A noite anunciava mais uma sexta movimentada, se dissessem para Sofia que ela administraria um bar próximo à Avenida Paulista há um ano, ela responderia que isso era impossível.
Mas o Aquarela, além de ser um bar extremamente charmoso e especial para a jovem senhorita, era nele que sempre se fazia presente a saudade da tia.
O Aquarela era um bar estilo americano, com balcão corrido, garrafas em prateleiras que o tornavam uma locação cinematográfica, mesa de sinuca tradicional e jogos de dardos espalhados pelo salão, que não era tão grande. Cada detalhe foi pensado, cada mesa e cadeira de mogno foram quase talhadas pela tia, o bar tinha um cheiro de sexta-feira, o barulho das pedras de gelo enchia de alegria a atmosfera do balcão, o chacoalhar do barman anunciava que os serviços tinham começado e mais uma noite se aproximava.
O atendimento era impecável, metódico e simpático. A equipe chefiada pela jovem administradora era extremamente profissional e eficiente. O ambiente meio escuro, as iluminações laterais, o cheiro de madeira que impregnava as roupas e os narizes era um sinal de que ali, o antigo se misturava com o novo.
Sofia arrumou a alma, usou seu sorriso noturno mais simpático e quando percebeu, o bar estava cheio.
Ela cresceu em meio àquelas mesas e cadeiras, quando pequena os pés balançavam sobre o balcão, a porção de fritas era sagrada e o suco sempre servido numa taça, como se fosse um drink de cinema americano. Para completar o cenário cinematográfico, a junkie box trazida diretamente dos Estados Unidos, a menininha se sentia dentro de uma comédia romântica, esperando o príncipe encantado, que, anos depois, até apareceu, mas se transformou em um verdadeiro sapo.
Tradição trazia clientes fiéis e clientes novos trazidos pela fidelidade etílica, depois de uma hora e meia com as portas abertas, a fila na porta do Aquarela era quase uma certeza, assim como o nascimento do sol e a certeza de que, em algum lugar do globo, alguém tinha um coração magoado por causa de um amor e um solitário dançava sozinho em um apartamento minúsculo com uma taça de vinho.
Sofia tinha poucas certezas na vida, mas uma delas era de que o bar tinha sido um presente cheio de afeto, amor e desafio, portanto manter a qualidade do serviço, a excelência gastronômica e drinks premiados não seria fácil. Quando o testamento da tia foi lido na presença de todos, o advogado foi bem claro: “A senhorita não poderá se desfazer do bar pelos próximos cinco anos, quer dizer que o Aquarela Bar deverá ser mantido e administrado por você.”
O barulho trouxe Sofia de volta para o salão, sorriu lembrando-se do começo, das más escolhas, do problema com o gerente antigo machista, dos acertos e da sua equipe alinhada. Uma das mudanças foi a participação nos lucros no final do ano, ou seja, quanto mais o bar arrecadasse, melhor seria para os funcionários, no final das contas, todo mundo lucraria.
Olhou ao redor e viu caras conhecidas, o balcão estava cheio, as mesas maiores estavam todas ocupadas, os risos eram fartos, alguém brincava de dançar com um outro alguém pelo bar, era a famosa mágica da cerveja, que uma vez sua tia lhe explicara, Sofia ria todas as vezes que observava a mágica acontecendo, Ida sempre tinha razão.
Nunca uma turma de escritório fora tão assídua como aquela. Sofia, às vezes, observava de longe a turma de amigos que sempre – às sextas-feiras – visitava o bar, sempre animados, ao redor da mesa de sinuca ou no campeonato de dardos, os nós nas gravatas desfeitos, as canecas e os copos sempre à mão, os risos soltos, alguns beijos por acolá e a conta sempre alta.
Aquela sexta-feira ia ser diferente para Sofia, depois de um término de noivado doloroso e penoso, a dona do bar queria distância de relacionamentos amorosos, pelo menos por enquanto. O cabelo preso meio desgrenhado, mas excessivamente belo e atraente, uma blusa preta que deixava suas costas seminuas, era definitivamente uma bela mulher. Usava uma calça jeans justa, sapatos elegantes, no pulso esquerdo, um relógio Cartier que ganhou do pai como presente de formatura, jamais era retirado do braço, a jovem observava todo o atendimento atentamente.
Seus olhos, grandes e amendoados, eram doces e sutis, revelando uma personalidade atraente, mas fechada em si mesma, recurso que a deixava longe das cantadas dos seus clientes.
Sofia era gentil, culta, inteligente, sensual, tinha gestos fortes, mas não eram agressivos, quando recebeu a conta da mesa de sexta-feira (como ela apelidou a mesa dos amigos de sexta), um guardanapo fora junto daquela vez.
Quando Claudio entregou o pequeno objeto preto com o dinheiro da conta, Sofia observou um guardanapo dobrado destinado a ela. Com um sorriso no canto da boca, sabia o que já iria ler, ou, pelo menos, podia imaginar.
Não era a primeira vez que ela recebia bilhetes de clientes, a maioria relatando sobre sua beleza e altivez, às vezes, até gostava dos recadinhos, mas outras, quando os homens já tinham consumido um pouco mais de álcool, as palavras eram grosseiras e indelicadas, esses, ela nunca terminava de ler, fazia questão apenas de olhar a assinatura.
Carlão, o chefe de segurança do bar, era o braço direito de Sofia, conhecia a menina desde criança, quando frequentava o bar para visitar sua tia. Viu Sofia crescer e passou a trabalhar para a garota, não havia no bar ninguém mais amigo e companheiro. Ele era forte e grande, mas com ela, conseguia ser doce e manso, sua estatura alta metia medo aos usuários mais atirados, mas nunca precisou fazer uso da força.
O Aquarela era considerado um lugar pacato, os clientes eram antigos e os novos apareciam por indicação dos velhos, fora eleito por guias da cidade como um dos melhores bares tradicionais da região, o segredo?! Ninguém sabia.
Sofia abriu o guardanapo, observou a letra diferente das anteriores, mais arredondada, mais feminina, ficou curiosa e fitou a mesa, a grande e animada turma já estava em pé, muitos olharam para Sofia para despedir-se e ela sorriu educadamente, mas um olhar fixo não parava de encará-la, com vergonha, baixou a cabeça e continuou a ler o que havia recebido, surpresa, percebeu que, ao final, a assinatura era feminina, levantou a cabeça, procurou novamente a mulher, mas a turma dispersara-se, sem graça, ficou vermelha e resolveu guardar o bilhete no bolso.
aprecio a forma quase poética que a autora tem de descrever locais sentimentos e sensações, muito interessada jo que. vai rolar ainda
Que bom que gostou! Toda semana teremos um novo capítulo.
Muito interessante!! Aguardando a continuação.