Logo pela manhã, assim que o banco abriu, dona Clotilde entrou acompanhada da neta Andresa, a fim de pagar umas contas, retirar dinheiro no caixa do primeiro andar e acertar umas aplicações com o pessoal do térreo. Preferia ir ao caixa, não gostava de usar os caixas eletrônicos porque pensava que de fora já viam ela retirando dinheiro.
A neta, uma tímida garota de treze anos, gostava de andar com a avó enquanto a mãe trabalhava. E, com o calor das ruas, aproveitavam um pouco de ar condicionado.
Assim que entraram, um rapaz cadeirante também tentou entrar. Abriram para ele a entrada ao lado da porta giratória, mas assim que ela foi fechada, ele se levantou, apanhando rapidamente a arma do guarda que o ajudara, encostou-se nele e sussurrou para que mandasse o funcionário que auxilia com senhas, dúvidas e caixas eletrônicos avisasse que caíra o sistema e ninguém mais entraria e que entrasse para falar com o gerente. Fez com que ele chamasse o guarda que estava antes da porta giratória e, quando este entrou percebeu que seu colega estava com uma arma encostada na altura dos rins.
O assaltante era discreto, tinha casaco, chapéu e óculos escuros, não dava para ver seu rosto. Mais três pessoas, todas de óculos escuros, casacos grandes, bonés e máscaras entraram e travaram a porta giratória.
Um vigia do banco, que substituiria mais tarde o da entrada, tinha trazido ingressos que comprara de um show que todos combinaram ir, mas assim que abriu a porta que dava para o local onde só funcionários entravam e saiam, bastou uma olhada de relance e percebeu o que ocorria. Entrou rapidamente, antes que fosse visto, no caminho retirou o cinturão, foi até o alarme que tinha próximo ao gerente, apanhou o telefone direto com a delegacia de roubos e relatou o que vira à polícia.
Um dos assaltantes entrou, viu o vigia desarmado ao telefone, gritou para que desligasse e junto com os demais funcionários fossem para uma sala do banco. Enquanto isso os demais reuniram os clientes dos dois andares e os outros funcionários, fazendo com que fossem para o mesmo local, entregando os celulares. Então dividiram as mulheres em uma sala e os homens em outra. Mandaram os homens ficarem só de cuecas, apanharam suas roupas e jogaram em uma mesa fora da sala. Na outra sala, as mulheres tinham que tirar os vestidos, ou a parte de cima das vestimentas.
A garota Andressa começou a tremer, visivelmente próxima a uma crise. A avó ajudou-a a tirar a blusa, mas na hora do sutiã não tinha jeito. Um dos ladrões jogou todas as roupas junto com a dos homens e veio para perto dela a fim de obriga-la a cumprir a ordem. Dona Clotilde ficou na frente da neta e o que parecia ser o chefe disse para deixa-la em paz, pois eram assaltantes, não estupradores.
Andresa se encolheu a um canto e a avó mais que preocupada.
Minutos antes da abertura do banco, um furgão grande estacionou em uma rua próximo ao banco. Dele desceu o motorista, ajudou o cadeirante sair, colocou a rampa dentro do veículo e se dispôs a esperar. Como ninguém o observava, quatro saíram um a um com breves intervalos e todos se dirigiram para o alvo.
Um deles com uma mala grande, sentou-se na mureta do prédio ao lado do banco, acendeu um cigarro, com toda displicência do mundo. Os demais foram direto.
O que parecia ser o chefe e entrara na cadeira de rodas, pegou o gerente pelo braço para que fossem até o cofre. Só queriam o dinheiro do cofre, disse que não incomodariam ninguém mais e que bancos têm seguros. Era só permanecerem quietos que ninguém se machucaria. Faziam tudo com calma aparente e sem pressa.
O banco tinha entrada em uma rua que era esquina com uma avenida. Menos de dez minutos depois de começarem a ação, um carro com três pessoas desceu pela rua da entrada do banco, entrou na avenida e seguiu por uns metros, entrando em um estacionamento. Logo depois outro carro, também com três pessoas fez a mesma coisa.
— E aí, chefe, que achou?
— Pedro, você e o Marcelo vão até o furgão que, com certeza, está envolvido. De onde está estacionado não vê o olheiro, esse a gente deixa pra saber o porquê daquela mala. Vou passar as informações que temos para o pessoal que está do outro lado, vamos aguardar porque não sabemos onde e quantos reféns são, nem o número de assaltantes. Tem o motorista do veículo, o olheiro, mas vai saber quantos lá dentro. Nosso pessoal vai estar aguardando perto. Joana, vai lá pra perto do banco, finge que tá brigando com o namorado, mas quero ver a cara de quem sair de lá, todo mundo vai tá ligado com você pra não deixar nenhum escapar. Mayra, você vem comigo, vamos dar a volta e vir pelo lado com a viatura e Jorge, fica esperando com o outro carro para agir assim que necessário, principalmente se algum deles correr para esse lado. Vamos lá, ação, atenção e muito cuidado.
Pedro e Marcelo saíram primeiro. Ao chegarem próximo se separaram; Pedro veio como quem quer perguntar uma informação, enquanto Marcelo deu a volta e chegou por trás do motorista que nem teve tempo para reação. Foi algemado e jogado pro fundo do furgão. Ambos entraram e esperaram olhando os celulares.
Joana, pegou uma bolsa de onde fingiu retirar o celular antes de chegar ao prédio, passou pelo olheiro, pela porta do banco já falando em voz alta como quem está brava. Parou, encostou no poste quase em frente. O olheiro pensou que ela estava esperando o semáforo para atravessar, mas não. Ela parou para “brigar com o namorado” ao celular. Pena ter que ficar alerta por causa do que faziam, pensou, porque a garota era bonita e ele poderia dar uma paquerada
Os criminosos no cofre pegaram dinheiro, abriram alguns cofres particulares que pareciam ser os verdadeiros alvos deles. Tudo indicava serem profissionais pela precisão e calma com que agiam. A todo momento deixavam claro não terem intenção de ferir alguém, só queriam algumas coisas e assim que pegassem iriam embora. Com uma quantia de aproximadamente R$ 300.000,00 e o conteúdo de cinco cofres particulares, que levaram certo tempo para arrombarem, saíram.
O gerente e funcionários estranharam por não levarem todo o dinheiro contido no cofre, porque o tempo que tiveram teria sido o suficiente para esvaziá-lo.
Da forma que entraram começaram a sair inversamente. Assim que o primeiro passou pela porta de saída, o olheiro virou e abriu a mala e o que saía foi retirando o casacão enrolando com ele a arma, o boné, óculos e máscara, jogando na mala segura aberta na mureta. Só ficou com uma mochila. O segundo fez o mesmo e, da mesma forma que o primeiro, ao chegar ao furgão foi surpreendido e algemado. Esperaram o terceiro na esquina encostados na parede e também foi colocado algemado no furgão. E as mochilas recheadas, apreendidas.
— Joana, pega o olheiro que a gente fica esperando o último.
— Tá bom, chefe.
Joana abaixou o celular como se tivesse acabado a discussão com o namorado e foi na direção do olheiro.
— Desculpe, mas faz tempo que você está aqui? Uma amiga combinou de me encontrar na frente do banco, mas acabei me distraindo e não vi se ela entrou.
— Faz um tempinho, mas ninguém tem entrado no banco, parece que caiu o sistema e não estão atendendo.
Ela se sentou ao lado dele e tocou na mala.
— Você está esperando Uber? Vai viajar?
— Ah, esperando um amigo.
— Viajar é ótimo, não é?
O chefe do bando, que era o último a sair, viu os dois conversando e conhecendo a fama de mulherengo do comparsa, soltou um resmungo e resolveu sair pelo lado oposto, carregando tudo enrolado no casacão. O produto do roubo já tinha sido levado pelos comparsas.
Assim que dobrou a esquina, passou pela mulher que vinha em sentido contrário, e o homem que vinha logo atrás dela o parou.
Ao mesmo tempo, Joana apontou a arma para o olheiro, retirou a que ele usava nas costas e Jorge, que ela chamara pelo rádio, já vinha chegando e o algemou. Tudo seguia a cronometragem do chefe da equipe que tinha muitos anos de experiência.
— Desculpe, mas vai a algum lugar? Pode se virar?
Sentiu algo duro na altura de seu rim e parou. Só então percebeu que não tinha mais gente na avenida que normalmente é bem movimentada, os policiais tinham fechado a avenida para transeuntes a fim de evitar mortes deles, caso houvesse tiroteio. O homem tirou de suas mãos o “pacote” feito com o casacão e pegou as algemas. A arma que sentia nas costelas pertencia à mulher que passara por ele há pouco.
— Tem mais algum amigo lá dentro?
— Não, eu era o último.
Só então o encarregado autorizou os policiais a entrarem no banco.
Mayra foi a procura dos reféns que, amedrontados, ainda estavam trancados nas salas separadas. Ela e os demais policiais, ao verem as roupas jogadas nas mesas frente às salas, deduziram o que acontecera. Apanharam as roupas e abriram as salas. Os reféns ficaram aliviados e agradecidos. Andresa continuava encolhida com a avó perto, Mayra foi conversar com elas.
— Está tudo bem agora, acabou tudo, os bandidos estão presos. Pega tua blusa. Você está machucada, algum deles fez algo a você?
— Não, eles não a tocaram, até deixaram que ficasse com o sutiã quando viram que ela estava à beira de um ataque de nervos. Vamos, querida, está tudo bem agora, aqui está tua blusa.
Andresa, com mãos trêmulas pegou sua blusa e tentou vesti-la, enquanto sua avó colocava as próprias vestimentas. Mayra quis ajuda-la ao ver seu estado.
— Eu te ajudo. Quer que avisemos alguém? Seu pai?
— Não, meu pai não!!
Mayra viu temor nos olhos, na voz, na atitude.
— Tá bom, tá bom, sua mãe então?
— Ela está no trabalho, estou com minha avó, não quero atrapalha-la.
— Qual o seu nome?
— Andresa.
— Acho que ela ficaria extremamente chateada se não fosse avisada do que aqui aconteceu. Depois, a imprensa já deve estar passando tudo ao vivo.
— Se vovó concordar pode chama-la.
Dona Clotilde passou os dados e Mayra se afastou e ligou. Os policiais pegavam depoimentos de todos os reféns.
— Alô!
— Maria Alice?
— Sim, sou eu mesma!?
— Aqui é a investigadora Mayra, desculpe te assustar, mas sua mãe e sua filha estavam no banco, e ocorreu um incidente. Elas estão bem, mas estou preocupada com tua menina.
— Ah meu Deus! Que banco é, onde é? Ela foi ferida?
— Calma! Ninguém foi ferido. Mas fizeram reféns que já foram todos liberados, elas entre eles. Andresa ficou muito nervosa e acho que se for possível você vir como apoio emocional, seria ótimo. Ela não quis que chamássemos o pai.
— Ela não tem mais pai, nem fale nele, por favor. Eu vou agora mesmo, me passa o endereço.
Passou e Maria Alice disse ser perto, que chegaria em menos de dez minutos.
Ao avisar seu chefe sobre ocorrido, ele ligou a tv em sua sala e em segundos os funcionários já estavam por dentro de tudo. Maria Alice correu em socorro da filha.
Mayra, conhecedora de pessoas, com a certeza de que algo tenebroso teria acontecido com o pai de Andresa, resolveu preservá-la e à avó, do assédio dos jornalistas. Com a ajuda de Joana, retirou discretamente as duas, como se fossem simples transeuntes e logo em seguida juntou-se a elas a espera de Maria Alice.
Embora o escritório onde trabalhava ficasse a dez minutos do banco, Maria Alice chegou em cinco, com salto e tailleur que era o uniforme da firma. Olhava apavorada o movimento, sendo que ninguém poderia entrar no banco, procurando sua mãe e filha. Joana se aproximou e a levou até onde elas estavam.
Mayra observou a magreza daquela mulher, olhar triste que naquele momento beirava o desespero, agarrar a mãe e a filha como se quisesse coloca-las dentro dela. Choraram um pouco, mas agora foi mais de alívio. Mayra e Joana se encarregaram de pegar os depoimentos delas para que pudessem ir pra casa. Dona Clotilde comentou que teve sorte em ter terminado o que viera fazer antes do assalto, depois de ter passado aquele sufoco não tinha intenção de voltar ao banco tão cedo.
Depois de terminarem toda papelada – que era muita – sobre a ocorrência, Mayra resolveu dar uma olhada sobre a família de Maria Alice. Descobriu que fora casada por 8 anos com um engenheiro civil de família rica, mas pelo jeito era um mimado que não tinha respeito algum pelas outras pessoas além dele próprio. Pelo jeito envolvera Maria Alice como se fosse o melhor homem do mundo até o nascimento da filha, após ano e meio de casamento, depois começara a manipulá-la emocional e psicologicamente, chegando por algumas vezes à violência física quando a menina tinha entre cinco e seis anos.
Quando a criança fez sete anos, Maria Alice percebeu mudança no tratamento do pai. Um dia, ao chegar do trabalho encontrou Andresa chorosa e, ao conversar com ela, descobriu que Eduardo, o pai, quis vê-la despida pra ver seu desenvolvimento. As palavras por ele ditas tinham sido para avisá-lo quando menstruasse porque ele é quem faria nela o primeiro filho dela. Diante do fato, Maria Alice fez novo BO, falou com a família dele sobre o ocorrido e entrou com pedido de divórcio.
A família de Eduardo ficou dividida a princípio, mas ele, no auge de seu orgulho machista confirmou a história. A irmã mais nova dele, Daya, advogada, revoltada com a atitude do irmão fora quem entrou com a medida protetiva, a fim de impedir que ele continuasse a atormentar a cunhada e a sobrinha. Também fora ela quem ajudara Maria Alice a ficar com a guarda total da filha, sem visitas de Eduardo.
Mayra ficou preocupada com a família de dona Clotilde, caso o ex-marido de Maria Alice quisesse usar o ocorrido como falta de segurança para com a filha. Odiava esse tipo de macho imbecil.
No sábado, próximo plantão, estava tudo calmo. Então estando pelo bairro onde dona Clotilde morava, resolveu dar uma passada para ver como todas estavam.
Foi bem recebida, deixando o parceiro Pedro na viatura com a promessa que seria rápida. Dona Clotilde a fez entrar e a levou até a cozinha, chamou Maria Alice para conversarem com a detetive. Andresa estava na casa de uma amiga que morava perto. Mal começaram a conversar, alguém tocou a campainha. Mayra pensou ser o parceiro, que poderia ter surgido algo, mas estava com o H T! Lembrou-se da preocupação que lhe ocorrera, pediu licença à Maria Alice, pegou o celular e já ligando pro parceiro foi em direção à porta de entrada da casa.
— Oi, sogrinha, cadê minha mulher?
— Tua ex-mulher, você quer dizer. E eu não sou nada tua, então pode sumir e nunca mais aparecer.
— Eu quero falar com minha mulher e minha filha! – dizendo isso foi empurrando dona Clotilde e forçando a entrada.
— Hei! Pode parar. Que eu saiba você tem medida restritiva para jamais se aproximar delas. Está sendo gravado, inclusive a agressão à dona Clotilde e a invasão de domicílio.
— Quem é a intrometida aí, sogrinha? Mais uma que vou ter que ensinar a respeitar um homem!?
— Homem eu respeito, macho idiota, jamais.
— Eu vim aqui avisar que vou entrar com pedido da guarda da minha filha depois do que aconteceu no banco.
— Eu estava lá e vi uma avó defender a neta com todas as garras e tenho muitas testemunhas disso. Vai apenas gastar seu dinheiro usando um assalto, que pode acontecer em qualquer lugar, a qualquer hora, sem que seja culpa das pessoas nos locais. Agora ouça o convite de dona Clotilde e saia.
— Eu vou é te dar uma lição, sua folgada.
— Eu olharia para trás para ver quem vai dar lição em quem.
Ao ouvir a frase, Eduardo virou-se pronto para revidar, mas viu que sua irmã Daya, estava acompanhada por um homem com colete da polícia civil.
— O que você está fazendo aqui, Daya?
— Vim visitar minhas amigas e minha sobrinha, porque devido ao trabalho não tive tempo durante a semana e fiquei preocupada, mas jamais esperava ver você aqui. Claro que vou abrir mais um processo contra você.
— Você é minha irmã e fica defendendo essa vadia?
— Ela nunca foi vadia, só foi inocente ao se envolver com um crápula como você. Agora cai fora.
Ele olhou em volta e, ao ter certeza que não tinha nenhuma vantagem, resolveu sair espumando de raiva.
— Oi, dona Clotilde, ele a machucou? Está tudo bem? Ele encontrou as meninas?
— Não, Daya, graças a Deus. A detetive que atendeu a ocorrência lá do banco estava aqui pra ver se a gente estava bem quando ele chegou.
— Ah, então é por isso que tem uma viatura ali e um policial aqui agora!
— Sou a detetive Mayra; esse é o meu parceiro Pedro. Se for fazer algo tenho tudo gravado, toda atitude dele aqui no celular. Chegou empurrando dona Clotilde e forçando a entrada.
— Por favor, me envie o vídeo completo que vou usar. Uma hora ele tem que aprender a respeitar a vontade alheia.
— Tia Daya!
Andresa, que entrara a pouco na sala, ao ver Daya correu para abraçá-la.
— Oi, minha pequena! Está tudo bem com você? E você, Maria Alice?
Mayra observava a reação das presentes e gostou como reagiam à Daya. Havia muito carinho de todas as partes. Mas o olhar de Daya para Maria Alice lhe pareceu algo mais.
Conversaram sobre o que Daya pretendia fazer, se colocaram à disposição e Mayra e Pedro saíram para voltar à ronda, porque odiavam ficar parados na delegacia, quando tudo estava calmo, sem ocorrências a serem investigadas.
— Eu odeio esse tipo de lixo que usa poder econômico, força bruta, posição, para agredir e subjugar alguém. Quando entra criança no meio então… dá vontade dar um tiro na cabeça logo e acabar com o problema de vez, mas a gente não pode, não é?
— Você tem razão, Mayra, se eu pudesse, no mínimo enchia o cara de porrada.
— Acho que vou continuar me preocupando com essa família!
Continuaram, cada um envolvido em seus pensamentos sobre como poderiam ajudar aquelas mulheres.
— E aí, Mayra, amanhã a gente sai cedo do trampo, domingão ensolarado, já tem programa?
— Ah já! A minha mais nova tem apresentação na escola, logo o restante da família já sabe onde vai estar às nove da manhã, é mole? Por mim, que vou estar chegando em casa, tudo bem, mas o maridão e os dois mais velhos adoram levantar lá pelas dez aos domingos.
Riram.
— É uma fase que passa rápido, né? Os meus já estão da adolescência para se tornarem “adultos” na idade, não gostam mais de nada que envolva a presença dos pais. Indira fez doze, não foi?
— Foi sim, tá bom de memória.
Riram mais uma vez e prosseguiram falando dos filhos, de como crescem rápido, mas não amadurecem ao mesmo tempo e coisas assim, por longo tempo, era um assunto suave para eles.
O fim de semana foi normal, coisas pequenas, nada a reclamar.
Na terça-feira, logo que chegaram ao DP o delegado os chamou junto com os outros da equipe à sua sala.
— Pessoal, esses são agentes da Interpol. Estão interessados nos ladrões que vocês prenderam a semana passada. Quatro deles são gringos, inclusive o cabeça do grupo e dois são brasileiros. A quadrilha mexe com tráfico de diamantes e alguns tipos específicos de armas químicas. Pelo que me disseram, foi a primeira vez que pisaram na bola. Tiveram sorte, Mario; você e toda sua equipe.
— Não, delegado, eles deram azar de o vigilante ter percebido e agido rápido, o cara merece um prêmio. Não fosse ele a quadrilha já estaria longe com o produto que retiraram dos cofres, porque dinheiro vivo pra fugir tinham pego.
— Nós da Interpol já estávamos de olhos neles, no entanto, a forma com que a equipe de vocês agiu foi formidável, muito eficiente, esperamos contar com vocês quando precisarmos. Queríamos parabeniza-los e agradecer, antes de leva-los. Serão muitos processos de vários países e terão muito tempo de prisão.
— Estaremos sempre à disposição, podem contar conosco. – Respondeu Mayra. – Se não for pedir muito, poderiam fazer uma, sei lá, recomendação para o vigilante que agiu como profissional dedicado e atento? Se tivéssemos mais gente como ele nosso trabalho seria mais fácil.
— Claro! Faremos isto, sem dúvida, mais uma vez, parabéns.
Saíram da sala do delegado com o ego super lustrado. As brincadeiras dos colegas de trabalho já estavam prontas para atormentá-los o plantão todo.
Daya, acompanhada de dona Clotilde não perdeu tempo para aumentar a “ficha corrida” de Eduardo. Tentaram manter Andresa à margem de tudo. Embora o ex-marido ficasse com muita raiva, nada podia fazer.
Cerca de dois meses depois, outra família apareceu para prestar queixa sobre Eduardo por ter se envolvido com uma garota de 15 anos de idade, ele já na casa dos quarenta, foi indiciado pela terceira vez por estupro. Como antes comprara testemunhas e tinha um advogado esperto, não fora preso, conseguiu desacreditar as vítimas. Ainda que a jovem tivesse consentido, por ser menor de idade não é considerado capaz para assumir a responsabilidade do sexo com um adulto.
Como a queixa foi feita no DP onde havia o grupo especializado do qual Mayra fazia parte, ela tomou conhecimento do fato no dia seguinte. Conversou com os detetives encarregados do caso, contando quem era Eduardo e eles foram procurar como havia acontecido o divórcio e o porquê de não poder ver a filha sozinho. Ponto contra ele desta vez e, para piorar, a garota era sobrinha de uma juíza criminal.
Mayra, de repente, quis conversar com a irmã de Eduardo. Encontrar dados sobre uma advogada era facílimo para a policial. Ligou, conseguiu falar com Daya e marcar um encontro para dali a quatro dias. Seria no escritório da advogada, onde teriam privacidade e silêncio para conversarem à vontade.
Após os cumprimentos:
— Então, detetive, o que aconteceu que precisa falar comigo? – Daya indagou. – Meu irmão voltou a aprontar com Maria Alice ou minha sobrinha?
— Não, ele aprontou sim, mas não foi com elas.
— Que alívio! Mas o que foi que ele fez dessa vez?
— O mesmo que de outras duas que nos chegaram antes, e nem imagino o tanto que ficaram caladas, só que desta vez a família não precisa de dinheiro e se recusou a ser comprada.
— Que bom! Tomara que agora ele vá para cadeia e demore muito a sair.
— Você o detesta, não é?
— É sim, porque é um lixo de pessoa, é maldoso, violento, um humano detestável.
— Você poderia me contar, se é que sabe, como ele conheceu a ex-esposa?
— Infelizmente, por meu intermédio. Nosso escritório trabalha com a firma onde ela trabalha; eu a conheci e um dia convidei-a para jantar dizendo que era sobre uma situação de trabalho que tínhamos que resolver. Ela aceitou o convite e enquanto a gente jantava o traste entrou no mesmo local por acaso e nos viu.
— O convite tinha sido mesmo só por causa do trabalho?
— Não! – Daya sorriu. – Eu já tinha me apaixonado pela mulher linda que ela era, com um brilho imenso, uma alegria de viver impressionante, inteligente e excelente profissional. Mas Eduardo sabe ser charmoso com mulheres quando quer e, antes que eu falasse sobre meus sentimentos, ele a cativou.
— E você passou a detestá-lo?
— Só depois que percebi o manipulador filho da puta que ele era com ela. Descobri que ele tinha amante, que adorava as novinhas para enganar e transar. Quando Alice ficou grávida, ele parecia que seria o melhor pai do mundo cuidando da esposa, mas era fachada. Começou a querer que ela parasse de trabalhar depois da criança nascer, antes só dava toques sobre isso, mas quando nasceu uma menina, pronto. Tudo mudou, a criança era o centro do mundo para ele; soubemos o porquê depois, não é? Quase prendeu Maria Alice dentro da casa e quando ela insistiu e voltou a trabalhar a coisa piorou na manipulação.
— Ela não tentou se separar?
— Tinha a criança com a qual ele a ameaçava de ficar com a guarda. Ela tinha medo e não contava nada para ninguém. Andresa na creche, depois escolinhas e ela no trabalho, então não ficavam mais o tempo todo juntos. Fins de semana iam para casa de dona Clotilde, tirava férias em datas diferentes das deles e viajava só com a criança. Fazia o que podia para fugir dele. Eu comecei a desconfiar porque ela mudou muito. Perdeu o brilho, emagreceu e pareceu-me assustada. Então a pressionei um dia e ela contou-me algumas coisas.
— Quanto anos Andresa tinha quando você descobriu?
— Já tinha seis. Ela também não queria ficar muito junto com o pai nessa época, como gostava quando pequeninha. Sempre via as discussões, as agressões verbais, os gritos do pai e também vira a primeira agressão física. Foi aí que comecei a detestá-lo. Ela chorava sozinha de um lado e eu do outro sem poder dar um tiro nele.
— Como ficou sabendo?
Daya respondeu, com a voz embargada:
— Imagina você ter uma sobrinha, uma criança tão doce quanto a mãe, filha do amor da sua vida te perguntar se pode, com a mãe, ir morar contigo ou com a vovó. Eu sempre que podia ia busca-la na escola e podia ver Alice. Você pergunta o porquê e ela te conta que o pai tem gritado muito com a mãe, que outro dia jogou um copo nela, que em outro a empurrou e ela caiu e ficou dodói no ombro.
— Quando ela resolveu fazer o primeiro BO?
— Quando ele a agrediu pela segunda vez. Ligou pra mim e pediu ajuda, não aguentava mais. Fomos ao distrito, fizemos a ocorrência, levei-a ao hospital, o advogado dele já estava trabalhando rápido para que ele voltasse para casa. Dois meses depois aconteceu aquilo com Andresa e quando Alice se revoltou contra ele, aconteceu a terceira agressão. Então ela me chamou, fomos direto para o hospital, acionei a polícia de lá, já pedi uma advogada amiga minha que trabalha aqui para entrar com o divórcio e guarda da criança. Andresa foi instruída a contar toda verdade para os policiais e o juiz, o que ajudou a tudo se resolver mais rápido. Dia seguinte, fomos na casa deles enquanto ele trabalhava e tiramos os pertences das duas. Eu tinha vontade de mata-lo.
— E tua família?
— A princípio não acreditaram muito em toda a história, mas quando viram que Maria Alice teve uma costela e o braço esquerdo fraturado, ficaram em dúvida que teria sido ele, mas ao ser perguntado pelo delegado na frente dos meus pais sobre o que tinha dito à filha e confirmou, meu pai o esbofeteou e rompeu com ele. Minha mãe foi pedir desculpas para Maria Alice e se colocou à sua disposição para ajuda-la com Andresa ou qualquer coisa que precisasse.
— Ela passeia, viaja?
— Saímos de férias juntas, assim consigo fazer com que se divirta um pouco, tem confiança em mim. Vamos nós três sempre e, de vez em quando dependendo da distância, dona Clotilde nos acompanha. Costumo ir lá aos fins de semana para um cinema, teatro ou só bate papo.
— E você?
— O que tem eu?
— Por que não se declarou para ela?
— Depois do que meu irmão fez, como poderia dizer qualquer coisa nesse sentido pra ela? Os resquícios de ressentimentos que ele deixou.
— Mas você não é nem parecida moralmente com teu irmão!
— Tenho tentado me esconder com algumas namoradas, reduzindo as vezes que vou vê-la. Ele acabou com parte da vida de uma mulher incrível, de uma filha maravilhosa, de duas famílias. Envergonhou enormemente a própria família e acabou com a minha chance de amor e felicidade. Se você conhecesse as duas antes de tudo acontecer veria a luz que eram, e agora são apenas como pequenas chamas tremulantes de uma vela ao vento. Dói demais!
Não conseguiu mais segurar o choro. Mayra se aproximou, abraçou-a e deixou que a catarse acontecesse.
— Sabe como é você não conseguir desaparecer, deixar de ver alguém? Quando chega na casa da pessoa e ela sai do banho com os cabelos molhados, cheirando a shampoo e você não pode abraçá-la e dizer que a ama, que a deseja mais que tudo no mundo? Você disfarça, tenta sorrir, evita olhá-la e fica o mais distante possível pra não sentir seu cheiro?
— Menina, você precisa fazer alguma coisa, ou vai adoecer! Infelizmente, teu irmão aprontou de novo, só que desta vez a garota tem uma juíza na família, não vai poder se livrar e eu vou ter que conversar com teus pais. Sinto muito.
— Pelo menos será bom para que minha mãe não caia na lábia dele que adora se fazer de vítima, ela já estava esmorecendo e querendo aceita-lo de novo na casa dela, meu pai que não deixou. Aproveita e conta pra ela quantas vezes ele aprontou com adolescentes desavisadas.
Quando saiu do escritório de Daya, Mayra estava decidida a visitar os pais de Eduardo e contar a “novidade”.
Moça, e a parte dois?!
Parte 1 começou maravilhosamente bem, já ansiosa pela parte 2.
Fico feliz por ter gostado e espero não decepcionar. Grande abraço.