Os Estranhos Casos de Evernood & Blindwar

4 – Quarto Caso: Um coração, uma pedra. – Parte 1

Os Estranhos Casos de Elizabeth Evernood e Margareth Blindwar

Quarto Caso: Um coração, uma pedra. – Parte 1

Texto: Carolina Bivard

Ilustrações: Táttah Nascimento

Revisão: Naty Souza e Nefer


A dor de cabeça insistente recomeçara quando Margareth acordou. Reparou em todo o quarto, desprovido de muitos luxos. Diferentemente do cômodo de seus pais, ela gostava de simplicidade, embora fosse vaidosa com a aparência pessoal. Muitos adereços no quarto, a confundiam quando acordava. Preferia um ambiente limpo, sem muitos badulaques.

Agradecia por Greendwish tê-la dispensado naquela manhã, após o julgamento do monsenhor Beinot. Permaneceu deitada, pensando em como a proximidade com Elizabeth Evernood estava mexendo com as suas estruturas. Desejava-a e não tinha mais forças para combater aquele sentimento. Era algo que colara às suas células, como uma doença terminal. 

O beijo que trocaram naquele prostíbulo, não deixava seu corpo. Essa era a sensação que tinha quando lembrava daquele dia. Marcara-a profundamente e somente não desatinou, porque tinha um trabalho a fazer. Quando o caso foi resolvido, sua mente não teve mais barreiras ou desculpas para não pensar sobre o assunto.

— Não tenho forças… Elizabeth não contribui muito para minha sanidade, também.

Falou para si, pensando no dia anterior ao julgamento, quando Evernood a levara para cavalgar e fizeram um piquenique às margens de um rio, próximo a propriedade de campo dela. Fora um dia prazeroso e imerso em promessas disfarçadas de amizade e cumplicidade. Uma cumplicidade que encobria falas íntimas e juras de carinho.

— Por Deus! O que farei?

Expressou novamente em voz alta, tentando exorcizar o que sentia. Ouviu o sino da porta tocar no andar de baixo.

— Não acredito que minha mãe chamou alguém para o desjejum!

Exortou. Pouco depois, ouviu passos, rangendo a madeira do assoalho do corredor. Cobriu a cabeça com o travesseiro.

— Senhorita… – A governanta entrou, chamando-a. – Chegou uma mensagem do departamento para a senhorita.

Margareth resmungou, no entanto, pensou que seria melhor ocupar a mente. Retirou o travesseiro da cabeça e estendeu a mão para que a senhora Evans depositasse sobre ela o papel.

— Sua mãe pediu para lhe informar que a espera para um desjejum em família. 

— Certamente que sim, Joan. 

Chamou-a pelo primeiro nome. Joan Evans, foi sua babá e após a sua adolescência, passara a cuidar das necessidades da casa.

A governanta sorriu.

— Não culpe sua mãe pelo desespero que tem por sua rebeldia. Ela gostaria de vê-la casada, dando um neto a ela, Meg.

Margareth se ajeitou na cama, encarando a governanta e amiga. 

— Então me diga, por que eu? Meu irmão está por aí, no mundo. Ela envia dinheiro para ele, sistematicamente, e não cobra que tenha uma esposa e filhos. Ele é mais velho do que eu. Não o vejo há dois anos!

— Ele é um aventureiro, senhorita. 

A senhora Evans retorquiu jocosamente.

— Até você, Joan?!

— Claro que não, minha menina! Sabe que gosto quando prova o quanto nós mulheres somos capazes. 

A senhora Evans saiu do quarto, sem se importar com os impropérios que a “sua menina” falava.

Margareth abriu a mensagem.

“Sei que lhe dispensei por hoje, mas a situação prima pela sua averiguação e também, a de sua amiga. Preciso de vocês duas no cais.”

— Merda! Ele ainda me manda chamar a Beth!

Depois que Greendwish havia explicitado que Elizabeth seria uma aliada deles e Margareth aceitara esta manobra, não poderia mais retroceder. 

Levantou-se a contragosto, vendo que Joan já havia enchido a banheira que ficava no canto de seu quarto. Tomou um banho, aprontou-se e desceu as escadas, certa de que sua alimentação matinal ficaria pela metade. Quando chegou à sala de jantar, uma moça se adiantou para servir chá com um pouco de leite na xícara, em seu lugar de hábito à mesa. A mãe a fitou com um olhar de reprovação.

— Bom dia!

Margareth falou e seu pai respondeu, enquanto quebrava a casca do ovo no topo. Ela pegou um “porta-ovos”, e encaixou com uma colher um ovo quente, começando a quebrar o topo também. Havia reparado na expressão de contrariedade da mãe e fingiu naturalidade, tentando não iniciar uma nova briga, logo cedo. Ela sabia bem do que se tratava.

— Então, agora além de frequentar bordéis, usa calças?

Margareth fechou os olhos por instantes e quando os abriu, largou a colher que tinha na mão, sobre o prato, suspirando pesadamente.

— Sinto muito, mãe, se não sou a princesinha que desejou. Conscientize-se, que não largarei meu trabalho para me casar com algum homem interessado no dinheiro de meu espólio. Se um dia desposar alguém, será por amor. Me sinto útil no que faço e nesse momento, há um corpo no cais me esperando para iniciar uma investigação. Calças são adequadas para me embrenhar nas margens lamacentas do rio. 

Margareth se levantou, largando o guardanapo sobre a mesa.

— Deveria se preocupar mais em ter uma cidade segura para caminhar do que no meu vestuário. Quanto ao bordel que frequentei, também deveria agradecer por ter resolvido o assassinato de um padre e ter libertado crianças de um destino bárbaro.

— Meg…

O senhor Blindwar a chamou sem resposta. Ela já havia deixado a sala.

— O que havíamos combinado, Dayse?

— Viu como ela estava vestida, James?

Dayse Blindwar vociferou, encolerizada pelas atitudes que a filha vinha tomando há tempos. Para ela, não eram dignas de uma moça de família, e muito menos com a idade que tinha. Já estava “velha” para um casamento. James Blindwar bufou.

— Entenda que nossa filha é adulta e que tem uma profissão…

— … Que você mesmo contribuiu para que conseguisse! Se não tivesse concordado, essa maluquice dela não aconteceria. 

— E acha que nosso filho é melhor, saindo por aí, gastando nosso dinheiro em farras pelo mundo? Já discutimos isso. Um dia, Margareth terá uma cabeça melhor que Thomas para administrar nossos bens. Ou quer que ele dilapide tudo, em esbórnias? Acha que o curso de direito que ele fez, vai lhe dar alguma coisa, do jeito que se largou pela vida?

— Ela é uma garota, James!

— É uma garota a quem confiaria meus negócios de olhos fechados. E acho ótimo que não queira se casar com um oportunista falido. Meu tataravô não fez fortuna com o ramo imobiliário, para um salafrário usufruir porque se casou com a minha filha! Ponha na cabeça que vou apoiá-la sempre. Odeio a ideia de minha filha se diminuir diante de um homem de postura falsa. Por acaso não conhecemos muitos no nosso meio? 

James Blindwar levantou-se de rompante, atirando o guardanapo sobre a mesa. Saindo da sala sem terminar seu desjejum.

***

Margareth ligara para Evernood antes de sair de casa. No trajeto para o cais, passou numa barraca de rua e comprou um pastel assado de batata com recheio de carne. Estava faminta! Embora a conversa com a mãe lhe deixasse contrariada, nada diminuía a sua fome matinal. 

Viu ao longe a movimentação de curiosos que eram contidos pelo cordão da polícia. Terminou de comer o último pedaço e procurou uma lixeira para descartar o papel do invólucro, antes de chegar ao isolamento da polícia. Não avistou nada e ficou olhando o que sobrara de seu desjejum, sem saber o que fazer.

— Deixe-me ajudá-la.

Evernood chegara por trás dela e raptara o papel de sua mão, colocando-o no bolso.

— Temos que falar com o prefeito Cavenor, que a cidade carece de lixeiras. 

O jeito descontraído de Elizabeth, desnorteava a detetive de polícia, que acabara de ter uma discussão com a mãe, sobre os modos de uma dama da sociedade.

— Vamos.

Blindwar disse simplesmente, caminhando rápido em direção ao cordão de isolamento. Não queria estreitar muito o contato com Elizabeth, naquela hora. Quem sabe aquele caso não tomaria seus pensamentos e esqueceria por algum tempo o que vinha atormentando a mente?

Elizabeth estranhou a frieza com que Margareth a recebeu. Aprumou-se, seguindo-a. Blindwar se identificou para os policiais, que liberaram a passagem para as duas. Chegaram até Dashwood e Reynold, que estavam agachados, diante de um corpo, coberto de lixo. Reynold se levantou, encarando a detetive de polícia. 

— Greendwish achou que poderiam conhecê-la. É uma senhora distinta com boas vestes. Não parece uma qualquer. Ele disse que poderia ser de algum círculo social. Sinto muito por ter que vir no seu dia de folga, Blindwar, mas se a identificarmos rápido, será mais fácil para prosseguir com as investigações.

— Não tem problema. Minha casa estava insuportável hoje de manhã. Nada como uma morte para me tirar de uma miserável discussão em família.

Margareth respondeu, arrancando risos dissimulados dos colegas de trabalho. Eles já começavam a se acostumar com o modo debochado com que a detetive encarava suas batalhas pessoais.  Entretanto, uma sobrancelha muito elevada de Evernood, tentava interpretar a atitude insurgente dela.

— O comissário não errou. Eu a conheço.

— E eu também. – Elizabeth se posicionou. – O problema é que ela morreu há três dias e foi enterrada anteontem. 

Margareth agachou para observar melhor.

— Quem é ela?

Dashwood perguntou.

— Uma viúva reclusa. – Blindwar respondeu. — Chama-se Florence Bryer.

— Depois que o marido morreu, viveu em sua propriedade, sem frequentar as rodas sociais. – Elizabeth arrematou.

— Não tinha herdeiros. O único filho morreu na guerra. – Blindwar continuou a explanar. – Nós fomos ao enterro.

Margareth lembrou com tristeza, pois a senhora Bryer era uma das amigas de sua mãe da qual gostava. 

— Como é? E o que ela faz nas margens do rio após enterrada?

Dashwood questionou e Blindwar se levantou, dirigindo seu olhar para os detetives que pareciam estupefatos com a situação inusitada.

— O fotógrafo da polícia já esteve aqui? 

— Sim, senhorita Evernood. Já examinamos todo o local e colhemos tudo que parecia relevante.

Reynold respondeu para a detetive particular, tentando captar o que ela e Blindwar tentavam descobrir, observando o corpo. 

— Levem-na para a universidade. O laboratório de necrópsia de lá, tem mais condições. – Evernood sugeriu.

— Não estava fechado? Depois que a senhora…

Reynold interrompeu a fala. Sabia que a senhora Hollaway foi amiga de Evernood.

— Quando Catley morreu e Tarth foi preso, a universidade demorou a colocar o laboratório sob a tutela de alguém, mas agora parece que já está em funcionamento novamente. — Evernood concluiu.

— Vamos levá-la para lá.  Ela tem o abdômen  e tórax abertos. Precisamos saber o que ocasionou isto. Certamente foi post-mortem. Ela estava intacta até ser enterrada e nós vimos.

Margareth determinou, encarando Elizabeth soturna.

— O caso está com vocês?

— Sob minha responsabilidade. – Reynold respondeu. – Mas Greendwish falou que se precisasse de mais gente…

Ele encolheu o ombro expressando súplica. Antevia que aquele caso seria bem difícil.

— Bom, não tenho nada para fazer no departamento por esses dias. – Blindwar afirmou.

— Podemos nos dividir. Pode contar comigo Reynold.

Dashwood se colocou à disposição também.

— Então venha comigo até a universidade para acompanharmos a necrópsia e vocês duas, tentem descobrir como ela saiu da cova. Porque andando é que não foi.

As duas mulheres caminharam lado a lado até ultrapassarem o cordão de isolamento.

— Cemitério de St. Albano?

— Com certeza, Beth. Temos que ver o jazigo da família.

Assim que respondeu para a detetive particular, Blindwar retardou o passo e retornou ao cordão da polícia.

— Policial Spencer! – A detetive de polícia o chamou. – Nos acompanhe até o cemitério e fale para o policial Smith comunicar ao detetive Reynold para onde fomos. Diga que nos encontraremos com ele, mais tarde no laboratório de necrópsia da universidade.

— Certo, senhorita!

Animado com o convite, o policial apressou em se comunicar com o colega de trabalho e Margareth hesitou em retornar para perto de Elizabeth. Sabia que ela tinha percebido sua atitude distante. A verdade é que queria evitar momentos a sós com ela. Não se sentia forte o bastante para encará-la naquele dia.

Assim que Spencer retornou, ela o acompanhou até a amiga e Elizabeth lançou um olhar questionador e intrigado. Blindwar evitou encará-la.

— Spencer nos acompanhará para registrar tudo que apurarmos lá. 

Margareth falou simplesmente, andando em direção a viatura do policial. Deixou claro que não iria no carro da detetive particular.

Elizabeth suspirou. Se colocaria a disposição para a investigação, sem questionar a atitude da amiga. Daria espaço… por aquele momento.

Chegaram ao cemitério St. Albano juntos e precipitaram pela entrada principal, tomando o caminho da alameda de sepulturas, em direção ao mausoléu de família Bryer. 

Spencer olhava a tudo com cuidado. Nunca tinha entrado naquele cemitério, pois sua família e amigos não tinham dinheiro para tanto. Seus entes eram enterrados no cemitério municipal. Os grandes túmulos em mármore davam um aspecto sinistro ao lugar.

— Não tenha medo, Spencer. Ainda são onze horas da manhã e acredito que os fantasmas estejam dormindo. Eles costumam sair de suas tumbas somente à noite. 

O policial encarou Evernood com olhos arregalados, fazendo Blindwar rir da troça. Balançou a cabeça.

— Você é impossível, Beth. Deixe o rapaz.

Por mais que Margareth quisesse, não conseguia manter muita distância da amiga. Ela era uma mulher ímpar e era isso que a atraía. Aprumou-se novamente numa postura séria, fazendo Elizabeth rir internamente. Chegaram ao mausoléu. 

Pararam no portal, Evernood tocou a fechadura e, a porta cedeu. Estava aberta, o que era algo incomum para um jazigo de família. Normalmente ficavam trancados para que saqueadores de túmulos não roubassem os pertences, que eram enterrados com o ente querido.

— Lembro bem, que após o enterro, o capelão pediu ao coveiro para trancar.

— Eu também lembro disso, Meg e mais, vi quando foi trancado, pois fiquei no final do cortejo.

— Vamos entrar e ver o que fizeram aí dentro.

— Spencer, – Evernood chamou o policial, antes de entrarem – procure o zelador do cemitério e veja com quem fica a chave do mausoléu. A fechadura não foi violada, então presumo que quem entrou, a tivesse.

— É para já, senhorita Evernood. 

O policial saiu às pressas, sem esperar que Blindwar contestasse. Ela o observou se afastar, incrédula.

— Ele não deveria atender tão rápido a sua solicitação. Afinal, o que sou aqui?

Evernood gargalhou, respondendo:

— Você é a detetive que poderia impedi-lo. Ele estava morrendo de medo de entrar.

Margareth bufou.

— Isso foi golpe baixo.

— Por que acha isso?

Evernood entrou sem esperar resposta. Sabia que Margareth daria uma desculpa qualquer para suas reações daquela manhã. Pretendia quebrar o gelo, antes de confrontá-la para saber o que estava havendo.

Margareth a seguiu para dentro e o que viram, chocou-as. O mausoléu estava todo revirado, lápides vandalizadas, urnas mortuárias quebradas, com ossos espalhados pelo chão. O caixão da senhora Florence Bryer havia sido retirado do esquife e estava aberto. O forro tinha sido rasgado, bem como o travesseiro de apoio da cabeça, retalhado.

— Quem fez isso, ou odiava os Bryer, ou…

— … ou procurava algo importante.

Elizabeth completou o raciocínio da amiga.

— Temos que chamar a perícia para recolher provas.

Enquanto Blindwar falava, Evernood se aproximou de um esquife. Era o único com portinhola de ferro.

— Tentaram abrir este, mas não conseguiram. Veja.

Elizabeth apontou para o que seriam amassados na lateral do esquife.

— Parece que usaram um pé de cabra. Pelo visto, a porta não cedeu.

Enquanto falava, Margareth começou a olhar tudo a volta, para tentar achar a ferramenta, no que foi auxiliada pela detetive particular. Vasculharam tudo dentro, sem mexer no local e depois, saíram para procurar em volta do mausoléu. Elizabeth se agachou próximo a um arbusto, chamando a atenção da detetive de polícia, que logo se aproximou e entendeu a ação da amiga. Abaixou-se ao lado dela.

— Abandonaram. Pé de cabra e um punhal. Por quê?

Margareth questionava.

— Porque quem fez isso, precisava carregar um corpo.  Adereços demais para transportar. E isso aqui, não é um punhal, é uma adaga. – Elizabeth explicou. – Punhais são mais finos e tem um guarda-mão, geralmente em cruz.

— Acha que foi com essa arma que o violador do túmulo abriu o tórax e ventre da senhora Bryer? Por que levou o corpo então?

— Talvez não tivesse tempo de verificar o que queria, Meg. Não tenho certeza, Porém acredito que este cemitério mantenha vigilantes circulando. Há dois anos, houve uma série de saques a tumbas.

— Sim, eu lembro. As famílias não gostaram de ter que lidar com roubos a seus mortos.

— É incrível como as pessoas enterram coisas de valor junto com os entes queridos.

— Não seja crítica, Beth. Enterramos minha avó com um colar que tinha um pingente-relicário, porque ela nunca se separou dele e levava a foto de meu avô dentro. Era uma forma de deixarmos com ela, algo que amava.

— A perícia dará conta disso aqui. 

Elizabeth falou, elevando-se, sendo acompanhada por Margareth. Não discutiria suas questões filosóficas, naquele momento, com a amiga.

— Talvez alguém tenha enterrado a senhora Bryer com alguma relíquia da qual gostasse muito. Que tal visitarmos a mansão Bryer e ver se algum empregado ainda está por lá?

Elizabeth propôs para a amiga.

— Quem a enterrou foi a governanta, que a acompanhou até o fim. Vale a pena ver o que havia de tão importante, para que o mausoléu da família fosse violado.

Margareth não pôde escapar de seguir para a mansão Bryer no carro de Evernood. Teve que deixar Spencer para resguardar o mausoléu até a perícia chegar. Ele as avisara que a administração do cemitério tinha uma chave, todavia não sabia quem da família tinha cópias em seu poder.

####

— Teve uma manhã difícil em casa?

Evernood iniciou uma conversação, diante do silêncio incômodo no carro. Estavam há mais de cinco minutos na estrada para a mansão Bryer e Margareth não a encarava, olhando para o lado oposto.

— Minha mãe está terrível. Não me deixa em paz. Hoje não estou muito para conversas. Mal comi em casa, antes de sair.

Margareth respondeu, para tentar se livrar dos questionamentos de Elizabeth.

Evernood assentiu, sabendo que a fala dela, não era toda a verdade. Poderia ter até influência de discussões com a mãe, contudo o dia em que se beijaram no bordel, marcou-as. 

Dois dias antes, Margareth aceitou passear com ela e fazer um piquenique em sua propriedade de campo. Meg estava sensível e quase se desnudara, entretanto, Elizabeth sentiu que ao final do encontro, a detetive de polícia se asilara em uma capa de preocupação, na qual foi impossível penetrar. Após aquele dia, recusou todos os convites de Elizabeth para se encontrarem.

Chegaram, descendo do carro na frente da mansão. Subiram alguns degraus até a porta principal.

— Preparada?

Evernood perguntou, antes de tocar o sino da porta. Margareth acenou afirmativamente e ela tocou.

Uma senhora distinta as recebeu na porta. Abrindo um sorriso, quando viu de quem se tratava.

— Minhas meninas! O que as traz aqui? Entrem, entrem!

— Obrigada, senhora Jackson. 

Margareth se adiantou, mas logo explicou-se.

— Infelizmente não estamos aqui para uma visita social. O mausoléu da família Bryer foi violado ontem à noite. 

— Oh!

O horror da declaração estampou o rosto da velha senhora.

— Estamos aqui oficialmente. Sabe que sou detetive de polícia, não sabe?

— Claro que sei, menina Meg! – A senhora respondeu, um pouco desorientada. – Por Deus! Por que fazem isto? Não podem deixar os mortos descansarem em paz?

A senhora as conduzia para a sala de estar da casa. Era visível a tristeza e angústia em seu rosto, 

— Sentem-se, por favor.

Elizabeth e Margareth se sentaram em um sofá.

— Vou a cozinha preparar um chá para nós.

Antes que a senhora Jackson pudesse sair da sala, uma garota entrou.

— Deixa que eu faço, senhora Jackson. Pode atender as moças.

— Essa menina é de ouro. 

A senhora Jackson comentou, sentando-se no sofá à frente das duas visitas. Blindwar e Evernood reparavam a movimentação da casa, sem entender muito bem.

— Senhora Jackson, os parentes da senhora Bryer deixaram vocês para cuidar da casa? – Elizabeth perguntou.

— Ela não deixou herdeiros diretos, então suponho que algum primo, ou os irmãos do senhor ou senhora Bryer, tenham ficado com as propriedades. – Margareth complementou.

— Oh, não. O senhor Bryer quando morreu, deixou em testamento quase tudo para a senhora Bryer, pois sabem como é nossa lei, se ele não atestasse, algum irmão se tornaria o tutor das propriedades, pois os Bryer não tinham filhos. A senhora Bryer ficaria à mercê dos irmãos dele.

— E ele não desejava isso?

— Não. Nunca se deu bem com os irmãos. O senhor Bryer evitava a família, pois na morte dos pais dele, contestaram o testamento, porque o pai distribuiu as propriedades da família entre os três filhos. O mais velho, Steven Bryer, dizia que pela lei, ele deveria deter todo o espólio.

— Ele, na divisão, não levou nada do pai?

— Ah, sim. Levou. Só não contou que o irmão do meio ficasse com a propriedade principal e mais três fazendas de tabaco da família.

— E esse irmão? Fez algo depois para reaver na justiça a propriedade?

A moça retornou, trazendo o chá numa bandeja. Depositou sobre a mesinha de centro e saiu. A senhora Jackson, serviu as xícaras.

— Não havia muito o que fazer. Eles se distanciaram, enquanto família.

A senhora Jackson respondeu pesarosa, entregando as xícaras de chá para as visitantes.

— Então, com quem está essa mansão, senhora Jackson? Por que os empregados continuam aqui?

Margareth intercedeu. Evernood fizera a maioria das perguntas, contudo esse fato ainda não havia sido revelado.  

A velha senhora suspirou. 

— Comigo. A senhora Bryer deixou a mansão e tudo que havia dentro dela para mim. Fossem mobílias, documentos, dinheiro ou escrituras bancárias. No testamento, havia uma cláusula que depois de mim, seria de meu filho e os descendentes dele. Devo dizer que hoje, vivo com muito mais do que esperava.

Evernood não se impressionara, afinal, a senhora Jackson cuidou dos Bryer, mesmo quando a família não deu a mínima para eles. Conhecia parcialmente a história. A família não os visitava, ela apenas não conhecia a razão. Já Margareth via um motivo para o saque do mausoléu.

— Senhora Jackson, é possível que algum dos irmãos quisesse algo que estivesse guardado no mausoléu da família?

— Não, que eu saiba. O que teria lá que interessasse para a família, além de ossos e agora, o corpo da senhora Bryer? 

A velha governanta colocou a mão sobre a boca, tentando impedir o soluço que escapou, inadvertidamente.   Os olhos se encheram de lágrimas, que ela não conseguiu conter.

— Desculpem-me. 

— Não há o que desculpar, senhora Jackson. – Margareth segurou a mão da governanta. – A senhora esteve muitos anos com os Bryer. É natural que esteja tão abalada.

— Senhora Jackson, sinto ter que passar por isso, mas, me responda: A senhora Bryer foi enterrada com alguma joia de grande valor?

— Não sei.

A governanta limpava as lágrimas com um lenço que retirara de seu corselete.

— O testamento da senhora Bryer foi aberto e executado pelo próprio tabelião, junto a um juiz federal. Ela exigiu que ninguém estivesse presente. Eu só soube que herdara a propriedade, ontem de manhã e o enterro, nem pude fazer, pois o juiz ordenou que só o agente funerário poderia lidar com os preparativos… – A senhora Jackson voltou a chorar. – Não sei por que ela não deixou que eu cuidasse do enterro.

A governanta caiu em lágrimas copiosamente. Evernood e Blindwar se entreolharam, compadecidas pela mulher.

— Sabemos que é um momento delicado, senhora, mas de novo, temos que lhe perguntar: Alguém da família herdou alguma coisa, ou mesmo esteve presente no velório? — Margareth perguntou curiosa.

— Só esteve no enterro, o irmão mais novo do senhor Bryer, que herdou duas fazendas de tabaco no testamento da senhora Bryer. Às vezes, ele se comunicava com o senhor Bryer. Foi o único que manteve algum laço familiar, por menor que fosse.  – A velha senhora suspirou. – A terceira coube a mim, assim como a mansão.

— E o irmão mais velho não levou nada? — Elizabeth questionou, mais curiosa ainda.

—- O irmão mais velho ficou com as duas casas de veraneio, uma no litoral e outra nas montanhas. Ficou também com maior fazenda da família, todavia foi dada a ele na época da partilha original do pai do senhor Bryer. No testamento da senhora Florence Bryer, não obteve nada.

— Acredito que o irmão mais velho não tenha ficado muito satisfeito, quando soube que a senhora Bryer deixou a casa principal da família e a uma das fazendas para a senhora.

— Bem, embora tenha comunicado a morte dela, ele não se dignou a vir.

A senhora Jackson respondeu desanimada. Elas conversaram mais um pouco e viram que a governanta, agora herdeira da mansão, estava mais que abalada com a perda da sua patroa. Ela acompanhava os Bryer desde muito nova. Mesmo grávida, foi acolhida pela família e dedicou-se, integralmente, durante todos aqueles anos. Em muitas ocasiões, acompanhava seus patrões em festividades e eventos, como uma dama de companhia. Era comum também levarem o filho dela. Praticamente adotaram o rapaz, após a morte do filho do casal.

Saíram com a sensação de que aquele saque ao mausoléu, representava muito mais que um roubo qualquer. Decidiram ir até o laboratório de necropsia da universidade, ver o que Reynold e Dashwood haviam conseguido na autópsia.

— Vou parar em alguma cafeteria para comprar algo para comermos. Não teremos muito tempo para almoçar e quero voltar à beira do rio para ver novamente o local, antes que chova, ou a polícia libere.

Margareth fez um sinal afirmativo com a cabeça. O silêncio dela começava a incomodar Evernood.

— Meg, se não conversarmos, não adianta eu estar nesse caso com vocês. Quer que eu saia da investigação?

— Não!

Margareth reagiu enérgica. Ela sacudiu a cabeça. Em verdade, para manter a sua sanidade, sabia que precisava se afastar de Elizabeth, entretanto não conseguia mais se imaginar sem a presença constante dela. Estava dividida entre dois sentimentos muito fortes.

— Me desculpe Beth. Peço-lhe paciência. Estou lidando com questões pessoais que preciso resolver.

Elizabeth parou o carro, antes de virar a rua da cafeteria que mais gostava. Estacionou e fitou a amiga.

— Sabe que pode me falar qualquer coisa, não sabe? Nunca lhe julgaria, Meg.

Fala isso porque não sabe o que sinto por você. 

Ao mesmo tempo que pensou, Margareth fez um sinal afirmativo com a cabeça, para tranquilizar a detetive particular e encerrar a conversa. Evernood continuou o caminho, parou na frente da cafeteria. Comprou dois pasteis assados, graúdos, de batata com recheio de carne, entrou novamente no carro, entregando-os para a amiga segurar, dando a partida. 

— Me dê um deles. Vou comendo até lá. 

Margareth desembrulhou um dos pacotes e quando viu o conteúdo, admirou-se, mais uma vez, com a sintonia das duas. Ela adorava aqueles pastéis, que eram uma iguaria local, vendida por toda a cidade. Quando não conseguia almoçar, ou mesmo fazer o desjejum, sempre os comprava para apaziguar a fome. Entregou um deles desembrulhado para Elizabeth e começou a comer o seu.

— Eu comi um desses hoje de manhã.

— Ah, desculpe-me. Eu vi e acabei me esquecendo. Deveria ter perguntado o que queria, Meg.

— Não tem problema. Eu adoro esse pastel assado de batata. Às vezes, como dois durante o dia.

Margareth deu uma boa mordida, apreciando o sabor.

— Nossa! Ele é divino! Como se chama essa cafeteria?

Elizabeth sorriu, diante da momentânea descontração da amiga. 

The Little Breakfast. Apesar do nome, ficam abertos o dia todo e, em minha opinião, tem uma qualidade imbatível. Tudo que eles têm no cardápio é maravilhoso.

Evernood estava satisfeita por ver Margareth se deliciando com a guloseima. Parecia ter relaxado, pelo menos naquele minuto.

Chegaram à universidade, estacionaram e saíram do carro. As duas levavam nas mãos, o lixo do pequeno almoço e ambas procuravam uma lixeira. Se entreolharam.

— Parece que não são somente as ruas que estão necessitadas de lixeiras.

Evernood falou rindo, pegando o papel embrulhado da mão de Margareth, enfiando no bolso.

— Se continuar guardando no bolso, vai chegar ao fim do dia, como uma lixeira, mesmo.

Margareth retrucou sorrindo. Como era fácil para a policial se esquecer de seus dramas pessoais ao lado da detetive particular!

— Não se preocupe. Sei que lá dentro há lixeiras. Vou descartar assim que entrarmos.

***

O laboratório de necropsia estava menor que antes. Fora modificado e algumas divisórias separavam a parte da autópsia de outras, que elas não sabiam o que eram. Reynold e Dashwood estavam à volta da bancada, em que o corpo da senhora Bryer fora colocada. Uma mulher, com um roupão branco e luvas finas de látex, diferentes das que sua amiga Catley utilizava, fazia o procedimento de averiguação.

— Que bom que chegaram! – Dashwood as recebeu. – Temos algumas coisas a analisar e algumas mudanças.

— Que tipo de mudanças?

Margareth perguntou, aproximando-se.

— A universidade, após o caso…

Ele limpou a garganta, vendo que seria indelicado.

— Após que caso, Dashwood?

— Bem… da senhorita Evernood, quando procuramos a universidade para ver as digitais.

— Sim, e o que?

Margareth perguntou, já perdendo a paciência.

— Resolveram montar um laboratório que chamaram de “Criminal”. Agora, aqui, temos vários laboratórios com pesquisas para avaliar as evidências e Greendwish pediu para a nossa perícia colaborar, oficiosamente, até ele conseguir que o prefeito aprove uma colaboração permanente. 

— Que ótimo! – Evernood se animou. – Não vai nos apresentar a médica legista?

— Ah, sim. Desculpem-nos. – Reynold interveio, virando-se para a médica. – Estas aqui são Margareth Blindwar, detetive da polícia, e Elizabeth Evernood, detetive particular e consultora da polícia. – Virou-se para as duas detetives. – E esta é a senhorita Violet Lister, atual chefe do laboratório criminal da universidade.

— Lister? Você não é parente de…

— … Sim, sim. Ele é meu familiar. Não há como negar meu sobrenome. Sei que a história da família Lister é bem distinta, mas creiam-me, não estou nessa posição por conta de minha família. Aliás, se fosse por eles…

— … Nem estaria aqui. – Evernood completou, agraciada. – Tenha certeza que compreendo muito bem isso. 

Margareth observou a conversação de Elizabeth e a médica, incomodada com a empatia que tiveram em primeira mão.

— Senhorita Lister, muito prazer. Sou a detetive Blindwar. 

Estendeu a mão para cumprimentá-la, na tentativa de cortar a interação das duas. A médica espalmou as mãos, mostrando a restrição que tinha com as luvas. 

— Desculpe-me não a cumprimentar adequadamente, mas estas luvas são caras e se as tirar, tenho que lavá-las em vapor. Entretanto, estou muito feliz em conhecê-la, detetive Blindwar. Você é uma referência para qualquer mulher que deseja algo mais na vida, do que simplesmente ter filhos.

Margareth se encabulou, e as palavras sumiram-lhe momentaneamente. Aprumou-se e respondeu.

— Você também trabalha numa área difícil para mulheres. 

Respondeu, vendo que a simpatia da médica era natural.

Não adianta me distanciar de Elizabeth, se ao menor alarme, tenho ciúmes dela.

A vergonha pelo sentimento a fez se autocondenar.

 

Continua….


Nota: Olá pessoal! Voltando com mais um caso de Evernood e Blindwar. Este será dividido em partes, pois saiu um pouco maior do que eu pretendia. Contudo, acredito que não será problema! Espero que se divirtam.

Bjus

 



Notas:



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9 Respostas para 4 – Quarto Caso: Um coração, uma pedra. – Parte 1

  1. Carolll!!

    Maravilhoso, tudibão.
    Estou mais e mais apaixonada por estas duas…
    Mal posso esperar o próximo episódio.
    Valeu Carol, mto agradecida por me permitir
    acompanhar as aventuras de EVERNOOD & BLINDWAR.
    Bjs..

  2. Em primeiro lugar sempre vale a pena esperar pelas tuas histórias, sempre são as melhores. Rsss
    Carol como assim ela quer se distancia da Evernood, olha só digo que você tenha uma conversa muito séria com essa moça. Kkkkkk
    Cara super mega maravilhoso essa primeira parte, mas tenho que falar que já estou ansiosa pela próxima.
    Bjsss e abraços afetuosos!

    • Oi, Marcela!
      Assim você me deixa tímida! rsrsrsrs
      Pode deixar comigo. Vou falar com Meg seriamente. kkkkk
      Sua ansiedade terminará logo, pois sai hoje a segunda parte (mas não acabará ainda).
      Um beijão, Marcela e Obrigada por tudo!

  3. Carollll!! Capítulo ma-ra-vi-lho-so!!!
    Meg mó ciumenta!!!!!! Mas tá confusa,mas perdida que turco na neve..a mãe TB n ajuda! Caso role algo entre elas a mãe se mata ! Kkkk

    Eu gostei da médica essa, mas confesso que inclusive eu fiquei com ciúmes e nem sou ciumenta..e commñ medo pq do jeito que Meg tá medrosa, não sei se dará espaço pra a médica atuar, ainda sabendo que Evernood ama Meg, mas vai saber, capaz por medo a sofrer vai prefiror engatar outra relação…muito medo estou! Já criei vínculo com Meg e Ever vejo muito drama pela frente! Porém o importante aqui são os casos, amoo muito a dinâmica delas, apesar que hj Meg tava distante, ajuda muito nós casos quando estão mais conectados!!!

    Fica bem, Carol! Se cuida, viu!!! Tudo de lindo pra vc!!
    Beijão

    • Oi, Lailicha! Legal que você está conseguindo vir aqui!
      Então, ela tem ciúme porque sabe que não pode cobrar nada. Ainda tá no armário e vê que qualquer pessoa pode se interessar por Beth. rsrsrs
      Realmente a dinâmica delas é muito boa em relação ao trabalho. A Meg tem que acordar para a vida, para que engatem noutra dinâmica. 😉
      Tudo de lindo para você também! Fica na paz e esperta, que hoje sai outra parte do episódio. rs
      Beijão!

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