Reféns do desejo

Capítulo 15

 

— Olá, Beca! — Alex piscou para a moça, que sentiu o estômago se contrair com ânsia de vômito.

Aquele homem era um de seus piores pesadelos. Enquanto vivesse, jamais esqueceria o que foi capaz de fazer para sustentar o seu vício. Trazia, na alma, as marcas das surras que lhe deu, surras que recebia de bom grado desde que lhe desse drogas.

A garganta ardeu quando forçou seu desconforto e raiva goela abaixo, junto com a saliva.

— Alex — disse, simplesmente.

Ele sorriu em meio a uma careta. Ignorava, de propósito, a presença de Adriana.

— Você está linda, princesa.

Beca inclinou a cabeça, assentindo. Cruzou os braços e lançou um olhar cansado e ansioso para a elevação onde Rodrigo estava escondido. Enviava vibrações carregadas de ódio, ansiando que ele as recebesse e fizesse um favor ao mundo apagando aquele miserável da face da Terra. Sabia que ele lhe dedicava atenção, desprezando Drica apenas para irritá-la e prolongar sua agonia.

Mas, também, sabia como atingi-lo e aproximou-se da amiga, enlaçando seu braço carinhosamente. A mudança na fisionomia dele foi perceptível por todos os presentes.

Adriana lançou um sorrisinho presunçoso em sua direção. Alex gostava daqueles joguinhos e, muitas vezes, soube como tirá-la do sério. O mesmo não ocorreria naquele momento. Estava preparada para usar de todo o sangue frio que possuía.

Se fora capaz de assaltar um banco e sequestrar uma mulher inocente, seria capaz de enfrentá-lo sem se render a raiva que sentia por todos os anos de perseguição, pela doença da filha, por ter sido obrigada a cometer um crime para salvá-la e pela última traição que ele planejou.

— Então, você conseguiu — disse ele, dando atenção a ela, finalmente.

Ela alternou o peso entre as pernas, escorregando a mão, casualmente, até a cintura. Ele seguiu o movimento com um olhar de rapina, reparando no quanto seus dedos se aproximaram da arma. Adriana o encarou, sorrindo de lado.

— Se não o conhecesse, acharia que está com medo de nós — provocou, fazendo alusão a quantidade de homens que o acompanhavam.

O rosto dele se contraiu de forma desagradável por uma fração de segundo, mas foi o suficiente para que o sorriso dela crescesse, mas não o suficiente para afastar o medo que envolvia seu coração. Se o inimigo declarado tinha ido até ali acompanhado por tantos homens, era sinal de que esperava confronto.

Reprimiu a vontade de soltar um suspiro nervoso e torceu para que ele, assim como ela, desejasse apenas efetuar a troca e partir, mas sabia que não seria assim. Não depois da ligação que recebeu.

— Está tudo aí — informou, apontando as mochilas com um movimento rápido de cabeça. — Sinta-se à vontade para contar — provocou um pouco mais. Mexia com fogo, mas quanto mais naturalmente agisse, maiores as chances de que não desconfiasse da presença dos amigos escondidos ali perto.

Ele fungou, coçando o queixo.

— Sinceramente, aquela pirralha não vale tanto!

Os músculos dela tensionaram, mas manteve o sorriso arrogante e a pose confiante. Ninguém além de Beca, que ainda a tocava, percebeu a reação.

Com um estalar de dedos, Alex ordenou que um dos seus capangas trouxesse Lucas e o rapaz foi arrancado do porta malas de um dos carros. Sua aparência era a pior possível. Estava maltrapilho, o rosto encovado e marcado pela perca de peso e as constantes agressões. Um tecido manchado por sangue seco envolvia uma de suas mãos e Adriana não precisava ser adivinha para saber que aquele trapo imundo ocultava a ausência de alguns dedos.

Para seu crédito, Lucas foi cambaleando até o traficante com um olhar altivo, como se o desafiasse, mas parou, fitando o chão, como se todas as suas esperanças estivessem ali. Adriana estava bem longe de sentir pena dele. O aperto pelo qual passava era mais que merecido e, se pudesse, ela o deixaria para Alex. Contudo, a vida da sua filha dependia daquele pai desnaturado.

— Quem diria que você era tão querido pela sua prima, Lucão!

O rapaz engoliu em seco, erguendo o olhar para a prima. Adriana o odiava com todas as suas forças e não podia culpá-la por isso. Ele não era uma boa pessoa. Jamais seria. Desde a infância, a rivalidade entre os primos causou muita discórdia na família, o que piorou quando ele começou a se envolver com o tráfico.

Resvalou o olhar pelas mochilas abarrotadas de notas e perguntou-se de onde ela tirou tanto dinheiro. Ela vivia bem com a sua arte, mas não era rica.

Como se desse voz aos seus pensamentos, Alex perguntou:

— Estou curioso, “Driquinha”. De onde saiu toda essa grana?

A assaltante conteve a vontade de rosnar para ele, mas manteve o rosto impassível.

— De onde o dinheiro vem, não interessa. O que interessa é para onde ele vai. E ele vai para o seu bolso. Isso é um acordo comercial, então vamos acabar logo com isso.

Notou seu desagrado pelo modo que lhe falou, mas pouco lhe importava, desde que conseguisse Lucas de volta. Alex empurrou o rapaz para a frente, mas o fez parar ao pôr a mão em sua nuca e escorregou uma arma para o cos da calça dele, sussurrando:

— É ela ou você, velho amigo. Não preciso dizer a minha preferência. Certo?

O rapaz engoliu em seco e mancou em direção a prima, deslizando a mão para a arma na cintura. Se a respeitava ou não, se gostava dela ou não, se tinham o mesmo sangue ou não, pouco importava. Era um sobrevivente e faria o que fosse preciso para continuar respirando.

Estava a pouco mais de um metro dela quando a viu sorrir e envolveu o cabo da pistola com mais força. Um sinal de alerta se acendeu em sua mente. Sempre que a via sorrir assim, repuxando um dos cantos da boca para o alto, costumava se afastar, pois era indício de que a raiva dela estava no limite.

Tarde demais.

Quando deu por si, estava estatelado no chão com os lábios sangrando e uma dor absurda, nas costas, que lhe tirava o ar. A arma, ainda na cintura, só piorava a dor que dobrou de intensidade quando ela o chutou nas costelas. Então, a prima puxou a própria arma e apontou para o peito dele.

Rebeca lhe dirigiu uma expressão confusa, mas nada disse, e a amiga não ousou tirar os olhos de Lucas para lhe indicar que estava tudo bem. Pelos menos, era o que pensava.

Lucas ergueu as mãos e cuspiu um pouco de sangue.

— Não que ele não mereça esse tratamento, mas pensei que o quisesse… inteiro — disse o traficante, ocultando a surpresa.

Adriana apertou a arma com mais força e sorriu; um sorriso cheio de ódio e desprezo que não lhe cegou para o movimento de cabeça, quase imperceptível, que ele fez para seus capangas. Nove pares de mãos, incluindo as dele, alcançaram suas armas.

— Ah, eu quero. De preferência, vivo. Mas se tiver de matá-lo, vou fazer. Acho que se ainda estiver “quentinho” a medula ainda servirá — sorriu malvada, mais para esconder seu medo do que para demonstrar segurança.

Realmente, não sabia se morto ele serviria para algo e não estava a fim de descobrir.

— P-por quê? — Lucas gaguejou, passando uma mão imunda nos lábios cortados pelo soco dela.

— Porque não confio em você e, principalmente, não confio nele! — Ergueu o olhar para Alex, que riu cheio de malícia.

 

***

 

— Essa sua “namoradinha” bandida é cheia de surpresas! — Silvia comentou, apertando os olhos. — E esperta também.

A posição em que se encontravam lhes permitia uma visão privilegiada de todos os componentes daquela cena. Viu o traficante escorregar a arma para a cintura de Lucas e preparava-se para atirar no rapaz assim que ele a sacasse.

Um dos cantos da sua boca enrugou, levemente. Era o mais próximo de um sorriso que daria em uma situação como aquela.

— Ela não é minha namorada! — Bianca rebateu entredentes, sem deixar de observar o desenrolar da cena.

Se Lucas tivesse puxado aquela arma, seria um homem morto antes de tocar o chão. Não por uma bala da arma de Silvia, mas por uma bala da sua arma.

Um gemido de escárnio lhe chegou aos ouvidos.

— Você a salvou, brigou por ela, a beijou…

— Não acha que é uma hora bastante inconveniente para termos esta conversa? — Redarguiu.

A loira revirou os olhos com um dar de ombros irritado. Bianca não tinha ideia do quão diferente estava. Voltou a prestar atenção ao grupo, através da mira do rifle que tinham tirado de Cobra.

 

***

 

— Jogue a arma para cá, Lucas — Adriana ordenou, dando dois passos para trás e voltando a se posicionar ao lado de Rebeca.

— Não estou armado. — Ele negou. A voz saindo enrolada, graças ao sangue que se acumulava na boca e a perca de um dente.

O sorriso dela sumiu e lhe chutou as pernas.

— Não me insulte! Sei que ele te deu uma arma. A questão é: Você vai usá-la ou se livrar dela e vir para o meu lado? Não me interessa se temos o mesmo sangue, se ousar apontar essa arma para mim, mato você e arrasto sua carcaça até o hospital. De um jeito ou de outro, terei o que quero!

Ele bufou ao perceber que falava sério. Adriana não era uma assassina, era fato. Mas, também, era verdade que faria qualquer coisa pela filha e se isso implicasse em tirar sua vida, ela o faria. Então, pegou a arma devagar e a atirou para Rebeca. Se pôs de pé com esforço e caminhou para além dela, sob o olhar atento e a mira de Rebeca. Se não fosse ela, seria Alex e preferia se arriscar com a prima do que com o traficante.

Uma gargalhada debochada escapou de Alex.

— Você é mesmo uma filha da mãe, “Driquinha”! Fique com esse verme! — Fez um gesto de descaso para Lucas, que exalou aliviado, mas não menos desconfortável com a situação.

O traficante não dava ponto sem nó e quando exigiu que matasse a prima em troca da sua liberdade, ele sabia que era apenas mais uma de suas provocações para desestabilizar a mulher que odiava acima de qualquer coisa. Nem por isso, deixava de ser uma proposta séria. Então, aceitou. Assim como aceitaria matar qualquer pobre coitado que cruzasse seu caminho, se isso o livrasse da tortura e morte horrível que ele lhe prometeu.

— Teria sido divertido ver o cara, que você deveria resgatar, te matar. — Mostrou os dentes, amarelados pelo cigarro, sem conseguir ocultar o desagrado pela traição que planejou ter falhado. — Tudo bem!

— Pegue seu dinheiro e vá, enquanto ainda pode — ela ordenou, o ódio fervilhando em suas veias.

Alex deu de ombros, fazendo pouco caso da ameaça.

— Enquanto ainda posso? — Deixou um barulhinho esganiçado lhe escapar entre os lábios, misturado a um sorriso de escárnio. — Você sempre foi metida a esperta, mas está se fazendo de idiota agora. Principalmente, porque se encontra em uma grande desvantagem numérica.

Rebeca evitou revirar os olhos; aquele sujeito adorava ouvir a própria voz. Contudo, temia o rumo que a conversa estava tomando, mesmo já tendo previsto que algo do tipo ocorreria. Aliás, suas previsões eram semelhantes às de Drica, envolvendo tiros e sangue. Moveu-se, inquieta. A última coisa que queria era outro confronto armado.

— Eu não vim aqui negociar. Nunca foi minha intenção. Estou de saco cheio de você, — escorregou o olhar para Rebeca — de vocês. Não dou a mínima para aquela pirralha filha de uma prostituta viciada que esse inútil comeu!

— Pegue o dinheiro e vá, enquanto ainda pode — Adriana repetiu com um olhar assassino, que ficou ainda mais intenso após ouvir a forma como falou de sua filha.

Ele deu alguns passos em direção ao dinheiro. Colocou a arma debaixo do braço e acendeu um cigarro. Pousou o olhar sobre as mochilas com um sorriso maldoso. Pegou um maço de notas, deslizando o dedo entre elas com ruído.

— Você gostou de assaltar aquele banco? — Perguntou, de repente.

O estômago dela se revirou. “Como ele soube?”. A pergunta ribombou em sua mente como os trovões de uma tempestade, mas forçou-se a manter o rosto inexpressivo. E Rebeca ganhou créditos por conseguir a mesma proeza.

— Eu assisto o noticiário, sabia? — Ele caçoou. — E não foi preciso muito esforço para juntar todas as informações e chegar a esta conclusão. Nada acontece nesta cidade sem que eu saiba. Seu irmãozinho andou comprando armas do mesmo tipo que os assaltantes no vídeo de segurança exibido na TV. Uma quantia equivalente a que pedi foi roubada e, horas depois, você me ligou dizendo que já tinha a grana — Riu, abrindo os braços. — Então, “Driquinha”, gostou de vir para o lado negro?

Ela trincou o maxilar.

— Pegue seu dinheiro e vá embora! — Esforçou-se para repetir, muito consciente da vontade que tinha de matá-lo. Contudo, satisfazer seu desejo e entrar em um confronto que pudesse lhe matar também, não era nenhum pouco inteligente. Usaria aquela arma, apenas se fosse necessário.

— Ah, mas eu não vou ficar com essa grana. É tentador, mas tenho planos melhores. — Estalou os dedos e um dos capangas pegou o celular, fez uma ligação sussurrada e, segundos depois, duas viaturas surgiram na curva da estrada. — Aliás, cadê o bobão do seu irmão e o outro amiguinho do assalto?

Como não houve resposta, ele deu de ombros. Cuidaria daqueles dois depois.

— Você não acha frustrante, ter tanto trabalho para libertar esse verme e ele ter aceito, sem pestanejar, a minha proposta de te matar em troca da liberdade? — Balançou o maço de notas que segurava, então atirou-o de volta a mochila da qual o tirou. — Se ele tivesse te matado, me pouparia tempo e dinheiro. Ficaria com essa grana e o meu mundo seria muito mais alegre sem você nele. Como ele é dono de incompetência sublime, vamos ao plano “B”.

Sorriu diante dos rostos confusos. Até mesmo Lucas se revelou interessado. Apesar de ainda avaliar suas chances de livrar-se de Rebeca e matar a prima. Afinal, não tinha muito o que fazer ali; Alex não permitiria que saíssem vivos daquele encontro.

— Enfim, estava me preparando para este encontro, quando pensei: “Por que matar ela, se posso vê-la definhar na cadeia, sabendo que não conseguiu salvar aquela pirralha inútil, enquanto providencio para os meus contatos tornarem sua vida um inferno?”.

Ele riu mais alto quando as viaturas estacionavam e quatro policiais desceram delas.

— É tão simples e brilhante, não é? — Com um gesto, seus homens apontaram as armas para ela, sendo imitados pelos policiais.

 

***

 

— Ela não estava brincando quando disse que a polícia dessa cidade comia na mão dele. Droga! Temos que ajudá-las — Bianca falou, já se posicionando para efetuar um disparo.

O celular de Silvia vibrou sobre o tijolo no qual ela o deixou. Não era hora para aquilo, mas deslizou o olhar para o visor e pegou o aparelho, recebendo um olhar mortal da amiga. Ouviu atentamente a pessoa do outro lado da linha e largou o aparelho, dizendo:

— É melhor se preparar, porque isso aqui vai virar um inferno!

 

***

 

Um dos policiais se aproximou. Estava na casa dos quarenta anos, o rosto marcado por uma cicatriz de queimadura na altura da bochecha direita. Adriana o reconheceu, afinal, fora o mesmo que lhe ameaçou quando resolveu denunciar a perseguição que o assaltante lhe fazia.

— Sargento Mota, elas são todas suas. — Alex fez um gesto, indicando as duas mulheres. — Quanto a esse imbecil, não toque nele. Ainda tenho planos.

Os policiais se adiantaram e Adriana lutou contra a vontade de se preservar erguendo as mãos para se entregar. As palavras do bandido ressoavam em sua mente. Se parasse naquele momento, se desistisse, tudo o que fez seria em vão e a filha morreria. Se tinha uma chance de salvá-la, se agarraria a ela.

Olhou para Rebeca e recebeu desta um inclinar de cabeça afirmativo, então ergueu a arma, puxou o gatilho e o inferno chegou.

 



Notas:



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Uma resposta para Capítulo 15

  1. Nossa quanta tensão!!!!! Tive uma parada cardíaca a cada parágrafo. Kkk criatura dramática heim???

    Mas sério Tattah que thriller. Tá excelente o capítulo. Agora rezar que você não seja má e poste o próximo capítulo rapidinho.
    Abraço

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