Reféns do desejo

Capítulo 10

Texto: Táttah Nascimento

Revisão: Isie Lobo e Carolina Bivard

10.

Bianca tomou um gole de café, sentindo grande prazer. Adorava a bebida e, mesmo aquele não sendo dos melhores, era suficiente para fazer seu humor melhorar 80%. Passou a mão nos cabelos, ligeiramente desalinhados, enquanto analisava seu reflexo no vidro da janela, ao lado da mesa que ocupavam numa lanchonete em frente ao hospital, do qual tinham saído meia hora antes.
A mulher que via naquele reflexo, tinha suas feições, mas não era ela. De alguma forma, naquelas 24h, tinha se tornado outra pessoa. Não era a aparência, era o que via em seus olhos. Estavam mais suaves, diferentes da costumeira dureza que sempre exibiam e isso se refletia em seus gestos, nas decisões que tomou e ainda tomaria ao longo daquele dia.
Sentada à sua frente, Drica brincava com um guardanapo, dobrando-o com cuidado. Por alguns instantes, o pensamento de que ela parecia a mistura de uma deusa com uma hippie, lhe passou pela mente, arrancado um sorriso de deboche de seus lábios.Uma deusa cheia de hematomas, mas, ainda assim, muito bela. Os cabelos estavam presos em um rabo de cavalo desleixado, deixando o rosto de traços harmoniosos e delicados completamente visível, no qual uma expressão de inconfundível desalento, imperava.Usava uma camiseta, tão manchada de tinta, que parecia um quadro abstrato.
A parada no ateliê serviu para que pudessem tomar um banho e ficarem mais apresentáveis para irem ao hospital. Por conveniência, Drica tinha algumas roupas no local, velhas e manchadas, que lhe davam aquele ar alternativo e charmoso.
Bianca, por outro lado, se achou estranha naquelas vestes, que em tudo contrastavam com a sobriedade dos terninhos e tailleurs que costumava usar. No entanto, sentia-se confortável dentro delas, envolvida pelo perfume de sua dona e achou isso engraçado e, ao mesmo tempo, estranhamente excitante.
Drica tinha o olhar ausente e vermelho pelas lágrimas que não ousava derramar.Desde que saíram do hospital, caiu em um silêncio melancólico. Sentia-se tão cansada e desgastada que, por um momento, pensou que não conseguiria chegar até o fim daquele dia, principalmente, quando descobriu quem era sua ex-refém.
Enquanto, caminhavam pelos corredores do hospital, Bianca tinha lhe perguntado:
— Por que me trouxe, se já não estou armada, nem posso te ameaçar? Poderia ter me prendido novamente. Em vez disso, me levou até sua casa, até seu trabalho, está me guiando até sua filha. Por quê?
Tinham acabado de passar pela recepção, um crachá de visitante estava preso às suas camisetas permitindo que seguissem adiante, desviando de funcionários e outros visitantes. O lugar recendia a detergente e álcool, causando um embrulho no estômago da advogada que detestava hospitais e seu incômodo era bastante visível, mas a companheira não teceu comentários.
Depois do sequestro que a vitimou na adolescência, Bianca passou alguns dias internada e toda a atenção e cuidado dos médicos e enfermeiras só tornaram o seu tormento maior. Tudo o que queria, era estar em casa e esconder-se do mundo, lambendo suas feridas, remoendo seus medos, lutando contra os pesadelos que aquela torpe experiência lhe deixou.
Drica parou diante do elevador. Parecia exausta, assim como Bianca, mas esta procurou se manter firme e ereta, enquanto os ombros dela se curvaram um pouco, evidenciando ainda mais o esgotamento.
— Você foi um erro, Bianca. Acho que já deixei isso claro — a voz soou-lhe carregada. — Ter lhe tomado a arma foi apenas uma medida preventiva. O que não significa muito, pois ambas sabemos que você sabe se virar, muito bem, com as mãos nuas.
O fraco indício de um sorriso, visitou seus lábios, mas não foi muito além disso.
— De que me adiantaria prendê-la outra vez? Seus “amigos” me esqueceriam? Com certeza, não. Os meus problemas sumiriam? Também não.
O elevador abriu-se para que elas entrassem e interromperam o diálogo devido a companhia de um maqueiro dentro dele, mas tão logo desceram no andar desejado, Drica continuou.
—Na mata, você me deu o benefício da dúvida e poupou minha vida quando não tinha motivos para isso. Esta é a razão de tê-la trazido aqui, como pediu.
Estavam diante de uma porta, de onde uma plaquinha com o número 23C refletia a luz da lâmpada sob suas cabeças e Bianca sentiu seu desconforto aumentar. Drica se adiantou para ela, pousou a mão na maçaneta, mas não a girou.
— Isso não significa que confie em você, pelo contrário. Acredite, o que menos desejo é tê-la perto da minha filha, mas depois de tudo que aconteceu, o mínimo que posso fazer é provar que não menti e que não sou o monstro ganancioso de índole corrompida que possa ter imaginado. Que tudo que fiz foi por um bem maior que o do meu bolso e não me arrependo de nada.
Voltou-se para a porta, mas continuou sem abri-la. Suas mãos tremiam e a face cansada e triste modificou-se, exibindo uma expressão que beirava o ódio.
— Faça qualquer coisa que magoe Lis ou a minha família e, juro, será a última coisa que fará.
Era estranho, mas Bianca gostava daquilo nela. Aquele sentimento protetor que aflorava em sua face e palavras, quando menos se esperava. Era algo que a fazia lembrar de Silvia, que também tinha aquele vigor em seus sentimentos, mas, ao contrário dos olhos azuis e frios dela, os verdes amarelados de Adriana, emanavam o mesmo calor de suas palavras.
Só se conheciam há um dia, mas tinha certeza de que aqueles rompantes, faziam parte dela assim como a pele que habitava.
Não a temeu, como era o esperado. Em vez disso, a admirou, achando a si própria um ser excêntrico por pensar daquela forma e foi introduzida no quarto da pequena, após garantir que nada faria. O que era verdade. Não tinha intenção de magoar uma criança que já sofria em demasia.
Lá no fundo, bem no fundo mesmo, esperava que não houvesse criança alguma, que tudo não tivesse passado de um blefe da criminosa. Apesar das fotos e da história que lhe contou com olhos úmidos, da voz falha quando pronunciava o nome da menina, quis agarrar-se a ideia de que ela não existia, mesmo tomando decisões em prol de seu futuro. Isso também a surpreendia, pois não era dada a esse tipo de atitude.
Foi uma visita rápida. Dolorosa para Adriana e constrangedora para Bianca, por se sentir uma intrusa ali. A menina estava muito debilitada e permaneceu deitada durante a visita, enquanto a mãe se esforçava para fazê-la sorrir arrancando, vez ou outra, um risinho sem dentes dos lábios pequenos e ressequidos.
Não era o seu melhor momento, explicou Dona Mirian, sentada ao lado do leito da neta. Tinham lhe dado uma medicação forte que a fazia ficar enjoada e febril. A velha senhora, lançava olhares furtivos para Bianca e para os hematomas no rosto da sobrinha, vez ou outra, arqueando as sobrancelhas e mordiscando os lábios. A face bonita, com poucas rugas, demonstrava seu desagrado pela a aparência das duas e não tardou a pôr assunto em pauta, tão logo Lis adormeceu.
Fez cara de zanga, ralhou com a sobrinha, mas acabou acreditando na desculpa esfarrapada que esta deu ou, pelo menos, assim pareceu. No entanto, Bianca desconfiava que ela estava, simplesmente, cansada demais para brigar e preferiu não dar seguimento à discussão. Isso foi um grande alívio para Adriana, que nunca foi uma mentirosa convincente, ainda mais quando se tratava de contar uma mentira para Mirian.

***

Chico puxou o capuz do seu casaco para proteger-se da chuva fina que caía. Deu alguns passos atrapalhados, os pés afundando na terra molhada. Mascava um chiclete, nervoso, e ocupava suas mãos com alguns galhos que tinha acabado de cortar. Ao seu lado, Rodrigo pegou um dos galhos e, pacientemente, ocultou o rifle de caça instalado sobre um tripé.
A mira da arma estava apontada para a casa, onde mais cedo tinha se sentado com Rebeca. Após concluir a tarefa, deitou-se no chão a fim de fazer novos ajustes. Bons dez minutos se passaram até se dar por satisfeito e ficar de pé, a roupa encharcada e enlameada.
Com uma cara de poucos amigos, Chico imitou o som de uma bala, fazendo com que soasse semelhante aos efeitos dos antigos filmes de faroeste.
— Logo, aquele filho da puta vai pagar pelo que fez — cantarolou friamente, etando o companheiro que jamais vira tanto ódio em seu semblante.
Desceram a encosta em silêncio e caminharam em volta das ruínas da casa, procurando por possíveis pontos cegos. Não havia nenhum. Em seu esconderijo, Rodrigo teria uma visão privilegiada do local. Enquanto isso, Chico ficaria escondido no mato alto que circundava a casa.
— Acha que ele vai mesmo aprontar? — Questionou, sentando-se em um degrau, no exato lugar que Rebeca esteve sentada.
Rodrigo olhou para a grossa camada de lama que cobria suas roupas com uma expressão neutra e se juntou ao amigo, pensativo. Ele não sabia, mas Drica parecia ter certeza disso e Rebeca também. Como resposta à pergunta, simplesmente, meneou a cabeça e se pôs a observar a chuva, cada vez mais ansioso para que aquela confusão chegasse ao fim.
— Vem, temos que pegar Rebeca em casa. Fiquei de ir busca-la uma hora atrás. Já deve estar fazendo minha mãe se revirar na cova com os insultos que deve estar me dirigindo.
Chico sorriu com ar de troça. A amiga tinha se negado a voltar ao local com eles, dizendo que necessitava de um bom banho e um cochilo em sua própria cama.
— Calma, Dom Juan! Ela pode esperar mais um pouco. Pelo menos, troque as calças antes.
— Dom Juan?
Chico riu, balançando os ombros e puxou o capuz um pouco para trás.
— A quem está querendo enganar, moleque? Há anos que vejo esses teus olhares compridos para Beca.
— Não sei do que está falando, cara!— Negou, fingindo um ar confuso.
— Se é assim que prefere — deu de ombros. — Mas, me deixa te dar um conselho. Ela é apaixonada pela tua irmã, mas isso não significa que você não tenha uma chance. Usando uma frase grosseira para deixar mais claro: Rebeca gosta de saias tanto quanto de um par de calças.
Rodrigo balançou a cabeça, descrente. Não por Chico ser conhecedor do que ia em seu coração, mas pelo modo que ele falava.
— Cara, para com isso. Não gosto que fale assim. É desrespeitoso e Beca é nossa amiga!
Chico riu mais alto, dando-lhe uma tapinha nas costas. Era quase ridículo um cara daquele tamanho, com fama de conquistador, ser tão molenga quando o assunto era a paixão que sentia.
—Bom, pelo menos você não negou. Não pretendia que minhas palavras fossem ofensivas, apenas desejei exemplificar a coisa de uma forma direta, apesar de ter escolhido palavras inconvenientes, para dizer o mínimo.
Se colocou de pé e seguiram para o carro com passos atrapalhados, graças a lama escorregadia.
— Relaxa um pouco, meu amigo, ainda não te dei o meu conselho.
— E qual seria?
— Fale com ela.
Rodrigo estalou a língua.
— Grande conselho! Você é sábio, hein, cara!
Chico acomodou-se no interior do veículo, ainda sorrindo, e sentiu-se muito velho de repente. Então, concluiu que o motivo não era a idade, mas as experiências que agora lhe pesavam.
— Amanhã estaremos na cadeia, garoto. Quantos anos se passarão sem que nos vejamos outra vez? Aproveite o pouco tempo de liberdade que ainda lhe resta.

***

— Mais café? — A garçonete perguntou e Drica saiu de seu transe, fazendo um gesto afirmativo com a cabeça. Nas mãos, uma flor de origami feita com um guardanapo. A girou, distraída, enquanto bebericava o café que a moça despejou em sua xícara com um sorriso sugestivo.
Bianca lia o jornal que um cliente tinha deixado sobre o balcão. Quando entraram na lanchonete, ela apressou-se a pegá-lo a fim de evitar que alguém a reconhecesse, já que sua foto estampava a primeira página.
— Obrigada, Virgínia —Drica sorriu, faceira, e a mulher se afastou com uma piscadela, caprichando no rebolado. Em outra época, as duas tiveram um caso rápido.
O gesto não passou despercebido a ex-refém que capturou, nas entrelinhas das palavras trocadas com gentileza, a intimidade entre às duas mulheres. Baixou o jornal e o dobrou de forma a esconder sua foto.
— É sempre assim? — Questionou.
As sobrancelhas da ruiva se arquearam, não compreendendo a pergunta.
— Estar com você é sempre assim?
— Seja mais específica, promotora! — Pronunciou a última palavra com escárnio. Estava deveras irritada com sua má sorte de sequestrar uma figura tão pública que já tinha atuado a favor da lei, enviando transgressores como ela para a cadeia.
—Não leu a notícia direito? Não atuo mais na promotoria. Agora, sou apenas uma simples advogada. — Não era bem a verdade. Havia alguns anos, não exercia a profissão em que se formou.
Drica soltou a flor sobre a mesa e deu outro gole no café.
— Não é o que diz aí — projetou o lábio inferior para a frente, indicando o jornal.
—Não acredite em tudo que lê — apressou-se a dizer, com ar entediado. — Enfim, voltando à pergunta que fiz. Não temos mais que algumas horas de convivência para que eu possa formular uma ideia concreta. Por isso, pergunto: estar ao seu lado, conviver com você, é sempre assim? Você está sempre mudando sua face, indo da raiva ao carinho, da seriedade distante à luxúria, da tristeza a um sorriso provocante em poucos instantes?
Estava, sinceramente, curiosa. Principalmente, depois que a viu com a filha e a tia.
— Por que quer saber?
— Você me deixa confusa. É por isso — foi sincera.
Adriana lhe sorriu, abandonando o ar desconfiado. Era um sorriso diferente do que dera para a garçonete, simples e sem segundas intensões. E Bianca o achou bonito e bem mais atraente do que gostaria de admitir.
— Acha que sou inconstante?
— Para dizer o mínimo, mas algumas pessoas parecem gostar disso — indicou a garçonete com um leve inclinar de cabeça.
O sorriso dela se ampliou.
— Ser assim também é ser constante. Sou uma mulher de momentos, de paixões e de ódio. Sou um pouco profunda, mas não complexa, apenas sou. Entende? Vivo meus sentimentos à flor da pele. Se estou triste, demonstro. Se estou feliz ou com raiva, também. Meus humores não são motivo para destratar alguém ou negar um sorriso a quem me pede de um modo tão singelo.
Junto ao balcão, Virgínia dirigiu um olhar curioso para a mesa que ocupavam e Bianca se recostou na cadeira, os braços cruzados com um sorriso cético.
— O que ela lhe pediu de modo tão “simplório”, se é que posso chamar assim, foi muito além de um sorriso.
O sorriso sem-vergonha de Adriana, surgiu outra vez.
— Ciuminho, gata?
— Como é presunçosa!
— É você quem está dando bandeira. Bom, pelo menos, seu bom gosto está melhorando.
— Como assim?
Ela pegou o jornal e abriu, mostrando uma fotografia de Artur ao lado dela.
— Qual é? Noiva? Coitado desse cara!
Era uma foto antiga, da época em que começaram a namorar. Olhando-a, Bianca se sentiu vazia e alheia àquela imagem. Parecia ser outra mulher ao lado dele, uma desconhecida. E essa ideia só reforçou sua vontade de pôr um fim àquele relacionamento.
— Não estou entendendo onde quer chegar.
Drica lhe devolveu o jornal, encontrou Virgínia com o olhar e pediu a conta com um gesto.
— Nos conhecíamos a menos de 12h e você me beijou — ficou de pé com um sorriso malicioso, vendo-a abrir a boca para uma resposta desaforada, mas a chegada da garçonete com a conta a impediu.
A chuva as recebeu com alegria, pois se tornou mais intensa, enquanto voltavam para o carro.
— Aquilo foi apenas uma técnica de distração —explicou, se acomodando no carro.
— Que deu muito certo. Admito! — A ruiva gracejou. — Por favor, me distraia mais vezes!
Bianca a fuzilou com o olhar, ainda se perguntando como ela podia ser tão confusa. Há quinze minutos, estava tão triste que a sua dor era quase palpável, agora, se desmanchava em uma gargalhada cheia de vida e zombaria.
Maluca, era isso que ela era e a estava enlouquecendo também.
— Ah, me poupe desse olhar colérico, ninjinha! Pelo menos, não finjo ser o que não sou.
— Estou chegando à conclusão de que você é realmente doida. Do que está falando agora?
— Da mesma coisa, gata. Talvez, você até goste do bonitão bobão que chama de noivo, mas teu lance é mulher.
— Um beijo e já pensa que me conhece!
— Um não, vários. Sem falar naquele momento, um pouco mais quentinho, no ateliê — piscou e Bianca trincou os dentes, louca para lhe enfiar a mão na cara e arrancar aquele sorriso metido dos seus lábios.— Quer saber? Adoraria mesmo te conhecer e ensinar algumas coisinhas.

***

Passava um pouco do meio dia. Silvia desceu do carro e caminhou devagar até a porta da casa de Rebeca. Não deu importância para a chuva que começava a engrossar, nem para o portão que rangeu alto e dolorosamente quando o abriu, denunciando sua presença. Confirmou o endereço rabiscado num pedaço de papel amassado que retirou do bolso e tocou a campainha.
Um minuto se passou até que Rebeca abrisse a porta com cara de poucos amigos.
— Você está atrasado! — Disse, antes de perceber que não era Rodrigo que se encontravano umbral e, sim, uma das mulheres mais lindas que já tinha visto.
A frieza daquele olhar safira, fez um sinal de alerta disparar em seu interior. Não precisava ouvir seu nome para saber quem era. Drica tinha lhe telefonado, enquanto se dirigia para o hospital, e contado sobre os “amigos” da refém.

***

Adriana estacionou em frente à rodoviária. Desta vez, não fez joguinhos com Bianca. Desligou o motor e ficou observando a chuva cair, enquanto ela lia, outra vez, o jornal. Por fim, se cansou e o atirou sobre o painel, dizendo:
— Meu pai vai mata-lo! —Balançou a cabeça, pensando em Artur, que tinha dado um depoimento emocionado aos jornais, sobre o sequestro da noiva.
— Ah, seu pai, o Juiz!— Drica estalou a língua com uma careta. —Quem ele irá matar, além de mim?
A morena ergueu a cabeça, também se permitindo admirar a chuva. Desprezou a pergunta dela e permaneceu em silêncio por algum tempo, de olhos fechados. Tentava fingir que não estava com raiva de Artur que, com sua atitude, complicou ainda mais as coisas. Se por um lado, isso esfriaria a perseguição de Silvia, por outro, tornava Adriana um alvo fácil por estar em sua companhia. Se alguém a reconhecesse, seus planos iriam por água abaixo e essa possibilidade a incomodou profundamente, já que tinha optado por ajudá-la e a ideia de que a pequena Lis perdesse a chance de ficar bem pesou em seu peito.
— E agora? — Perguntou de repente, abrindo os olhos.
— Agora você vai para casa, —Drica apontou para o outro lado da rua e, finalmente, Bianca percebeu onde estavam — e eu vou terminar o que comecei. Só peço a gentileza de que me dê até a meia-noite para resolver meus problemas, então estarei à disposição da justiça.
— Está me mandando embora?
— Já fiz o que me pediu. Provei que não estou mentindo, agora preciso concluir o que me propus a fazer. Por favor, vá para casa. Volte para sua família.
Outra vez, exibia um olhar sereno. Completamente diferente da mulher que a sequestrou naquele banco.
— Você não entendeu, não é?
— O quê?
— Vou com você.
Uma sobrancelha ruiva se arqueou.
— Desculpe, acho que ouvi mal.
Bianca pegou o jornal novamente e o abriu.
— Isso aqui não é nada. Não importa. É apenas papel. A polícia é o menor dos seus problemas. As pessoas da noite passada, essas sim são o problema.
— Se você voltar para casa, sua tropa de elite particular não irá nos procurar por algum tempo e poderei resgatar o inútil do meu primo — argumentou.
A morena sorriu, arrogante.
— Doce engano. Enquanto estivermos juntas, eles agirão com cautela. Se eu partir, nada irá impedi-los de a matarem e aos seus amigos também. Você é um câncer e precisa ser eliminado. O seu crime não foi ter assaltado um banco, foi me sequestrar.Quando fez isso, assinou sua sentença de morte e, acredite, quando a ajudei a escapar, piorei e muito a sua situação.
Drica olhou para a chuva, sentindo um grande cansaço mental e desejando que aquele dia chegasse logo ao fim, mas a cada minuto, ele parecia se prolongar mais, carregado de problemas.
— Por que está fazendo isso, Bianca?
A advogada acompanhou seu olhar se perguntando o mesmo. Por fim, deu a resposta que achou mais plausível e adequada para o momento, uma parte da verdade.
— Pela menina, assim como você.
— Está arriscando sua vida por uma criança estranha que só conheceu duas horas atrás?
— E daí? — Deu de ombros. —As pessoas pensam, e eu deixo que pensem assim, que sou fria e calculista. Mas eu tenho coração, só o escondo delas. No fundo, esperava que tudo isso não passasse de uma mentira sua, mas depois que vi sua filha e a fragilidade em que se encontra, me sinto na obrigação de também agir.
— É loucura — balançou a cabeça, descrente.
— Percebi que temos muito em comum, Adriana. Bem mais do que possa imaginar e, já que estou sendo sincera, também gostaria de ter te conhecido em circunstâncias mais amenas. Provavelmente, iriamos nos odiar, mas seria divertido tê-la tentando me conquistar e frustrar suas investidas — sorriu.— Porém, não pense que isso significa que irei aliviar para o seu lado. Quando isso acabar, você vai pagar pelos seus crimes.
Adriana voltou a balançar a cabeça, confusa.
— Não posso deixar que faça isso.
— Não pode me impedir.
— Posso tentar.
— E eu posso gritar, chamar a atenção das pessoas e da polícia e seus planos serão frustrados. Não me obrigue a cumprir a ameaça.
— Você não faria isso — afirmou.
— Tentei te matar durante um beijo, é claro que faria — falou em tom de brincadeira, mas com olhar sério.
Adriana relaxou no banco e sorriu, dando-se por vencida. Não estava mesmo em condições de rejeitar aquela estranha ajuda.
— Gosto desse seu jeito cretino de ser. Vai me visitar na cadeia?
Bianca retribuiu o sorriso, estendendo a mão para que ela apertasse.
— Provavelmente, nos encontraremos por lá, pois acabo de me tornar sua cúmplice.

***

Rodrigo estacionou diante da casa de Rebeca, ainda remoendo as palavras de Chico que pitava um cigarro tranquilamente no banco do carona.Não tinha a menor intensão de seguir o conselho dele, pois sabia que não tinha a menor chance. Rebeca só tinha olhos para Adriana.
Notou a SUV preta, estacionada diante da casa da amiga e cutucou o companheiro que estava entretido com o celular.
— Tem alguma coisa errada — disse, percebendo dois homens no interior do veículo. Um terceiro estava escorado no portão, ao celular.
— Será que são os caras que Drica falou? — Adriana, assim como tinha feito com Rebeca, ligou para eles e fez um breve relato do que aconteceu na madrugada da mata.
— Vamos descobrir. — Permaneceu a observá-los por um minuto, então abriu o porta luvas e retirou um envelope amassado com o seu próprio endereço. Saltou do carro e fingiu olhar os números das casas, como se estivesse a procurar uma em especial.
Chico o seguiu, vez ou outra fazendo comentários como:
— Esse maldito GPS! Deve ser por aqui!
Aproximaram-se do SUV e Rodrigo sorriu, sem graça, para os homens dentro dele.
— Vocês poderiam nos ajudar? Estamos procurando este endereço — mostrou o envelope. — O maldito GPS nos levou pelo caminho errado. Estamos perdidinhos!
Os homens mal olharam o papel e foram logo explicando que não eram da cidade e não poderiam ajuda-los.
— Tá certo! Obrigado, mesmo assim! —Afastaram-se, conversando baixinho. — Você viu aquelas armas?
Chico resmungou uma afirmação.
— Parece que nossa amiga está encrencada.
— Estamos todos encrencados, rapaz. Vamos lá!
Entraram no carro e seguiram em frente, passando direto pela SUV, então fizeram uma curva na esquina seguinte, deram a volta no quarteirão e pegaram uma viela pouco movimentada. Estacionaram nos fundos da casa de Rebeca, deixando o motor do carro ligado.
Pegaram suas armas e pularam o muro, preparados para o confronto.

***

— Já disse que não tenho nada a ver com isso. Prestei meu depoimento à polícia e forneci meios para que comprovem meu álibi. Estão perdendo seu tempo comigo — Rebeca afirmou.
Cobra fez uma tentativa de sorriso, simpatizando com a moça. Mas, tudo que conseguiu, foi parecer assustador e Rebeca torceu para que acreditassem no que dizia.
Silvia começava a concluir que era a verdade e já perdia as esperanças de lhe arrancar uma pista sobre o paradeiro de Bianca quando algo lhe chamou a atenção. Havia algumas fotos sobre um aparador e, numa delas, uma garotinha agarrava-se a Rebeca que era abraçada por uma mulher de sorriso largo e ruiva.
Era uma mulher linda e inesquecível, a mesma com a qual Bianca fugiu do cativeiro naquela madrugada.
Ergueu-se do sofá que ocupava e alcançou o aparador com duas passadas largas. Pegou o porta retratos e o atirou no chão, causando um sobressalto na dona da casa.
— O que pensa que está fazendo, sua doida?
Relegou a pergunta e recolheu a fotografia. Não havia dúvidas, era a mesma mulher. Então, retirou a arma do coldre e mostrou a foto para Rebeca.
— Acabaram-se os joguinhos, Rebeca. Onde está essa mulher?



Notas:



O que achou deste história?

Uma resposta para Capítulo 10

  1. Olá Tattah tudo bom?

    Você poderia me informar qual o dia da semana que vai ser postado os capítulos? e até mesmo a frequência, de quanto em quanto tempo.

    Até mais.

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