Recomeçar

Capítulo 9 – A cantora inglesa

Passo no banheiro, jogo uma água no rosto, para dar uma esfriada e sigo para sala da Luana.

– Amor, vamos para casa. Já ocupamos demais a Luana.

– Imagina, amiga! Você sabe que sempre tenho tempo para vocês. – Luana me olha como se percebesse que algo não estava bem.

– Vamos sim, meu bem. Tô cansada, acho que ainda não me recuperei da diferença de fuso. Luana, qualquer coisa você me avisa.

– Vou acompanhar vocês até a porta.

Quando estamos passando pela recepção, Fernanda sai da sala dela.

– Já estava indo lá atrás de vocês.

Estremeço só de imaginar o que ela vai falar.

– Nós já estamos indo embora, Fernanda. Outra hora conversamos. – Tento sair sem deixá-la falar nada, pois eu quero contar sobre o beijo para Adele.

– Mas é rápido. Quero só reforçar o convite para jantar amanhã lá em casa. Lógico que vocês, Adele, Luana, também estão convidadas, além do Ricardo e a namorada. As meninas vão adorar te rever Mariana.

Olho para Adele, que já vai respondendo.

– Podemos ir, né amor?!

– Se você faz questão, nós vamos.

– Então pode confirmar nossa presença Fernanda. – Adele segura minha mão.

Olho para Luana que faz cara de quem não sabe o que fazer.

– E você Lua? – Fernanda questiona.

– Pode contar comigo também. Não perco esse jantar por nada. – Levanto minha sobrancelha. – Tô com saudades das meninas e finalmente estaremos todos reunidos novamente. – Se apressa em esclarecer.

– Ricardo já confirmou que vai com Luciana. Espero vocês amanhã a partir das oito. Você pode me passar seu telefone Mariana? Assim eu mando uma mensagem com o meu endereço.

– Não precisa, a Luana nos dá uma carona, não é mesmo amiga?

– Sim, claro.

– Deixa de ser mal educada Mariana. – Diz Adele. – Luana, passe o número daqui do Brasil para a Fernanda. Ainda não guardei de cabeça. Senão eu mesma te daria. Agora vamos meu amor. Tô doida para chegar em casa e descansar grudada em você. Bye, bye.

– Vamos sim. Até amanhã meninas. – Saio abraçada com minha inglesinha doida. E sinto o peso do olhar de Fernanda em minhas costas.

Seguimos em silêncio até chegar em casa. Confesso que Adele me deixa meio confusa, com essa vontade de me deixar perto da Fernanda. Parece que quer me jogar para cima dela.

Deixo Adele na sala com minha mãe, alegando precisar de um banho e deitar um pouco, por estar com dor de cabeça.

Saio do banheiro secando meu cabelo e a vejo sentada na cama. Óbvio que está me esperando para conversar. Procuro uma roupa na gaveta da cômoda. Jogo a toalha em cima da cama e começo a me vestir, sentindo os olhos da minha inglesinha me acompanhando. Ela não aguenta mais o meu silêncio e pergunta:

– Por que você não está falando comigo? Ficou chateada porque aceitei o convite para jantar?

Sem pensar, disparo.

– Ela me beijou. Ela queria que eu fosse a esse jantar sozinha. E pode acreditar que ela não quer só jantar comigo.

Adele se mexe desconfortável na cama.

– E como você está se sentindo a respeito dessa situação. – Me encara perguntando.

– Adele, ela disse que quer me conquistar, que vai lutar por mim. E que é para você se preparar. Você ouviu que ela me beijou?

– Eu não sou surda Mariana. Eu quero saber como você se sentiu. – Insiste na pergunta.

Respiro fundo. Sento na cama, seguro suas mãos.

– Você sabe que ela me balança. O beijo mexeu comigo sim, não posso negar, mas discuti com ela. Disse que está fora de questão acontecer qualquer coisa entre nós duas, nosso tempo já passou. Até porque eu estou com você. E gosto do que nós temos.

– Mas teve vontade de ficar com ela.

– Confesso, senti um misto de desejo e raiva.

– Raiva porque só agora ela se deu conta que te quer?

– Ela disse que se sentia atraída por mim, mas não queria, não aceitava. Eu era diferente demais. – Abaixo a cabeça.

– E… – Adele me incentiva a continuar.

Conto como foi toda conversa.

– Então, Fernanda está disposta a disputar você comigo. Tenho que admitir que gosto de saber que ela quer entrar no jogo, mas não pense ela que vai ser fácil te tirar de mim não.

– E nem eu pretendo te deixar, Adele. Eu já disse que te amo.

– Nós já tivemos essa conversa minha linda. Você pode me amar, mas ela ainda está aí dentro e mexe muito com você. – Olho pra ela angustiada, quero negar, mas infelizmente é verdade. – Eu sei que você não quer isso meu amor, mas tem coisas na vida que a gente não tem como fugir. Ou melhor, até tem como fugir, mas fica nos perseguindo. O melhor a fazer é viver. Nem que seja para perceber que quem você queria de verdade estava com você o tempo todo. Vamos fazer o seguinte. Amanhã você vai a esse jantar sozinha. Depois que seus amigos forem embora, fica e conversa com ela. Abre seu coração de verdade. Dá espaço para ela se aproximar. Não me olha como se eu fosse louca meu bem. Acredite, meu coração fica partido só em imaginar que ela te tocou, te beijou, mas eu ficarei ainda mais infeliz se souber que você está comigo só pra fugir do que você ainda sente por ela. Não negue, não fuja disso, encara minha querida.

– Eu não quero nada disso Adele.

– Tem certeza disso? Tem certeza de que você vai ficar comigo e em nenhum momento vai se questionar sobre como teria sido se você tivesse dado essa oportunidade a ela?

– Eu não tenho nem a certeza que a gente vai ficar junto meu anjo!

– Pois é minha linda, mas a vida é feita de oportunidades e escolhas. Durante muito tempo você quis essa mulher e agora pode tê-la. Só está resistindo porque eu estou entre vocês duas. Fora a raivinha porque ela não te quis antes. Já te disse minha linda, se permita. Se dê o direito de tentar ser feliz. Se não for do jeito que você quis, a gente vê depois o que faz.

– Eu não quero ter que fazer essa escolha. Eu quero ficar com você!

– Desculpa Mari, mas eu não quero você pela metade. – Adele segura meu rosto com as duas mãos, me fazendo olhar para ela. – Minha linda, amanhã à tarde eu vou para São Paulo. Aquele empresário que me contratou para o show na semana que vem me mandou um e-mail perguntando se eu não tinha interesse em fazer mais uma apresentação. Ele disse que sabe que estou de férias, mas se eu estiver disposta poderia me apresentar no sábado. Teria que ir amanhã porque preciso ensaiar com a banda. E eu disse que daria a resposta hoje à noite.

– E você só me fala isso agora? Você tá fazendo tudo de caso pensado não é mesmo? – Eu a acuso revoltada. – Eu não queria que as coisas acontecessem dessa maneira.

– Meu anjo, me desculpe, mas você precisa resolver isso. E não nego que estou dando um empurrãozinho. Porque eu quero você toda minha. Eu quero você livre e só pensando em mim! Você pode pensar nela sim, mas só como uma suave lembrança.

– Eu não sei se quero que as coisas aconteçam desse jeito. Vou para São Paulo com você amanhã e depois eu penso nisso.

– Não senhora dona Mariana. Você não vai viajar comigo, não. Eu vou sozinha. Encara logo seus problemas de frente meu anjo. Quanto mais rápido você fizer isso, mas rápido sua felicidade vai ser completa.

– Adele. – Falo como se estivesse implorando para ela me deixar ir junto para São Paulo.

– Não Mari, você fica, mas quero minha despedida hoje, até porque pode ser nossa última vez.

Abraço minha inglesinha bem apertado.

– Nem brinca com isso meu amor! Eu vou estar aqui te esperando.

– A gente vê isso quando eu voltar.

– E quando você volta? – Eu questiono.

– No domingo à tarde. Toma banho comigo?

– Claro!

Deixo o assunto de lado, porque sei que Adele não quer mais falar. Sei que não ia adiantar ficar tentando argumentar com ela. E o pior, ela não está nada longe da verdade. Se já me sentia balançada pela Fernanda antes, imagina depois que ela me beijou.

– Vamos linda?

– Vamos sim. – Sigo em direção ao banheiro tirando a roupa.

– Amor, eu… – Fica sem palavras, quando se dá conta que já estou tirando a roupa. – Você não perde tempo né, sua safada!

– Não mesmo, principalmente porque só vou te ver no domingo. Muitos dias sem você. Quem sabe assim não consigo te convencer a me deixar ir junto hein.

– Shii, esquece esse assunto. Agora só quero que você me ame! – Adele vem para cima de mim e me agarra.

– Te amo tanto!

Eu a amava sim, mas no fundo sabia que precisava ter uma conversa definitiva com Fernanda, porque só assim nós poderíamos seguir em frente.

Entreguei-me de corpo e alma para essa mulher que me conhecia tão bem. Adele é forte e decidida, mas também é sensível. Eu sei que ela está me dando toda essa liberdade de escolha, mas sei que por isso mesmo ela está sofrendo pelo simples fato de não saber o que vai acontecer. Que decisão eu vou tomar.

Fizemos amor como se fosse nossa última noite juntas. Trocamos beijos repletos de amor e carinho, mas cheio de tesão e desejo também. Nossas mãos percorriam nossos corpos em uma carícia urgente, gostosa, que parecia que a gente ia pegar fogo. Aquela necessidade de sentir, dar prazer. Nos amamos a noite inteira e dormimos agarradas.

No dia seguinte, ao acordar, busco por Adele ao meu lado na cama, mas só encontro um bilhete no seu travesseiro, onde ela explicava que estava a caminho de São Paulo. Não me acordou porque sabia que não conseguiria se despedir. Desejou um ótimo jantar e disse para deixar rolar o que tivesse que acontecer.

Não tinha a menor vontade de ir a esse jantar, queria estar com Adele ao meu lado ali, na cama. Fechei os olhos, senti seu perfume e acabei me lembrando do dia que nos conhecemos.

Estava chateada e de saco cheio de tentar ser diferente do normal. Estava usando saia e salto, mas não aguentava mais isso. Tinha feito amizade com um casal de meninas, Juliet e Michelle, que logo perceberam que eu também era lésbica e me levaram ao grupo delas, que ainda tinha Tim e John. Um dia elas me convidaram para um showzinho intimista em um pub. Seria a reestreia de uma cantora, segundo elas, maravilhosa. Não tinha nada pra fazer mesmo, acabei aceitando ir e não me arrependi. Foi quando conheci Adele.

Chegamos ao pub e a fila para entrar estava enorme, mas como o Tim trabalhava lá, foi só enviar uma mensagem e rapidamente ele nos colocou para dentro.

Arrumamos uma mesa no meio do bar e começamos a beber. Eu dificilmente bebia, era fraca para álcool, mas tomava alguns drinks.

Uma pessoa esbarrou em mim, fazendo com que eu derrubasse parte da minha bebida sobre a mesa e no meu colo. Juliet se levanta reclamando. Quando me viro para ver quem era o desastrado, qual não é a minha surpresa ao perceber que é uma linda mulher de olhos cinza. Ficamos nos encarando por algum tempo, até que Juliet nos traz ao presente.

– Você devia prestar mais atenção por onde anda, Adele.

– Des… Desculpe-me. – Ela dá uma engasgada. – Não era minha intenção. Eu posso te ajudar? Juliet, ao invés de brigar comigo, você devia ajudar sua amiga.

– Você faz a cagada e eu que tenho que ajudar, Adele?

– É sério que vocês vão ficar discutindo sobre quem vai ajudar a Mariana? – Michelle interrompe as duas. – Vocês duas não mudam mesmo.

– Desculpa Mariana. Desculpa… – Adele fala se dirigindo a mim.

Que voz linda essa inglesa tem gente.

– Tudo bem, sem problemas. – Fiquei tão encantada, que acabo me esquecendo e respondendo em português.

– Oh você é brasileira?

– Sim, sou do Rio de Janeiro.

– Minha mãe é brasileira, de Minas Gerais. Mas eu nasci aqui. – Fala em português, com um leve sotaque. Fica ainda mais charmosa. Que perdição!

Quando vou responder, um rapaz chega até ela e fala no seu ouvido.

– Desculpe, preciso ir. Qualquer coisa mande a conta da tinturaria para mim.

– Isso sai fácil. Não esquenta a cabeça.

Ela me olha como se não quisesse ir, mas o rapaz a chama mais uma vez.

– Bye.

– Alguém pode me explicar o que aconteceu aqui? – Michelle pergunta.

Eu ainda me encontro aérea, pois fico acompanhando Adele até ela entrar em uma porta perto do palco.

– Ei! – Percebo que estão falando comigo. – Mariana, você tá bem? – Juliet me questiona.

– Tô sim. Desculpa, eu não ouvi o que vocês falaram.

– Também, tava dando uma secada na Adele.

Sinto que fiquei vermelha. Abaixo meus olhos.

– Ela é linda, não consegui evitar. – respondo.

– Percebemos. E também vimos que ela também gostou de você. E acredite, nunca vimos Adele ficar assim com ninguém. – Diz Juliet. – Vou pegar mais uma bebida pra gente.

– Imagina, ela deve ter ficado sem graça, por ter derrubado a bebida. Aliás, vocês se conhecem?

– Ah para Mariana. Você é muito bonita. Tenho certeza que ela vai vir atrás de você depois do show. E sim, ela é nossa amiga.

– Você está me dizendo que ela é a cantora?

– Isso mesmo, meu bem. – Mary indica o palco com a cabeça.

Ia responder, mas começamos a ouvir os acordes do violão. E não é que Adele está lá e começa a cantar.

Hometown Glory

Nossa conexão foi imediata. Ela passou a noite toda cantando e olhando pra mim. Foi impossível desviar o olhar.

Ela terminou a sua apresentação, cumprimentou algumas pessoas e veio direto em minha direção. Nenhuma mulher nunca chegou assim tão direto em mim. Acho que esse foi mais um dos motivos para eu baixar a guarda tão rápido com ela. Ela é toda decidida, direta, sem mi, mi, mi. E acabamos naquela mesma noite na cama. Confesso que sou dessas que evita ir pra cama no primeiro encontro, mas com ela não resisti, na verdade nem pensei na possibilidade de não ir. Só pensava em saciar a minha vontade dela. Ela é tão irresistível, sexy, gostosa e aquela voz falando no meu ouvido tudo o que ela tinha vontade de fazer comigo. Ai meu pai! Não resisti e acabamos indo parar na casa dela que não era muito longe do bar. E tive a minha melhor noite nos últimos anos.

Na verdade até hoje estou tendo noites e dias maravilhosos, pois desde então não nos desgrudamos mais. E hoje a noite tem esse bendito jantar. Eu vou sim, mas somente para encerrar essa história de uma vez.



Notas:



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