3ª PARTE

CRISTIANE

Minha cabeça latejava e a dor se tornou mais forte quando abri os olhos. Não reconheci o quarto em que me encontrava, não estava no hotel tampouco. Passei a mão na testa e senti um pequeno galo que estava quase cantando de tanto que doía. Deixei um gemido escapar, enquanto mirava o retrato, em tons de cinza, de uma paisagem que estava pendurado na parede oposta.

Movimentei-me na cama e percebi que me encontrava vestida com uma fina camisola, de tão fina pude enxergar minhas formas ao erguer as cobertas. Não era o tipo de coisa que costumava usar e a vergonha me assaltou com impetuosidade levando ardor a minha face.

 Um abajur no criado mudo ao lado da cama, iluminava parcialmente o quarto. E o relógio ao seu lado piscava três horas e vinte minutos da manhã. Ao lado do relógio, uma fotografia: Hellena.

Me encontrava no quarto de Hellena.

Sentei na cama com rapidez, rígida pela constatação de que me encontrava em seu quarto, em sua cama e, provavelmente, usando sua camisola. A cabeça latejou forte com o movimento e acabei deitando novamente com o coração batucando como a bateria de uma escola de samba e recordei como havia ido parar ali.

De tanto pensar em Hellena e no passado, me dei conta de que ainda a amava. Meu coração nunca a esqueceu realmente.

De todas as mulheres que passaram em minha vida, de todas pelas quais me apaixonei, daquelas que pensei amar, nenhuma foi capaz de fazer meu coração bater mais forte do que batia quando me via perto de Hellena.

Decidi então, fazer o que não consegui fazer naquela época. Iria confessar meu amor olhando em seus olhos, mesmo sabendo que ela jamais me corresponderia. Me sentiria realizada se, pelo menos, conseguisse falar dos meus sentimentos para ela.

Poria um ponto final àquela história e voltaria para a minha vida com ela guardada em meu coração até o fim dos meus dias e não queria perder nem mais um minuto.

Por esta razão, não pensei duas vezes em sair no meio daquela tempestade à sua procura. Liguei para Rick, enquanto dirigia de volta à cidade.

— Cris, sabe que horas são? — Ele perguntou bocejando.

— Não faço a mínima ideia! — Admiti.

— Já passa da meia noite. Que você quer me ligando a essa hora? Espero que o mundo esteja acabando, caso contrário, vou desligar na sua cara.

Mordi a língua para não soltar um insulto, sabia que ele desligaria mesmo.

— Quero o endereço de Hellena.

— O quê? Como assim?

— Isso mesmo! Agora, deixa de enrolar e me diz logo onde que ela mora.

— Mas…

— Sem perguntas, Rick. Apenas me diga o endereço.

Ele obedeceu.

— Pronto. Agora, me diz para quê…

— Amanhã te conto. Obrigada! Te amo! Você é um lindo! — Encerrei a ligação com pressa. Dirigia tão rápido quanto era possível no meio daquela chuva.

Segundo meu amigo informou, Hellena estava morando em uma chácara que ficava a aproximadamente quinze minutos da cidade. Conhecia bem o local, pois costumava brincar lá quando criança. O antigo dono era muito amigo da minha família.

Apesar dos anos longe e das mudanças que ocorreram na região durante esse tempo, foi fácil encontrar a entrada da chácara. Estacionei o carro diante do portão e caminhei até a casa que ficava cem metros adiante.

A chuva forte não me permitia enxergar muito do caminho e tropecei algumas vezes.

— Droga! — Murmurei para a chuva, estava completamente ensopada.

Sempre tinha um guarda-chuva na mala do carro, mas em minha ansiedade de chegar logo até a casa, esqueci de pegá-lo.

Como esperado para aquela hora, a casa se encontrava na mais completa escuridão. A hora era imprópria, mas precisava falar com ela, contar a minha história e abrir meu coração. Não perderia aquele momento como havia perdido na noite em que nos despedimos em frente ao portão da casa dos seus pais.

Bati na porta algumas vezes e não obtive resposta. A casa permanecia às escuras. Tentei outra vez e o resultado foi o mesmo. Desanimada, deia meia volta e estava quase saindo da varanda da casa quando pisei em algo, um gato. O susto foi tal que dei alguns passos para trás, escorreguei na poça que havia se formado graças as minhas roupas encharcadas e caí.

Bati a cabeça na maçaneta da porta e apaguei. De fato, havia mudado muito, mas nunca deixei de ser desengonçada e atrapalhada.

Mordiscando o lábio, olhei em volta, à procura das minhas roupas, mas não havia nem sinal delas.

— Ótimo. Você sabe como fazer uma entrada triunfal, Cris. — Deixei um suspiro irritado escapar. — E de quebra, ainda consegue se passar por ridícula novamente.

Peguei a fotografia e observei uma Hellena séria e concentrada com óculos de grau no rosto e um livro nas mãos, estava sentada em baixo de uma árvore. A foto havia sido tirada sem que ela percebesse; o fotógrafo capturou um semblante que, apesar de sério, exibia paz. Estava linda com os cabelos presos em um rabo de cavalo e uma pequena mecha de fios encaracolados caindo-lhe sobre a testa.

— Meu marido a tirou.

Assustei-me e quase deixei o retrato cair. Hellena estava parada à porta com uma xícara do que, pelo cheiro, parecia ser um chá. Vestia uma camisola e por cima um casaco. Acabei me perguntando se ela conseguiria ficar feia de algum modo, pois naquele momento, constatei que nunca a tinha visto mais linda.

— Então, você é casada? — Perguntei com voz trêmula e mal conseguindo esconder o desapontamento na voz.

Ela sorriu me desarmando.

— Tecnicamente, ainda sim. — Explicou.

Aproximou-se e sentou ao meu lado na cama, entregando-me a xícara.

— Tome, vai se sentir melhor. Enquanto estava inconsciente, a examinei. Não há nada de errado e com um pouco de gelo esse galo irá sumir em um ou dois dias.

Tomei o líquido ainda fumegante e senti seu calor irradiar agradavelmente para o resto do corpo.

— Obrigada. — Agradeci com os olhos fixos na xícara.

— Disponha.

Ergui o olhar para mirá-la e mergulhei fundo em suas íris cinzas por um longo instante.

— O que quer dizer com “tecnicamente, ainda sim”? — Ataquei.

Suspirou e sorriu um pouco sem graça. Eu segurava firme a xícara na tentativa de evitar que ela notasse o quanto estava tremendo.

— Olha… Jéssica, não é?

Senti o calor tomar minhas bochechas. Era agora ou nunca.

— Não. Na verdade, é Cristiane. Me chamo Cristiane.

Ela sorriu e, outra vez, senti meu coração se aquecer, enquanto batia descompassadamente apaixonado.

— Estava me perguntando quando o iria admitir.

A olhei com espanto.

— Então, me reconheceu? — Perguntei me achando ridícula pela mentira.

Um novo sorriso, um brilho diferente em seu olhar.

— Sim. — Afirmou. — Surpresa?

— Na verdade, sim. — Admiti.

— Não esperava ser reconhecida?

— Não sou mais a mesma, tanto fisicamente quanto mental e espiritualmente. Andei por toda a cidade com Rick e ninguém pareceu me reconhecer, nem mesmo alguns parentes com cruzei.

Ela concordou com um inclinar de cabeça.

— Realmente, você está muito diferente. Também não a reconheci de imediato. Precisei de trinta segundos para fazê-lo. — Riu.

Me senti ainda mais envergonhada por ter mentido, enquanto ela sabia o tempo todo com quem estava falando e feliz por ela se lembrar de mim.

— Então, por que mentiu? — Perguntou colocando atrás da orelha alguns fios rebeldes que insistiam em cair sobre seus olhos.

— Não sei. — Balancei os ombros.

— Acho que você sabe, mas não quer me falar. — Observou, ainda risonha.

Assenti, enquanto tomava outro gole do chá, cada vez mais surpresa com o rumo que aquela conversa estava tomando. Não que não esperasse por isso, apenas me surpreendeu o fato dela parecer tão relaxada diante de mim e do modo como havia batido à sua porta durante a madrugada.

— Vergonha, acho. Já faz tanto tempo, mas não deu para evitar. — Admiti.

Olhou-me séria, o sorriso abandonando seus lábios rosados.

— Então, a que devo sua visita no meio da noite e de uma maneira um tanto incomum?

A vergonha voltou a me assaltar, mas não voltaria atrás. Iria fazer o que me propus a fazer quando decidi ir até lá.

— Desculpe, mas precisava falar com você.

— E não poderia esperar até o dia amanhecer?

— Esperei doze anos. Não, não poderia esperar nem mais um minuto.

***

HELLENA

— Esperei doze anos. Não, não poderia esperar nem mais um minuto.

Quando ouvi esta frase, tive a certeza de que ela ainda me amava e tive de me controlar para não me jogar em seus braços como tinha desejado por tantos anos.

Respirei fundo e liberei o ar de meus pulmões vagarosamente, enquanto subia na cama e cruzava as pernas apoiando meus braços nelas e posteriormente o queixo na mão, exatamente, como uma criança. Dedicava-lhe total atenção nesse momento.

— Fale. — Pedi.

Seus olhos me fixaram por um longo tempo. Tempo este que me pareceu ser longo demais, sorriu recostando-se no travesseiro.

— É a mais bela pintura que jamais verei. — Fechou os olhos por um segundo.

— Desculpe. O quê? — Perguntei, confusa.

Me jogou outro sorriso, este um pouco acanhado.

— Eu disse que você é a pintura mais bela que jamais verei.

Calor espalhou-se por minha face e desviei o olhar do dela por alguns instantes. Tomou minha mão entre as suas e voltei a fixar seu olhar.

— O motivo de estar aqui esta noite, nesta hora avançada e no meio desta tempestade é para te dizer tudo o que sentia e ainda sinto por ti.

— O-o que você sente por mim?  — Perguntei quase em um sussurro, sentindo um nervosismo incomum.

— Amor.

 Meu coração deu alguns pulos dentro do peito, e uma vontade enorme de abraça-la me tomou, mas ainda precisava me conter. Ela tinha de falar e eu tinha de escutar.

— Sei o que está se perguntando. Como é possível que depois de tanto tempo eu apareça à sua porta e diga que ainda te amo? Só preciso que me escute e sairei da sua vida para sempre.

Senti um aperto no peito. Agora que a tinha reencontrado, não a deixaria partir outra vez.

— O coração não se engana, Hellena. Pelo menos, o meu não. Bem que tentei enganá-lo algumas vezes, mas a verdade é que nunca deixei de te amar. Foi só te ver para que tudo voltasse mais forte que antes…

Não saberia como descrever o que senti ao ouvi-la, finalmente, sonorizar aquilo que havia muito tinha segredado a um diário. Era muito melhor ouvir e enxergar todo aquele sentimento em seus olhos.

— Eu te amo! Te amava quando tinha dezessete anos, ainda te amo hoje e continuarei te amando até o fim dos meus dias.

Apertou minha mão entre as suas e acariciou o dorso com o polegar. Um simples gesto de carinho que me fez atirou fogo ao meu interior.

— Deve estar pensando que sou louca, não é mesmo? — Deixou um risinho tímido escapar.

— Pode repetir isso? — Pedi.

— Isso o quê? Que você deve estar pensando que sou louca? — seus lábios se curvaram em um meio sorriso.

— Não. Repita a outra frase.

— Que vou te amar até o fim dos meus dias? — arqueou as sobrancelhas.

— Ainda não é esta.

— Eu te amo?!

— Sim — Sorri. — É, esta. Pode repetir, por favor?

Havia um brilho intenso em seu olhar, um misto de curiosidade e paixão.

— Eu te amo! — Disse baixinho, mas com tanto sentimento que me senti estremecer.

Ergui minha mão até seu rosto e acariciei sua face, desenhei seus lábios com a ponta dos dedos. Seu olhar estava preso ao meu, curioso, surpreso, apaixonado. Escorreguei minha mão até sua nuca e senti a maciez de seus cabelos, ainda úmidos, derramando-se entre meus dedos.

Com carinho, a puxei para um beijo.

O beijo que esperei anos para provar. Os lábios mais doces que já tive o prazer de beijar e a sensação única e indescritível de sentir o sabor e a pressão deles sobre os meus, sua língua invadindo minha boca com a mesma vontade que a minha lutava para invadir e explorar a dela. Sua mão em minha nuca pressionando e puxando-me para si, assim como eu fazia consigo.

O ar nos faltava.

Separamo-nos e passamos segundos intermináveis nos encarando, ofegantes, sedentas e desejosas de um novo beijo, de um novo contato. E não fugi desse desejo, pelo contrário, fui de encontro a ele quando subi e sentei sobre suas coxas sentindo a rigidez dos músculos definidos. Passei meus braços sobre seus ombros, nossos rostos estavam tão próximos que podia sentir sua respiração acariciando minha pele.

Olhos nos olhos.

Me vi presa por uma íris de cor castanha, que brilhava de paixão, amor e desejo. Seu brilho era tão intenso que me senti hipnotizada.

Ela começou a falar, mas depositei, mais uma vez, meus lábios sobre os seus, calando-a. Falar para que se podíamos demonstrar e sentir? Vivi tanto tempo de palavras, das palavras dela, agora queria viver dos seus gestos, nem que fosse apenas por aquele momento.

Beijos que não tinham fim, que desejava não terem fim. Carícias que se tornaram mais e mais exigentes. Peitos arfantes, bocas sedentas e corpos em brasa. Queríamos uma a outra, necessitávamos uma da outra. Nossos corpos clamavam por um contato mais íntimo e sem qualquer barreira imposta pelas roupas.

Afastei-me o suficiente para ter a liberdade de movimentos e, extasiada pelo brilho de desejo em seu olhar, retirei as poucas peças de tecido que ocultavam meu corpo. Ela fez o mesmo e, em questão de segundos, nossos corpos se uniam, se fundiam, quentes, ardentes de paixão e desejo. Gemi alto quando ela capturou um dos meus mamilos entre seus lábios e começou a suga-lo com força e delicadeza ao mesmo tempo.

Nunca foi tão bom sentir isso.

Suas mãos queimavam minha pele, atiçando o desejo em mim. Seus lábios exploravam meu corpo, deixando marcas por onde passavam. Senti sua língua invadir e explorar todo o meu ser, gemi, gritei alto por seu nome, pronunciei palavras desconexas, enquanto mergulhava em um mar de puro êxtase.

Ela encaixou seu corpo no meu, unindo nossos sexos e juntas, encontramos o prazer como se fossemos uma só pessoa, uma só alma. Seria dela para sempre e ela seria minha.

— Eu também te amo! — sussurrei em meio as lágrimas de alegria.



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