Os Estranhos Casos de Evernood & Blindwar

2 – Segundo Caso: Uma Bala de Prata para Evernood

Os Estranhos casos de Evernood e Blindwar

Segundo Caso: Uma Bala de Prata para Evernood

Texto: Carolina Bivard

Ilustrações: Táttah Nascimento

Revisão: Naty Souza e Nefer


Nota: Estou devendo a vocês o último capítulo de “Eras: A Guardiã da União”, eu sei. Mas diante da minha dificuldade para escrever nestes últimos dias, pelos acontecimentos com meu pai, estou postando mais um caso de “Evernood e Blindwar” para compensar, pois ele já estava escrito. Se tudo correr bem, até a próxima semana posto o último capítulo de “Eras”. 

Agradeço a compreensão de tod@s!


Elizabeth acordou em sua cama, espreguiçando languidamente sob um grosso cobertor, rodeada de seus inúmeros travesseiros. Estava feliz. Havia passado o dia anterior com uma amiga de longa data, que estava visitando a cidade. A acompanhou no jantar e depois estenderam a noite em longas conversas, além de atividades prazerosas.

Ultimamente, não acordava com tanta disposição e nem com um sorriso no rosto, porém a visita inesperada da senhorita Mary Reed deu-lhe um ânimo especial. Levantou-se, jogando o penhoar sobre o corpo, dirigindo-se até a porta da sacada do quarto e a abriu. 

O vento frio do meio do outono invadiu o quarto, arrefecendo o calor da lareira que ainda ardia os últimos tocos de lenha. O corpo se arrepiou. Embora a manhã estivesse encoberta por neblina, Elizabeth achou-a linda. Mesmo assim, resolveu fechar a porta, pois não queria pegar um resfriado por pura imprudência. Teria um dia cheio, levando a amiga para conhecer a cidade, ver o museu, almoçar no seu restaurante preferido e, quem sabe, terminar o dia ao som de risadas, como no dia anterior.

Segurou as maçanetas e, antes que pudesse fechar a porta, um estampido seco soou no ar. 

Edwin, o mordomo, estava na cozinha conversando com Tristan, o ajudante e a senhora Blister, a cozinheira. Imediatamente correu em direção a porta de entrada, após ouvir o som, abrindo-a bruscamente, observando ao redor. Não conseguiu divisar nenhum movimento, retornando para o interior da casa, subindo as escadas apressado. Escancarou a porta do quarto de sua patroa, sem se importar com as consequências e lá estava o que presumiu.

Elizabeth estava caída próxima a porta da varanda, que ainda estava aberta e o chão em madeira traduzia a gravidade da situação com a larga poça de sangue que continuava a se espalhar lentamente. Alguém atentara contra a vida da senhorita Evernood.

***

Enquanto Edwin levava Elizabeth Evernood para o Hospital Geral, Tristan acionou a polícia. O mordomo retornou e viu os policiais em todos os cantos da mansão. Ele respondia às perguntas da polícia e Stain fumava um pequeno charuto na porta de entrada. O detetive sabia que a divisão de Crimes Graves seria colocada no caso e queria estar frente a frente com a detetive Blindwar. Provocá-la no meio policial se tornara seu hobby favorito.

Lá estava. Margareth chegou num carro policial, juntamente com o comissário Greendwish. Stain relaxou quando viu que o comissário parara para conversar com alguns membros da perícia e a senhorita Blindwar se dirigiu sozinha até ele.

— A Crimes Graves foi acionada? – Ele perguntou, irônico. – Vocês cuidam de assassinatos de prostitutas, ou não?

Antes de Margareth responder à alusão maldosa do detetive, olhou sobre os ombros dele.

— A Crimes Graves cuida de assuntos sérios, detetive. O que faz aqui fora? Não deveria estar colhendo depoimentos?

A voz grave do prefeito despertou a atenção do detetive Stain, que se encolheu brevemente, antes de se voltar para seu interlocutor.

— E estava, senhor prefeito. Consegui conversar com todos assim que cheguei e esperava o comissário Greendwish para receber mais instruções.

Stain apressou-se em explicar, e o prefeito elevou a sobrancelha, incrédulo. Voltou-se para Margareth.

— Como vai, senhorita Blindwar?

— Abalada com a notícia, prefeito, mas nada que me impeça de investigar.

— Tenho certeza disso. Quero que se dedique, integralmente, a esse caso. Um tipo de atentado como este, abala a confiança da população na segurança da cidade. Venha! Me acompanhe. 

O prefeito estendeu o braço, mostrando o caminho para dentro da casa, para que a senhorita Blindwar passasse à sua frente. Stain fez menção de acompanhá-los, porém o prefeito o interrompeu.

— O comissário Greendwish precisa ser informado de tudo, não acha, detetive Stain?

— Sim, senhor.

Stain enrubesceu, porém conteve a raiva, dirigindo-se ao comissário do departamento de Crimes Graves

Assim que o prefeito e a detetive de polícia transpassaram a porta principal da mansão Evernood, Cavenor relaxou da postura austera.

— Meg, este atentado me abalou pessoalmente, e a minha esposa também. Sabe que éramos amigos dos Evernood e depois que Beth retornou, minha esposa e eu nos aproximamos muito dela, pelo carinho que tínhamos pelos pais.

— Sim, eu sei, senhor prefeito.

— Ora, Meg! Nos conhecemos desde que você era uma criança para que me chame de prefeito, quando estamos a sós. – Ele abanou a mão, para que ela não retrucasse. – Sei que também está chocada com o que ocorreu, pelo fato da família Evernood já ter sofrido tantas desgraças. Vou deixá-la trabalhar e irei ao hospital saber das condições de Elizabeth. Minha esposa está me esperando aflita.

— Gostaria também de saber como ela está. Nos aproximamos com o caso do Extirpador de Olhos, o senhor sabe, contudo, serei mais valiosa aqui do que no hospital. Assim que terminar, irei para lá para saber do médico se retiraram a bala. Ela é uma evidência.

— Quando for, não deixe de vê-la. Ela lhe estima muito. 

— Sim! E eu também a ela. 

Despediram-se e Margareth pôde observar que um policial fardado estava tomando o depoimento de Edwin. 

— Aquele pulha!

Falava para si mesma, vendo que Stain havia demandado para um policial novato, a incumbência de tomar os relatos dos empregados da casa, ao contrário do que havia dito para o prefeito. Aproximou-se, escutando a narrativa do empregado de confiança de Elizabeth.

— … Quando não vi nada lá fora, subi as escadas apressado, para saber se a senhorita Evernood estava bem. Foi quando a encontrei no chão, sobre a poça de sangue. Levei-a imediatamente para o hospital, enquanto Tristan ligou para a polícia.

— Então, a removeu do local. Como ela se encontrava? – Interpelou o jovem policial.

— Trabalhei um tempo na segurança da Cruz Vermelha, quando em campanha, acredito que a removi da forma correta, mesmo sabendo que pode ser pior transportar alguém nas condições dela. Entretanto, se não o fizesse, talvez estivesse morta a essa hora.  Vi que ela estava respirando regularmente. 

Margareth escutou o relato em silêncio e a forma como o policial abordara. Gostou do jovem. Era preciso nas perguntas e anotava tudo. Interrompeu, quando viu dúvidas no semblante do policial.

— Olá. Sou a detetive Blindwar, da Crimes Graves. Qual o seu nome?

— Policial Spencer, senhorita. 

— Estou assumindo o caso, junto com a Crimes Graves, Spencer. Posso lhe auxiliar no depoimento? 

 Ela perguntou educada e sorriu. Queria aliados e aquele jovem policial lhe pareceu sério e comprometido, diferente dos tantos que ela conhecia.

— Cla…claro, senhorita!

Era a primeira vez que alguém de um escalão maior lhe dirigia a palavra com tamanha empatia. Ela se voltou para o mordomo.

— Senhor Edwin, quando entrou no quarto, algo lhe chamou a atenção de imediato no ambiente?

— Não. Mas… A senhorita Evernood tinha o costume de abrir a porta da sacada, toda a manhã. Ela estava aberta. Meu estranhamento foi ela ter aberto num dia tão frio como hoje, porém, é o costume dela.

— Mmm… Obrigada, senhor Edwin.

Margareth dispensou o mordomo. Queria subir ao quarto para ver o que o ambiente poderia lhe dizer. 

— Vamos, Spencer. Me acompanhe.

— Sim, senhorita.

Margareth entrou no quarto e deparou-se com o sangue coagulado no chão e a parcial silhueta de um corpo, que fora desenhado por ele. Conteve seu cérebro para que não formasse a imagem da amiga na mente. Olhou à volta e inúmeros policiais transitavam, de um lado a outro. 

— O que está acontecendo aqui? Não conhecem os procedimentos? – Olhou para o perito, raivosa. – Por que todos esses policiais estão aqui dentro, antes de você terminar de examinar o local?

— Eu falei com o detetive Stain, senhorita, mas ele não me escutou… Disse que queria agilidade e mandou que os policiais entrassem para auxiliar.

— Saiam todos, agora! – Destemperou. – Você fica. Apontou para o policial Spencer. – Mas permaneça atrás de mim.

O jovem policial engoliu em seco, acenando afirmativamente com a cabeça.

— E todos vocês, olhem onde pisam para não contaminar a cena do crime.

Ela estava incrédula, tamanha irresponsabilidade do detetive que, por três longos anos fora seu orientador. Ou deveria dizer desorientador?

Após algum tempo, conversando com o perito e avaliando o local, sendo assistida pelo policial Spencer, que anotava tudo que ela falava, deixou a casa e pediu para que o ele retornasse ao distrito e fizesse um relatório para lhe entregar pessoalmente.

A hora de terminar sua agonia chegara. Foi ao hospital.

***

O médico que tratara a senhorita Evernood recebeu Margareth, pessoalmente. Mandou-a entrar em seu consultório e se sentar.

— Como vai, Meg? Hoje não pude ir ao jogo de bocha com seu pai. A chegada da senhorita Evernood, nas condições em que chegou, fez com que me chamassem para a cirurgia. Desculpe-se com ele por mim. 

— Ele entenderá, doutor Lewis. Eu estou bem, considerando o que aconteceu a Elizabeth. Estou aqui, oficialmente. O prefeito me colocou na direção do caso.

— Foi sábio, ainda mais com o que eu tenho para mostrar. Não acredito que Cavenor queira policiais displicentes e fofoqueiros na investigação.

— Ela está bem, doutor Lewis?

— Está bem, sim. Ela deveria estar se movendo, no momento em que o atirador disparou, pois o tiro pegou abaixo da clavícula esquerda. Foi uma sorte, por pouco não pegou no coração. Mesmo assim, perdeu muito sangue. 

A vontade de Margareth era correr para ver a amiga, mas se o fizesse, sua atitude seria passional, não sendo indicada para assumir aquele caso. Não queria ser afastada. Aprumou-se e perguntou, forçando calma na voz.  

— O que tem para mostrar, doutor?

Doutor Lewis pegou uma pequena caixa sobre a mesa e a abriu, revelando o conteúdo.

— Esta foi a bala que retirei do corpo de Beth.

Ele utilizou o apelido da senhorita Evernood, demonstrando que a conhecia, pessoalmente. Os olhos de Margareth Blindwar se estreitaram e após reconhecer o tipo de projétil arregalaram-se, revelando seu grande eto.

— Não é possível! Acredita que…

— Não sei no que acreditar, Meg, contudo, seria uma coincidência grande demais. Ninguém utiliza balas de prata para assassinar alguém? São caras.

— Por Deus! O assassino dos pais de Beth nunca foi encontrado. Mas por que após tantos anos?

Doutor Lewis balançou a cabeça, desolado, sem responder. Margareth tomou um alento, tentando reaver forças para encarar aquela situação de mente aberta. 

— Dê-me a caixa, doutor Lewis. Me encarregarei dela. 

— Tenho que entregá-la para a perícia da polícia, Meg.

— Tenho certeza que o comissário Greendwish não reclamará da sua conduta.

O doutor compreendeu a gravidade, entregando-a para a detetive. Ela estava certa. Deveriam ter muito tato em relação àquele crime. 

Algumas palavras a mais foram trocadas entre os dois, entretanto Margareth estava ansiosa para ver a amiga. O doutor lhe falara que ela estava descansando. Perdera sangue demais e, provavelmente, só voltaria a consciência pela manhã. Foi quando Meg se deu conta da hora. Estava próximo ao entardecer e deveria se apressar para não chegar ao distrito policial muito tarde. 

Procurou saber das condições médicas de Elizabeth e despediu-se do doutor Lewis, insistindo que ele não precisava acompanhá-la até o quarto em que Beth estava. Não sabia bem por que, todavia, queria ter momentos a sós com a amiga.

O hospital não tinha muitos quartos. Normalmente, os pacientes eram alocados em enfermarias e os leitos eram separados por biombos feitos de cortinas, que mantinham a privacidade de cada paciente. Contudo, os casos graves eram destinados a quartos menores nos quais, no máximo, alojavam de dois a três pacientes, também, eram separados por biombos. Elizabeth Evernood estava em um deles.

Margareth entrou no quarto que o doutor indicou e viu que ele tinha somente dois leitos. O primeiro estava vazio e Meg agradeceu, intimamente, por isso, pois daria a ela a privacidade que desejava. Ninguém, além de si mesma, sabia o quanto estava abalada e não queria se expor a ninguém, pois seria capaz de lhe tirarem do caso. No entanto, sua alma estava destruída. Elizabeth Evernood tinha tomado um grande espaço em seu querer, durante aqueles tempos que se reencontraram.

Aproximou-se do leito e escutou alguém chorando em agonia. Correu até o biombo aflita. Será que Beth está passando mal? Pensou apreensiva, abrindo de súbito a cortina que fechava o leito.

— Mas…Quem é… – Balbuciou aturdida.

Uma mulher de cabelos longos, castanhos escuros e soltos, chorava debruçada sobre a maca e, consequentemente, sobre Elizabeth. Ela era bonita e Margareth, incorporou-se novamente na personalidade de “detetive austera”, para não demonstrar a sua fragilidade diante de uma desconhecida. Perguntou-se incomodada.

Quem era aquela mulher que estava com vestimentas e aparência descomposta, sobre o corpo de sua amiga? 

   Reparou que ela segurava forte uma das mãos da detetive particular, enquanto limpava as lágrimas que escorriam pelo rosto, ao perceber que alguém entrava no ambiente resguardado pelas cortinas.

— Desculpe-me.

A mulher se levantou, enxugando o restante das lágrimas, com o dorso da mão. Recompôs-se, estendeu a mão para Margareth.

— Sou Mary Reed, amiga da senhorita Evernood.

A detetive de polícia também se recompôs, tentando parecer calma. Cumprimentou-a.

— Meu nome é Margareth Blindwar e sou a detetive responsável pelo caso… Sou amiga de Beth, também.

Margareth não soube por que, mas fez questão de chamar Elizabeth pelo apelido. Era como se, desta forma, assegurasse a sua posição como alguém muito próximo a ela.

A mulher sorriu para ela, como se a conhecesse.

— Beth falou muito sobre você. Estou aliviada que seja a senhorita a conduzir este caso. Estão trabalhando juntas em casos difíceis de se resolver, não?

— Assim é. – Respondeu com certo enfado. – De onde conhece a senhorita Evernood?

Margareth não queria mostrar arrogância, contudo, algo intimamente a aclamava para mostrar altivez perante a desconhecida.

— De minha cidade, Wildplace. Conheço-a desde que se mudou para morar com o tio. Após sua volta para cá, é a primeira vez que nos vemos. Ela me pegou ontem na estação ferroviária e fomos jantar.

As lágrimas voltaram a correr sobre a face da moça. 

— Ela me levaria ao museu e à galeria de arte, hoje. Depois iríamos para a casa dela para conversarmos mais à vontade. Eu não acredito… Custo a acreditar no que aconteceu!

O pranto tomou a moça novamente e, apesar de Margareth estar compadecida, lembrou-se do dia anterior, quando convidara Beth para tomar um chá à tarde, após seu expediente e ela se recusou, dizendo que tinha um compromisso. Por que Beth não lhe falara sobre essa amiga? Foi a pergunta que rondou a mente de Margareth, muito mais pelo ciúme, do que pela situação em si.

— Acalme-se, senhorita Reed. Beth é uma mulher de fibra e sairá desta situação.

Consolou a moça com  aquelas palavras para alentar mais a si, do que propriamente a amiga de Elizabeth que era desconhecida dela. Entretanto, a senhorita Reed anuiu, amainando o choro, sob as palavras confortadoras.

— Terei que lhe pedir que não saia da cidade. A senhorita é uma das últimas pessoas que a viu e quero saber suas impressões. 

— Terei prazer em auxiliar. Pode perguntar o que deseja.

— Não aqui, senhorita. Infelizmente terei que pedir para ir ao distrito amanhã. São os procedimentos.

Aquela não era uma verdade, todavia Margareth queria pegar a mulher sem defesas. Não sabia bem porquê, mas a senhorita Reed a incomodava. Voltou os olhos para a cama, contemplando a face pálida de Elizabeth. A lividez do rosto, ocasionada pela perda de sangue, parecia competir com a cor branca do lençol. 

— Pode me deixar uns minutos a sós com ela?

— É lógico! Terei que ir para o hotel. Estou desde cedo aqui e preciso comer algo e tomar um banho… me recompor.

A mulher se mostrou constrangida, diante da aparência desleixada que apresentava, porém, não teve tempo de se arrumar devidamente para sair, quando Edwin ligou avisando à ela do ocorrido.

— Em que hotel está?

— Chelm hotel. Que horas devo passar no distrito? 

— Às nove e meia da manhã.

Mary Reed pegou a bolsa sobre a cadeira, despediu-se de Margareth e se foi.

A senhorita Blindwar se aproximou, pousando a caixa da evidência sobre a mesinha de cabeceira e sentou-se na cadeira. Finalmente, pôde deixar a lágrima escorrer pela face que, desde que soubera da tragédia, teimava em encher os olhos. Segurou forte a mão da amiga.

— Eu vou encontrar quem lhe fez isso, Beth. Não se atreva a me deixar sozinha, agora que lhe encontrei…

***

Margareth precisava retornar para o distrito, no entanto resolveu passar em casa e pedir a mãe que fosse ao hospital para ver se Elizabeth precisaria de algo. Quando saiu de lá, era troca de turno e não teve oportunidade de conversar com as enfermeiras.

— Claro, minha filha! Suponho que a senhorita Evernood não tenha mais parentes aqui, além dos amigos. Vou assim que me trocar.

— Obrigada, mãe. Tenho que voltar para o distrito, não me espere. O prefeito me colocou no caso, pessoalmente. Ele quer que seja solucionado o mais rápido possível. 

— Minha filha, não ficará até tarde, não? Você é uma moça! Tantos perigos… ainda mais um assassino à solta!

— Mãe, vai começar, outra vez, com esse assunto? Eu sou da polícia. Como acha que vou me justificar perante meus colegas de trabalho dizendo que sou uma moça? Dirão que não houvesse entrado para a força policial.

— Mas você é uma moça!

— Mãe, só cuide das necessidades de Elizabeth por mim, ok? Não posso me concentrar no caso, se ficar preocupada com o bem-estar dela. 

Dayse Blindwar iria contestar, porém o pai de Margareth tocou-lhe o braço.

— Deixe a menina fazer seu trabalho, Dayse.

— Você sempre dá força para as loucuras dela, James.

— Temos coisas mais importantes para fazer como cidadãos cristãos. É nosso dever dar conforto à senhorita Evernood. Ela não tem parentes vivos aqui na cidade para zelar por ela. Vamos.

O senhor James Blindwar decretou, saindo para se trocar, mas não antes de piscar para a filha. Margareth sorriu para ele, agradecendo silente pela ajuda.

Saiu para o distrito.

***

Assim que chegou ao departamento, percebeu que todos riam de uma piada contada pelo seu antigo orientador na corporação, mas assim que a viram entrar, todos se calaram. Stain não desistiria de importuná-la. Era daqueles que reafirmava as ideias de que um homem era mais competente e odiava o fato de ter sido relegado, em detrimento à ascensão de uma mulher.

Margareth ignorou. Estava aflita e seguiu, diretamente, para a sala de seu comissário. Bateu à porta. 

— Pode entrar.

Assim que entrou, viu as fotos da cena do crime penduradas em um mural e o seu comissário as observava atentamente. O departamento parecia imbuído em solucionar rápido o crime, pois, de outra forma, as fotos só seriam reveladas no dia seguinte.

— Com licença, senhor Greendwish. Venho do hospital e trago a bala que foi retirada da senhorita Evernood. 

— Por que não levou para a perícia, Blindwar?

— Confie em mim. Gostará de ver, antes que vá para a perícia. Além do que, eles não poderão fazer muita coisa com ela.

Abriu a caixa mostrando o conteúdo. Greendwish estreitou os olhos e depois, caminhou atônito até sua cadeira. Desabou sobre ela, incrédulo.

— Não é possível!

— É uma coincidência grande demais, senhor.

— Acha que não sei disso? Eu era um novato quando ocorreu o assassinato dos pais dela e vi tudo que fizeram para achar o assassino, todavia ele sumiu como poeira. Nunca mais houve um caso em que a bala utilizada para matar fosse de prata.

Greendwish levantou-se de súbito e trancou a porta do gabinete.

— Quero que este caso seja investigado, sigilosamente. Mesmo aqui, no distrito, as bocas não param quietas e não tardaria a estar estampado nos jornais. Entendeu, Blindwar?

— Sim, senhor!

— Seremos somente nós da Crimes Graves a investigar. Eu, pessoalmente, falarei com os peritos. Se algo vazar, saberemos que será alguém entre nós. Chame Reynold e Dashwood para termos essa conversa. Teremos que ter, também, alguém da força policial conosco.

— Se me permite, gostei da postura do policial Spencer, contudo, ele será pressionado pelos companheiros. Sabe do que falo. Ele será discriminado, se não passar informações para os amigos. Acontece, constantemente, na corporação.

— Sei como lidar com isso. Vamos, fique ao meu lado.

Greendwish foi até a porta e a abriu, saindo do gabinete, observando todas as baias em que os detetives e policiais dos departamentos se alojavam.

— Reynold, Dashwood e policial Spencer, na minha sala agora! – Falou alto, chamando a atenção de todos os presentes. – Detetive Blindwar, chame a perícia. – Olhou diretamente para Stain. – Foi você que liderou, hoje pela manhã, a apuração na casa Evernood, não foi?

Stain se levantou, enfastiado, de cima da mesa em que estava sentado, conversando com um amigo. Fitou o comissário e lhe respondeu:

— Sim. Pelo visto, é um caso sério para toda essa movimentação…

O desdém permeava as palavras dele. Greendwish percebeu o desprezo e os sorrisos que bordaram no rosto de alguns detetives.

— Tem razão. Este é um caso grave e é por isso que me mandará tudo que tem, hoje mesmo. — O comissário passou os olhos pelo departamento e fixou-os em Stain, novamente. – Se perceber o menor movimento de alguém para sabotar a investigação, ou mesmo querer se inteirar dela sem autorização, considere-se demitido. — Voltou-se para Margareth. — Vá, Blindwar! Não mandei você chamar a perícia?

As palavras saíram rudes, no entanto, Margareth entendeu a artimanha do comissário, para que ela não sofresse represálias dos colegas de trabalho. Ele tinha se imposto sobre ela, dando-lhe uma ordem direta.

— Sim, senhor.

Saiu à procura dos funcionários da perícia, baixando a cabeça em subserviência. Um ardil, que julgou próprio para a situação. O Comissário continuou a falar.

— Vocês três, – apontou para os detetives da Crimes Graves e para o policial Spencer – não ordenei que viessem à minha sala? — Perguntou enervado. — E tem mais, se algo sair daqui parando nos jornais, serão os primeiros a serem demitidos, juntamente com todos que foram à casa Evernood hoje cedo, a começar pelos detetives.

Ele olhou com severidade para Stain, que engoliu em seco, entretanto não se furtou em falar, tentando manter a posição de superioridade entre os colegas de trabalho.

— Não pode demitir quem não é de seu departamento.

— Eu, não, Stain, mas o prefeito Cavenor pode!

Greendwish não esperou resposta, retornando à sua sala. A ira tomava Stain e tornou a retrucar, tentando se fazer poderoso diante do departamento.

— Espere e verá, comissário. Eu também tenho amigos importantes. 

O comissário já tinha entrado na sala, sendo assim, Stain não se preocupou. Olhou para os amigos mais próximos, que fizeram gestos negativos, dizendo silentes que ele estaria sozinho nessa empreitada. Ele se enraiveceu, pegou seu paletó, colocando-o sobre o ombro.

— Vou para casa. Vocês são um bando de chorões!

— E todo o material colhido do caso? Não vai levá-lo para Greendwish?

Um colega o interpelou, para tentar trazê-lo à razão.

— Ele que pegue sobre a minha mesa, se quiser.

Saiu de rompante. Estava certo de que alguém levaria para ele, para livrá-lo das represálias do comissário. O que ele não contava era que Greendwish esperava pela reação dele. Todos no departamento conheciam o temperamento volátil do detetive e o comissário Greendwish abominava aquela conduta, no entanto, o colega de comissaria responsável por ele, vivia livrando-o de encrencas.

Greendwish abriu a sua porta novamente, procurando-o. Lógico que ele havia visto o detetive sair através da persiana, mas queria pegá-lo sem desculpas, desta vez.

— Stain! – Gritou. – Onde Stain foi que não me trouxe o que lhe pedi?

Todos se calaram, olhando para baixo, como se desviar o olhar fosse escondê-los. O comissário da Crimes Graves não desistiu.

— Robert Tramp!

Chamou o amigo mais próximo do detetive, que não teve outra alternativa, além de responder.

— Ele foi… ele foi para casa, senhor.

Respondeu, temeroso. Greendwish fechou o cenho, mostrando seu desagrado. 

— Traga o que está sobre a mesa dele, Robert. Amanhã resolverei isso com o comissário Harry.

Nesse momento, Margareth retornava com o chefe da perícia. 

***

Todos já haviam saído para suas casas e Margareth permanecera no departamento. Os detetives haviam optado por investigar à partir das novas provas, visto que a polícia há vinte anos não conseguira determinar nada, a respeito do assassinato dos pais de Elizabeth. Todavia, Blindwar não estava convencida que fosse a melhor abordagem.

Colocou as evidências do crime anterior sobre a mesa, bem como os relatórios do caso e começou a ler. Tudo apontava para um crime aleatório, mas diante do atentado contra Beth, ela não acreditava. Cansada de pensar, recostou-se sobre o espaldar da cadeira, observou tudo de forma geral e parou o olhar sobre as balas de prata que mataram os pais da amiga. Eles estavam guardados adequadamente, dentro de caixas separadas.

Ela suspirou diante da ideia que teve, entretanto não a animava muito.

***

Mesmo com poucas horas de sono, Margareth acordou cedo e foi direto para o hospital. Seus pais chegaram de madrugada e não quis acordá-los para ter notícias, além do que a sua angústia não permitiria se satisfazer somente com o relato deles. Precisava ver Elizabeth, pessoalmente.  

Quando chegou, foi direto para o quarto. Ficou aliviada por não ter ninguém, assim poderia ter um momento a sós com a amiga, mesmo que ela estivesse inconsciente. Entrou e sentou-se na cadeira. 

Permitiu-se observá-la como nunca fez. Apreciou a tez branca do rosto, admirando a suavidade dos traços. Uma lágrima escorreu. O coração palpitava forte e não compreendia tamanha dor. Eram amigas há pouco tempo, contudo, a presença dela em sua vida enchia seu peito de regozijo. 

Pegou a mão temerosa. Toda vez que a tocava, algo revolucionava em si, de forma animal, em uma atração que julgava indecente e proibida. Culpava-se por tal sentimento, como se fosse algo antinatural. Mas como poderia ser anormal algo tão bonito e libertador? Suspirou.

— Precisa de minha ajuda para achar quem fez isso comigo?

A voz de Elizabeth chegou rouca e fraca, aos ouvidos dela. Mais lágrimas escorreram por sua face, enquanto sorria feliz ao evidenciar a irreverência das palavras.

— Não. Quanto a isso, está sob controle. Preciso de você para estar unicamente comigo.

A resposta saiu de sua boca sem pensar em como pareceria. Enrubesceu.

— Então pegue o canalha, porque não se livrará de mim tão cedo. – Elizabeth abriu os olhos, encarando-a terna. – Também preciso de você para estar comigo, Meg. 

Elizabeth estendeu a mão com dificuldade, acariciando, pela primeira vez, o rosto da amiga, sentindo a maciez sob o tato. Fechou novamente os olhos, tomando um alento.

O toque da senhorita Evernood perturbou a paz da detetive de polícia. Deixaria que o mundo acabasse, para que gravasse em sua mente a incrível sensação de bem-estar que teve.

— Eu não vou morrer, mas peço que pegue os canalhas. Infelizmente, eles me tiraram de circulação por uns tempos.

— Do que está falando?

— Eu investigava a morte de meus pais e estava chegando perto, vieram atrás de mim.

Evernood tossiu e perdeu um pouco o ar, alarmando a amiga.

— Vou chamar um médico.

— Não. Espere um pouco. – Elizabeth segurou a mão da amiga. – Estou bem, só um pouco cansada.

A expressão do rosto era de dor.

— Não seja teimosa, Beth. Do pouco que lhe conheço, sei que não vai querer permanecer aqui muito tempo.

— Não vou ser teimosa, se me escutar. Eu prometo.

— Fale, então.

Blindwar sentou-se novamente, vendo que a amiga tentava segurar firme sua mão, mesmo que não conseguisse o intento. Não queria perturbá-la em situação tão frágil.

— Peça para Edwin lhe dar o que investiguei. Ele sabe de tudo. Infelizmente, ainda não tenho como provar quem está por trás, pois a ligação é o atirador. 

— Disso eu vou cuidar. – Margareth afirmou. – Estou de posse das balas que mataram seus pais e da sua também. Há vinte anos, a perícia não tinha como comparar digitais, mas hoje, há um registro de delinquentes na universidade.  A polícia colhe as digitais e manda para eles. É um estudo de longo prazo, entretanto, está adiantado, pois vários departamentos de polícia do país, mandam as digitais de presos para eles. Vou procurar quem cuida disso lá e pedir que verifiquem as digitais das balas e comparem com as de presos por suspeita de assassinatos. 

— Levará muito tempo, mas é uma alternativa. Peça para começarem pelos presos com suspeita de serem matadores de aluguel.

— Sim, senhora chefe.

Margareth implicou com a detetive particular, recebendo um aperto maior na mão e um sorriso de lado. 

— Muito bem, senhorita Blindwar. – Respondeu jocosa, mesmo enfraquecida. – Uma mulher na vanguarda é sempre melhor do que homens na retaguarda. 

Brincou, fazendo Margareth rir.

— Você não aprende a ser cautelosa com o status social.

Repreendeu.

— E você, aprendeu?

— Ainda não.

Respondeu a detetive sorridente.

— Ótimo! Pois senão, me decepcionaria terrivelmente com você e poderia passar mal. Você seria culpada por meu mal-estar.

— Não me coloque essa culpa. Essa eu não aceitarei. 

Margareth retrucou mantendo a brincadeira, mas algo lhe atormentava.

— Vou conversar com a senhorita Reed, hoje, na delegacia. Ela foi a última pessoa que lhe viu antes do atentado.

Elizabeth sentiu o tom descontente da amiga. Queria rir, no entanto aquele clima terno entre as duas se desfaria e ela não queria isto. Agradava-lhe a ideia do ciúme estampado na voz de Margareth, todavia agradava-lhe mais ainda o carinho que recebia.

— Converse com ela para saber de nossa relação, mas devo lhe advertir que ela é uma boa amiga e nada tem a ver com o caso. Talvez consiga algo que me passou despercebido no dia em que estivemos juntas, porém, não creio.

— Nunca me falou dela…

A senhorita Blindwar falou sentida.

— Não tivemos tempo para isso, Meg.

— Mas falou de mim para ela.

— Porque você foi uma alegria em minha vida, após ter retornado. Eu tinha que falar para uma amiga sobre você. Pode não lhe parecer, mas a estimo mais do que qualquer um que entrou em minha vida nos últimos tempos.

Margareth Blindwar enrubesceu diante das palavras ternas e mais, sentiu-se envaidecida.

— Bem, terei que ir. Vou pegar as balas para levar até a universidade e depois passarei em sua casa para falar com Edwin.

— Não se acostumou com as calças que mandamos fazer para você usar?

Perguntou de súbito, vendo que Margareth ainda vestia o corte tradicional de terninho e saia.

— É fácil se acostumar com elas, Beth. O problema é que é difícil acostumar os olhos dos outros a elas. Tenha paciência, que estou revezando entre um e outro vestuário, para não chocar tanto.

Sorriu e Elizabeth a acompanhou.

— Garota inteligente. Não tenho tanta paciência com a hipocrisia alheia, mas está certa. 

Margareth abaixou-se para beijar a amiga antes de partir, e Evernood virou ligeiramente seu rosto, retribuindo, porém, tocou propositalmente o canto dos lábios da senhorita Blindwar. Queria saber como a detetive reagiria. Mais que tudo, queria sentir, pelo menos uma vez, o contato que tanto almejava.

A detetive de polícia não recuou. Inspirou lentamente o ar, sorvendo o deleite daquela suave carícia, que poderia ser interpretada apenas como um acaso. Foi embora.

Margareth chegou à delegacia no meio da tarde.

— Onde esteve, Blindwar? Procuramos por você o dia todo! A senhorita Reed lhe esperou e Reynold teve que pegar o depoimento dela, baseado no que você falou ontem! – Greendwish esbravejou. – Além de ter levado provas e pedido segurança para a senhorita Evernood no hospital. De que se trata tudo isso?

— Sinto muito, senhor, todavia não havia tempo a perder. Fiquei ontem…

Margareth contou seus passos e suas suspeitas, culminando com a ida à universidade e à casa dos Evernood. Por fim, concluiu.

— … Temos um suspeito que a senhorita Evernood investigou anteriormente, todavia precisamos confirmar as descobertas dela, achando o atirador. Sem ele, não teremos como provar.

Greendwish estreitou os olhos. Aquela detetive tinha fibra e boas percepções. Outros comissários a achariam insubordinada, por ter feito o trabalho sem consultá-lo, mas não ele. Sabia o quanto essas limitações burocrático-morais limitavam as oportunidades de avançar num caso.

— Muito bem. Seguiremos por sua linha. – Voltou-se para Spencer. – Vá para o hospital e substitua o policial que está de plantão. Só nós sabemos o que está em jogo e precisamos de alguém lá, comprometido com o caso. – Virou-se para os demais detetives da Crimes Graves. – Reynold, seja o apoio dele fora do hospital. Observe todos os movimentos, atentamente. O assassino poderá aparecer para terminar o trabalho.

— Sim, senhor!

Os dois membros da corporação se levantaram para cumprir o determinado.

— Dashwood, venha conosco. Vamos à universidade. Se pudermos antecipar quem está por trás da arma, pegaremos o canalha desprevenido.   

***

As horas passavam na universidade, depois os dias vieram causando desânimo em toda a equipe. Os cientistas organizaram os delinquentes fichados, sob o olhar da polícia. Estavam separados somente por categorias das formas das digitais e após a incursão policial, fizeram subseções nessas categorias, pelo tipo de crime que os grupos de pesquisados haviam cometido e, a partir dali, iniciaram a análise.

— Que merda! Ah… Desculpe, senhorita Blindwar.

O comissário se desculpava pelo arroubo, após receber outra demanda de crime, levada a ele por um policial do departamento. O maior banco da cidade havia sido assaltado, levando uma quantidade de dinheiro jamais vista.

— Não meça suas palavras comigo, comissário. Eu mesma gostaria de esbravejar meia dúzia delas, se não fosse interpretada de forma moralmente acusatória.

Greendwish se permitiu sorrir diante das palavras da detetive.

— Pois bem. – Respondeu aliviado. – Você está à frente dessa investigação, até eu retornar. Está no comando. – Olhou para Dashwood. – Tem algum problema com isso, detetive?

— Eu?! Claro que não. – Voltou-se para Blindwar. – Não temos problemas quanto a isso, ou temos?

A detetive sorriu para ele, como há dias não fazia.

— De minha parte, não.

Estava ansiosa. Tudo que sabia sobre a saúde de Elizabeth era através dos pais. Embora estivesse ávida por ver a amiga, pensava que seu maior dever era pegar o homem que a ameaçava. Chegava cedo na universidade e não deixava que os pesquisadores parassem com as atividades. Os cientistas, praticamente, já sentiam como se ela fizesse parte da equipe. Greendwish se foi.

— Não estamos chegando a lugar nenhum.

Dashwood afirmou. Cinco dias haviam se passado, após os cientistas terem dividido os grupos de análise.

— É a única coisa que temos para chegar ao verdadeiro criminoso, Dashwood.

— Eu sei. Figurões como vocês não fazem o serviço sujo. Só o atirador confirmará as suspeitas…

Blindwar o encarou.

— Você acha que sou parcial? Que não faria o meu trabalho por ser alguém expoente?

— Você, não. Admiro sua postura, no entanto, sabe que não é o que a maioria de sua roda social pensa.

A senhorita Blindwar percebeu, genuinamente, o que era a sua presença na Corporação. Ela não era desprezada somente por ser mulher, ou melhor, não era desprezada pelos outros membros do departamento somente por isso. Para Stain, era exatamente por ser mulher. Ele não admitia ser rebaixado à vista dos colegas em detrimento a ela.

— Saiba que nunca deixarei que um caso esfrie, pelo crime ter sido cometido por alguém ilustre. – Afirmou, convicta. – E também, não importa quem sejam as vítimas. Sei que estou nervosa porque uma amiga minha está na cama do hospital, contudo, se fosse um trabalhador das docas, ou mesmo um errante, me empenharia também para resolver o caso.

— Hoje sei disso. Não se preocupe, porque vi seu empenho antes, em vários casos, mesmo quando estava com aquele imbecil do Stain. – Sorriu. – Não se aflija. Darei a você os nomes daqueles com quem deve se preocupar e quem estará ao nosso lado. Entrei dois anos antes de você e consegui separar os policiais cretinos dos que não são. E só para lhe aliviar, a senhorita Evernood voltará para casa hoje. – Sorriu satisfeito.

— Como sabe?

— O policial Smith, que está revezando com Spencer na vigia do hospital, é meu vizinho. Falou-me hoje cedo, antes de sairmos.

— Que notícia maravilhosa, Dashwood!

O detetive sorriu diante entusiasmo da colega.

— Mas isso não quer dizer que devemos facilitar. O matador pode ir atrás dela em casa.

— Ah, sim. Smith falou que continuariam na vigilância.

Margareth deixou sua mente vagar por alguns instantes, no que foi reparado pelo colega de trabalho.

— No que está pensando? Não lhe conheço muito, senhorita…

— Blindwar. Me chame como chama a todos na Corporação. Se continuarem a me chamar de senhorita, ninguém terá respeito por mim. É como se não fizesse parte da polícia.

— Compreendo.

— Respondendo a sua pergunta, estava pensando que a Crimes Graves está começando a formar seu corpo de ação.

— É verdade. O bom é que são policiais comprometidos.

Nesse momento, um jovem pesquisador alertou a equipe, entusiasmado.

 — Achei! Achei!

Gritou, chamando a atenção de todos. Estava eufórico, olhando uma combinação de digitais pelas lentes do microscópio.

Margareth fechou os olhos, agradecendo a Deus, deixando que outros cientistas graduados fossem até a bancada do jovem para confirmar. Relaxou aliviada, pois se fosse comprovado, poderiam caçar o homem que apertou o gatilho contra a amiga e sua família.

***

O alvoroço ocorreu somente na universidade, pois na casa dos Evernood o silêncio reinava. O policial Spencer estava estirado no corredor e um homem caminhava, cautelosamente, na direção do quarto de Elizabeth Evernood. Sentiu um toque suave no ombro e se virou assustado, empunhando uma arma. Grande erro. Acordou na delegacia, algemado a uma cadeira, dentro de uma sala vazia.

***

A polícia cercou a casa do senhor Kitche Frank, um dos maiores magnatas da indústria mineradora local.

— Kitche, prendemos Thorby Dymond e ele contou toda a história. Deixe sua família sair. Sabemos de tudo.

O prefeito negociava com o figurão que fazia parte de sua roda social. Estava arrasado, porém, era seu dever, sabendo que o empresário não respeitou nem mesmo um código moral de amizade que deveria ter pela família que o havia apoiado, tantas vezes, no passado.  

 — Não podem me prender, Cavenor! Não deixarei ninguém sair da minha casa. Terá que matar a nós todos!

Era um impasse.

Kitche Frank detinha grande poder econômico, pois a mineração de carvão em suas terras sustentava quarenta por cento da ferrovia local. Porém, Philipe Evernood, pai de Elizabeth, havia descoberto grande jazida de carvão em suas terras. Foi negociar com o amigo de longa data, para que ele explorasse a terra. Daria a ele uma porcentagem, contudo, o senhor Frank não gostou da proposta, após ver que a jazida dos Evernood era maior que a dele. Em longo prazo, perderia a supremacia do carvão.

Matar a família toda, sem deixar rastros, facilitaria para que as terras dos Evernood fossem a leilão, para que ele arrematasse, o que não ocorreu, porque Thorby, o assassino contratado, não conseguiu matar a menina. As terras ficaram bloqueadas, enquanto Elizabeth Evernood crescia sob a tutela do tio.

Frank deixou a história para lá, pois a repercussão do assassinato fora grande demais, na época. Dobrou o pagamento de Thorby para que ele sumisse. Para sua infelicidade, Elizabeth Evernood retornou, fuxicando a história, fazendo com que o assassino retornasse e chantageasse o empresário.

— Não faça outra besteira, Kitche! Sua esposa e filha não merecem isso!

Escutaram um estampido e gritos agudos. A polícia se alvoroçou e Margareth abaixou-se na proteção da porta de uma viatura. Algo lhe chamou atenção e olhou para trás. Outro carro chegou ao local e parou antes do cerco. Elizabeth Evernood saiu de dentro.

— Que louca!

Margareth Blindwar exclamou, vendo a amiga de pé, ao lado do carro que a trouxe, amparada por Mary Reed. Ela saíra do hospital no dia anterior, com recomendações de repouso. A detetive não sabia se a raiva que cresceu em si, era por Beth estar ali ou por ela estar acompanhada daquela mulher. 

Foi nesse momento que viu a esposa de Kitche Frank sair da casa, acompanhada da filha e do genro.

— Não atirem! – A mulher gritou. – Ele se matou! Ele se matou…

Embora o caso acabasse com um trágico desfecho, Blindwar estava aliviada por não haver outras consequências, além do homem que causara aquilo tudo estar morto. Olhou novamente para trás, mais relaxada diante da situação. Pensou ver um sorriso no rosto da amiga. Quando reparou melhor, achou que fora somente uma impressão. Elizabeth Evernood estava séria. Adiantou-se para ir até ela.

— O que está fazendo aqui? Deveria estar repousando!

— Não pense que não tentei impedi-la, mas se não viesse, ela estaria aqui, do mesmo jeito, sozinha!

Mary Reed se defendeu da ira da detetive e Margareth encarou a Evernood, séria.

— Queria ver essa etapa da minha vida concluída. De todo modo, Meg, você deveria ficar atenta com relação a certa pessoa.

No momento que alertou a detetive, Elizabeth acenou com a cabeça na direção oposta em que estavam, fazendo com que Margareth olhasse para onde havia apontado.

Stain a observava com o semblante pesado. A arma estava na mão, como se estivesse esperando que o desfecho da casa dos Frank, acabasse em tiroteio.

— Ele a acompanhou com o olhar até aqui. – Elizabeth advertiu-a. – E a expressão dele não era de satisfação.

— Está com raiva por seus joguinhos não terem dado certo, desta vez. Levou uma reprimenda do comissário geral… mas ele não faria uma loucura dessas. Não jogaria vinte e cinco anos de polícia pela janela, por uma besteira dessas.

— Pode parecer besteira para você. Apenas não facilite, Meg. Tenha certeza que ele fará tudo para lhe prejudicar.

Diante da severidade com que Elizabeth discorreu, Margareth não teve como retrucar, entretanto, algo diferente a despertava. Olhou para dentro do carro e viu Tristan, o garoto mensageiro da casa Evernood na direção; coisa pouco comum, já que o mordomo acompanhava Elizabeth para todos os cantos.

— Onde Edwin está? Ele não teve nada a ver com o “suicídio” de Kitche, ou teve?

Elizabeth a encarou, com uma austeridade maior que a de costume.

— Edwin não é um assassino a sangue frio. Isso é o que precisa saber, Meg.

Margareth Blindwar espremeu os olhos entre os dedos, tentando não racionalizar muito sobre as palavras ditas pela amiga. Aprumou-se e se voltou para a senhorita Mary Reed.

— Leve-a para casa. – Voltou-se, novamente, para Elizabeth. – Saiba que Greedwish irá apurar o que houve dentro da casa. 

Virou-se para retornar ao posto e escutou a voz de Elizabeth.

— O que lhe falei é verdade, Meg. Edwin não é um assassino a sangue frio.

Margareth parou por segundos, sem se voltar para ela.

— Sei que me falou a verdade, no entanto, também sei que as palavras têm muitas interpretações. Vá para casa, Beth. Deixarei que os outros detetives do departamento apurem os fatos. – Virou para encará-la, sorrindo de lado – Estou cansada.

Margareth voltou a caminhar e Elizabeth recebeu um cutucão da amiga.

— Ai! Estou com dor ainda! – Elizabeth reclamou. 

— Era para doer mesmo… Não a perca. Você tem mania de se sabotar em relação a sentimentos.

— Dessa vez, não me sabotarei.

Elizabeth respondeu à amiga, com um ligeiro sorriso, contemplando o andar da detetive. 

— Vamos.

Entraram no carro e partiram do local.

***

Margareth tocou o sino de entrada da propriedade Evernood. Havia uma semana que não a visitava. Queria evitar um enfrentamento com Beth, antes que terminasse as investigações sobre a morte do empresário. Edwin a recepcionou, pegando o sobretudo pesado da visita.

— A senhorita Evernood está na sala de visitas. 

— Obrigada, Edwin. Não precisa me acompanhar. 

— Levarei um chá para as senhoritas, aceita?

— Seria ótimo. 

Margareth o encarou, contemplando o rosto sereno do mordomo. Nada, na apuração da casa Frank, acusou para outra coisa que não fosse suicídio de Kitche, no entanto, algo lhe dizia que não havia sido tão simples assim.

 Era verdade que Edwin atuara para pegar Thorby Dymond, desacordando-o com um soco, sem feri-lo muito, ou mesmo, aproveitando-se da situação, para castigá-lo com uma surra. Esses fatos não queriam dizer nada para Margareth, já que o mordomo sabia que, sem o depoimento do matador, não conseguiriam chegar ao verdadeiro criminoso.    

— Com sua licença. 

Edwin falou, tranquilo, dirigindo-se para a cozinha, deixando Margareth à vontade.

Ela entrou na sala de estar, admirando a anfitriã, que vagava seu olhar pelas teclas do piano. Rompeu o silêncio para se anunciar. 

— Está melhor?

Elizabeth se voltou e sorriu, sem muito ânimo.

— Estou melhor que semana passada.

Margareth suspirou e sentou, sem cerimônias, na poltrona de frente à ela.

— A justiça acalenta a alma, mas não desfaz o que aconteceu. Pelo menos, pode dormir sabendo o que ocorreu de fato, na época.

— Quando disse que Edwin não era um assassino, eu falei a verdade. Nunca pediria a ele para matar alguém.

— O que não quer dizer que ele não interferiria nos acontecimentos… Kitche se matou e foi comprovado. Ninguém puxou o gatilho por ele, ou o ajudou, eu sei. Só que nós duas sabemos que uma pessoa pode induzir outra a isso.

— Meg…

— Beth, não estou condenando nada. Só especulo por curiosidade. Fique tranquila. – Sorriu. – O que vem agora?

— Saudade… Saudade de meus pais. – Elizabeth confessou. – Mas isso é bom, porque agora tenho uma lembrança tranquila deles.

Virou-se para Meg e perguntou de súbito.

— Dormiria comigo hoje?

Margareth arregalou os olhos, fazendo Elizabeth rir da reação.

— Estou pedindo para dormir comigo, porque tem uma semana que não durmo direito. Você me acalma.

Margareth acenou em aceitação. Sua única dúvida era se conseguiria dormir naquela noite.

Fim!

 



Notas:



O que achou deste história?

11 Respostas para 2 – Segundo Caso: Uma Bala de Prata para Evernood

  1. Carollll!!! Tudo bem?? Seu pai?
    Eu tô ótima, já q me perguntou na outra estória!rs
    Mulher, que conto bom, viu?!!!! Meu TDAH nem ousou se manifestar!! Kkk
    Foi show de bola!!!
    Um abraço afetuoso!!

  2. É impossível não cair de amores por esse texto. Cada caso mais gostoso de ler. Obrigada pelo trabalho, Carol!

    Beijão!

    • Oi, Maga!
      Valeu, minha amiga! Vamos ver agora que as coisas estão entrando nos eixos com papai, se engreno mais um, depois que terminar Eras. rsrs Lembra que falava com você de fazer textos nesses moldes? rsrs Aos poucos vai. rsrs
      Um beijão Tatita e manda um beijo pra sua esposa!

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