Reféns do desejo

Capítulo 16

16.

 

Rebeca puxou Lucas no exato instante do primeiro disparo. O jogou atrás do carro de Rodrigo, ao lado do qual estavam. Ele lançou as mãos sobre a cabeça, tão encolhido que poderia ser confundido com um contorcionista. Adriana se juntou a eles um segundo depois, surpresa por ainda estar viva e assistiu a amiga efetuar três disparos após jogar metade do corpo para fora do esconderijo.

Do tempo que passou ao lado de Alex, aprender a atirar foi a única coisa da qual a moça nunca se arrependeu ou se envergonhou.

Drica arriscou-se a espiar os inimigos e descobriu que o policial no qual atirou ainda respirava, contudo, com muita dificuldade. O miserável se afogava no próprio sangue e por mais estranho e alheio a si que isso pudesse lhe parecer, não conseguia sentir pena ou culpa.

Após o tiro inicial, Alex se jogou atrás do carro em que viera, escorregando de barriga, sobre o capô e caindo de cara no chão. As armas de seus capangas cuspiam balas sem piedade. Todas direcionadas para o esconderijo das duas mulheres. Um dos homens, caiu aos seus pés, o sangue vertendo farto de um ferimento no pescoço. O sujeito agarrou a barra da sua calça, implorando ajuda com o olhar e, sem se dignar a lhe dedicar mais que desprezo, Alex atirou no peito dele. Não precisava de pidões e, também, não levaria ninguém para hospitais quando tudo acabasse.

Metros adiante, Adriana encolheu-se quando uma bala acertou a lanterna traseira do carro, a poucos centímetros do seu rosto e se permitiu soltar um suspiro de alívio. Atreveu-se a espiar os inimigos outra vez, aproveitando um momento de trégua nos disparos, e viu uma bala rasgar o peito de um deles. Pelo ângulo, soube que era resultado de um tiro vindo da residência abandonada, onde Bianca e Silvia se escondiam.

Um segundo bandido caiu, vítima de uma bala na cabeça que, tinha certeza, vinha do rifle de Chico ou Rodrigo. No meio daquela confusão, tudo era possível, até mesmo fogo amigo.

— Você trouxe amiguinhos, “Driquinha”?! Desta vez, estou surpreso! — Alex berrou para ela. — E também estou feliz! Adoro quando você resiste. Vou adorar arrancar a pele de cada um deles na sua frente e ouvir seus pedidos de misericórdia.

O chão encharcado pela chuva recente, começava a adquirir um tom vermelho, graças ao sangue que se esvaia dos corpos. O estômago dela se revirou dividido entre a náusea e o ódio.

— Mortos não torturam ninguém. — Ela respondeu. — E você é um homem morto, Alex!

A resposta veio na forma de uma risada e os tiros recomeçaram.

— Me dê uma arma! — Lucas gritou.

Adriana se voltou para ele, enquanto vidro estilhaçado do para-brisas traseiro voava sobre suas cabeças.

— Claro! Também vou desenhar um alvo nas minhas costas e escrever a palavra “otária” na minha testa — grunhiu.

Não lhe daria uma arma nem se fosse o homem mais honesto do mundo. Poderia estar morta se não tivesse atendido aquela ligação, segundos antes de Alex e companhia chegarem.

Jamais imaginou que Marília, a cafetã amante de Alex, pudesse ajudá-la.

Primeiro, achou que se tratava de mais um truque do traficante, mas a mulher foi enfática em afirmar que não fazia aquilo por ela, mas pela criança que não merecia perder a mãe nem a chance de viver.

Adriana riu, enquanto a ouvia implorar para que não revelasse seus atos para o traficante. Desligou o celular ainda acreditando que se tratava de uma armação, mas quando notou a forma como o traficante se postou atrás do primo, teve certeza de que a mulher lhe falara a verdade.

Por isso, não hesitou em agredir Lucas e, se saíssem vivos daquele tiroteio, iria ecá-lo até que não pudesse ouvir nada mais que gemidos saindo daquela boca traiçoeira.

Furiosa, o socou no queixo. Usou tanta força que o primo desmaiou. “Um problema a menos”, pensou, e se abaixou até o queixo encostar no chão molhado e lamacento. Mirou e atirou no pé de um policial. O homem caiu, berrando de dor antes que outra bala encontrasse seu cérebro. Tinha, finalmente, descido mais um nível na criminalidade, agora era uma assassina.

 

***

 

Alguns minutos antes.

 

Rodrigo jogou todo o ar para fora dos pulmões. Não ousou tirar o olhar da mira, para se voltar para Cobra, que ajoelhou-se ao seu lado. Pelos sons, detectou que ele não estava sozinho e o fato se confirmou quando um dos homens que o acompanhavam fez uma pergunta.

Não ousou dar voz a dezena de xingamentos que lhe veio à mente.

— Você vai ter que me matar para me tirar daqui — falou, reunindo toda a sua coragem. Sem seu apoio, a irmã estaria em maus lençóis. Nem por um segundo, retirou o dedo do gatilho ou se atreveu piscar.

Cobra riu baixo; um sibilar, como o de uma serpente, e foi acompanhado pelos colegas. Retirou a pistola da nuca dele e a guardou no coldre axilar. Com o canto do olho, Rodrigo o viu pegar um rifle de longo alcance, semelhante ao seu.

— Para o que estou olhando? — Ele indagou. O rapaz se aventurou a liberar um suspiro de alívio, mas não respondeu ou se mexeu, consciente de que, embora não visse, ainda estava sob a mira de uma arma. — Se a sua resposta for boa, talvez eu lhe ajude. Talvez.

Alguns segundos se passaram, enquanto fitava Lucas caminhar em direção a irmã. Podia ver a arma em sua cintura e não pensou duas vezes para focar a sua mira na cabeça do primo.

— Por que? — Perguntou, tentando esconder a surpresa e exalou, satisfeito, quando a irmã se aproximou de Lucas e o socou no meio do rosto. Teve certeza de que ela lhe quebrou o nariz. No segundo seguinte, ela o atingiu no estômago. Quando ele estirou o braço, em pedido de “paz”, ela o puxou, usando o próprio corpo para projetá-lo no ar e o atirou ao chão.

Cobra deslizou a mira de seu rifle, sobre a face da moça. Não estava nenhum pouco feliz por ter sido enganado por ela, Bianca e Silvia, mas sabia admirar uma boa técnica de combate corporal. Passeou sua mira por cada um dos homens de Alex, até pousar em Adriana novamente. Não via Silvia ou Bianca, mas sabia que estavam por perto.

Soltou um gemido irritado, mais parecido com um rosnado, e Rodrigo acreditou que, se tivesse desviado seu olhar para aquela montanha de músculos, veria caninos salientes e olhos lupinos.

— Por causa da loira e da promotora — respondeu.

Quando retornava para o local onde os companheiros o aguardavam, seu celular vibrou novamente. Teve uma conversa breve com o Juiz. Embora ele estivesse muito aborrecido com a filha e as ameaças dela, desejava mantê-la em segurança e, conhecendo Bianca, sabia que ela não se permitiria defender as pessoas que a sequestraram sem bons motivos.

Por isso, pediu mais uma vez, que protegesse a filha até dela mesma, se fosse necessário. Por outro lado, o próprio Cobra estava curioso sobre os motivos que levaram a “loira” como se referiam a Silvia, a agir em favor da mulher que sequestrou a filha do Juiz, cuja amizade ela fazia questão de enfatizar.

Rodrigo permaneceu em silêncio por mais algum tempo, atento a tudo que se passava duas centenas de metros colina abaixo. Por fim, afastou o olhar da mira e o pousou em Cobra, percebendo que se encontrava às sós com o sujeito.

Por incrível que pudesse lhe parecer, os amigos dele tinham os passos tão leves que se afastaram sem que percebesse. Contrariado, perguntou-se se, naquele momento, isso era bom ou ruim para a missão que tinham. Por fim, acabou cedendo ao seu lado esperançoso; na situação em que se encontravam, não podia rejeitar ajuda, nem mesmo de inimigos.

Soprou o ar dos pulmões, encarando os olhos castanhos e assustadoramente amigáveis do grandalhão.

— Isso é uma negociação de resgate — respondeu, voltando a se concentrar no que se passava. Fez um resumo rápido de toda a situação e, quando a confusão de instalou, foi com alívio que ouviu a arma de cobra disparar um tiro certeiro na cabeça de um dos capangas de Alex.

Ao longe, detectou movimento na vegetação. Os homens dele se aproximavam para auxiliar no combate.

Murmurou uma oração silenciosa e apertou o gatilho.

 

***

 

Bianca encolheu-se quando uma bala acertou a parede por trás da qual ela e Silvia se escondiam. Poeira agitou-se no ar, cada vez mais forte a cada disparo. Seu esconderijo não era mais secreto e, pelo menos, dois dos capangas de Alex e um de seus policiais corruptos, concentravam seus ataques naquele ponto.

— Se sobrevivermos a essa droga de tiroteio, vou escalpelar aquela ruiva dos infernos por fazer você se apaixonar como uma adolescente idiota e nos meter nessa encrenca dos diabos! — Silvia gritou, recarregando o rifle.

Bianca efetuou dois disparos com a pistola e berrou de volta, voltando a se encolher.

— Para com essa merda! Eu não estou apaixonada! — Um tijolo se esfacelou acima de sua cabeça e temeu que a parede pudesse ruir sobre elas. Aliás, perguntou-se como isso ainda não tinha acontecido por um par de vezes.

— Para o inferno que não está! — Silvia berrou de volta, assistindo um dos capangas tombar sobre o capô de uma das viaturas. Não queria saber os motivos de Cobra e amigos terem retornado, como o grandalhão a informou pelo celular, mas sentia-se mais confiante com a presença deles na mata.

 

***

 

Rebeca abriu o porta-malas e deu um toquinho no braço de Adriana. Recarregava a pistola quando uma bala atravessou a lataria e encontrou refúgio em seu braço. Seu grito foi tão agudo que Adriana se encolheu de susto.

Ela lançou a mão sobre o buraco da bala, trincando os dentes de dor. Aquilo doía como o inferno e as lágrimas lhe chegaram, acompanhando seus gemidos. A amiga tentou socorrê-la, desesperada com a quantidade de sangue que vertia do ferimento. Mas reuniu todas as suas forças para lhe dizer que estava bem e encolheu-se, recostada no carro. Fez um gesto para que Drica olhasse o interior do porta-malas e a moça esticou o braço para além da proteção da lataria do carro, que mais parecia uma peneira metálica, e descarregou a arma, torcendo para ter acertado alguém. Com muito esforço, Beca tentou fazer o mesmo do seu lado, sem muito sucesso.

Adriana tentou avaliar o ferimento da amiga, mas ela a empurrou para o lado e mandou que olhasse o porta-malas, outra vez. Ela obedeceu e ofegou um pouco ao deixar um sorriso malvado escapar quando encontrou um pequeno arsenal ali.

No mesmo instante, seu celular tocou. Não teria dado atenção se não fosse o toque destinado a identificar o irmão.

— Que droga você andou fazendo? — Berrou para ele, pegando uma pistola e alguns dos pentes extras depositados, displicentemente, pelo fundo. Seus olhos brilharam quando encontraram dois objetos encaixados em um suporte acolchoado. — Isso são… granadas?! Você é maluco?

Era um milagre que com todos aqueles tiros, nenhum tivesse atingido os artefatos e as mandado pelos ares.

— Deixa para me passar o sermão mais tarde. Vocês têm que sair daí. Estão muito expostas.

— Impressão sua, aqui está bem agradável!

Ele ignorou o sarcasmo e, em poucas palavras, contou que tinham ganho um reforço inesperado e disse que as granadas eram de fumaça, explicando como usá-las.

Privaria Alex e amigos da sua visão, possibilitando que se reunissem com Silvia e Bianca nas ruínas do casarão. Ergueu o olhar para o buraco na parede, atrás da qual Bianca e Silvia se escondiam. As marcas de bala no local estavam se tornando numerosas.

Encheu os bolsos com toda a munição possível e a amiga a imitou. Na mata, tiros começaram a ser disparados de outros locais e não se preocupou em saber se eram amigos ou não. Lidaria com os “soldadinhos”, como Bianca chamava, depois. Se voltou para outro problema: Lucas.

— Eu te ajudo — Rebeca falou, mas Adriana sabia que ela não tinha condições.

— Eu o levo. — Encaixou o corpo dele sobre os ombros. Felizmente, ele havia perdido peso no cativeiro e ela agradeceu por isso e pelas horas que passava na academia também. — Só se preocupe em correr.

Alex e companhia começaram a atirar a esmo, buscando acertar os atiradores na mata. Um dos criminosos correu em direção ao mato onde Chico se escondia. Não percorreu mais que dez passos e caiu com a cara enterrada na lama contorcendo-se de dor, o sangue jorrando do ferimento na perna.

Atirou a granada, fazendo-a rolar pelo chão até depois do carro. Antes que o artefato começasse a liberar a fumaça, outro bandido entrou em uma das viaturas e acelerou em direção ao carro que as duas mulheres usavam como esconderijo. O impacto da batida foi tão forte que elas e Lucas foram lançados para trás caindo em meio à lama e estilhaços de vidro.

O som do osso se partindo chegou aos ouvidos de Adriana um milésimo de segundo antes da dor e ela não poupou os pulmões quando gritou. A fumaça se elevava, enquanto os companheiros de Cobra se aproximavam e antes que pudesse se dar conta, Bianca estava ao seu lado. Foi uma bala da pistola dela que se alojou no corpo do criminoso, quando este saiu da viatura, cambaleante. Não foi um tiro letal, mas o incapacitou de vez.

A fumaça fez os tiros cessarem por alguns instantes.

Silvia estava ajoelhada, no meio do caminho, dando cobertura a amiga. O rifle apoiado no ombro, um dedo no gatilho e um olhar assassino. Não estava, nenhum pouco satisfeita com o que Bianca acabara de fazer. A amiga abandonou qualquer cuidado ao sair do esconderijo para socorrer Adriana sem lhe dar ouvidos. Só lhe restou segui-la, fazendo juras assassinas contra a assaltante.

Chico tinha dado a volta na casa e se aproximava, sorrateiro, quando viu a batida. Em poucos segundos, estava ao lado delas. Ajudou Rebeca a ficar de pé e jogou Lucas sobre os ombros, deixando Adriana sob responsabilidade de Bianca que enlaçou a cintura dela e a conduziu para as ruínas.

Protegidas, Bianca analisou o ferimento no braço de Rebeca. Não tinha muita noção do quanto a moça poderia estar ferida, mas concluiu que não era fatal já que ela ainda tinha forças para pensar em uma quantidade absurda de palavrões.

— Você está sangrando! — Observou, escorregando a mão para a perna de Adriana, tentando manter uma expressão fria. Missão quase impossível naquele momento. Sangue escorria da panturrilha dela, mas não era oriundo da fratura e, sim, dos cacos de vidro sobre os quais caiu e ainda estavam presos à pele.

Drica mordeu o lábio, negando-se a gemer, mas foi impossível quando Bianca a tocou.

— Ruiva maluca! — Silvia falou, pegando a munição que ela e Rebeca tinham enfiado nos bolsos. — Aliás, todos vocês são loucos. Que confusão dos infernos por esse idiota! — Fitou Lucas, que gemeu aos pés de Bianca, começava a despertar.

A assaltante seguiu seu olhar, recarregando a arma com destreza, embora as mãos estivessem trêmulas pela dor que tentava sufocar. Quem a visse naquele momento, pensaria que era uma ação tão natural para ela quanto respirar. Contudo, Adriana abominava cada segundo que se obrigava a segurar uma arma.

Bianca nocauteou seu primo com um chute, arrancando uma risadinha da sequestradora, que logo trocou o sorriso por uma careta de dor, enquanto novos tiros esfacelavam os tijolos acima de suas cabeças.

Por outro buraco na parede, ela assistiu Alex entrar em um dos carros e ligar o motor acompanhado de dois de seus homens. Todos os outros estavam mortos ou a caminho da morte em meio a sangue jorrando farto para fora de seus corpos maculados, gemidos e gritos de agonia.

Olhou para a loira, que voltava a recarregar a arma e sentiu-se grata por tê-la do seu lado naquele momento.

O traficante arrancou com o carro, manobrando-o diante da casa, passando por cima de corpos e milhares de reais em notas manchadas de sangue e lama. Um pouco de fumaça da granada ainda se elevava, sendo arrastada pelo vento. A ex-policial deu a volta na parede, saltando uma pequena montanha de entulhos e lixo. Ajoelhou-se no batente que levava a varanda destruída da casa e atirou. Acertou o que restou do vidro traseiro do carro. Mas ele continuou o avanço.

Palito surgiu na lateral da estrada, saindo de uma moita, e atirou na porta do motorista por duas vezes, mas o carro seguiu seu rumo em velocidade alta, espalhando água e lama até se perder de vista em uma curva mais adiante.

 

 



Notas:



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3 Respostas para Capítulo 16

  1. Nossa Carolina tá demais o capítulo, thriller perfeito. Angustiante ler sobre a saraivada de projéteis que as meninas estão sofrendo, Becca ter levado um tiro e superou a dor pra ajudar Drikka e depois esta pra tirar aquele miserável ainda se machucou. Emocionante.

    Nem precisa dizer da ansiedade pelo próximo né?? kkk

    bj

    • Olá, Zoe! Tudo bem?

      Na verdade, essa história é da Tattah Nascimento e postei por ela esta semana. Que ótimo que está gostando porque também amo esta história da Tattah. Ela colocou muita emoção e muita ação, que eu adoro! Foi perfeito, como disse!
      Beijão, Zoe!

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