Os Estranhos Casos de Evernood & Blindwar

1 – Primeiro Caso: O Extirpador de Olhos

Os Estranhos casos de Evernood e Blindwar

Primeiro Caso: O Extirpador de Olhos

Texto: Carolina Bivard

Revisão: Naty Souza e Nefer


Nota: Este é mais um projeto que estava em minha mente e estou colocando em cena. Como as histórias baseadas em contos infantis, este não terá datas previstas para postagem, já que cada conto se encerra em si. Contudo, este projeto manterá as personagens principais, que irão evoluir a cada conto. Ele é baseado em histórias de mistério. O cenário é fictício, embora eu tenha utilizado referência de um país específico e também entre os anos de 1900 a 1945 da nossa era. Haverá crimes, mistério e envolvimentos amorosos, é claro! 

Carolina Bivard


 

O padre saiu do confessionário e viu, outra vez, a garota da casa Evernood sentada num dos bancos da igreja, olhando, fixamente, para a imagem do Cristo crucificado, acima do altar.

Aproximou-se e se sentou ao lado dela.

— Faça as perguntas certas, Beth, e deixe que seu coração responda. “Ele”, – apontou a imagem – não nos fala de forma direta. É preciso que você o autorize a entrar.

Elizabeth Evernood não o olhou, apenas sorriu de lado.

— Me subestima, padre. Não venho aqui para obter respostas, ou mesmo perdão.

— Isso é o que sempre diz. Entretanto, toda vez que quer respostas para algo, é aqui que a encontro.

— Porque é o único lugar que tenho paz para pensar… Mais ou menos. O senhor sempre vem me inquirir, achando que tenho dúvidas sobre mim.

Ela sorriu de lado, novamente, desfazendo-se da oratória do clérigo.

— E não seria isto? Você é uma mulher rica, desejada por toda a nata social e o que faz? Finge não se incomodar com os assédios, desprezando a sua própria classe, no entanto, não sabe por quê.

— A única coisa que quero aqui, padre, é pensar.

Levantou-se e o encarou serenamente.

— Diga-me. A igreja consegue distinguir entre maldade diabólica e maldade pura e simples? Toda a maldade do mundo pertence ao diabo, Padre?

— Sim. Quando um ser humano dá ao inferno o que ele pleiteia… Deus e seu anjo caído, compreendem mais nossas almas e nossa carne do que nós mesmos, minha filha.

— Talvez, padre. Ou talvez, sejamos somente preguiçosos para nos esforçarmos a entender.

Elizabeth Evernood saiu da igreja caminhando, cadenciadamente, pela rua enevoada e fria, naquela época do ano.

Ela era uma figura emblemática, envolta em um sobretudo cinza escuro, blusa creme e echarpe vermelho. As mãos enluvadas dentro dos bolsos da calça de mesmo tom do sobretudo,  e um chapéu, davam a ela um aspecto misterioso.

Caminhou, por quinze minutos, escutando buzinas de automóveis, que frenéticos, denotavam a pressa de seus condutores àquela hora do dia. Não poderia dizer que a cidade se tornara melhor ou pior, após o advento das máquinas magníficas inventadas para substituir as carruagens e os cavalos.

Lembrava-se, quando era criança, da sujeira e o esterco dos animais empesteavam o ar da rua. Ainda havia o cheiro da bosta de cavalos, as carruagens ainda circulavam pela cidade, todavia o barulho dos automóveis a irritava. Não diria que a humanidade não poderia evoluir, pelo contrário. A raça humana estava fadada a alcançar sempre outro patamar de desenvolvimento e com ela, Elizabeth Evernood.

Tinha seu próprio automóvel, porém, preferia andar pela cidade a pé. Para ela, automóveis eram para cobrir longas distâncias. Andar por algumas quadras nas engenhocas, parecia-lhe fútil, senão extremamente preguiçoso. Chegou aos portais da universidade local e continuou a caminhada pela alameda de entrada, em direção ao prédio da medicina. Entrou e se dirigiu ao laboratório de anatomia, parando na porta. Sua amiga de infância não estava mais ali para recebê-la, entre sorrisos e frases mordazes.

Elizabeth observou, por um tempo, o marido chorando sobre o corpo, enquanto a polícia lhe cobria de perguntas tolas. Sob a perspectiva da lei, ele era o maior suspeito. Para a senhorita Evernood, aquilo era desperdício de tempo. Sua amiga Catley exibia o mesmo modus operandi das outras duas últimas vítimas de assassinato da cidade.

Procedimentos… Procedimentos…   

Pensava, enquanto observava a cena ridícula da polícia em sua metodologia, questionando um homem em sua dor que, evidentemente, não tinha nada em relação ao caso. Aprumou-se, inspirou fundo e entrou, caminhando diretamente para marido de sua amada amiga.

— Timothy! Como está? Por Deus!

Ela expressou, abraçando-o e ele retribuiu, desabando sobre o ombro dela.

— Nossa Cat está morta, Beth. – Ele lamuriou, soluçando. − O que eu farei agora?

— O que sempre fez, Tim. Você sempre foi o norte dela. Continue assim, para pegarmos este assassino.

Ele desabou sobre o ombro da amiga. O choro convulsivo o assolava. Elizabeth Evernood tentava colher coragem para olhar o corpo sobre a bancada. Ela havia conseguido verificar o corpo das outras mulheres assassinadas, por conta da amizade que tinha com Cat e, agora, era a amiga que estava sob a luz da ciência forense.

— Madame, quem é a senhora? Estamos conduzindo uma investigação e sua entrada nesta sala é inapropriada.

Um homem em trajes baratos e aspecto rude a interpelou. Beth já havia observado toda a sala e os integrantes do grupo que estavam acompanhando as investigações. Passou o olhar por todos, novamente, antes de parar no seu inquisidor.

— Chamo-me Elizabeth Evernood. – Estendeu a mão para o homem. – Sou amiga da família e investigadora particular, contratada pelo senhor Hollaway, marido da vítima.

— Investigadora particular?

O detetive falou, fazendo uma careta de desprezo. Em outra situação, ela sorriria, sarcasticamente, entretanto, não era a melhor para si mesma. Catley foi a melhor amiga que teve durante toda uma vida. Como ela faria aquilo? Como encararia aquele corpo sobre a bancada?

O detetive Stain transpareceu toda a sua contrariedade nos gestos. Mesmo apertando a mão da senhorita Evernood, deixou-a ver a sua insatisfação. Logo após o cumprimento do detetive de polícia, a mão de Elizabeth foi pega por uma jovem, que se identificou como a assistente dele.

— Meu nome é Margareth Blindwar. Sou assistente do detetive Stain.

— Assistente? – A senhorita Evernood perguntou, olhando fixamente para ela. – Você também é detetive da polícia?

A assistente encheu o peito para responder.

— A primeira detetive mulher do país, senhora…

— Senhorita. Não sou casada. – Elizabeth a corrigiu com um sorriso. – Se é a primeira mulher detetive da polícia no país, o que faz como assistente de outro detetive?

— Bem, eu… Estou começando agora e há…

— … Procedimentos, eu sei. Desde quando está na polícia, senhorita Blindwar?

— Três anos…

— … E ainda é assistente? Não me leve a mal, senhorita Blindwar. Conheço sua história na entrada da polícia e temo… – olhou diretamente para o rosto contrariado do detetive Stain − … que esteja tempo demais sob supervisão. Converse com seu comissário.

Elizabeth desalojou o amigo de seus braços, encarando-o suavemente.

— Vou acompanhá-lo até sua residência, Tim. Precisa descansar.

Encarou o detetive de polícia, elevando uma de suas delgadas e bem-feitas sobrancelhas.

— Tenho certeza que a polícia entenderá seu abatimento nesta hora.

O policial não a contrariaria. Conhecia o nome da família Evernood, contudo, não deixaria que ela tomasse a situação em suas mãos tão facilmente.

— A senhorita pode ser a detetive particular do senhor Hollaway, entretanto não tem o direito de obstruir nossa investigação.

Elizabeth presumira a confrontação. Sabia que aquele homem obtuso e machista a enfrentaria.

— O senhor me interpretou mal, detetive. A única coisa que quero é descobrir o assassino da esposa de meu cliente, assim como o senhor. Tenho certeza de que ele responderá melhor suas perguntas, se estiver menos abalado.

Ela retirou um cartão do bolso do sobretudo, entregando para o detetive.

— Aqui está o cartão da advogada de meu cliente. Ela estará à sua completa disposição e, assim que o médico da família liberar o senhor Hollaway, tenho certeza que a advogada dele liberará a conversa com a polícia.

— Advogada?!

Os tempos estavam mudando no soturno país. Elizabeth não conteve o sorrisinho debochado desta vez.

— Sim. Não é apenas na polícia de nossa cidade que tem mulheres na vanguarda, senhor Stain. – Elizabeth fitou a detetive Blindwar, sorrindo em aprovação. − Esta mesma universidade em que estamos, formou a primeira mulher advogada do país e ela é a advogada do senhor Hollaway.

Elizabeth Evernood conduziu seu amigo pelo braço, em direção à porta. A senhorita Blindwar se adiantou, para alcançá-los.

— Senhorita Evernood…

— … Pode me chamar de Elizabeth ou somente, Beth.

— Elizabeth, então. – A detetive Blindwar deu-lhe um cartão. – Poderia me contatar, assim que o senhor Hollaway estiver em condições de conversar conosco?

Elizabeth pegou o cartão e a fitou, calando-se por alguns instantes. Voltou seu olhar para o detetive Stain e respondeu sem mesuras.

— Contatarei… Você!

Respondeu-lhe firme e saiu.

— Mas que rameira!

— Senhor Stain, contenha-se! Posso ser sua detetive assistente, mas não estou acostumada com esse tipo de linguajar!

— Perdoe-me, senhorita…

O detetive desculpou-se, constrangido. Uma coisa era se expressar entre seus pares masculinos, outra era falar, abertamente, na presença feminina, mesmo que esta fosse uma mulher que abriu mão da comodidade do lar, para ter uma vida entre os homens da polícia.

— Está desculpado, senhor Stain.

Aproximou-se da bancada, onde o corpo da senhora Hollaway jazia. O médico assistente havia se calado, completamente, quando a senhorita Evernood entrou no recinto. Ele a conhecia, pois ela, constantemente, frequentava aquele espaço mórbido da universidade, quando a sua colega de trabalho Catley ainda era viva.

Não gostava muito das visitas da senhorita, porque acreditava que uma dama não deveria estar naquele tipo de lugar; no entanto, naquele momento, agradecia intimamente ao senhor Hollaway, por tê-la colocado no caso. Conhecendo-a, sabia que descobriria, bem antes, o assassino de Catley do que aqueles policiais insípidos.

A princípio, quando a universidade contratou a senhora Hollaway como sua colega de trabalho, ele rejeitou a ideia, por ser uma dama da sociedade, embora ela fosse uma médica formada. Contudo, ao longo do tempo, acostumou-se à presença dela, bem como se admirava com a sapiência da nobre colega.

Vê-la estirada sobre a bancada em que, tantas vezes, ela se debruçou para estudos, ensino aos futuros médicos e averiguações de cunho forense, era, no mínimo, de revirar o estômago de pessoas sem olhar científico.

— O que pode nos dizer a respeito do corpo, senhor Tarth? – O detetive Stain perguntou.

— Ainda não tive tempo de averiguar. O corpo foi entregue pouco antes dos senhores chegarem. No entanto, posso ver os mesmos traços que marcaram o corpo das duas outras vítimas.

— Então, comece já. Estamos perdendo tempo aqui. À tarde voltarei para saber o que tem para nós. – Stain determinou, voltando-se para a saída. – Vamos, Meg. Não há nada diferente aqui para nós.

— Vá na frente, Ed. Vou ver um pouco da autópsia.

Ele parou, olhando-a intrigado.

— Se conseguir algo para dar à senhorita Evernood, posso negociar com ela uma entrevista com o senhor Hollaway, sem a presença da tal advogada. É isso que queremos, não é?

A detetive Blindwar questionou com falsa ingenuidade. Ela sabia que Edward Stain a desprezava, como companheira de trabalho. Raramente, levava a sério suas contribuições para os casos de investigação que pegavam e, normalmente, suas opiniões levavam à solução dos crimes, no entanto, quem levava os créditos perante o comissário de polícia, era ele.

Stain a observou e riu-se, internamente. Viu uma oportunidade de se livrar dela e, ao mesmo tempo, da senhorita Evernood. Na opinião dele, não havia nada que o senhor Hollaway pudesse acrescentar no caso. Era evidente que aquele assassinato havia sido executado pelo mesmo homem que matara as duas primeiras vítimas e, certamente, não era o marido da vítima atual. Só o estava interrogando para fins de procedimento.

— Ótimo! Voltarei ao distrito policial para ver o que encontraram na cena do crime. Se a senhorita conseguir convencer aquela mulher arrogante a deixá-la falar com o marido, pode conduzir o interrogatório.

Virou-se para a saída, com um sorrisinho de escárnio no rosto. Mal ele sabia que a senhorita Margareth Blindwar, estava sorrindo também.

***

Ao final da autópsia, a detetive Meg conjecturava sobre as descobertas.

— Então ela foi amarrada antes de ser morta e seus olhos extraídos quando ainda estava viva?

— Sim. É o que indica na minha análise.

— Obrigada, senhor Tarth.

A detetive deixava a sala de necropsia, quando escutou a voz do médico.

— A senhorita falará com o detetive Stain?

— Ele não disse para procurar o marido e a detetive particular? Será isso que farei. E… senhor Tarth, se Ed não vier aqui saber da autópsia, não se faz necessário que o senhor o informe, afinal, o procedimento é que a polícia venha lhe ver. Eu sou da polícia.

Ela sorriu, tentando dissimular o ar de ironia que bordou seu rosto. O médico lhe devolveu o sorriso, maliciosamente. Não gostava do detetive Edward Stain. Aliás, não apreciava a polícia de uma forma geral. Na opinião dele, eram um bando de toscos, que só resolviam algo, se o caso solucionado caísse em sobre suas pernas cruzadas.

Margareth caminhava pelo corredor, em direção à saída, e lembrou que deixara sua bolsa sobre a mesa do médico forense. Retornou e quando entrou na sala, o senhor Tarth não estava mais lá. Antes de pegar a bolsa e ir embora, resolveu dar mais uma olhada no corpo. Ela também conhecia a senhora Hollaway e se entristecia por ter acontecido com ela, algo tão horrível.

 

***

Na sala da residência de Timmothy Hollaway, Elizabeth Evernood tentava acalmar seu amigo. Ele estava jogado em uma poltrona, enquanto ela colocava uma grande dose de whisky para ambos.

— Tome isto, Tim. Tem que serenar seus ânimos para tentar dormir um pouco.

— Não. Vou tomar algumas gotas de sal de ópium. Não conseguirei dormir, hoje, sem um relaxante.

— Acredite, meu amigo. Não vale a pena. Amanhã estará mais deprimido do que hoje. Tome um whisky comigo e lhe garanto que dormirá melhor.

Ele aceitou o copo e derramou-o de uma só vez. Elizabeth pegou de volta e colocou mais do líquido, oferecendo-o. Dessa vez, o amigo segurou, sem vertê-lo garganta abaixo. Girou o copo em sua mão. Ele estava atordoado.

— Ainda não acredito, Beth. A minha Cat não estará mais conosco…

A senhorita Evernood segurava-se para não desabar na frente dele. Ainda lembrava o dia em que Cat falou, a primeira vez, do rapaz que conhecera e era, sem dúvida, uma dádiva divina. Um homem honrado e de cabeça à frente. Tim, mesmo após o casamento com a amiga, nunca lhe impediu ou questionou seu trabalho.

— Pegarei o bastardo, Tim.

— Por que ela, Beth? – Tim perguntava, desesperado.

— Ainda não sei. Ela não era o perfil do assassino, todavia, tenha certeza que descobrirei. Esse homem não sairá impune!

Conversaram por algum tempo, até que Tim estivesse exausto pelas emoções, bebida e a noite mal dormida. Resolveu se deitar.

Elizabeth Evernood se arrumava para sair, quando o sino da porta da casa dos Hollaway foi tocado. Escutou ao longe a voz da detetive de polícia falar com o mordomo.

— Sou a detetive Blindwar. Venho a convite da senhorita Evernood para me juntar na investigação do caso.

Elizabeth sorriu, retirando novamente suas luvas, para esperar a visita. Acomodou-se, confortavelmente, na poltrona em que, há pouco, conversava com seu amigo. A porta abriu e o mordomo a anunciou.

— A senhorita Blindwar.

— Mande-a entrar, Edgar. Não a deixe esperando.

Ele deu passagem e a detetive Margareth Blindwar entrou, observando todo o ambiente, antes de fixar seu olhar em Elizabeth. Esta levantou-se, estendendo-lhe a mão, graciosamente.

— Fico feliz que tenha vindo… sozinha, detetive Blindwar.

— Meg, me chame de Meg.

A detetive retribuiu o cumprimento.

— Não leve a mal meu colega de trabalho, senhorita…

— … Beth. Chame-me de Beth. Acredito que já passamos dessa etapa de cumprimentos formais.

— Sim, sim… Claro.

Margareth respondeu, e não entendia por que estava tão encabulada. Não era dada a constrangimentos, principalmente, depois de entrar para a polícia.

— Então, Beth, a autópsia acabou.

— Sente-se, por favor. Consegui fazer o senhor Hollaway beber um bocado a mais, para conferir-lhe tranquilidade para dormir. Infelizmente, não conseguirá falar com ele hoje. Quer alguma bebida? Um whisky ou um licor… Tem brandy, também.

— Brandy, por favor.

Elizabeth serviu a taça para a detetive e colocou um pouco mais de whisky para si. Deu-lhe a taça, sentando-se novamente.

— Estou aqui pela senhorita…

— … Beth.

— Certo. Então, Beth, espero contar com você para prosseguir minhas investigações.

— Suas investigações? O detetive Stain a liberou para essa investigação?

— Bem, não exatamente. Eu acredito que ele achou que a autópsia da senhora Hollaway não lhe mostraria nada de novo e sugeri que eu ficasse responsável por essa parte, para liberá-lo para questões mais importantes.

— Entendo… E assim, você estará livre para olhar por esse viés, que não interessa ao senhor Stain. Perfeito, Meg. Acredito que nos daremos muito bem.

Elizabeth elevou o copo de whisky, sorrindo de lado para a detetive, que lhe devolveu o gesto.

Margareth Blindwar conhecia a história da família Evernood. Havia sido um choque para toda a nata da sociedade e, depois da tragédia, a filha dos Evernood se mudou. Viveu com um tio que morava distante, irmão da mãe de Elizabeth. Retornou para a casa da família, já adulta.

Margareth, como filha de um notório advogado e de uma família tradicional, frequentava as rodas sociais. Escandalizou a todos quando disse que entraria para a polícia, contudo, soube de um comentário da senhorita Evernood, dizendo que finalmente a cidade estava evoluindo para o mundo novo.

Tinha curiosidade a respeito desta mulher, visto que ela raramente frequentava as rodas sociais. Entretanto, quando o fazia, Margareth escutava das línguas ferinas, que ela era “progressista” demais.

Desafortunadamente, nunca conseguiu encontrá-la, pois, nas poucas vezes em que a socialite apareceu em festividades, a própria Margareth Blindwar, não estava nesses eventos.

A detetive era fascinada pela postura e segurança com que Elizabeth Evernood se portava. Outro viés que a encantara na mulher foi a elegância com que se vestia. Mesmo que suas roupas tivessem notas de um corte masculino, não perdia a feminilidade e leveza.

— Meg… Meg.

— Perdoe-me. Me perdi em pensamentos.

— E pensava em quê? Isso se for possível falar, é claro.

Elizabeth sorriu, ao inquiri-la, pois observou que a convidada estava lhe encarando e olhando-a de cima a baixo. Se encantou mais com a detetive, pois esta não perdeu o equilíbrio. Sua postura permaneceu firme e retomou rápido à linha de raciocínio.

— Estava pensando no que encontrei na autópsia.

— Sim, e o que foi?

— Veja por você mesma.

Meg retirou da bolsa, um pequeno pedaço de um fino couro. Entregou para a detetive particular do senhor Hollaway.

Elizabeth o pegou e conhecia aquele artefato.

— Isso é um pedaço de luva. Uma luva de pelica. Isto não é uma evidência? Você poderia ter trazido até aqui?

— Bom, ela não estará nos relatórios, pois é uma evidência que o senhor Tarth não conseguiu ver em sua necrópsia. Recolhi após o término. Ele havia saído da sala e eu fiquei um tempo maior, analisando o corpo. Estava dentro de sua… Bem, o assassino foi cruel.

Elizabeth engoliu em seco. Tinha que conter suas emoções se quisesse resolver o caso. Catley foi a grande amiga de toda uma vida. Conheceu-a em seu pior e melhor.

— Ele a sodomizou?

— Sim.

— Tarth não é tão bom médico forense, quanto Cat era.

— Verdade. Acompanhei a necrópsia de todas as vítimas desse caso. Ela era meticulosa.

— Bom, devo dar uma notícia a você. Descarte o marido dela. Ele estava comigo ontem. Ela se encontraria conosco em minha casa.  

— Tenho que lhe perguntar. Havia mais alguém com vocês para confirmar o álibi?

— Sim. Havíamos marcado uma noite de carteado. Tinha mais três pessoas conosco. Darei os nomes para você confirmar. Saia antes de mim e vá direto até eles. Assim, não haverá dúvidas.

— Eu não tenho dúvidas, Beth. Tracei o perfil desse assassino e em nada se parece com o senhor Hollaway. Só visitarei seus amigos, para que não haja dúvidas para o departamento. De qualquer forma, você poderia ligar para eles, o que não é muito promissor no descarte de álibis.

— Nem tanto. Eu tenho telefone em minha casa e o senhor Hollaway também, todavia, o senhor, a senhora Fallow e a filha deles, não. São um pouco avessos a essas modernidades.

Elizabeth sorriu, encabulando a visita.

— Bem, de qualquer forma, teremos que descobrir por que o assassino matou a senhora Hollaway. Ela não se encaixa no padrão das outras vítimas.

— Eu também acredito nisso, Meg. As outras mulheres não tinham vínculos familiares. Uma era prostituta e a outra era uma viúva sem filhos, que passou a mendigar por não encontrar um emprego. O que me leva a pensar se não são dois assassinos diferentes.

— Dificilmente. Os detalhes dos assassinatos anteriores não foram divulgados. Outra pessoa cometendo o crime não conseguiria reproduzir tão bem as peculiaridades do caso.

— O maior jornal da cidade conseguiu publicar uma foto da segunda vítima.

— A necrópsia revelou que aspectos intrínsecos foram reproduzidos, embora as outras não tenham sido sodomizadas.  Pormenores que outra pessoa não saberia, exceto a polícia, ou mesmo a senhorita. Devo dizer que poderia se tornar uma suspeita, caso não soubesse de sua história com a senhora Hollaway. Mesmo assim, ainda terei que descartar-lhe como suspeita, senhorita Evernood.

Elizabeth estreitou o olhar, observando a sua convidada. Estava gostando, e muito, da nova aquisição para a delegacia de polícia. Diferente dos detetives atuais, aquela mulher era perspicaz e meticulosa nas suas avaliações.

— Fique à vontade para fazê-lo, Meg. Entendo a sua posição. Como soube que Catley me passou os detalhes das outras vítimas?

— Não soube. – Foi a vez de Margareth sorrir de lado. – Me disse agora. Eu apenas deduzi, pela sua proximidade com a senhora Hollaway e pela sua personalidade, além das funções que tem exercido na cidade. Desde que retornou, foi a detetive particular mais contratada da cidade e sempre solucionou seus casos.

— Entendo… Foi um dos motivos para você ter deixado seu “detetive orientador da polícia” – Elizabeth entonou, debochadamente, a frase – para se juntar a mim. Aquele homem solucionou mais casos nos últimos três anos do que em toda a carreira pregressa dele. – A detetive particular suspirou, enfadada com a hipocrisia local. − Também gostei de nosso arranjo, Meg. Já é hora do distrito de polícia dar-lhe o devido valor.

***

Margareth chegou à propriedade dos Evernood, na cidade. Tocou o sino de entrada. Estava nervosa e não sabia bem o porquê. Não, ela sabia… Nunca mais estivera naquela casa, após a tragédia. Lembrava dela, de quando ainda era criança.

Um homem bem-apessoado a atendeu e deduziu ser o mordomo.

— A senhorita Evernood a espera na sala de visitas. Acompanhe-me.

A casa estava diferente. Mobílias novas, sem os traços austeros de outrora. Quando chegou à sala de visitas, viu um homem sentado próximo à lareira, com uma taça de champagne na mão.

— Obrigada, Edwin. Pode se recolher.

— Sim, madame.

A voz alertou a detetive e ela reparou no rosto já conhecido.

— Não vamos sair para reconhecermos o ambiente do assassino?

— Vamos, e eu estou vestida para isso; e a senhorita, não. Como espera chegar a uma zona pobre da cidade, à noite, vestida desse jeito?

Elizabeth Evernood zombou da vestimenta sóbria, porém delicada da detetive de polícia.

 — Acha que me visto de homem no meu dia a dia, Meg? – Interpelou, diante do rosto estupefato da recente amiga. − Tudo bem, não sou uma pessoa convencional em minha vestimenta, contudo não escandalizaria tanto assim.

— Perdoe-me. Não lhe reconheci.

— Ótimo. Se não me reconheceu, significa que posso enganar outros, mas você… – Apontou para o corpo da detetive − … não irá comigo até Darkwood dessa forma. Teremos que arranjar algo para você vestir. Venha.

Elizabeth saiu da sala como um tufão, largando a cartola sobre a poltrona. Margareth não teve tempo de raciocinar e a acompanhou escada acima. O corredor da ala dos quartos era amplo e Elizabeth se dirigiu à última porta, voltada para a entrada para propriedade. Entrou e parou, para que a detetive de polícia entrasse antes de fechar a porta.

Margareth Blindwar observou todo o aposento com minúcia, enquanto a senhorita Evernood a observava, da mesma forma.

— Não está como se lembra, não é?

— Não. – Meg suspirou. – Achava que não lembrava daquele dia.

— Como não lembrar do dia do enterro de meus pais?

— Éramos crianças. Nos conhecemos aqui e nunca mais nos vimos.

— Eu tinha dez anos, Meg, e você, somente, sete. Eu imaginava que não se lembraria mais daquele dia. Não sabe o quanto, o que falou para mim, me fez forte para continuar a vida.

— Eu era uma criança e só pensava que, se algo parecido tivesse ocorrido com meus pais, me destruiria.

— Você não me conhecia e nem eu a você, mas saiba que, o que me disse, foi mais consolador do que qualquer adulto conseguiu expressar, naquela época.

Margareth Blindwar se emocionou. Aquele dia mudou a sua visão de mundo.

— Hoje, você faz o que faz, por conta daquele dia, Beth?

A detetive particular sorriu feliz. Era a primeira vez que Meg a chamava de Beth, sem constrangimentos e nem rodeios.

— Sim. E você?

— O mundo precisa de pessoas que possam livrá-lo, minimamente, desses terríveis acontecimentos. Então a resposta é sim. Eu mudei naquele dia. Não queria me tornar uma mulher que só pensa em casamentos vantajosos. Devo dizer que não me dei muito bem com pretendentes, após minha determinação.

— Tenha os pretendentes que você desejar e não os que desejam você.

— É o que faz?

— Com todas as minhas forças, senhorita Blindwar.

— Mas não a vejo com ninguém, senhorita Evernood.

Margareth devolveu o mesmo tom irônico com que Beth havia lhe contestado.

— Sempre estive com quem desejei e com quem me apraz. Sou feliz assim.

— E viva a modernidade! Vamos ver logo uma roupa para mim. O que tem aí?

***

Dois cavalheiros andavam pela zona de meretrício da cidade e pararam sob uma marquise de um casario velho e maltratado, como todos os outros daquela rua suja e mal iluminada.

— Vamos somente observar, Beth?

— Estamos aqui para isso. Ele matou duas mulheres num espaço de duas semanas. A terceira levou somente três dias.

— Você acha que a compulsão o levará a fazer num tempo menor?

— Assassinos com esse perfil, Meg, se alimentam das emoções fortes, como um ópio.

— Ele diminuiu o tempo. Concordo. Se não ocorrer hoje, viremos amanhã e depois também. Uma hora, ele fará novamente.

Uma mulher, vestida como uma dama desafortunada, se aproximou. Beth e Meg ficaram lado a lado, escoradas na parede de pedras do sobrado. A detetive particular puxou a cartola sobre o rosto, para encobrir seus traços e apoiou um dos pés na parede.

— Se estão procurando diversão, ela chegou.

A mulher não deu espaço para uma negação, abraçando Elizabeth, tomando-lhe os lábios. A disfarçada socialite não recusou, porém não retribuiu com ânimo. Empurrou a meretriz, delicadamente, falando:

— Sinto muito, senhora. Hoje não é dia de diversão para mim, senão negócios. Peço que se vá, ou poderá se encrencar. – Afirmou.

A prostituta entendeu o recado. Muitos homens bem-apessoados chegavam naquela área para contratar serviços ilegais. Afastou-se, sem questionar. Era o melhor que faria.

— Tem que limpar o batom barato. Seu rosto está borrado.

Meg a alertou com ar irritado, arrancando um riso de Elizabeth.

— Não queria que eu revelasse nosso disfarce, ou queria? Além do que, não condeno estas mulheres. Elas não nasceram na nossa classe. Fazem o que fazem, para sobreviver. Pior somos nós. Vendemos as filhas como mercadoria. Acaso os casamentos não são como negócios para as famílias? Muitas mulheres de nossa classe vivem toda uma vida sem saber o que é o amor, ou mesmo o prazer.

Antes que Meg contestasse, viu uma figura soturna passar pela rua transversal.

— Depois discutimos. Aquele homem que passou, não é dessa área. – Margareth chamou atenção.

Elizabeth também havia visto. Não contestou, seguindo na direção em que Meg se dirigiu. Portava uma arma no bolso interno do sobretudo. Sacou-a. Era dada a aventuras, entretanto, não facilitaria para o desconhecido.

Caminharam, encobertas pelas sombras, até alcançarem um beco, onde tinham visto o vulto do suspeito entrar. Meg também retirou a sua arma do bolso da calça.

— Não sabia que tinha uma arma. Sabe atirar?

Elizabeth perguntou, preocupada.

— Acha que eu seria uma policial pela metade? Francamente!

A detetive Blindwar a contestou, irritada.

Chegaram ao beco e viram o homem desacordar a prostituta, com um lenço no rosto. Era a mesma mulher que as abordara, anteriormente. Aproximaram-se, cautelosamente. O assassino percebeu que havia sido pego e largou a mulher, correndo desesperadamente.

Elizabeth Evernood não teve dúvidas. Correu em perseguição, sabendo que a moça ficaria bem. Era certo que o assassino havia utilizado algo no lenço para apagar a moça, mas não matá-la. Achava que Meg havia ficado com a meretriz.

— Vá por ali, − Meg apontou uma rua transversal – assim o cercamos!

Elizabeth escutou a voz da detetive de polícia, atrás de si. Não havia tempo para conversas. Fez o que a companheira de emboscada determinou. Alcançou a outra quadra e esbarrou com o sujeito em fuga! Agarrou o braço e se jogou sobre ele. Caíram juntos na rua enlameada.

Ele deu um soco direto em seu rosto, atordoando-a. O assassino se levantou, todavia seu braço estava seguro pela mão de Elizabeth.

— Parado!

A voz da detetive de polícia soou no ar e o homem puxou, fortemente, o braço, livrando-se do agarro. Correu.

Margareth Blindwar disparou um tiro, no entanto o homem já havia virado a esquina. Foi até a companheira de investida e se ajoelhou para acudi-la. Elizabeth ainda estava no chão, atordoada pelo soco que levou.

− Por que não correu atrás dele? – Perguntou com a voz vacilante.

− Porque não costumo abandonar pessoas. Você está péssima!

Mal Elizabeth escutou as palavras de Meg. Apagou.

***

O entardecer na cidade costumava trazer a neblina, no entanto, àquele dia, o outono trouxe uma luz clara e energizante. Meg tocou o sino da residência Evernood.

— Senhorita Blindwar.

O mordomo a cumprimentou, pegando o sobretudo da recente amiga de sua senhora.

— Como ela está?

— O doutor Spencer esteve aqui, hoje de manhã. Parece-me que quem a atacou, atingiu o maxilar, fazendo a mandíbula deslocar. Tem colocado unguento no local, ainda está muito dolorido. Ela a espera. Está na sala de visitas.

— Pode deixar que sei o caminho, senhor Edwin.

Margareth passara o dia inteiro preocupada. A sorte da noite anterior, foi um táxi que passou no local e pôde retornar com a senhorita Evernood para a residência dela.

Entrou na sala e viu que Elizabeth estava olhando um objeto em uma de suas mãos, enquanto a outra segurava a compressa sobre o maxilar.

— Temos uma pista forte, Meg. Podemos pegá-lo hoje.

— Do que está falando? Sair novamente? Você ainda está com o rosto inchado e temo que terei que contar com meus companheiros do distrito policial.

Elizabeth deixou a compressa de lado, encarando a detetive de polícia.

— Não fará isso. Se der mais essa vitória para o senhor Stain, nunca sairá do jugo dele.

— O fato é que, ontem, arriscamos muito. Ele poderia ter uma arma e tê-la matado.

— Não tinha e não acredito que faça o estilo. É um homem forte e que conta com a facilidade dessas mulheres se aproximarem dele.

— Beth…

— … Tenho uma ideia de quem seja e se minhas suspeitas estiverem certas, só precisaremos segui-lo. – Elizabeth a interrompeu, chamando a atenção da detetive de polícia. − Edwin irá conosco desta vez, e assim que confirmarmos o rapto, ele irá até a polícia e chamará o comissário, que determinará quem virá para pegá-lo. Todavia, desta vez, você que será prestigiada por isso.

— Por que tenta me auxiliar no distrito?

— Tenho motivos altruístas e egoístas, também. Qual deles quer ouvir?

Elizabeth sorriu de lado ao fazer a pergunta.

— Que tal me dizer os dois?

— O altruísta é que é um desperdício você ter que se reportar ao detetive Stain. Ele é um homem boçal, misógino e ignorante. Não consegue nem descobrir roubos de frutas na feira e, se você continuar junto com ele, a o distrito policial nunca verá o valor de mulheres, dentro da corporação.

— E qual o egoísta?

— Se você se destacar, não pegará no meu pé, quando eu estiver num caso. Poderemos trabalhar, em uma ajuda mútua.

Elizabeth abriu mais o sorriso.

— Entendo… Contudo, não permitirei que se precipite e nem que se coloque em perigo. Isso também faz parte do meu trabalho.

— Que seria?…

— Manter civis em segurança.

Margareth Blindwar respondeu enfática.

— Se considerar que fui contratada pelo senhor Hollaway, não sou exatamente uma civil.

— Sua sorte é que as leis te protegem.

Margareth suspirou, sentando-se numa poltrona e pegando a taça de dry martini que a anfitriã lhe oferecia.

— Além disso, − Meg retomou a conversa − podemos deixar para amanhã. Depois do que ocorreu ontem, ele terá medo de ir a Darkwood, até que sua sede de matar fique insuportável.

— Nisso eu concordo com você, entretanto, acredito que não passará de amanhã. Não consegue se controlar mais. Ele pode procurar em outra área, como por exemplo, a rua de pubs no porto.

— É. Lá existem muitas mulheres fácei… Alvos fáceis, quis dizer.

Margareth corrigiu a frase, enrubescendo. Também não gostava quando homens se referiam a essas mulheres com termos chulos e desdém. Elas levavam essa vida por existirem pessoas “supostamente de bem”, que pagavam para ter o mesmo sexo com que falavam desprezivelmente.

Elizabeth gostou do tom corado do rosto da detetive de polícia. Apreciava, cada vez mais, o jeito e as reações da recente amiga, diante de assuntos que a maioria julgava constrangedora.

— Não precisa se envergonhar ao falar delas. Na maioria, são mulheres que tentam somente não passar fome. Que as vidas foram levadas a isso, desafortunadamente.

— Não me envergonhei por elas. Envergonhei-me por falar delas de um jeito depreciativo. Mas, me diga: o que descobriu? Fugimos muito do assunto.

A verdade era que Elizabeth Evernood a desconcertava. O beijo que aquela meretriz deu em sua companheira de tocaia, não saía da cabeça da detetive de polícia.

— Isto.

Elizabeth estendeu o objeto, entregando-o para Margareth.

— Ficou em minha mão, quando ele puxou o braço com força, para se soltar. Eu não o larguei, apesar de estar desacordada. Era como se, inconscientemente, soubesse que era importante. Travei meus dedos em torno dele e quando voltei a mim, o vi. Guardei no bolso de meu sobretudo, antes de apagar novamente.

Margareth olhou a abotoadura com o símbolo gravado em alto relevo nela. Compreendeu, imediatamente, a linha de raciocínio da detetive particular.

— Você acha… acha que esse homem teria coragem?

— Não é uma questão de coragem, e sim, de covardia e loucura. Entende porque conseguiremos pegá-lo?

— Se conseguirmos segui-lo, sim. Isso se não for um truque do assassino.

— Para isso, ele teria que presumir que o encontraríamos ontem. De qualquer forma, se for um truque, ele é nosso conhecido.

— E mesmo que não seja quem estamos imaginando, também conhece o assassino. É nossa maior chance. – Margareth completou o raciocínio. − Concordo em segui-lo amanhã, porém, somente se Edwin nos acompanhar. Ele é um jovem forte. Já percebi.

— Edwin não é somente isso. Ele é um ex-soldado. Serviu com meu primo e o contratei após sua baixa. É inteligente, astuto e um bom… diria que um bom protetor.

Margareth estreitou os olhos. Havia mais coisas ali, no entanto, não invadiria a privacidade do mordomo e nem de Elizabeth. Um dia, talvez, a senhorita Evernood tivesse confiança suficiente nela para lhe contar.

— Bom, aproveite o seu dry martini, Meg, pois amanhã será uma noite longa. Como foi seu dia no distrito hoje?

Meg suspirou.

— Enfadonho. Tentei falar o que descobri da necrópsia e o detetive Stain me ignorou. Por fim, peguei o laudo dos técnicos forenses e revi as evidências antigas. Ou nosso assassino evoluiu no modo como mata, ou tinha uma raiva incontida pela senhora Hollaway… Ah, perdoe-me. Sei que era sua amiga.

Margareth sentiu-se contrariada, por ver o rosto de Elizabeth entristecer, ao expressar de forma tão crua os fatos.

— Não me poupe dos comentários, Meg. Terei tempo para meu luto, após pegarmos este homem. Quanto ao detetive Stain, melhor assim. Amanhã ele terminará seu turno e irá para casa dormir, tranquilamente. Quando chamarmos o comissário que estará de plantão, ele requisitará somente os policiais da noite, que estarão no distrito.

Margareth tinha uma curiosidade que não conseguia deixar sua cabeça. Calou-se, soturnamente, levando Elizabeth a observá-la por alguns instantes.

— Pergunte. O que quer saber de mim, Meg?

Elizabeth encolheu as pernas, ajeitando-se na poltrona, relaxadamente, bebericando seu drink. Via que Margareth Blindwar estava incomodada com algo, desde a noite anterior e, além de imaginar o que estaria passando pela cabeça da detetive de polícia, tinha interesse em saber o que pensava a respeito. Encabulada, no entanto, profundamente curiosa, Meg perguntou.

— Você não sentiu nenhum desconforto por aquela mulher lhe beijar?

Elizabeth sorriu, internamente.

— Por que teria? Ela estava trabalhando e eu, também. – Elizabeth não conseguiu conter o sorriso aberto. – Além do que, não tenho esse tipo de pudor ignorante. Um ser humano não é diferente pelo gênero que nasce. Todos amamos, temos sentimentos… Independente da genitália com que nascemos.

Margareth calou-se, apreciando a bebida, pensando no que Elizabeth falara.

***

A noite estava escura, o prédio imponente iluminado pelas luzes elétricas e a rua com uma luminosidade amena dos postes a gás. Margareth e Elizabeth estavam em uma esquina vigiando, enquanto Edwin, vigiava na esquina oposta.  Um homem deixou o prédio, caminhando, calmamente, para a rua.

Os vigilantes se esconderam nas sombras para que ele passasse. Após alguns metros de distância, as detetives se puseram em marcha, mantendo uma distância segura. Não conseguiam ver mais o ex-soldado e mordomo. Ele perseguiria o suspeito por outro caminho.

Andaram, esgueirando-se por mais de quinze minutos, até chegarem a uma construção que fora um depósito próximo à área industrial. Estava abandonado.

— Teremos sempre que nos vestir de homem?

Margareth sussurou, nervosa. A pergunta era descabida, ela sabia, no entanto seu nervosismo a levava àquele estado.

— Sim, se não quisermos ser abordadas na noite por um vagabundo qualquer.  

Foi a única resposta que recebeu da companheira de campanha, que tentava achar uma brecha para entrar no local. Margareth retirou a sua arma do bolso e viu Elizabeth espelhar o movimento.

— Onde Edwin está?

A detetive de polícia perguntou, aflita.

— Não se preocupe. Ele sabe o que faz. Vamos. Aqui tem uma entrada.

Elizabeth respondeu, vendo uma porta de madeira apodrecida na lateral. Tentou abri-la sem fazer muito barulho. Entraram.

Tudo era muito escuro e sujo. O chão enlameado e a umidade rescendiam bolor no local. Escutaram gemidos e vozes. Elizabeth fez um gesto para que Margareth parasse atrás dela. Estavam encobertas pela parede do corredor que levava ao salão principal. O depósito era uma ruína, contudo, abrigava e isolava bem, qualquer ato que ocorresse ali da vida na cidade.

Elas conseguiam enxergar, por conta de luminárias à óleo, espalhadas ao redor da cama em que a mulher estava presa. Com certeza, o assassino a havia sequestrado na noite anterior.

— Foi ousado. – Margareth sussurrou.

— Ele foi o que os assassinos compulsivos fazem. – Elizabeth respondeu. – Não conseguem se conter na própria loucura.

— Não podemos deixá-lo torturar essa mulher.

— Não vamos, Meg.

— Não temos apoio, Beth.

— Temos armas. Ele não matará mais ninguém. Somente lembre-se do que combinamos para falar para o distrito.

Margareth engoliu em seco. Sabia que poderiam enfrentar o sujeito, antes da polícia chegar e, se algo ocorresse, teria que falar que agiu por instinto e que encontrou a detetive particular no local, averiguando, juntando-se a ela. Pararam para escutar o que o homem falava.

— Você não deveria provocar um cidadão de bem. Não, não, não. É uma mulher má e não deveria desfazer famílias.

O assassino falou para a mulher amarrada e amordaçada sobre a cama, que vertia medo através dos olhos.

— Mulheres como você são desprezadas por todos, sabia? Até por aqueles que acreditam apreciarem suas carícias. Livrarei você do tormento eterno. Não se preocupe. Quando eu terminar, não terá mais olhos para tentar os incautos.

Ele tinha um bisturi na mão, andando em torno da cama. Parou na direção da cabeça da mulher.

— Não fique assustada. Não violarei seu corpo, como os homens que se deleitaram com ele. Somente tirarei seus olhos para que não veja o fogo eterno do inferno.

Ele levou a mão com o bisturi próximo aos olhos da mulher. As duas detetives agiram de imediato, pela situação emergencial.

— Parado, senhor Tarth!

Elizabeth saiu das sombras, acompanhada de Margareth. Ambas empunhavam as armas em direção ao assassino. Ele interrompeu o que faria, reparando nas invasoras. Sorriu sarcástico.

— Esperava por vocês. Mulheres sórdidas e infelizes, querendo mudar como o mundo funciona. – Balançou a cabeça, debochadamente. – Após o incidente de anteontem e conhecendo a senhorita Evernood, sabia que viriam atrás de mim.  Trouxe a minha abotoadura, Elizabeth?

— Por que matou Catley? Ela era sua amiga.

— Minha amiga? – Tarth gargalhou com sarcasmo. – Eu fui contra a contratação dela. Depois, tive que aturar uma mulher mandando em mim. O problema é que ela se tornou inconveniente, quando fez a necrópsia daquelas rameiras. Era para ser feito por mim, não por ela. Mas como sempre, Catley foi intrometida, participando de todas as autópsias. Uma hora, ela descobriria.

— Você sabia que a matando, faria com que eu investigasse… Você queria que eu investigasse!

— É, eu queria. Atrairia você e a eliminaria. Vocês não deviam se meter em funções masculinas e, agora, ainda surge essa policial. – Ele falou com desprezo. – Não importa mais. Vocês estão exatamente onde deveriam estar.

Ele estendeu o braço e cortou com o bisturi, uma fina corda, que estava amarrada próximo a cama. Elas escutaram um estrondo e olharam para cima. Elizabeth empurrou a detetive de polícia, para protegê-la dos escombros que caíam sobre elas. Antes que pulassem, para não serem atingidas pelas sacas de areia da armadilha, Margareth disparou sua arma em direção ao assassino.

Pouco mais tarde, Margareth se viu sendo auxiliada pelo mordomo. Ele a ajudava a se levantar.

— Senhorita Blindwar, está tudo bem?

— Não diria exatamente bem, Edwin.

Ela se ajeitava, sentindo dores pelo corpo todo. Não fora soterrada graças a presença de Elizabeth Evernood ao empurrá-la. Várias lanternas à óleo estavam espalhadas pelo depósito, ofuscando sua visão. Ela espalmou a mão sobre a cabeça, para quebrar a luminosidade.

— Onde está Elizabeth, Edwin? − Perguntou alarmada.

— Não se preocupe, senhorita. Está sendo atendida.A polícia chegou, após o desmoronamento e ela está bem. Somente espero que dispare sua arma mais duas vezes, antes de entregar para o distrito.

Ele falou instruído, mostrando uma arma que portava, de mesmo calibre que a dela.

— Você…

Interrompeu a frase, pois o comissário da noite chegou para conversar com ela.

— Detetive Blindwar, está bem?

— Algumas contusões, mas nada grave, senhor Greendwish.

— Ótimo! Espero que tenha um bom relatório para nos apresentar. Pegamos o sujeito, graças a você. Tenha uma boa justificativa para ter atuado sozinha. O comissário de seu turno, talvez, não goste disso.

Ele piscou para ela, disfarçadamente.

— Terei comissário. O senhor Tarth foi preso?

— Preso? Ele está morto. Seus tiros pegaram-no em cheio. Foi você quem atirou, não foi?

— Ah, sim. Sim! Fui eu, antes de tudo desmoronar.

Margareth apressou-se em corrigir a gafe. Sem que ela esperasse, a detetive particular chegou por trás. Escutou a voz aveludada.

— Não são só as mulheres que são desprezadas pelo distrito central, senhorita Blindwar.

— Imagino que você já tenha trabalhado com o comissário da noite, durante esses tempos. – Sorriu incrédula.

— Imaginou certo.

— Imagino, também, que o comissário noturno Greendwish nunca tenha conseguido solucionar um caso importante.

— Não por falta de oportunidade, devo dar-lhe os créditos. Somente por falta de interesse do distrito.

Margareth Blindwar balançou a cabeça, descrente. Estava se metendo em um jogo de poder e confessava-se, intimamente, que gostou.

— Vamos. Ainda tenho que disparar minha arma mais duas vezes, longe daqui, senão o senhor Edwin estará encrencado.

Margareth determinou, saindo do depósito, seguida de Elizabeth Evernood. Deixaram o restante da polícia lidar com o corpo do médico Tarth e a prostituta que ele havia feito de prisioneira.

***

Dois dias depois, Elizabeth Evernood comparecia a uma reunião social da cidade. Estava divina, em um vestido negro de calda e sandálias altas.

— Seja bem-vinda, senhorita Evernood. É um prazer recebê-la.

— Obrigada, senhor Blindwar. Alegrei-me por sua filha ter recebido a comenda do distrito e agora possa atuar sozinha.

— Nossa justiça precisa de bons profissionais, não acha?

— Ora, James, não sei por que está tão feliz com nossa filha. Desse jeito, ela, dificilmente, se casará com um bom homem.

A mãe de Margareth Blindwar não estava tão satisfeita como o pai.  O senhor James Blindwar fez questão de fazer uma festa para brindar a conquista da filha; no entanto, não era apreciado, inteiramente, pela senhora Daisy, sua esposa.

— Por favor, Daisy! Não vamos discutir na frente dos convidados.

A senhora Blindwar se calou, exercendo a sua função de anfitriã.

— Venha, minha menina. Meg está ansiosa pela sua presença e mesmo que eu não concorde com o que ela faz, esta festa é para ela. Ela está tão feliz…

A anfitriã rebocou Elizabeth pelo braço, entrando na casa. Não parava de falar o quanto estava preocupada com as atitudes da filha, entretanto, a detetive particular deixou de ouvi-la, após ver Meg entre os convivas. Ela estava maravilhosa!

A luminosidade do sorriso da recente amiga paralisou Elizabeth. Poderia ficar a noite toda, somente observando os gestos delicados, a silhueta acentuada pelo vestido justo-longo, de cor creme brilhante.

Meg avistou Elizabeth e sorriu abertamente. Caminhou em direção a ela e, antes que chegasse perto, pegou duas taças de champagne da bandeja de um dos garçons que circulavam pela sala.

— Bom, deixarei vocês, jovens, conversando. Vou receber o restante dos convidados na porta. – Virou-se para Elizabeth. −  Coloque algum senso na cabeça dessa menina. Do jeito que ela vai, não se casará nunca!

Saiu para deixar que a filha ficasse por conta da convidada.

Meg estendeu a taça de champagne para a detetive particular, que a pegou, tilintando no copo da anfitriã.

— Parabéns pela conquista, Detetive Blindwar!

— Obrigada, mas sinto que tive uma ajuda nisso. Não foi somente pelo caso que solucionamos. Como fez isso, Beth?

Elizabeth Evernood sorriu suave, voltando-se para uma certa senhora que estava conversando com outras socialites.

— Digamos que tenho bons contatos.

Meg acompanhou o olhar da detetive particular vendo, exatamente, a quem ela observava no grupo de mulheres.

— Conhece a esposa do prefeito?

— Ela era amiga de minha mãe, antes mesmo de ser mulher do prefeito. Quando retornei, foi a primeira visita que recebi em minha casa. Acabamos nos tornando amigas, também. Aquele dia em que Catley morreu, ela e o marido iriam na minha casa, jogar conosco, porém o prefeito Cavenor recebeu uma chamada da central. Não puderam comparecer.

— Ele foi avisado da morte de Catley… – Meg presumiu.

— Sim, mas nós ainda não sabíamos.

— Então, eles também eram amigos de Catley. – Meg suspirou. – Vamos ao jardim, pois quero fumar e minha mãe fica me controlando.

Margareth puxou Elizabeth para o jardim. Foi até uma caixa de cigarros, deixada sobre uma das mesas de visita, pegou um cigarro, encaixou-o em uma piteira e o acendeu.

— Estou me sentindo manipulada. Como se nada do que fiz foi por mim mesma.

— Bobagem. A única coisa que ocorreu, foi você e eu termos solucionado um crime. O fato do prefeito ter utilizado isso para abrir um distrito para crimes graves, foi consequência. Ele não gostava do jeito com que a polícia estava lidando com esses crimes e conhecia os vícios da corporação.

— Como assim?

— Lembra do assassinato do estivador no ano passado?

— Sim, lembro.  

— A polícia não deu a mínima e o homem quase saiu ileso, se não fosse por você. O fato é que, se o assassinato ocorre em áreas pobres, a polícia não se esforça. Hoje, há crimes em todas essas áreas da cidade que, supostamente, as classes abastadas não frequentam e a maioria é arquivada. O prefeito Cavenor quer acabar com essa indiferença.

— Entendo. Ele queria um bom motivo para abrir o novo departamento e nós demos a ele este motivo.

— Por que não fica alegre? Não trabalhará mais com Stain e seu comissário será o senhor Greendwish. Ele é um bom homem.

Margareth pitou seu cigarro e riu de lado.

— Stain esperneou, quando fui escolhida para o novo departamento e ele não.

— Quem manda ficar sob as saias de uma mulher competente!

As duas gargalharam, prazenteiramente. Olharam-se, admirando uma a outra.

— Vamos, senhorita Evernood. Tem muita gente querendo conhecê-la melhor.

Margareth falou irônica, apagando o cigarro e trançando seu braço no da convidada.

— Está enganada, se acha que não conheço a maioria. Posso não ser uma mulher de frequentar muitas festas, mas convido a nata da cidade, constantemente, à minha casa, para jogos ou conversas informais. Você irá se admirar.

Elizabeth devolveu a ironia.

— Então, por que nunca fui convidada antes? Assim você me magoa.

Elizabeth riu aberto, acompanhando satisfeita a anfitriã. Era o início de uma grande amizade e quem saberia o que o destino reservava para elas?

Fim!

 

 

 

 

 



Notas:



O que achou deste história?

7 Respostas para 1 – Primeiro Caso: O Extirpador de Olhos

  1. Amei!!!! Estou sem palavras para elogiar…
    Simplesmente sou fascinada por histórias policiais, e policiais/detetives femininas então, me encanta, hehe..
    Esperando ansiosa pelo segundo caso!

    Que mente brilhante, Carol!
    Beijo

  2. Coisa bem no estilo inglês! Misterioso até certo ponto, com certo ar sensual futuro. Adorei! Ansiosa para o próximo e quando vai acontecer “as detetives”. Uau!

  3. Oieee
    PARA TUDO…AMAR É POUCO!!!
    1- Adoro estória DE época
    2- Adoro mistério
    3- Policial ENTAO!!..
    Que conto maravilhosooooo, eu quero muito mais!! Tava bom mesmo, degustei cada palavra…gente, nunca amei tanto um conto policial! Hahahahaha. Vc, assim como eu,
    como eu vê muito crinimal minds e NCSI?kkkkkkkkkkkkkk

    Cuide-se, senao teremos que contratar a dupla mais famosa : Evernood e Blindwar!! 😉

    Beijao

  4. Oie

    Olha quem está aqui, falei q o titulo tinha assustado, pensei mesmo q fosse de terror, mas qdo falaram POLICIAL não tinha como eu não ler.
    Um conto com a qualidade Carolina Bivard, adorei, mesmoooo…

    Parabéns Carol, ótimo, quero mais desta dupla.

    Bjs…

  5. Oh, leitura gostosa. Rs…

    Uma das minhas autoras preferidas, escrevendo um dos meus gêneros de leitura preferido.
    Que venha mais, muito mais, de Meg e Beth.

    Muita inspiração, Carol.

    Beijo grande e até o próximo.

  6. Amei, sim ou com certeza?! Caraca, mandou muito bem! Adorei o viés diferente dessa história, uma pegada de Sherlock Holmes, gosto bastante de histórias policiais e, saber que essa vai ter continuidade com as mocinhas desvendando crimes e tendo um envolvimento amoroso, ah, isso foi bom demais!

    Confesso que a palavra viés só me remete a um ser humano abominável que existe nesse país que habitamos, fiquei nervosa lendo, mas resolvi ser da zoeira e usar também! hahaha

    Bjãooooo e que venha o próximo crime a ser desvendado!

  7. Então o que falar sobre esse conto… ????
    Devo dizer que simplesmente é maravilhosa, sou muito fã da Agatha Christie assim super fã dos gêneros policiais.
    Sou mais sua fã agora. Kkkkkk
    Bjsss pra você e pra senhora bivard!

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