Os Estranhos Casos de Evernood e Blindwar
Sétimo Caso: Morte no rio Sena – parte 1
Texto: Carolina Bivard
Revisão: Naty Souza e Nefer
Ilustração: Táttah Nacimento
Sétimo Caso: Morte no rio Sena – parte 1
Margareth inspirou fundo, espreguiçando languidamente sob os lençóis macios. Quando chegaram no hotel “Château Du Prèt”, na noite anterior, pensava em sair pela cidade para jantar, respirar o ar de liberdade. Teve uma noite muito melhor. Sorriu, lembrando-se.
Evernood tratou-a como uma rainha, despindo-a com delicadeza e a levando para um banho que ela mesma havia preparado. Sentia ainda o cheiro de rosas dos sais de banho, misturado com o cheiro do amor que fizeram.
Descobriu caminhos prazerosos que jamais imaginara existir, e tudo isso sem qualquer culpa. Rememorou os lábios de Elizabeth deslizando delicadamente sobre a sua pele desnuda, causando-lhe arrepios por todo o corpo. Um frisson lhe acometeu diante da lembrança e sorriu. A porta, entre a sala da suíte e o quarto, se abriu e Evernood despontou com um carrinho de serviço de quarto, farto de quitutes e uma bandeja.
— Bom dia, dorminhoca. Trouxe o café da manhã.
Falou se aproximando da cama com um largo sorriso. A bandeja tinha alças, que abertas, transformavam-se em uma pequena mesinha. Margareth se ajeitou na cama, recostando em macios travesseiros escorados na cabeceira e auxiliou Elizabeth a encaixar a mesinha em seu colo. Olhou os quitutes. Eram um pouco diferentes dos que tomava em seu desjejum habitual, todavia, pareciam deliciosos.
— Mmm… Estou com uma fome de leão.
— Devo imaginar que não a alimentei bem ontem à noite.
Elizabeth mexeu com a namorada, beijando-lhe os lábios, que retribuiu o beijo entre sorrisos.
— Sente-se ao meu lado e vamos comer.
Margareth pediu, batendo com a palma da mão no colchão ao lado dela e, prontamente, Elizabeth atendeu.
— Vejamos o que temos aqui… Quer croissant com geleia de maçã?
— Por favor, senhorita Blindwar.
A resposta de Elizabeth veio num tom jocoso.
— E o que mais quer, senhorita Evernood?
— Coloque um pouco de café e leite para mim. O café é mais apreciado aqui do que nosso chá. – sorriu.
As brincadeiras continuaram até o fim do desjejum. Elizabeth estava radiante. Tinha receio de que Margareth se assustasse com o que partilharam na noite anterior. Nunca era fácil aceitar aquele sentimento por uma mulher, diante de tantas barreiras sociais.
— E o que quer fazer hoje, meu amor?
Antes que Evernood pudesse parar a fala, a voz já havia saído sem freios. Fitou a namorada temerosa. Margareth a encarou extasiada.
— Nunca pensei que alguém me chamar de “meu amor” pudesse alegrar tanto meu coração.
A detetive de polícia segurou a nuca de Evernood com posse, trazendo o rosto para perto do seu, beijando-a com profundo ardor. Todo o temor de Elizabeth se esvaiu, absorvendo o gosto da boca que a fazia destemperar. Aquecia numa velocidade astronômica. Segurou a cintura da namorada, apertando com querer. Separaram-se, encarando uma a outra.
— Acho melhor a gente se banhar para sair, senão, Paris não verá nosso rosto.
Evernood gracejou.
— Que não veja, então. Pelo menos, agora de manhã…
A resposta da amada fez com que a detetive particular levantasse e retirasse a bandeja. Nem mesmo estar em Paris novamente, que era uma cidade que Evernood apreciava muito, daria à ela a felicidade que estava sentindo.
Aproximou-se da cama novamente e Margareth lhe estendeu a mão, acariciando o dorso com o polegar. Encarava-a amorosa.
— Me ensina…
Margareth pediu, puxando Elizabeth para se sentar ao lado dela na cama.
— Ensinar?…
Evernood perguntou, sem entender muito bem o que sua namorada estava pedindo.
— Me ensina a fazer com você o que fez ontem comigo. Sou uma criança, Beth, neste quesito e, não quero nem saber onde aprendeu a fazer estas coisas, mas… quero sentir você. Aprender a dar tanto amor a você, quanto me deu…
Evernood sorriu contemplativa. Margareth era uma mulher tão forte, quanto delicada. Mesmo não acreditando num Deus que manipule os destinos dos homens, agradeceu à qualquer força etérea que pudesse porventura existir e que estava envolvendo-as. Beijou-a com candura.
— Nada é obrigação, Meg. Contudo, não me nego a dar meu corpo a você. – Sorriu obscena.
Evernood voltou a beijar Margareth com ardor, posicionando seu corpo sobre o dela, encaixada em seus quadris. Havia retirado o penhoar quando se sentou para o desjejum e a única coisa que lhe cobria naquele momento era uma camisa de seda. Olhava-a do alto, vendo a namorada observá-la, sentada sobre sua pelve. Abaixou seu rosto até seus lábios tocarem a orelha da detetive de polícia, falando sensualmente:
— Desabotoe minha camisa…
O comando de voz rouco, fez com que Margareth arrepiasse a pele e escutou-a arfar. A detetive de polícia não hesitou um só segundo, emaranhando os dedos pelos botões, desnudando-a. A melhor visão de Elizabeth veio com a observação do olhar enevoado e cheio de paixão da namorada, recaindo sobre seus seios.
— Pode tocar…
Instigou-a e não levou mais que uns segundos para perceber os dedos da detetive de polícia tatear seus seios, um tanto quanto delicada, um tanto quanto curiosa. Sentiu os dígitos deslizarem por sua pele sensível. Inspirou grande porção de ar, incapaz de conter o gemido que brotou através de sua garganta.
Seu corpo amoleceu, diante de tão grande desejo, escapando às forças da musculatura de seus braços que acariciavam a cintura de Margareth. Elizabeth tentava deixar a amante descobrir o seu corpo. O toque de Margareth em sua aventura na descoberta, fez com que a detetive particular desmoronasse, no prazer tanto desejado.
Margareth Blindwar, excitou-se e se etou com o grau de sentidos que experimentou. Almejava mais e mais daquele frisson que passou por ela, ao tocar a pele da mulher amada. Não queria parar… não pararia, desejando sorver no paladar, o gosto da pele que o seu tato descobria doce.
Elevou seu tronco até alcançar os seios da namorada. Beijou um cume, sorvendo o sabor como um maná de delícias. Tão logo ouviu o gemido de Elizabeth açoitar o ar sem clemência, desejou o outro cume com maior ardor. Suas mãos não pararam mais, deleitando-se com cada som, estimulando-a a tocar aquele corpo amado.
Elizabeth desorientava-se diante de tão grande prazer, exigindo que sua amada que a completasse.
— Me tome… Me ame…
Palavras que pareciam soltas, tomaram forma nos gestos possessivos da detetive de particular, que ansiava por aquele prazer sublime. Ela segurou a nuca da amante, pressionando a cabeça contra seus seios.
— Ah!
Juntamente com o clamor do deleite de Elizabeth, Margareth sentiu as pernas tremerem e seu líquido derramar, somente tocando e ouvindo as deliciosas lamúrias vindas da amada.
A detetive de polícia traçou desenhos com os dedos e absorveu a tez macia da mulher que lhe acariciara com desvelo na noite anterior. Beijou-a. Cobriu cada porção de pele que conseguia alcançar, extasiando-se com os dengos mostrados através dos sons incoerentes que saíam desconexos pelos lábios de Elizabeth. Margareth estava nas nuvens.
Retornou a cabeça ao conforto do travesseiro. Deslizou uma de suas mãos pelo abdômen de tez macia, captando cada reação de Elizabeth ao seu toque. Excitou-se, quando desceu a mão para baixo e mesmo com certa dificuldade, chegou na intimidade quente e convidativa, sentindo a umidade abundante que escorria dela. Sua mão era pressionada entre a sua perna e a vagina da amada, que na dança entre seus corpos, posicionou-se entre as coxas de Evernood.
— Deus! Isso é gostoso demais!
Blindwar não refreou os pensamentos ao falar, embora a obscenidade deles estava muito além das palavras faladas.
— Me toque forte… Entra em mim. Me faça gozar!
Elizabeth estimulou-a com palavras mais às claras, segurando a mão da amada, conduzindo-a em seu prazer. Era difícil para uma mulher como a detetive particular se segurar. Ela conhecia os prazeres da vida e estava diante de alguém que amava com paixão. Evernood queria sentir tudo com Margareth. Pensava que se estava tão estimulada com alguns toques, o que não sentiria se Meg a amasse na plenitude?
O dorso da mão da detetive de polícia apoiava na própria coxa e seu dedo, dentro da cavidade da amante, propiciava a Elizabeth se mover encaixada sobre ela, buscando o próprio prazer.
Margareth não sabia como, porém a vontade de penetrar a amada a consumia e mexeu seu dedo, consumindo-se em arrebatamento, diante de tanto entusiasmo, ao sentir seu amor. Os gemidos aumentaram e suaram no bamboleio, levando Elizabeth a um êxtase indescritível.
Os corpos serenaram e uniram-se num abraço forte. As respirações, aos poucos, voltavam ao normal e Margareth estreitou mais Elizabeth, quase sufocando-a. Um sorriso raro surgiu em seus lábios, no qual a detetive particular se esforçou para identificar o significado.
Ela é a mulher mais linda que já conheci.
Evernood pensou.
♣
A primavera ensejava e os brotos de flores nos jardins e começavam a despontar. Algumas flores mais petulantes estavam abertas, colorindo o verde dos parques e do entorno do rio.
O rio Sena corria majestoso e Margareth se apertou contra o corpo da companheira, agarrando o braço. Não conseguia lembrar a última vez que se sentiu tão livre e feliz.
— Notre Dame é uma catedral imponente, mas um pouco sombria não acha, Beth? Entendo os estilos arquitetônicos da época e admiro, mas prefiro construções barrocas. – Sorriu.
— Paris é uma cidade controversa, Meg. A maior beleza é exatamente preservar as várias construções históricas, de diversas épocas, mesmo sendo vanguardista nos pensamentos.
Andavam de braços dados ao longo do rio Sena. Elizabeth havia reservado uma mesa para jantarem no restaurante da Torre Eiffel, para que apreciassem a cidade do alto. Queria transformar a viagem em algo inesquecível. Uma movimentação chamou a atenção das duas.
— O que é aquilo?
Evernood apontou e as duas se aproximaram da mureta que se estendia ao longo do rio.
— Parece que a polícia está retirando um corpo do rio…
Entreolharam-se, sérias.
— Não. Definitivamente, não. Estou de férias e quero aproveitá-las, Beth. Parece que a gente atrai essas coisas.
Margareth se apressou em dizer e, as duas se entreolharam, novamente. Riram.
— Concordo com você! Essa não é nossa cidade. Vamos visitar o Louvre?
— Vamos!
Saíram do passo do rio, andando por pequenas ruas em direção ao museu. O tempo que tiveram até o entardecer não foi suficiente para conseguirem visitar tudo. Concordaram em visitá-lo mais uma vez, até o fim da viagem. Queriam ver outras maravilhas da cidade. Retornaram ao hotel à tardinha, para se arrumarem e irem jantar. Evernood fez mistério sobre onde ela levaria Margareth.
— A chave da suíte real, por favor.
O recepcionista do hotel a atendeu prontamente e quando retornou com a chave, trouxe um recado.
— Ligaram para a senhorita Evernood.
Ele entregou o papel e Evernood leu. Seu rosto endureceu.
— O que houve?
— Não é nada. Preciso somente fazer uma ligação. Me espere aqui no saguão?
Evernood não aguardou a resposta. Saiu em direção ao telefone público do hotel. Blindwar se sentou em uma das poltronas do lobby, tentando entender a reação de sua namorada. Ela retornou minutos depois.
— O que aconteceu? – Margareth perguntou.
— Não se preocupe. Já resolvi. Apenas um problema de um trabalho que fiz há muito tempo. Vamos nos arrumar para nosso jantar. – Sorriu descontraída.
Elas pegaram o elevador e subiram para o último andar, porém, Margareth ainda sentia certa tensão na namorada, apesar dela tentar descontrair. Entraram na suíte. Evernood retirou as suas luvas, jogando-as sobre uma poltrona. Alguém bateu à porta do quarto.
— Não atenda. — Evernood pediu.
Margareth não estava entendendo a reação da namorada e se dirigiu à porta.
— Pode ser alguém da recepção com algum recado, Beth.
— Eles telefonariam para nós.
Evernood falou, mas sabia que sua reação era desconexa e mentirosa, aos ouvidos da mulher que amava. Relaxou, deixando os ombros caírem. Não queria mentir para Margareth. Não ela…
— Atenda, mas devo lhe dizer que não será agradável o que ouvirá de quem entrar.
Intrigada e apreensiva, Margareth abriu a porta. Um homem bem apessoado a encarou e retirou o chapéu da cabeça.
— Senhorita Blindwar, perdoe-me a intromissão, mas gostaria de falar com a senhorita Evernood.
Margareth deu permissão ao homem para entrar, afastando-se da porta, no mesmo instante em que fitou a namorada.
— Queria dizer que conversaremos sobre isso, Meg, mas acredito que ele – Evernood apontou com a cabeça o homem – fará isso por mim.
— Desculpe-me por isso, Beth, mas a Agência está de mãos atadas. Estou me arriscando estar aqui, para falar com você.
— Quando a guerra terminou, a Agência me disse que não me procuraria mais. Foi o acordo, Novak.
Margareth observava a tudo, sem compreender. O homem a olhou e estendeu a mão para cumprimentá-la, enquanto ela via Elizabeth contrariada, ir até o bar da sala da suíte e colocar uma dose de scotch num copo. Blindwar estendeu a sua mão para o homem.
— Chamo-me Albert Novak e trabalhei com a senhorita Evernood.
— Prazer, senhor Novak. Sou Margareth Blindwar e trabalho com a senhorita Evernood agora. Mas vejo que já sabe meu nome.
— Não enrole, Novak.
Evernood falou ríspida, voltando-se para o homem, furiosa. Margareth se assustou. A detetive de polícia via algo na namorada que nunca presenciara.
— Falei ao telefone que minha missão acabou. Por que veio aqui? Não pertenço mais à Agência.
— Sei que a Agência quebrou o protocolo, mas estamos sem opção, Beth. – Novak falou humilde. – O corpo que você viu sendo retirado do rio Sena, hoje, era de Vincent e não podemos atuar para saber o que aconteceu com ele. A Agência estava extraoficialmente aqui. Para descobrirmos o que aconteceu com Vince, terá que ser extraoficialmente também.
Evernood colocou a mão sobre a boca, contendo-se do choque.
— O que está acontecendo? Alguém pode me dizer?
Margareth perguntou, tentando compreender aquela interação entre sua namorada e o homem que acabara de conhecer.
— Perdoe-me, Meg. Não achava que meu passado viesse me assombrar justo aqui, em Paris. – Evernood voltou-se para o ex-companheiro. – Antes de você falar qualquer coisa e de me envolver, quero garantias de que Margareth Blindwar estará sob a “Proteção Mater” da coroa.
— Não há problema quanto a isso, Beth. Fiz o diretor Spark garantir. Tenho a assinatura dele em um trato e deixarei com você.
Estendeu para Evernood o documento que retirou do bolso interno da casaca.
— Quando Vincent desapareceu, há uma semana, sabia que precisaria de você. Investiguei o seu paradeiro e soube que viria para cá. Vincent apareceu morto no rio Sena hoje e, por isso pedi permissão para a Agência para lhe contatar. Vince estava numa missão “anonymous”.
Evernood encarou o visitante, séria.
— Se estava nesse tipo de missão, nem o comando menor da Agência sabe do que se trata. Como acredita que eu possa auxiliar, Alby?
— Vocês querem, por favor, me dizer o que está acontecendo?
Margareth explodiu e os dois olharam para ela. Ficaram mudos por algum tempo. Elizabeth abriu o documento que o amigo havia entregado à ela, certificando-se do que ele garantira.
— Para explicar, terei que contar a você, a minha vida na época da guerra. Está disposta a escutar?
O olhar de Evernood para a detetive de polícia era lastimoso. Lembrava-se de uma época que queria abandonar, porém, sabia que algum dia poderia alcançá-la. Incrivelmente, pareceu à detetive particular que a namorada a entendia, visto a compaixão que traçou o semblante da amante.
— A guerra fez muitas vítimas, Beth, e entendo isso. Falo não só pelos que morreram. Vejo o que ela fez a meu irmão. Ele nunca me contou o que aconteceu com ele, mas uma parte dele se foi para sempre. Eu não tinha idade para me voluntariar como assistente de enfermagem, no entanto ele foi convocado para o front. Quando voltou, nunca mais foi o mesmo. Então, me fale um pouco do que aconteceu com você e quem sabe possa compreender até mesmo meu irmão.
Parecia que o mundo havia saído dos ombros de Evernood. Estavam pesados desde que seu velho companheiro da Agência apareceu.
— Então, sente-se. – Olhou para o antigo colega de trabalho. – Você também. Servirei um drink, enquanto conversamos. Ainda pretendo jantar no restaurante que fiz reserva.
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Foram duas longas horas de conversa até o agente da inteligência sair e elas poderem se arrumar para o jantar. O glamour da torre Eiffel já não era o mesmo para a detetive particular. Evernood estava particularmente calada durante o trajeto e, quando chegaram ao restaurante e foram conduzidas à mesa reservada, se impacientou.
— E daí que foi da Agência de inteligência? Não fiquei chateada por isso, e sim, por não confiar em mim, Beth!
— Fale mais baixo, Meg! – Elizabeth a repreendeu num tom abafado. – Você não sabe o que está dizendo. Eles são a Agência de nosso país, mas não são bonzinhos. Só concordei em ajudar Alby, porque Vincent era nosso amigo na Agência, mas por “eles” – Evernood fez um sinal a esmo. – estão pouco se importando conosco… Desculpe-me. Esse assunto me transtorna.
Margareth estranhou o linguajar e tentava entender a namorada.
— Beth, não sei o que passou entre você e a Agência, mas não valeria à pena investigar a morte de seu amigo?
— Acha mesmo que Alby veio aqui sem a Agência saber? Meg, ele veio com um “salvo conduto” para você. Isso significa que sabiam que eu não concordaria com essa missão, sem que você estivesse segura. Não dão ponto sem nó e o que mais me enfurece é saber que, depois de tantos anos, após a guerra, ainda me vigiam.
— Após a guerra, você disse que fez um acordo para sair, mas porque entrou para a “Inteligência” na época?
Elizabeth suspirou.
— Eu era muito nova. Tinha dezoito anos e me alistei para a força médica, como auxiliar. Conheci muitos oficiais e eles me diziam que eu poderia contribuir com mais. Um dia aceitei o convite. Não posso me queixar, pois muito do que sei, aprendi na “Inteligência”, mas também, quase perdi minha alma. Quando a guerra acabou, nos deram a opção de sair ou ficar. Preferi sair.
O garçom trouxe uma terrine e brioches e deixou sobre a mesa. Colocou champanhe nas taças das duas e disse que o “maitre” viria para anotar o pedido.
— Edwin também era da Inteligência?
Elizabeth acenou negativamente com a cabeça e tomou um gole de champanhe.
— Ele era o meu contato na frente de guerra. Ele e meu primo. Nós, agentes, temos nossos próprios contatos e nem a Agência os conhece. Fazemos isto para proteger a identidade de quem nos auxilia, caso sejamos descobertos. Assim todos pensávamos, na época da guerra, entretanto a verdade é que, a própria Inteligência demanda isto para que, se algo aconteça, o inimigo não ligue o contato à Inteligência.
— E algo aconteceu a seu primo? – Margareth supôs.
— Sim. Ele foi preso por um grupo inimigo, enquanto estava investigando algo que eu havia pedido. Na verdade, ele e Edwin foram pegos. Era uma missão para descobrir um agente infiltrado em nosso comando. Pedi auxílio para a Agência para libertá-los e foi negado. Disseram que não poderiam se expor e era para isso que serviam os contatos.
— Se Edwin está com você, quer dizer que conseguiu libertá-los.
— Consegui libertar Edwin, Meg, entretanto, meu primo morreu na fuga. Edwin se culpa até hoje, por não retornar quando o amigo levou um tiro. O fato é que havia só uma chance e, se fossem pegos, nada poderia salvá-los. Meu primo gritou para Edwin fugir sem ele. Estavam fracos pelas torturas que sofreram. Edwin fez a promessa de que me protegeria e que nada aconteceria comigo.
— Por isso Edwin é tão dedicado a você. Voltou por eles, todavia ele não conseguiu salvar o amigo.
Evernood balançou afirmativamente a cabeça e o maitre chegou acompanhado do garçom que retirou a terrine e colocou uma porção de tapenade.
— Desejam fazer o pedido dos pratos, senhoritas?
— Sim. Eu gostaria do caldo de lagostim com páprica picante, como entrada e confit de pato ao molho de amoras com rosti de batata para o segundo prato – Evernood pediu e se voltou para Blindwar. – O que você quer?
— Quero a salada de alcachofras no azeite e cebola roxa de entrada; e o mesmo que ela no segundo prato.
— Ótimas escolhas! E para acompanhar, posso mandar um vinho rosê excelente de uma safra “Du Rhone”, que temos em nossa adega. Está uma noite mais quente e acredito que possam apreciar muito com os pratos que escolheram.
— Perfeito, senhor.
O maitre se retirou, permitindo que elas continuassem a conversa.
— Beth, sei que ficou chateada com a Agência, mas aquelas não eram as regras? O que quero dizer é que eles não agiriam diferente, pois tentavam preservar os outros agentes, inclusive você.
— Essa foi a primeira coisa que pensei e, até então, estava bem com isso. Só que, quando libertei Edwin, descobri que o agente inimigo infiltrado no comando era o nosso superintendente de área e havia sido ele que havia pegado os dois. Ele os torturou para descobrir até onde eu sabia, pois não queria sumir comigo e arriscar a posição que tinha, por nada. – Evernood tomou fôlego para continuar. – Quando o desmascarei, ele pediu clemência em troca de informações, para não ser condenado como traidor e ser fuzilado.
— Também é uma manobra aceitável na guerra, Beth, e creio que sabe disso.
Margareth argumentava, tentando trazer a razão à namorada.
— Seria se a Agência tivesse dado a clemência, e o prendesse. Essa seria a norma a se cumprir. Ele era um agente duplo. O problema é que a Inteligência, não só o deixou solto como, também, lhe deu uma nova identidade.
— O acordo que fizeram foi como um pacto com o diabo.
Finalmente, Margareth entendia.
— E você acha que isso ocorreu, por quê?
— Certamente, ele tinha alguém por trás o apoiando. Devia saber de coisas da Agência ou de alguém que comprometesse. Agora entende por que não confio na Agência, Meg? Nem mesmo a “Proteção Mater” me tranquiliza. Quero-a em minha mão, antes de aceitar fazer qualquer serviço; e não um trato assinado pelo diretor da Agência.
— O que é a “Proteção Mater”?
A entrada chegou e elas pararam de falar, enquanto o garçom servia. Assim que ele saiu, Evernood começou a explicar, enquanto sorvia seu caldo.
— A “Proteção Mater” é um documento assinado pela própria rainha, em que avaliza a proteção de alguém sob o manto dela. Se acontecer algo com essa pessoa, a Inteligência interna da coroa é quem investiga. Nada é pior para a segurança local do que ter alguém sob a “Proteção Mater”.
Evernood sorriu, sorvendo mais uma colher de caldo e Margareth quase se engasgou com a janota da namorada. Mas se atinou para algo.
— Acha que eles pedirão à coroa a “Proteção Mater” para nós?
Elizabeth pousou a colher na terrina e encarou a amada.
— Se Albert Novak não me der, não moveremos nenhuma palha para auxiliar a Agência. Não que não me importe com o que aconteceu com Vincent, mas sei do que “eles” são capazes.
Margareth também pousou seu garfo no prato da salada e fitou, séria, a namorada.
— Diante do que você sabe sobre a Agência, acredita que nos deixarão em paz se recusarmos?
Evernood silenciou por minutos, olhando à volta. Fez um sinal para um homem que estava no bar do restaurante para que se aproximasse. O homem se etou, mas não se omitiu. Aproximou-se.
— Diga para Novak que pode me vigiar à vontade. Espero a resposta positiva dele. Agora vá jantar, que a espreita da noite será longa em frente ao hotel, pois nós sairemos daqui diretamente para lá. Não precisarão fazer muito esforço, mas a monotonia pode matá-los.
Ela sorriu sarcástica, deixando o homem vermelho.
— Boa noite, senhoritas, e com licença.
Evernood encarou os olhos atônitos da namorada e perguntou:
— Respondi sua pergunta? Quando recebi o recado de Novak na recepção do hotel, a primeira coisa que fiz foi reparar em todo o saguão. Eles podem, eventualmente, esquecer que fui uma agente, mas eu não.
— O que quer dizer com isso, Beth?
— Quer dizer que fiquei alerta e meu corpo entrou imediatamente num estado de atenção que, só quando trabalhava na Inteligência, sentia. Esse homem que está sentado no bar, estava lendo um jornal, quase ao lado de onde você se sentou, lá no lobby.
— Resumindo: eles não nos deixarão em paz.
— Não mesmo. Mas não se assuste. Não nos farão nada, principalmente se eu não interferir. O problema deles é que, como entraram em contato comigo, não querem que eu investigue por minha conta, sem que eles possam controlar. Após a dispensa, assinei os termos de confidencialidade com o prejuízo de ser acusada por traição.
— Mas você está falando comigo tudo isso.
— Eles abriram precedente. Você foi contatada por eles e isso me isenta. O caso é que não fazem nada por acaso.
— Está dizendo que…
— … Quiseram me pressionar para aceitar essa missão através de você.
— Então… então sabem de nós?
Elizabeth só não riu diante do olhar assustado de Margareth porque aquela verdade a enfurecia. Não a enervava o fato de saberem sobre sua orientação sexual, pois no meio da espionagem não havia espaço para convenções. Sua raiva vinha pela intromissão e por usarem a mulher que amava para coagi-la.
— Meg, vou pedir algo perigoso, mas gostaria que confiasse em mim.
— Eu confio, Beth. Só não sei se gosto da ideia de saberem que estamos juntas.
— Tenha certeza de que é o menor de nossos males com relação à Agência. Entenda que não há esse tipo de juízo por parte deles. Uma das poucas coisas de que gostava de lá.
O garçom chegou com o prato principal e o vinho. Esperaram pacientemente para que ele as servisse, antes de continuarem na conversa. Evernood olhou toda a cidade, através da vista panorâmica que se descortinava bem à frente da mesa delas. Pensou que Paris merecia o título de “Cidade da Luz”, visto que não havia cenário mais bonito e harmônico do que vista do alto, toda iluminada, resplandecendo na escuridão da noite. O garçom se afastou.
— O que queria me pedir?
Margareth interrompeu o silêncio.
— Que embarque nessa missão comigo. Se estiver ao meu lado, saberei como lidar com a Agência e a protegerei.
Margareth estendeu a mão sobre a mesa e acariciou de leve a da namorada, dando-lhe conforto.
— Por acaso não estivemos sempre em perigo lá na nossa cidade? Você nunca me recusou auxílio e nem eu a você. O que são agentes federais, diante de traficantes de meninas, lunáticos homicidas…? Diga-me só o que fazer, pois estou fora do meu ambiente.
Evernood segurou mão da namorada e a apertou. Agora Margareth sabia de tudo que envolvia sua vida e a aceitava.
— Então, aprenda a primeira coisa do mundo da espionagem. Não aparente apreensão, mesmo que estejam colocando uma faca em seu pescoço. – Sorriu.
— Isso quer dizer que tenho que ser debochada como você?
Margareth falou e sorriu, reparando o homem que as vigiava com a visão periférica.
— Agora me magoou muito, senhorita Blindwar. Me acha debochada?!
A sobrancelha elevada e o sorriso de canto de lábios mostrou que Evernood apreciara a atitude da amada.
— Quase nada, senhorita Evernood!
Em resposta à ex-agente, Margareth deu um tom forçadamente jocoso, arrancado risos de Elizabeth. Agora a ex-espiã podia se tranquilizar, pois reparava que o agente da Inteligência, observava que elas estavam descontraídas no jantar.
— Me diga seu próximo passo, Beth.
— Não há próximo passo. Vamos fazer exatamente o que falamos. Quero forçá-los a esse acordo.
Elizabeth olhou para o homem novamente, e levantou a taça sorrindo. Ele virou o rosto, bebericando seu drink como se não fosse com ele.
Após o prato principal o garçom trouxe um queijo cantal e após, a sobremesa, o café e o aperitivo. Quando o jantar terminou, saíram e caminharam a esmo pela cidade.
— Não vai fazer nada mesmo, Beth?
A curiosidade e a veia policial de Margareth estavam agitadas. Não conseguia parar de pensar no que acontecera ao agente e amigo de Elizabeth.
— Lógico que vou, mas não podia falar lá no restaurante. Nesse ramo da espionagem, lugares fechados são impróprios para conversas. Participei de operações, onde o nosso alvo era vigiado vinte e quatro horas por diversos agentes. Eu mesma já fui garçonete em várias ocasiões. Quer comer um doce?
— Como? Comi sobremesa ainda agori…
Margareth parou a frase no meio, pois sentiu um leve aperto no braço. Estavam em frente a uma pâtisserie.
— Sim, claro! Por que não?
Evernood fez um gesto leve com a cabeça, indo ao balcão externo da loja. Esperou que um homem magro de bigode a atendesse.
— O que vai querer, mademoiselle?
— Dois “tartelete de cereja” e um passe para “Antroir”.
O atendente a fitou por um segundo e foi colocar o pedido dela numa caixa. Entregou.
— Dois francos, mademoiselle.
— Obrigada, monsieur.
Ela pagou e pegou a caixa, voltando para o lado da namorada.
— Vamos nos sentar naquele banco à beira do rio.
Estavam caladas e quando se sentaram, Evernood explicou.
— Paris é um lugar que conheço bem. Estive várias vezes aqui. Tinha contatos e se vou tentar escapar da Agência para investigar a morte de Vincent, precisarei deles novamente.
— Você disse que os contatos eram pessoais; então a Agência não sabe desse que acabou de acionar.
— Assim espero. Estou fora de circulação há um bom tempo, mas acredito que monsieur Antroir seja um bom contato e não tenha sido pego.
Ela abriu a caixa, onde no fundo havia um número. Pegou um doce e deu para Margareth e o outro pegou junto com o bilhete.
— Pedirei uma coisa, Meg. Amanhã, tentarei sair do hotel sem ser seguida. Pode ficar no quarto, até eu voltar, pedindo almoço para dois, abrindo a cortina das sacadas, circulando pelo quarto, como se estivesse falando com alguém?
— Acredito que sim, mas não gosto de deixá-la nisso sozinha.
— Não me deixará sozinha. Acredite-me, a sua função é pior que a minha. Quem estará exposta será você. Se desconfiarem de algo, a abordarão. Talvez até mesmo Novak. Precisará ser bem convincente com eles.
— Não se preocupe comigo, Beth. Fiz teatro no meu colégio; e devo dizer que era uma boa atriz mirim. – Sorriu.
Elizabeth não se conteve. Beijou o rosto da namorada, próximo a boca, fazendo-a enrubescer. Aos olhos de Evernood, poderia agradecer a Deus ou quem quer que cuidasse do destino dos homens, por ter encontrado uma mulher como Margareth para preencher a sua vida de confiança e alegria.
— Então vamos combinar o que fará, pois se a Agência a abordar, teremos que estar afiadas na resposta que daremos a eles, se vierem me interpelar depois.
Ficaram sentadas mais algum tempo, combinando a estratégia do dia seguinte. Entre uma fala e outra, abraçavam-se e riam. Para quem as visse, estavam apreciando a noite fresca de primavera, na beira do rio Sena. Retornaram para o hotel no adiantar das horas
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Haviam se banhado e foram para a cama. Elizabeth deixou a porta da sacada aberta, para que entrasse a brisa fresca da noite. Evernood iniciou um interlúdio, beijando a namorada com fervor. Imaginara aquela viagem cheia de prazer para as duas. Blindwar interrompeu os beijos calorosos.
— Beth, não me sinto à vontade, sabendo que pode haver alguém com um binóculo do outro lado do rio, em algum prédio, nos observando.
Elizabeth parou e a fitou.
— Está vendo por que odeio a Agência? – Bufou.
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— Faz muito tempo, mademoiselle Loren Dubois.
— Estava em um interstício, monsieur Antroir. Tinha me afastado, mas agora é diferente.
— É um motivo particular?
— Estou requerendo a proteção “Cruzalta” para você.
— Ah, esses canalhas! Sempre me dão trabalho com antigos contatos. Por acaso não sabem o que é honrar um acordo? – O homem exortou.
— Eles não se importam com a honra milenar. É uma nova era, meu caro amigo.
— Só por isso, ainda atendo os agentes de todo o mundo. Se algo vai mal, só tem a mim e meus companheiros de juramento para livrá-los de seu infortúnio certo. Fez bem em me procurar, Loren. O que deseja? Quer armas ou informações?
— Os dois, Antroir… e talvez, algo mais.
— Não abuse desse velho aqui.
O homem riu, caminhando pelo bunker onde havia marcado o encontro.
— Sabe que vocês, ex-agentes, me dão trabalho, não é? Hoje mesmo, terei que tirar tudo daqui e levar para um novo lugar.
— Só concordo com os preços absurdos que me cobra, porque sei disso.
— Ótimo que saiba! Seria um péssimo Cruzalta, se permitisse que me pegassem. – Antroir riu. – Venha. Veja o que quer.
Ele caminhou por um corredor no velho depósito abandonado, onde havia marcado com a ex-agente. Abriu uma porta.
— O que é de seu gosto?
— É difícil escolher com tantas coisas maravilhosas.
Falou, ao ver a variedade de armas e explosivos que se descortinaram à sua frente. Sorriu e entrou.
Tempos mais tarde, Evernood fez um acordo com o velho contato. Sentia-se amparada e mais segura do que pretendia na sua empreitada.
Nota: Elizabeth Evernood e Margareth Blindwar estão de volta. Agora com muito amor e muita porradaria. O que acharam?
A expectativa vai fazer com eu acabe comendo as unhas, coisa que nunca fiz na vida!!
Vejo me minhas desejadas linhas finais de um certo caso anterior se transformaram em quase metade das cenas deste novo caso. Que lindooo!!! kkk
Mas… como nem tudo são flores, principalmente se tratando dessas duas, a viagem não está sendo apenas uma lua de mel (sem casamento), rs. Quantas descobertas!
Elizabeth Evernood ex Agente da Inteligência? Que surpresa! E agora Meg entendeu o porque de Edwin ser tão fiel à sua amada. A vida de Beth vai ficando mais às claras para Meg, e as duas a cada dia mais unidas e cúmplices.
Sei que Meg é uma ótima detetive de polícia, mas a vejo meiga e doce, só espero que Beth não coloque uma metralhadora na mão dela. rsrs
Beijo, Carol
Tudo de bom,
Sensacional, Carol!!
Elas se completam perfeitamente como colegas e como amantes.
Mais um cap. perfeito.
Aguardando o próximo.
Bjs,
Momentos amorosos e de suspense muito interessantes. Aguardando os próximos acontecimentos.
Carol, cê tá bem?
Achei fodástico!!!
Agora são espiãs!!!!!! O pau vai comer!!!! Eita ,que Beth adorou as armas…quero ver com o que vai chegar no hotel e como Meg vai reagir! Meg é fodona,agora tão mais que unidas!!! Foram feitas uma pra outra!!!
Essas agências de inteligência, TD igual! Se n foi alguém dali q eliminou Vicente…
Veremos! Enorme capítulo, mas foi bom, tava gostoso! E esse jantar…
Vai ser bombardeo pra TD q é lado!! E esse amor crescendo?Lindo!!
Beijos pra vc e sua esposa!!! Cuidem-se!!