta que pariu…
A carioca não aparenta ser mais velha que eu, mas isso não quer dizer que não seja experiente e não saiba o que está fazendo. Ela é carioca, né?
Minhas mãos continuam subindo sob seu corpo até que paro sob a base de seu seio.
Ela. Está. Sem. Sutiã.
— É só você falar que eu paro — volto a raciocinar.
— Não mesmo.
Continuei investindo minha mão sob o seu corpo enquanto ela resolveu fazer o mesmo comigo. Passou suas duas mãos por debaixo da minha jaqueta, deslizando suas unhas em minhas costas. Está no rol de melhores sensações da experiência humana ter as costas arranhadas pela mulher que está em sua boca. Se você já passou por isso, sabe do que estou falando.
Alcancei seu mamilo rígido e delicado, ela se contorceu mas não se afastou, apenas me encarou. Posso sentir o desejo derretendo em seus olhos.
Preciso sentir o gosto dela.
— Por favor, me beije — choraminga, indo na direção da minha boca.
— Ah caralho, não fala assim.
— Assim como?
— Essa voz.
— O que tem a minha voz? — choraminga mais uma vez.
— Você vai me descontrolar assim.
— Descontrolar me parece divertido.
Ela me beija como se o mundo fosse acabar daqui umas horas e por mim até poderia mesmo se ela continuasse fazendo isso. Minhas mãos a abraçam e ela continua se esfregando sutilmente em mim enquanto faz um estrago com suas unhas em minhas costas.
Ela tem iniciativa e eu gosto de garotas com iniciativa, permito que me guie para o que ela quiser fazer.
Minhas mãos percorreram a extensão corporal dela por inteira, mas controlo para que não desçam mais porque já bebemos demais e não quero deixá-la desconfortável, e fora que aqui não seria o melhor dos lugares para transarmos. Ela acabou de me conhecer e eu não quero ser uma escrota com essa garota.
Algo vibrou no meu pé. Olho para baixo e é a bolsa dela. Continuamos nos beijando até que
— Eu preciso atender, desculpa — balancei a cabeça para que ela pegasse o celular.
— Oi — ela disse se recompondo, ainda sentada em minha coxa — tudo bem, não sei o nome desse bar — ela me olhou fazendo sinal como quem diz: vamos ter que ir. — tudo bem, eu te encontro naquele primeiro bar que estávamos.
E desligou a chamada.
— Preciso ir — ela não me disse mais nada.
— Tudo bem.
— Me desculpa por isso, eu vou precisar mesmo ir.
— Fica tranquila — óbvio que eu queria terminar o que começamos, mas talvez seja o universo nos respondendo. Ela me olha e deita em minha mão que segura seu rosto.
Voltamos para o bar de mãos dadas. Nunca sei como reagir depois que fico com alguém, são alguns anos não sabendo o que fazer com as minhas mãos. Parando para pensar, tem tanto tempo que não faço nada parecido com isso que… resolvo resgatar minha velha conduta de guerra. O mínimo que eu faço é estender minha mão, se a menina quiser ela pega, se não, eu respeito e seguimos. Costumava fazer isso porque não gosto daquele tratamento frio que acontece depois que o tesão e o calor do momento passam.
Curiosamente meu tesão e minha temperatura ainda não voltaram pro eixo. Já sei que terei sérios problemas com isso quando voltar para casa, devo estar enferrujada.
— Preciso ir ao banheiro — ela ficou na ponta do pé para alcançar minha boca. Sei que ela hesitou se me beijaria na boca ou no rosto e acabei facilitando a dúvida quando coloquei meus lábios nos dela. Senti seu sorriso enquanto lhe dava um selinho — eu já volto.
— Disponha — levei minha mão na nuca, mexendo em meu cabelo sem saber o que responder — te espero aqui.
Disponha? Te espero aqui?
Eu tô mesmo enferrujada.
Foi então que eu me dei conta de que nem ao menos sei o nome dela. Mas sei que foi com ela o melhor beijo da minha vida.
E isso nem é força de expressão.
Me pego sorrindo igual uma idiota, estou ainda no brilho do álcool e num misto de alívio por ter sido interrompida (porque sei que não teria tanto autocontrole) e frustrada (por querer levá-la comigo para minha casa essa noite).Minha noite estava perfeita até eu ler o nome da mulher no meu visor do celular.
Porque nada na minha vida pode ser calmo e tranquilo.
Claro que não.
Afinal, eu continuo sendo Eris De Mori.
Curtindo bastante a tua escrita. A leitura flui rápido e tranquila.
😉
É a minha primeira história. Fico feliz em saber que você está curtindo, obrigada, Tattah!