A Maldição da Beleza

A Maldição da Beleza

A MALDIÇÃO DA BELEZA

Texto: Ione Silva

Revisão: Nefer


Na saída do trabalho.

– Te juro, menina! – Bernadete contava. – O telefone fixo, que sempre estamos pensando em eliminar, mas ainda não fizemos, deu um toque e ele saltou pra atender; até largou o celular.

– E você conseguiu ver com quem ele conversava? – Luciana questionou.

– Ele disse que era com Andrei, o amigo do peito dele de quem até gosto. Era mesmo com ele e estava falando que era dia da professora de yoga, aquela “delícia”! Tá com amante aquele cretino.

– E o que você pensa fazer?

– Primeiro, vou ver a safada lá na academia. Depois de anos pensando em começar a malhar, amanhã vou me matricular e iniciar na segunda, depois da avaliação. Vou conhecer pra derrotar ou, quem sabe, ter a confirmação e me divorciar.

– Tem certeza? Será que não é ciúme do marido sarado, não?

– Na frase “hoje à noite é dia da delícia da professora de yoga que parece cobra na cama”, você acha que pode ser o quê? E ciúme, francamente não é.

– É, parece que você tem razão. Depois me conta tudo.

– Pode deixar.

Despediram-se.

No dia seguinte, Bernadete passou na academia que seu marido Ailton frequentava e se matriculou em horário mais tarde que o dele. Como era sexta feira, começaria na segunda. Viria direto do trabalho, faria a avaliação física, montaria a ficha e começaria devagar pra manter a forma e conhecer a tal professora destruidora de lares.

A academia era grande, com dois andares além da piscina aquecida no térreo. Fez a avaliação, foi apresentada a um dos instrutores que faria sua ficha. Foi fazendo a sequência com pesos leves nos aparelhos e já sentindo-se moída. Ao passar por um dos espaços envidraçados com a porta fechada, viu algumas pessoas colocarem-se de pé vagarosamente, juntarem as mãos como se estivessem orando e permanecerem em silêncio (Namaskar Mudra). Perguntou ao instrutor o que faziam.

– Estão terminando uma aula de yoga.

Ela ficou momentaneamente sem reação. Será que já iria conhecer a piranha no primeiro dia – pensou.

– Será que eu conseguiria fazer também?

– As aulas deste horário são para turmas adiantadas. Iniciantes é horário diferente, mas pode ver se gosta.

Terminou sua última série, observando o pessoal do yoga que se abraçaram e saiam conversando rumo aos vestiários.

Na quarta, o mesmo instrutor passou uma sequência diferente. Ela verificou o pessoal na sala de yoga e se prometeu que falaria com a professora naquela noite, sem falta. Terminando suas séries, permaneceu sentada como se estivesse descansando até o pessoal do yoga se despedir. Levantou-se e seguiu em direção à sala parando na porta.

– Posso ajudá-la?

Olhou para a pessoa que fizera a pergunta e teve um choque. Levou uns segundos para responder.

– Não, obrigada, só estava olhando!

Um sorriso e um boa noite.

Na manhã seguinte

– Luciane, ferrou tudo! Se aquela é a tal professora de yoga do Ailton, nem dá pra pensar em começar a lutar, é direto pro divórcio.

– Por quê?

– Eu tenho 1,70 m de altura e ela é mais alta, morena clara, cabelos lindos até os ombros, olhos verdes escuros profundos que te encaram, corpo de fechar o comércio, sorriso de parar o trânsito. A mulher é uma deusa!

– Caramba! E agora? Será que a pele não é ruim? Algum defeito ela deve ter nessa beleza toda!

– Só não sei o que ela estaria fazendo com Ailton. Pode ter o homem que quiser, de qualquer lugar no mundo. A mulher é um aeroporto. É uma beleza tão… que me amedronta!

– É tudo isso mesmo?

– E um pouco mais!

Durante o resto da semana as duas fizeram mil conjecturas, planos mirabolantes pra desmascarar a professora, divórcio, não divórcio. Na sexta à noite, se sentindo toda dolorida, Bernadete foi para a academia pela terceira vez.

Terminando suas séries, ao passar pela sala das aulas de yoga, o pessoal já estava saindo e ela, lenta pelas dores musculares, não desviou com a rapidez necessária das pessoas que vinham conversando distraidamente. Quase caiu ao se virar e perder o equilíbrio e alguém a segurou firmemente.

– Olá! Continua só olhando?

– Oi! Desculpe, mas essas séries estão acabando comigo. Estou toda dolorida e não consigo fazer nada rápido, inclusive andar.

– É nova em academia!

– Terceiro dia hoje.

– Se quiser, posso fazer uma massagem para aliviar os músculos.

– Faria isso?

– Por que não!

– Faz isso pra todos os alunos novos quebrados?

– Não! – Respondeu, sorrindo. – Só para uma mulher interessante.

Bernadete, de novo, ficou sem reação. Mas a outra abriu e segurava a porta indicando para que ela entrasse, então ela entrou.

“Ai meu Deus, como vou dizer pra essa mulher que não quero nada dela, a não ser que pare de pegar marido alheio” – pensou.

Foi pedido que deitasse em um colchonete grande que estava no canto da sala e ela o fez.

Mãos macias começaram a tocá-la de forma desconhecida e quando levantou seus cabelos que haviam caído no seu rosto, percebeu que dormira e que estava sendo chamada. Ficou super sem graça.

– Melhorou?

– Muito! – Bernadete respondeu, se mexendo.

– Agora me deve um favor… ainda não sei seu nome.

– Bernadete.

– Prazer, Bernadete, eu sou Tandara. Tenha uma boa noite.

Tandara saiu e Bernadete olhou a hora e levou outro susto. Dormira por mais de meia hora! Apressou-se a ir pra casa, pensando se seu marido estaria à espera. Não estava, nem havia chegado ainda.

Passou o fim de semana observando o marido enquanto ele estava em casa. Ele não fez nada diferente dos outros finais de semana. Se bem que ele dizia que ia pro futebol com os amigos, churrasco na casa de um, aniversário de outro que iam comemorar entre amigos em algum sitio… ela não o acompanhava, sempre tinha coisas a fazer. Não conhecia a maioria dos amigos dele, muito menos suas esposas. De repente, se deu conta de que não participava da vida dele e não se interessava em participar, estava sempre envolvida com datas, prazos, plantas de construções. Levava a vida a sério demais.

Encontrou-se com Luciana pra um lanche no sábado à tarde.

– Sério que ela te fez uma massagem?

– Percebeu que eu estava dolorida, se ofereceu de uma forma que eu não tive como recusar.

– E foi legal a massagem?

– Foi ótima! Mais um ponto pra ela. Não consigo odiar a ordinária.

– Me diz uma coisa com toda sinceridade, você está pensando em lutar pelo seu casamento, ou é só raiva da traição? Porque, francamente sempre me pareceu que você se casou por casar, que nunca foi um amorzão entre vocês dois.

– Sabe que eu não sei! Realmente não cortaria os pulsos se o casamento acabasse. Sei lá, acho que queria saber que tipo de pessoa é capaz de se envolver com pessoas casadas.

– Quem garante que ela sabe que ele é casado? Você, por exemplo, raramente usa aliança.

– É que lavo as mãos muitas vezes e se tirá-la todas as vezes acabarei perdendo, ou esquecendo em alguma pia.

– Sabe que pode lavar as mãos sem tirar a aliança né?

– Ah, não gosto de ficar usando.

– Viu? Se ele não for pra academia com a aliança, a mulher pode não saber que ele é casado!

– Será que ele mentiu na ficha?

– Vai saber.

Boa parte do fim de semana, Bernadete passou pensando sobre a conversa, afinal ela também não colocou que era casada na ficha.

Na segunda, por trabalho em excesso, chegou mais tarde na academia. Quando estava quase acabando sua última série:

–  Boa noite! Melhoraram as dores?

– Hã?! Oi. Bastante, obrigada.

– Veio mais tarde hoje.

– Trabalho demais.

– Nesse exercício, você tem que dobrar um pouco mais os joelhos e segurar o abdômen para não machucar as costas. E cuidado pra não forçar o pescoço. Você está fazendo assim e com isso, o pescoço acaba fazendo força.

Fez o exercício corretamente para demonstrar. Bernadete repetiu como Tandara ensinou

– É bem diferente a sensação!

– Agora está pegando a musculatura certa.

– Te devo mais uma.

– Não vou esquecer e pode apostar que vou cobrar. Vou falar com o professor.

Piscou e, com um sorriso acolhedor, se afastou.

Chegando em casa, ligou para Luciana.

– Pode achar que estou louca, mas acho que a tal professora está me paquerando! Será que é possível, ou estou delirando?

– Brincou! Quer dizer que ela é bi?

– Não sei, vai ver que é, ou posso ter interpretado mal.

– Já pensou você sair com ela e teu marido encontrar as duas na cama? A mulher e a amante!

– Para de delirar, Lu!

– Seria a vingança perfeita.

– Ah, boa noite que amanhã trabalho cedo.

Sem querer a ideia de Luciana se infiltrou na mente da Bernadete, mesmo ela dizendo não e achando loucura.

Na quarta feira, Bernadete usou o banco de horas, trabalhou até às 11h00 e, ficando com a tarde livre, resolveu ir à academia antes de almoçar. Fez suas séries e resolveu tomar banho, antes de sair. Como os chuveiros e vestiários ficavam atrás da piscina, desceu e para lá se dirigiu.

Havia uma pessoa nadando e ela parou para observar a fluidez com que a pessoa nadava. Teve até uma certa inveja. A pessoa nadou calmamente mais um pouco e saiu da piscina, em direção ao vestiário.

– Está pensando em fazer natação também?

– Oi! Não tinha visto que era você. Estava indo pro chuveiro pra tomar banho, antes de ir almoçar.

– É mesmo? Que tal pagar uma de suas dívidas almoçando comigo?

– Ahhh! Não sei… eu… – a ideia maluca de vingança de Luciana apareceu na sua mente -, pode ser.

– Que bom. Eu também estou indo tomar banho.

Bernadete deu graças a Deus pelos boxes separados e fechado só pra não continuar encarando aquele corpo que se apresentou nu ao tirar o maiô e pegar as coisas para o banho na mochila. Ô inveja!

Bernadete seguiu Tandara até um restaurante próximo, praticamente em silêncio. Sentaram-se à mesa e Tandara deu-lhe o cardápio para escolher, pois já sabia o que almoçaria. Depois de escolher e informar à garçonete que conversava com Tandara enquanto esperava o pedido

– Parece que é habitual aqui.

– Sou sim. Gosto de comida simples e saborosa. Você parece meio preocupada.

– Eu!? – disse a primeira coisa que lhe veio à cabeça –  É que tenho uma amiga, casada há 8 anos e que agora seu marido tem uma amante. Ela não sabe o que fazer.

– Que barra! Vocês têm certeza? Conhecem a amante?

– Temos certeza. Não, não conhecemos. Estivemos pensando em confrontar a amante, mas não temos certeza se ela sabe que ele é casado.

– Pessoalmente, acho horrível se envolver com alguém que se sabe comprometido. Normalmente só traz dor a muitas pessoas envolvidas, principalmente se houver filhos. Às vezes acontece o amor e não é fácil enfrentar divórcios, acusações, culpas e o que mais venha da situação. Mas, se a pessoa se envolver sem saber que o outro é casado, a mentira é muito pior que tudo.

– Verdade, é complicado demais!

– Você nunca fez atividade física antes?

– Só na época da escola laaaa atrás.

– Nem tão atrás assim! -Tandara observou, sorrindo. – E por que resolveu fazer agora?

– Saúde! — Bernadete respondeu, rápido. – Percebi que ando trabalhando demais e me cuidando de menos.

– É importante se cuidar.

E a conversa foi nessa linha até se despedirem ao lado do carro de Bernadete.

– Luciana, nem te conto! Fui à academia antes do almoço e quando fui tomar banho para ir almoçar, a professora de yoga também foi. Ficou peladinha na minha frente, sem nenhum pudor!

– E você viu algum defeito na beleza que você disse que ela tem?

– Na-di-ca! É um corpo perfeito.

– Vou ter que conhecer essa mulher pra ver se é tudo isso mesmo. Não é possível! Deve ser cheia de plásticas.

– Acho que não, é malhação mesmo.

– Então é cheia de músculos, aquelas das bombadas?

– Que nada! É do tipo durinha, mas sem nada em excesso.

– À próxima vez que for à academia vou junto pra ver.

E realmente foi. Luciana fazendo de conta que estava observando a amiga pra ver se aguentaria começar a fazer academia também.

– Que coisa! Tem muita gente precisando malhar muito, mas como tem gente gostosa no pedaço, menina! Acho que vou começar a frequentar esta academia.

– Luciana! Será que só pensa por esse lado? Que tal pensar na saúde?

– Parece que o papo que teve com a tal professorinha surtiu efeito. Por falar nela, onde está?

– Lá naquela sala envidraçada. É a que está corrigindo a de azul.

– Você está fazendo seus exercícios ou vigiando a professora?

– As duas coisas. – pensou – Gosto de olhar pra ela.

– Mama mia! Puta que pariu, cê tá ferrada!

– Fala baixo! Obrigada pelo incentivo.

– Se eu fosse gay atacava na hora, que mulherão.

– Nossa, amiga, como você consegue lustrar o ego da gente.

– Desculpa, mas aquela ali pode ter homem ou mulher que quiser. Só não sei por quanto tempo ela pode querer alguém, estala os dedos e tem disputa na fila. Deve ter voz horrível, daquelas esganiçadas.

– Não sei porque eu fui te trazer. Pelo que observei ela não é do tipo galinha, não. Me faz um favor e fica calada pra eu terminar meus exercícios.

Quando Bernadete está no último:

– Boa noite, meninas.

– Olá! Não, não tem. – Luciana respondeu.

– Oi, Tandara. Terminou mais cedo a aula?

– Não, você que se atrasou conversando com tua amiga.

– Pois é! Tem gente que não consegue ficar calada.

– Amigas de longa data?

– Bota longa nisso. – Luciana observa e não consegue se segurar, indagando – você já fez plástica?

– Não. – Tandara sorri. – Por que a pergunta? Está procurando médico?

– Não. Com um corpão deste, sem nada de banha, até os dentes são bonitos, pensei que tivesse.

– Sempre gostei e pratiquei esportes ou alguma atividade física, mas devo muito à genética familiar. E beleza está mais nos olhos de quem vê.

– Queria ter uma genética assim.

– Viu como não consegue ficar calada? – Bernadete fala.

– E você, Bernadete? Como está se sentindo com os exercícios?

– Estou bem, menos dores e mais ânimo.

– Que bom! Como hoje está acompanhada deixo-as em paz. Boa noite.

As duas responderam e Tandara saiu.

– Caramba, ela está mesmo te paquerando!

– O quê!? Tá nada, já tirei isso da cabeça, ela só é gentil e você está delirando.

– Não estou mesmo, ela tá a fim de você. Que gulosa, não chega o marido?

– Para, Lu, vamos embora.

Ficou puta com a amiga, mas quase não dormiu pensando na possibilidade, que aliás não a desgostava, enquanto o marido roncava ao lado.

Ao encontrar Luciana na noite seguinte

– E aí, se convenceu que a tua deusa está a fim de você?

– Não sei, ela é muito gentil comigo, disse que sou interessante, mas ela é tudo aquilo que você viu, deve ter mil modelos a seus pés. Ela tem um jeito meio triste, meio misterioso.

– Não se deprecie, não! Você não é nada mal, é bonita, inteligente, gostosa. Ainda dá um baita caldo, até que formam um casal bonitinho!

– Meu deus! Por que ainda tento conversar a sério com você?

– Nós estamos conversando super sério! Você é bonita e ela é maravilhosa. Vai dizer que nunca teve gente interessada em você além do mané do seu marido?

– Ah, teve. De vez em quando, tenho que cortar uma asa ou outra de uns caras e uma vez de uma mulher, mas ninguém como ela.

– Não disse? Você é uma gata, mulher.

– Tá bom. Só não sei como falar com ela sobre o caso deles, se for verdade que ela tá a fim fica mais difícil ainda.

– Que nada! Dá corda e se surgir convites, aceita. Que vingança melhor que dormir com a amante do marido?

– Que isso?! Nem saberia como ficar com uma mulher.

– É fácil. Vai fazendo o que der vontade e aproveita conferir se é tudo autêntico mesmo.

– Até parece que você tem experiência no assunto.

– Experiências não, mas já experimentei.

– O que? Quando? Como?

– Na época da facu. Lembra da Janice que dava em cima de mim que te contei?

– Lembro.

– Então, andei dando umas trepadas gostosíssimas com ela.

– Como é?

– Foi legal, mas só pra experimentar mesmo, mas se pintar a vontade com uma gostosona posso experimentar de novo. Fecha a boca pro queixo não cair e tira esse ar de espanto da cara.

Luciana beijou a testa de Bernadete que continuava sem palavras, se despediu e foi pra sua casa.

Luciana acabou por se matricular na mesma academia que a amiga, mais para estar perto do desenrolar da situação e (como ela dizia), verificar in loco os seguidores dos deuses gregos.

Como falava com todo mundo, descobriu que Tandara era a dona da academia e que dava aulas de dança do ventre às terças e quintas feiras, no mesmo horário das de yoga nos outros dias e que, sábado pela manhã, dava aula de Tai Chi, na mesma sala. Ao encontrar Tandara:

– Boa noite. Eu soube que você dá outras aulas, além de yoga.

– Boa noite! Dou sim, está interessada em alguma?

– Dança do ventre, quero arrasar no molejo.

– Então, vem amanhã às 18h30 que é o horário para iniciantes. Às 20h30 já é pro pessoal que faz há mais tempo. – Tandara sorri, simpática.

– Acho que virei mesmo. Não, melhor começar a semana que vem. Escuta, Tai Chi não é uma arte marcial?

– É sim, por quê?

– Soube que você também dá aula e na mesma sala, ao invés de na sala de artes marciais.

– Por causa da energia. Prefiro a energia que permanece no ambiente de yoga e da dança, das músicas. Tai Chi é terapêutico também. A energia das salas de lutas é bem mais densa.

– Hum! Bernadete vai fazer aniversário na quarta. Que tal a gente jantar com ela pra comemorar?

– Será que ela vai querer? Afinal, quase não me conhece e pode não gostar da minha companhia em uma comemoração sua.

– Que nada! Pensei nisso agora, em irmos eu e ela comemorar, mas resolvi te incluir.

– Primeiro, pergunta pra ela, se ela não se importar…

– Ótimo! Vou falar com ela agora mesmo; ela está chegando.

Tandara seguiu para a sala para dar sua aula e Luciana foi esperar Bernadete chegar, o que não demorou nem dez minutos. Após os cumprimentos:

– Adivinhe! Quarta nós três vamos jantar daqui da academia pra comemorar teus 32.

– Lembrou?! Tá bom… quem “nós três”?

– Eu, você e Tandara.

– Você a convidou?

– Acabei de pensar nisso, convidei-a, ela disse que eu deveria falar com você primeiro. Pronto, já falei.

– Mas eu ainda não concordei!

– Tua família tá toda no interior, o cretino de teu marido provavelmente nem vai se lembrar e… tem aquela possibilidade, lembra? Ou você não quer a companhia dela?

– Quero sim! – Bernadete responde, rápido demais. Que possibilidade?

– De tirar a amante do teu marido e dar o troco. Ela realmente te paquera, embora muito sutilmente, como se tivesse medo ou dúvida.

– Ahhh! Não sei se é boa ideia.

– Você mesma disse que ela tem um ar triste, de repente não tem muitos amigos, então a gente pode alegrá-la um pouco. Ou, imagina entrar em algum lugar com ela ao lado, todo mundo vai nos ver e aumentar a possibilidade de arrumar um bonitão que ela rejeite.

– Não acredito! Como não adianta discutir com você, vamos jantar na quarta. Pode escolher o local.

Na quarta, após o término da aula de yoga, Tandara avisou-as que, em vinte minutos, estaria esperando Bernadete e Luciana na entrada da academia. As duas se banharam, colocaram as roupas que tinham trazido para o jantar e quando estavam prontas encontraram-se com Tandara, elegantemente simples, mas para Bernadete, lindíssima.

Tandara, que havia dado um abraço em Bernadete assim que ela chegara, estendeu um pacote pra ela.

– Desculpe se não for do seu agrado, mas não conheço ainda seus gostos.

No pacote, uma caixinha de música de madeira trabalhada, um mimo delicado e duradouro.

– Nossa! Amei!

– Orra! — Luciana observa, sem se conter. – Deve ter custado uma fortuna! Que linda.

– Luciana! – Bernadete chama-lhe a atenção.

– Ops, desculpe. Mas, olha os detalhes, madeira de primeira, parece daquelas antigas, muito bem feita com capricho.

Como Luciana é quem sabia onde iriam e fizera as reservas, foram no carro dela e combinaram que, na volta, seriam deixadas na academia para apanhar seus respectivos carros. Local mais ou menos famoso, mais ou menos caro, com ótima comida que ela adorava.

– Devia saber que seria esse que escolheria.

– Eu adoro aqui. Tandara, você não fala muito, né?

– E você dá brecha pra alguém mais falar? – Bernadete replica.

– Claro que dou! Hoje eu quero saber tudo a seu respeito, mocinha.

– Não há muito pra saber. – Tandara responde. – Filha de mãe solteira, uma irmã, faculdade de Educação Física e trabalho na academia que vocês conhecem.

Sentaram-se à mesa reservada.

– Nem vem! Quantos anos você tem?

– 35

– Nasceu onde?

– Aqui mesmo.

– Que tipo de música gosta, cor favorita, gosta de ler, de filmes? Já viajou muito? Já foi casada? Pretende se casar?

– Sou eclética quanto à música, depende do momento. – Tandara sorri. – Cor, azul clarinho, adoro ler e ver filmes. Viajo duas vezes por ano, uma para cursos de aperfeiçoamentos da profissão, outra a lazer. Nunca fui casada e me casaria se encontrasse a pessoa certa.

– Bernadete, vocês têm muito em comum pelo jeito, com exceção das viagens que você sempre fica no querer fazer e não faz.

Pediram o jantar, as bebidas e Luciana se encarregou de descobrir e mostrar o que tinham em comum e o que não batia. No final:

– Agora que já nos conhecemos melhor, um brinde à amizade –  Luciana fala e, após beberem um gole para o brinde, continua. – Agora cada uma paga sua parte e vamos embora que amanhã é outro dia de trabalho.

Bernadete se assustou e Tandara sorria. Bernadete fez sinal para fecharem a conta.

– Oh, Tandara, você é simpática, sorri sempre, mas nunca vi você rir de verdade. – Luciana fala. – Tem uma sombra de tristeza permanente. Por que, com toda essa beleza, essa tristeza permanece?

– Essa beleza que você fala, não é nada além de aparência e, às vezes, pode ser uma maldição. Prefiro a beleza da Natureza, a beleza que vem de dentro e é ignorada, aquela que nunca acaba. Essa visível, já te disse que é pela genética e essa não impede que coisas ruins aconteçam na vida de ninguém; às vezes, até provoca.

– Uau! Pelo jeito não vai nos contar o que te aconteceu, né?

– Não!

A curiosidade de Bernadete ficou mais do que aguçada, mas se manteve calada sentindo vontade de abraçar Tandara e tirar um pouco da tristeza, da mágoa que parecia carregar. Pagaram a conta e voltaram para a academia falando de coisas diversas. Mais Luciana que as outras.

– Menina! Agora acordou a detetive. Que será que aconteceu com ela?

– Luciana, vê se relaxa e não sai atacando do jeito que fez hoje. Foi uma situação chata.

– Não achei, não! Mas vou descobrir. Ah se vou, nem que tenha que contratar detetive para ajudar.

No final de semana, sábado à noite, Luciana vai a uma exposição com quadros impressionantemente fortes, cores vibrantes, com traços agressivos até, mas estimulantes e belos.

– Tandara!

Ela levanta a cabeça.

– Oi, Luciana! Não sabia que gostava de exposições.

– Adoro! E você, gosta do que viu aqui?

– Oi, filha, amiga sua?

– Oi, mãe. – Tandara responde. – Luciana, minha mãe Isis e aquela que vem chegando, minha irmã Irene. Esta é Luciana, uma amiga da academia.

Cumprimentaram-na.

– Realmente, você tem razão, tua beleza está na genética!

– Irene, minha irmã, é artista plástica entre outras coisas e esta exposição é dela.

– Nossa! É uma honra conhecer alguém tão talentoso. Sua obra é impressionante!

– Obrigada, que bom que gostou! – Irene responde. – Faz tempo que frequenta a academia?

– Não! Fui acompanhar minha amiga e acabei ficando. Estou pensando em começar a fazer dança do ventre.

– É uma ótima atividade física.

– Desculpe interrompê-las, mas só vim avisar Tandara que estou indo pra casa. – Isis informa.

– Quer que eu a leve? – Tandara indaga.

– Não, filha, já estou sendo esperada, chamei um uber.

– Tá bom, boa noite, mãe.

Beijaram a mãe, ela se despediu de Luciana e foi embora.

– Acho que já vi a tua mãe em algum lugar, não sei se pessoalmente, ou foto…

– Ela é advogada conhecida, você pode ter visto a foto em algum jornal. – Irene responde.

– Pode ser. Família importante, hein, Tandara!

– Menos eu, graças a Deus. – Tandara observa.

Conversaram mais um pouco e Tandara se despediu quando chamaram Irene.

No dia seguinte, hora da fofoca.

– Menina, nem te conto quem estava na exposição que você não quis ir, com maquiagem leve, um vestido simples, mas elegante e arrasando.

– Quem?

– A tua deusa!

– Tandara?

– A própria. E conheci a mãe e a irmã. Que família linda! Tandara  é a mais bonita, sem dúvida, mas a mãe e a irmã não ficam muito atrás não! Altas, elegantes, educadas, embora pareçam frias e distantes. Enquanto Tandara gosta de ficar na moita, a irmã usa legal a beleza e a sedução que sabe que tem, além de um baita talento. É aquela sedutora  que te mantém à distância, sabe como é. E as pessoas parecem formigas em doce em volta dela. Ela não chuta, mas não permite que invadam seu espaço. Parecem mulheres fortes.

– Nenhuma estava acompanhada?

– Interessada, hein! Parece que Irene, a irmã, é casada, mas o marido não estava lá. Terça vou pra dança do ventre, não quer ir?

– Pra mim não dá tempo, você sai mais cedo que eu.

– Então depois te conto como é a aula e se tem alguém em cima da tua paixão.

Bernadete achou melhor ficar quieta.

Na segunda, tudo correu rotineiramente. Olhares, pouca conversa e ninguém dizendo nada claramente.

Na terça depois da aula, Luciana ligou pra Bernadete.

– Tô de queixo caído até agora, ela dançando é divino! Nunca vou conseguir fazer com a graça que ela faz aqueles movimentos. Uma das alunas vai fazer aniversário de casamento e pediu pra ela ensinar algo pra esquentar as coisas com o marido. Arrepiou! Acho que as alunas foram excitadas pra casa.

– Nem todo mundo é como você.

– Se você estivesse lá entenderia porque estou falando isso. Foi de arrasar! Acho que até você ficaria molhada, eu fiquei. Ela é muito sutil e devagar, ataca logo, senão daqui a dez anos vão estar na mesma, você querendo ir à forra, o porcaria do teu marido te traindo e ela te paquerando. Resolve logo.

– Eu nunca disse que ia ter algo com ela, você quem achou que seria uma vingança apropriada. Acho que não quero nada disso.

– Pensa bem, depois resolve. Boa noite.

Nem precisava pensar, não queria vingança alguma, muito menos ferir Tandara.

Na quarta, depois da aula de yoga, assim que o pessoal começou a sair, Luciana a chamou.

– Tandara, oi! Pode me dar uma ajudinha aqui?

– Boa noite, qual o problema?

– Acho que estou fazendo esse aparelho errado. Dói aqui nas costas.

– Faz uma vez pra eu ver.

Luciana fez propositadamente errado pra justificar o chamado. Tandara corrigiu o movimento e já ia sair, mas Luciana puxou assunto.

– Desculpe, não que seja da minha conta, mas você tem alguém?

– O que?

– Parece que você anda interessada em Bernadete, com muita sutileza, mas interessada.

– Ela te disse que eu fiz algo que a desagradou?

– Não! Eu percebi; ela até tem dúvida. Só penso que se continuarem assim nem em dez anos vai acontecer alguma coisa.

– Presta bastante atenção nas pessoas, não é?

– Posso parecer inconsequente, mas não sou e amo meus amigos.

– Não precisa se preocupar, jamais faria qualquer coisa pra magoar ou ofender alguém. Ela se sentiu ofendida quando você disse à ela sobre meu interesse?

– Ficou surpresa, mas não ofendida.

– Que bom! Boa noite.

– Mas…

– Oi, pessoas. – Bernadete acena. – Mais um dia acabado, terminei tudo.

– Oi, Bernadete, estava me despedindo. – Tandara fala.

– Só porque eu cheguei? Do que falavam com tanta animação?

– Sobre a vida e emoções. – Luciana responde.

– Não é porque você chegou, tenho compromisso, juro. – Tandara fala.

– Ficaria se pudesse? – Luciana indaga.

Tandara sorriu e saiu.

– O que estavam conversando?

– Sobre o interesse dela por você.

– Você não fez isso!

– Claro que fiz. – Luciana responde, rindo. Afinal, ela tá caidinha por você.

– Só na tua cabeça!

– Por que insiste tanto em negar esse interesse se no começo achava o mesmo?

– Porque me causa medo, droga!

– Medo de se envolver?

– De ser rejeitada, acho que já me apaixonei.

– Eu sabia! – Luciana ri. – Fica vigiando, querendo sempre estar perto. Só vai saber o que pode acontecer se deixar rolar, se tentar.

– Tenho um marido em casa, lembra?

– Você sabe o que penso a respeito dele e sabemos que não o ama. Sabe que eu tenho certeza que tem algo na família dela pra serem, ou fazerem o possível para se manterem distantes das pessoas. Mesmo ela se interessando por você é super discreta, não é direta, como se esperasse uma atitude sua!

– Acho difícil isto acontecer.

– Não sei não! Acho que você está ficando muito a fim dela, por isso está com medo. Até quando vai aguentar?

– Está ficando tarde, vamos embora antes que você comece tua investigação.

No dia seguinte, Luciana começou sua cruzada para descobrir tudo sobre a família de Tandara através do nome da mãe.

Bernadete não conseguia tirar a preocupação de seu temor quanto à Tandara. Na sexta, pela manhã, tomou uma decisão e, à noite, assim que viu Tandara foi falar com ela.

– Oi, Tandara. Sei que vai dar aula agora, mas precisamos conversar.

– Tudo bem! Hoje ainda?

– Pode ser amanhã? Você escolhe o local, só gostaria que fosse tranquilo. A qualquer hora.

– Pode ser às duas da tarde?

– Pode.

– Vou anotar o endereço pra você junto com meu telefone.

Tirou da mochila papel e caneta, anotou e deu pra Bernadete antes de ir pra aula.

Naquela noite, Bernadete remoeu nos pensamentos tudo que diria, como foi que se casou, a espécie de casamento que tinha, o quanto gostava dela, que poderia se divorciar do marido, seria totalmente franca.

Às 14h00 em ponto o interfone tocou da portaria e deu permissão para a visita subir. Bernadete entrou, após cumprimentar Tandara, e olhou em volta. Apartamento nem claro, nem escuro, móveis bonitos, modernos, mas sóbrios. Nenhuma foto ou quadro nas paredes.

– Pensei que, por sua irmã ser artista plástica, sua casa seria cheia de quadros maravilhosos.

– Ah, Luciana te contou. Não, os quadros de minha irmã me lembram o passado que prefiro esquecer pra sempre. Por favor, sente-se. Sobre o que quer conversar comigo?

– Nossa! Está com pressa que eu me vá?

– Desculpe! Quer beber alguma coisa? Não estou com pressa que você se vá, apenas de saber o porquê de ter vindo.

– Por enquanto, não quero nada. Vou ser direta então. Qual o seu interesse por mim?

– Você é uma aluna da academia e eu tento fazer com que goste de lá.

– Só isso? Faz o mesmo com todos os alunos da academia?

– Não.

– Não, o quê? A primeira ou a segunda pergunta?

– Não para as duas.

– Por favor, preciso saber pra te contar tudo que quero que você saiba sobre minha vida, eu não sei o que pensar, o que ando sentindo e até mesmo uma vontade…

– Uma vontade?

– De te beijar!

– Isso é fácil de resolver.

Levantou-se, veio até Bernadete após atravessar o espaço entre elas, curvou-se e beijou-a delicadamente. Bernadete sentiu o descompasso cardíaco já enquanto ela vinha, recebeu-a na boca com avidez que não conhecia. Levantou-se sem separar as bocas e simplesmente ofereceu-se completamente sem lembrar o que pretendia dizer e assim foi aceita.

Aquele corpo que admirava lhe pareceu a coisa mais macia, mais quente, mais…, nem sabia mais o que, apenas queria de volta tudo que dava e tomou sem nenhum pudor, sem barreiras, sem cansaço. Todo aquele vazio que jamais fora preenchido com namoros e marido, foi saciado. Toda pressão que havia constantemente no peito e no ventre se esvaiu.

– Parece que você conhecia a resposta.

– Conhecia não, apenas desejava que fosse verdadeiro o que Luciana dizia e o que meu medo sussurrava.

– Teu medo? Medo de que?

– De sentir o que estou sentindo agora. De não querer estar em outro lugar que não com você. De ser abandonada depois que…

– Quer jantar comigo?

– Jantar? Que horas são?

– Não sei, mas estou com fome – olhou a hora – 19h30.

– (rindo) Tudo isso?

– Tem que ir a algum lugar? Algo a fazer?

– Hoje não, estou à sua disposição.

Então viu pela primeira vez o sorriso diferente, não aquele constante da gentileza e que não queria dizer mais nada. E amou, mas como seria se contasse tudo? Não quis pensar em mais nada naquele momento, apenas vivê-lo, as consequências resolveria depois. Foram como estavam para a cozinha, sem nada para cobrir a nudez.

Tandara foi apanhando algumas coisas para fazer o jantar.

– Pode ser risoto?

– Adoro! Mas, você vai mesmo cozinhar?

– Você disse que não tinha pressa nem lugar pra ir!

– Apenas não imaginei que você também cozinhava. Posso ajudar?

– Claro!

Entre brincadeiras e risos que nunca Bernadete tinha visto ou ouvido e que gostava mais e mais a cada instante (na mesma medida do receio de contar a verdade), fizeram o risoto e mal terminaram de comer foram para o quarto e até a madrugada existiram apenas elas entre beijos, toques, arranhões, palavras doces e palavrões, seios sugados, mordiscados, vaginas lambidas, adentradas, gozos seguidos, até o cansaço prevalecer e o sono conduzi-las aos sonhos.

De uma que aquela realidade jamais terminasse, da outra que num passe de mágica toda verdade desaparecesse, ou fosse compreensivamente aceita para que jamais se separassem.

Por volta das dez da manhã de domingo Bernadete acordou feliz e relaxada, se espreguiçou e se deu conta de onde estava. O marido só voltaria à noite, tinha tempo ainda. Tandara não estava na cama, então se levantou preguiçosamente e foi pro banheiro. Um banho caiu bem.

– Bom dia, preguiçosa, estava te esperando pro café.

Tandara estava de short e camiseta, sentada no sofá lendo e à sua espera. Deixou o livro de lado e veio abraçá-la.

– Bom dia. Devia ter me acordado, não costumo levantar tão tarde.

Beijaram-se e foram tomar café.

– Então, Bernadete, ainda tem algo pra conversar comigo?

– Não sei! Sim, na verdade tenho, mas tenho que organizar como te falar.

– O medo?

– Sei lá se ainda tenho, só sei que adorei estar com você.

– Algo a impede de repetir a estada?

– Melhor ir com calma, né? Vai que você descubra algo sobre mim e não aceite.

– Eu sempre vou com calma em tudo na minha vida.

– Controlada hein!

– A vida me ensinou a ser assim, dói menos.

Bernadete deteve o olhar mais atento sobre Tandara. Não, ela não era fria, com certeza, mas parecia não confiar nas pessoas. Era triste, tinha ainda dor no olhar, mágoa. Queria abraçá-la de uma forma que limpasse tudo aquilo dela. Era linda por dentro também, viu naquele olhar.

– O que aconteceu na tua vida de tão profundo pra você se manter assim?

– Coisas do passado, melhor ficar no passado. Quer fazer alguma coisa? – como sempre, mudando de assunto.

– Nada específico!

Bernadete respeitou, mas sua curiosidade foi aguçada, bem como a preocupação pela mulher por quem se apaixonava mais a cada dia.

– Quer sair um pouco?

– Não! Quero ficar aqui com você, se não se importa.

– Me importo sim e pode ter certeza que adoro tua companhia.

Ficou. Repetiram o que fizeram à noite. Fizeram almoço em parceria, como se há muito convivessem e chegou a hora de Bernadete partir.

– Tenho que ir pra casa.

– Talvez no próximo encontro eu possa ir até lá.

– Até minha casa? – chegou a hora de contar a verdade – Eu não moro sozinha.

– Ah! Você volta?

– Volto.

Beijaram-se e Bernadete sentiu uma vontade louca de ser livre e ao invés de voltar… ficar. Nada mais foi dito, uma por inconscientemente ter medo de saber, outra por medo de perder.

Só ao chegar em casa viu que Luciana tinha ligado oito vezes e o marido três. Deixara o celular no silencioso e nem se lembrou de olhar. Ligou para o marido.

– Oi, Ailton, que você queria?

Ele não estranhou o tom, era assim que se tratavam, colegas de casa!

– Ué! Você não estava em casa?

– Não, estava com uma amiga. Por que ligou?

– Só pra avisar que chego lá pelas dez, pra você não se preocupar.

– Tá bom.

Desligaram. Assim sem apelidos carinhosos que nunca tiveram, um linguajar de conhecidos. Ela não se preocuparia, com certeza, mas sentia que ele quis informar porque estava com a amante e não queria que ela o procurasse. Ligou para Luciana.

– Aconteceu alguma coisa desesperada? Ligou oito vezes!

– Desde ontem à tarde. Pensei que tinha sido sequestrada, estava preocupada. Por onde andou?

– O telefone estava no silencioso e esqueci de olhar.

– Liguei no fixo e não atendeu.

– Não estava em casa.

– Foi aonde?

– Conversar com Tandara.

– O que? Resolveu tirá-la do traste do marido galinha?

– Não foi nada disso, nem pensei em vingança, só queria conversar com ela sobre o interesse dela por mim e contar sobre o casamento.

– E aí, conversou desde ontem? Conversa longa!

– O que menos tivemos foi conversa.

– Oi! O que você fez mulher?

– Não grita! Credo. Fizemos amor, caloroso, prazeroso e poderoso.

– Estou indo aí pra você me contar tudo.

– Espera…

Luciana já tinha desligado e dez minutos depois chegou.

– Me conta tudinho, não pule nem esconda nada. Tá feliz hein!

– Desista de tentar descobrir sobre a família, quando e se ela sentir confiança e quiser ela conta e, não vou contar tudinho não. Foi maravilhoso, foi difícil sair de lá e vir pra casa. Ela é doce, meiga, gostosa e acho que estou ficando doida.

– Arrependimento?

– Além de ser casada, nenhum. Acho até que estou com vontade de me divorciar.

– Você a conhece há menos de um mês!

– Mas parece que sentia a falta dela a vida toda, só não queria admitir.

– É, você está doida. Não te amedronta mais a beleza dela? O que vai fazer?

– Não sei. Vou vivendo e tentando encontrar uma solução.

Continuaram conversando até Ailton chegar. Como o casamento não era lá cheio de paixão e, a cada dia menos sexo havia, não houve problemas para que Bernadete tivesse que inventar desculpas. O que a amedronta agora é não poder ficar com ela.

Por dois meses depois daquele sábado, quando Ailton saia pra um lado, encontrar amigos, Bernadete saia sempre na direção de Tandara. Tudo que queria era estar com ela e não só por sexo.

Pesando as coisas e pensando até ficar com dor de cabeça se resolveu. Um dia.

– Ailton, acho que nosso casamento é um porre e não tá funcionando como casamento deveria funcionar.

– Hã!? Do que você está falando?

– Eu sei que você tem uma amante, sei lá quantas já teve. Andei pensando e acredito ser melhor a gente se divorciar.

– Quem disse que tenho amante?

– Ah, não enrola não! Eu descobri uma tal professora de yoga, mas nem é por isso que quero o divórcio. Quero minha liberdade, quero ser feliz e nossa relação é bem desanimadora. Acho que nunca nos amamos, só nos dávamos bem.

– E como seria?

– A casa já era minha quando nos casamos. Você pega o que é teu e se muda, arrumamos um advogado e pronto. Ninguém deve nada a ninguém.

– Tem certeza?

– Tenho!

Ele concordou na boa. No dia seguinte, já estava se mudando. Arrumaram um advogado e deram entrada na papelada do divórcio.

Luciana, durante todo o tempo, não desistira de sua trajetória no descobrimento do passado da família. Através do nome da mãe de Tandara, pesquisou a fundo.

Só conseguiu encontrar alguma informação quando pesquisou imóveis no nome da advogada Isis Valenk Moura e encontrou cinco propriedades. Como trabalhava em uma construtora internacional sabia como procurar, já que de outro jeito não encontrava nada.

Isis fora casada, mas o nome do ex não estava fácil descobrir. Até que verificando o primeiro imóvel, o que adquirira há mais tempo, encontrou. Fernando Ortega Valdez.

Quando informou Bernadete, ela pediu novamente que desistisse, estava com mau pressentimento sobre, mas não foi ouvida.

Os documentos antigos sobre a família Valenk Moura, parecia não existir. Constava apenas, onde quer que pesquisasse que Isis tinha duas filhas legítimas.

Então, pesquisando o nome do ex marido, depois de muito tempo e dificuldade, encontrou em antigos jornais. Fernando Ortega Valdez, empresário, preso por pedofilia e estupro. O estupro fora cometido em sua filha de oito anos que contara para a mãe quando ele resolvera levar a mais nova de cinco anos para um palacete onde filmavam crianças nuas em situações com adultos e também comercializavam.

A mulher, assim que soube o que o marido fizera e pretendia fazer com as filhas, denunciou. A polícia encontrou várias filmagens no tal palacete e salas preparadas para o abuso de crianças. Fernando foi condenado, preso e perdeu qualquer direito sobre as filhas. Não constava os nomes da mulher ou das filhas nas reportagens.

Contou tudo que descobrira para Bernadete.

– Meu Deus! Elas têm razão em serem tão desconfiadas.

– A dona Isis conseguiu manter tudo sob sigilo judicial tentando salvaguardar as filhas. Nada que se queira ver do passado dela que não seja profissional, se acha. Parece até que ela botou as filhas, sem participação de mais ninguém.

– Por favor, mantenha-se de boca fechada, não diga nada a ninguém.

– Tá bom, só queria descobrir. Você está apaixonada, né?

– Pela primeira vez na vida! Preciso contar que a procurei e o porquê. Se ela descobrir de outra forma nunca mais vai confiar em mim. Chega a traição do pai.

As verdades devem ser ditas logo porque prorrogar o momento pode acabar em desastre. Alguns dias depois, Bernadete saindo da academia.

– Oi, Bernadete!

– Rogério! Que faz por aqui?

– Frequento esta academia faz tempo, em horário que o trabalho permite. Está tudo bem?

– Está sim, já terminei hoje e estou indo pra casa.

– Que bom. Ah! Os papéis do teu divórcio já estão nas mãos do juiz. Talvez ele chame você e Ailton pra confirmar que é o que querem e o melhor a fazer.

– Ótimo! Quanto mais rápido melhor.

– Nunca fiz um divórcio tão amigável. Boa noite.

– Boa noite.

Rogério, o advogado, se afastou rindo e Bernadete voltou o olhar na direção da entrada da academia e gelou.

Tandara olhava-a com tanta dor! Piscou e lágrimas desceram pelo rosto sem que nenhum som fosse emitido.

– Tandara!

Ela ergueu as mãos e se afastou muito rápida, sem dar tempo para Bernadete fazer ou dizer nada. Bernadete entrou em desespero. Ligou pra ela, mas não foi atendida. Ligou para Luciana e começou a chorar enquanto contava o acontecido.

– Lu, o que eu faço? Ela nem me deu tempo de dizer nada!

– Vai na casa dela.

– Não vão me deixar entrar.

– Tenta, mulher! Diz o que você sente por ela.

Foi até o prédio de Tandara, mas ninguém atendeu o interfone para autorizá-la a subir. O porteiro não vira se Tandara entrara e ela não sabia onde a mãe ou a irmã moravam.

Foi para a academia como se nada tivesse acontecido, esperando conseguir falar com Tandara. Assim que a viu:

– Tandara, preciso falar com você.

Olhar magoado, ferido. Como ela se mostra tanto no olhar!

– Tenho aula agora. Peça auxílio a outro professor.

– Por favor, fala comigo!

– Casada! Você me usou e eu te amei.

Os olhos se encheram e ela evitou piscar, virou e se dirigiu para sua aula.

Bernadete não ficou, não conseguiu. Nas próximas semanas, também não foi.

– Lu, como dói! Se você visse como ela olhou pra mim. Me senti um verme. Ela não vai me perdoar.

Luciana estava penalizada, mas não sabia o que fazer. Na aula de dança do ventre.

– Tandara, podemos conversar?

– Algum problema na aula ou na academia?

– Não, é…

– Então, não.

– Ela está sofrendo também, se divorciou por você!

– Não! Se divorciou por ela mesma. Não era uma amiga, era ela que o marido traiu, não foi?

– Foi! Como você…

– Vamos à aula, por favor.

Depois da aula, Luciana foi falar com Bernadete.

– Oi, você comeu hoje?

– Comi, claro! – mentiu.

– Tentei falar com ela, não quer ouvir.

– E a gente pode culpá-la? Não.

– Como você está?

– Horrível. Com um sentimento de culpa enorme e uma saudade maior ainda.

– Parece que o tiro saiu pela culatra! Você tirou a amante do seu marido, mas…

– Não é ela.

– O quê?

– Soube logo depois de conhecê-la, mas inconscientemente me apeguei à ideia idiota que seria ela e que eu poderia afastá-la dele de algum modo, apenas porque eu não queria reconhecer que eu a queria e quero.

– Caramba! Por que não me contou? Quando soube que era ela que você queria?

– Eu não reconheci isto até um tempo atrás, quando resolvi procurá-la fora da academia. Ao fazer amor com ela tive certeza. Conheço Ailton desde criança, ela não é o tipo que ele teria algo, só não queria ver. Ela é séria, comedida, calada. Ele gosta de periguete, das baladeiras. Eu era baladeira, lembra. A amizade e a falta de responsabilidade quando jovens foi o que nos aproximou e fazia sentido na época. Acho que ele me traiu outras vezes. Faz tempo demais que a gente não transa pra ele estar sem alguém. Eu amadureci, ele não!

– Você tá um caco! Respira, mulher.

– Não consigo mais, Lu, não sem ela.

– Para de chorar, pelo amor de Deus! Reage. Como está trabalhando deste jeito?

– Não sei, vai no automático.

– Você está entrando em depressão. Ela precisa te ouvir.

Luciana ficou com Bernadete, naquela noite.

Tandara se obrigava a seguir em frente com a disciplina que tinha, se alimentava forçada, dormia mal e pouco. Já Bernadete não tinha tanta disciplina, não conseguia se alimentar e quase não dormia.

No dia seguinte à conversa com Luciana,  Bernadete passou mal no trabalho, levaram-na ao médico e este deu-lhe afastamento por quinze dias.

Luciana resolveu ir até a galeria para tentar falar com Irene. Disse a quem a atendeu que era urgente e sobre a irmã.

– Boa noite! Em que posso ajudá-la?

– Oi, Irene, não sei se lembra de mim, tua…

– Sei quem você é, Tandara nos apresentou no dia da abertura de uma exposição.

– Exato! Então, é sobre ela que preciso conversar e não é breve a conversa. Preciso te contar uma história pra você entender e que a ouça completa, antes de decidir algo.

– Me acompanhe.

Luciana sentia-se um pouco amedrontada diante daquela mulher, mas faria o impossível pela felicidade da amiga. Sentou-se no escritório e Irene ficou perto em outra cadeira, mas não à mesa. Aquilo deu uma certa abertura e ela conseguiu relaxar e contar toda história, sem mentiras, sem desculpas, da ideia que tivera sobre vingança,  apenas a verdade sem nenhuma interrupção. Inclusive o estado de saúde de Bernadete.

– Agora está completamente apaixonada, em depressão e parece se desfazer um pouco mais a cada dia. Ontem, pegou licença médica.

– Tandara não nos disse nada! – Irene responde, após longo e profundo suspiro. – Imagino como deve estar se sentindo traída, usada de novo. Aos quatorze anos de idade, envolveu-se, pela primeira vez, com uma mulher bem mais velha que a apresentou às drogas, achando que a beleza dela poderia bancar seu vício se faltasse dinheiro. Graças a Deus, Tandara não se viciou e podemos afastá-la da tal mulher. Já teve duas namoradas que a mostravam como troféu, sem se importarem com seus sentimentos. Outra queria, imagine, que ela fizesse filmes para adultos, esse era o termo que usou. Quase quebrei a cara dela. – Irene bufou. – Você não imagina o tanto de terapia que fizemos para acreditar que não éramos culpadas pela dissolução familiar. Ela acha que a beleza tem uma maldição. Depois de se achar adulta, foi morar  sozinha, dizendo que já era hora de aprender a se virar e não correr pra mim ou pra mãe toda vez que tivesse problemas. Fechou-se e, pelo jeito, não quis que eu ou mamãe a ajudássemos. Isso é muito mal.

– E estão as duas sofrendo separadas.

– Mas o que podemos fazer?

– Talvez, se ela ouvisse toda história da boca de Bernadete, se a deixasse explicar.

– Talvez! Vou tentar, prometo.

– Obrigada por ter me recebido, não vou mais ocupar teu tempo, tua família deve estar te esperando.

– Só uma pergunta. Você não estranhou, nem perguntou nada sobre a terapia que mencionei, Tandara contou algo?

– Não! Ela não fala do passado. Boa noite.

– Espera. Como você sabe sobre esse passado?

– Bom. Andei perguntando para ela e como sempre cortava e mudava de assunto, aguçou minha curiosidade. Principalmente, porque minha melhor amiga estava envolvida e mesmo contra a vontade e pedido dela, pesquisei.

– Deve ter pesquisado muito porque nosso passado foi praticamente apagado e judicialmente.

– É, foi difícil, mas quando quero saber algo vou até o fim.

– Você é jornalista?

– Não! Este caso é tudo pessoal mesmo, não se preocupe.

– Tenho sua palavra?

– Com certeza!

– Obrigada.

Despediram-se após trocarem endereços virtuais.

Dois dias depois Irene entrou em contato, conseguira fazer com que Tandara conversasse com Bernadete. Seria na galeria, que estaria fechada ao público no dia seguinte e poderia ser considerado território neutro.

Luciana chegou com Bernadete e Tandara já estava no escritório com a irmã. Tandara sentiu um baque ao ver o estado de Bernadete, mas nada demonstrou. Assim que Bernadete se sentou, Irene e Luciana saíram da sala.

Olharam-se com dores, culpas, mas, sobretudo saudades. Bernadete foi a primeira a falar.

– Desculpe, perdão, nunca quis te magoar.

– Eu te disse que, pra mim, nada é pior que a mentira.

– Eu te disse uma única mentira que foi quando falei que era uma amiga que estava sendo traída.

– Então resolveu trair a mim?

– Se eu trai alguém, foi a mim mesma quando resolvi me casar pensando que era do jeito que todos faziam, então eu também tinha que fazer. Aquela primeira vez que fui à sua casa estava disposta a contar tudo, essa era a minha intenção.

– Não foi uma mentira! Você não me disse que era casada, mesmo sabendo que eu não acho certo se envolver com pessoas casadas. Você disse que não morava sozinha, mas se esqueceu de dizer que era com seu marido que morava!

– Você nunca perguntou sequer se eu tinha alguém na vida, muito menos se era casada. Eu disse que não morava só, mas você não perguntou com quem eu morava. Por quê? Quando eu menti?

– Se não mentiu, também não foi honesta. Por que você foi para a academia?

– Pra conhecer a mulher com quem meu marido estava me traindo.

– E conheceu?

– Não.

– Por que achava que era alguém de lá?

– É a mesma academia que ele frequentava e sabia que ela é professora de yoga.

– Ahhh! Professora de yoga. Então quando me conheceu achou que era eu?

– Quando te vi não sabia se sim ou se não, quando conversei com você desde a primeira vez, soube que não, embora não quisesse admitir.

– Como soube?

– Ele jamais chegaria perto de alguém como você.

– Como assim, alguém como eu?

– Centrada, madura, esse tipo de coisa.

– Por que não quis admitir?

– Não teria desculpa pra continuar me aproximando, pra tentar te conhecer.

– Não precisava de desculpa pra isso! Por que não se divorciou antes, já que era um casamento onde pelo jeito não era a primeira vez que ele te traia?

– Não tinha motivo. A gente dormia na mesma cama, mas acho que, depois de dois anos de casamento, era só isso que a gente fazia mesmo, dormir.

– Como suportou isso?

– Pra dizer a verdade nem notava. Acho que, desta vez, me enchi e estava buscando algo para acabar com o que nem existia. Ciúme não foi. Quanto às desculpas, no meu inconsciente precisava. Nunca tive nenhum envolvimento com mulheres que não para amizades. Eu não estava entendendo o que se passava, o que eram aquelas emoções, aquele medo.

– Assim que descobriu, por que não se abriu comigo?

– Não sabia como, ou quando falar sem correr o risco de você me mandar embora.

– E agindo assim quebrou minha confiança, como fez meu…

Silêncio.

Com os olhos suplicantes Bernadete sussurrou.

– Eu não sou teu pai!

De imediato, Tandara se levantou parecendo um animal ferido.

– Acho que a conversa terminou. Tem algo mais a dizer?

Bernadete se levantou com dificuldade e se aproximou.

– Por favor, para! Esta frieza estampada não é o que você está sentindo. Se descontrola uma vez na vida e me deixa ficar nela.

– Melhor a gente não se encontrar mais. Me esquece!

Bernadete chorava e começou a estapear Tandara e a gritar.

– Me ensina como… eu não consigo… você está… por todos os meus poros.

Parou de se agitar porque um cansaço imenso se apoderou dela, sentia-se pesada demais e caiu de joelhos.

Enquanto estapeava e gritava, Irene e Luciana correram e abriram a porta ficando momentaneamente sem ação.

– Desculpe o descontrole! É difícil respirar sem você. Não consigo dormir, me alimentar…

Tandara que ainda segurava seus pulsos para evitar os tapas, abaixou-se para ajudá-la a se levantar. Olharam-se e ninguém se movia.

– Você apenas gostou do que viu; essa beleza que é uma maldição.

– Não, errou redondamente, tua beleza me amedronta, parece algo que não é real. Se fosse menos bela, talvez eu teria tomado atitude antes. Volto a dizer, eu não sou teu pai. Amo a beleza de dentro que conheci através dos seus olhos que se abrem para mim. Você odeia mentiras, mas mente pra você o tempo todo, mostra alguém que não é todos os segundos. Eu vi você por baixo desta capa, desta máscara mentirosa e me apaixonei. Eu te amo, Tandara, não vou te esquecer, seria bom se pudesse se conseguisse, mas não vou te incomodar mais. Nunca mais. Lu, pode me dar uma mão aqui?

Luciana veio rápida e segurou seu braço.

– Vamos embora. – Bernadete disse.

– Sério!? – Luciana perguntou.

– Sério. Não se quebra iceberg com palavras ou amor.

– Tá bom!

– Tandara! Vai deixá-la ir? – Irene resolveu intervir.

– Eu não sou mentirosa, apenas… apenas… – Tandara tentou falar.

Bernadete parou e se virou pra ela:

– Apenas o quê?

– Apenas me escondo, me defendo.

– Se esconde do quê?

– Das aproximações, mentiras, falsidades, das dores que provocam.

– Se defende do quê?

– Das traições.

– A você, me entreguei por inteiro. Vi seu riso verdadeiro, você entrou na minha alma, não pode se esconder de mim. Não há nada mais que eu possa fazer para te ferir, porque a ferida, a dor maior seria em mim. De mim você só pode fugir, porque não há disfarce que você possa criar para o que e quem está dentro de você. Pode negar, se quiser, mas eu sei! Como já disse, eu vi você, me mostrei e me dei por inteiro, mas se é assim que você quer não há nada que eu possa fazer. Obrigada, Irene.

Apoiou-se em Luciana e saíram da sala.

– Oh, minha linda! Quer parar e sentar um pouco? – Luciana indagou.

– Não, só quero sair daqui e aprender a sobreviver estando seca.

– Tandara, vai mesmo deixar assim? Aquela mulher te ama de verdade! – Irene argumentou.

– Não sei o que fazer!

– O que você quer fazer?

– Eu quero ela comigo!

– E por que não dizer isso a ela? Por que está deixando ela ir? Vai ficar só com a dor?

– E se ela me trair de novo?

– Ela pode ter omitido coisas de você, mas pensa bem e me diz quando e como ela te traiu?

Tandara ficou pensativa por uns segundos e, de repente, saiu correndo. Irene foi atrás. Bernadete e Luciana estavam destrancando a porta de saída.

– Bernadete!

Viraram-se para ela.

– Fica.

– O quê?

– Fica!

– Quer dizer alguma coisa?

– Já disse, fica!

– Eu ainda estou aqui!

– Não é aqui que estou falando.

– Será que, uma vez na vida, dá pra você dizer o que quer realmente, ser mais prolixa? – Luciana intervém.

– Fica comigo, por mim, pra mim, na minha vida.

– Tem… certeza?

– Como nunca tive antes, mas vai ter que me ensinar porque estou habituada à solidão.

Abraçou-a com tanta vontade que Bernadete perdeu o equilíbrio, sendo segura por ela.

– Você emagreceu muito!

– Não tem importância, eu recupero. Te darei sempre o espaço que precisar, desde que você me deixe entrar um pouco mais a cada dia na tua solidão.

O beijo salgado pelas lágrimas que escorriam, tornou-se o mais doce que já dera ou recebera pelo riso que foi brindada em seguida.

Passado, às vezes, deve ficar no passado e só levarmos as lições apreendidas dele para que o futuro seja o melhor possível.



Notas:



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