Os Estranhos Casos de Evernood & Blindwar

29 – Décimo Caso: Ex-Espiões Não Existem – Parte 4

Os Estranhos Casos de Evernood e Blindwar

Décimo Caso: Ex-Espiões Não Existem – Parte 4

Texto: Carolina Bivard

Revisão: Naty Souza e Nefer

Ilustração: Táttah Nascimento


No episódio anterior…

Evernood não precisou pensar muito; bateu forte com o bastão que carregava na cabeça do cativo, para desacordá-lo e correu em direção ao muro, sendo seguida por Margareth e Edwin. Os três detetives empunharam as suas pistolas e gritos e passos apressados eram ouvidos atrás deles. 

Os tiros começaram; entretanto, Edwin já havia escalado o muro e dava cobertura para as duas mulheres, atirando em quem aparecesse na sua linha de tiro. Evernood auxiliou Margareth a subir no muro e depois, Blindwar e Edwin auxiliaram a detetive particular a escalá-lo. Tudo aconteceu muito rápido. Os três pularam para o outro lado e correram pela rua, sumindo na escuridão da noite. 

Entraram em um terreno onde havia uma construção abandonada em ruínas. Tinham mapeado a fuga anteriormente, caso fossem descobertos. Ficaram em silêncio, durante algum tempo, para saber se alguém os havia  seguido. Uma hora se passou e souberam que estavam seguros.

— A escada foi um erro. – Blindwar falou. – Eles poderiam tê-la utilizado para nos perseguirem.

— Já discutimos isso, Meg. A escada era para se acaso conseguíssemos resgatar Durga. Ela poderia não conseguir pular o muro como nós. 

— Vamos para o hotel, meninas. – Edwin interrompeu a discussão. – Agora vamos para o próximo plano.


Parte 4 —  

Margareth ligou para Greendwish de manhã bem cedo. Era o único jeito de saberem se Dashwood havia se mobilizado com os “Federais” para impedir o assalto ao banco do Porto, após a denúncia anônima.

— Onde está, Blindwar? Há dias que não sei nada de você ou da missão de resgate.

— Desculpe-me, senhor. Mas com o que descobrimos, não havia tempo para entrar em contato.

— O que descobriram?

— Tenho pouco tempo e só posso dizer, por agora, que a Agência de Inteligência nos colocou numa situação delicada e que eles sabiam sobre a situação em si. Estavam nos manipulando.

Greendwish pensou um pouco e constatou que tinha mais confiança em sua investigadora do que naquele coordenador da Agência que conhecera brevemente.

— Pode falar, estou ouvindo.

— Estou na cidade do Porto…

— … Em Portugal?!

— Escute-me, senhor, não tenho tempo para explicações. Se retornar com vida, explicarei toda a minha ação pessoalmente.

Aquela frase assustou o comissário. Algo perigoso estava acontecendo com a sua investigadora e, se a conhecia bem, sabia ser verdade e não um chilique qualquer de mulher. Embora Greendwish fizesse parte das rodas da cúpula de segurança e soubesse o quanto o parlamento desaprovava mulheres na polícia, intimamente não concordava com esse pensamento. Gostava de Blindwar e aprendera a respeitar a sua competência e honestidade. Se preocupava com ela.

— Então, fale logo.

— Peço ao senhor que, de forma nenhuma, fale para alguém da Agência meu paradeiro ou que eu o contatei.

— Isso é fácil. O que mais?

— Quero saber se Dashwood recebeu uma ligação anônima sobre a ação do assalto de bancos e qual foi a atitude que ele tomou.

O comissário imediatamente fez a relação da informação anônima e do local em que a detetive Blindwar estava.

— Ele e Reynold contataram os Federais e eles já enviaram uma força internacional para a cidade do Porto. Parece que policiais federais de Portugal, Eha e França estarão à espreita no banco da cidade, quando o assalto ocorrer. Nós não mandamos ninguém, pois poderíamos não chegar a tempo.

— Obrigada pela informação, senhor. Se tudo correr bem, retornaremos sãos e salvos na companhia de nossa vítima. Até mais!

Blindwar desligou sem dar chances para que Greendwish fizesse mais perguntas. Sabia que depois ouviria um sermão, mas também sabia que ele entenderia a sua ação e a apoiaria. Mais do que ser desrespeitado, odiava ser enganado e passado para trás.

Do outro lado da linha, Greendwish olhava para o telefone aturdido. Estava com raiva. Percebeu que a Agência de Inteligência não contara tudo sobre o que sabiam a respeito daquele caso e, pior, havia colocado a sua investigadora em perigo.

— Está indo tudo como planejamos. A força tarefa de polícia internacional estará no roubo ao banco com policiais de Portugal, Eha e França.

Margareth contou aos amigos que relaxaram diante da informação. Blindwar contou tudo sobre a conversa que teve com Greendwish, assim que entrou na suíte do hotel, onde Evernood e Edwin a esperavam.

— Acham que, após nosso ataque não vão desistir de assaltarem, ou mesmo mudarem o local de esconderijo?

— Duvido muito, Meg. É a chance do White Power conseguir todos os recursos para pagarem por um atentado ao Congresso e, com a morte de Durga Quazi, também conseguem malograr um acordo com a Índia.

— Eles matariam dois coelhos com um só golpe. – Edwin completou o pensamento de Evernood. – Porém, tomarão mais cuidado e até poderão mudar algo do plano. Reforçarão a vigilância da propriedade até saírem para o assalto.

— Certamente que farão, Edwin. Por isso fizemos os planos de contingência. Tem certeza de que o homem que colocou para vigiar o cativeiro fará o trabalho corretamente?

— O meu contato não colocaria ninguém duvidoso para o serviço. É a reputação dele que está em jogo também. Se algo sair fora dos planos, tenha certeza de que nos avisarão, Beth.

— A única coisa que não compreendo é, por que fariam essa ação aqui na cidade do Porto? Existem cidades maiores, cujos bancos devem ter mais dinheiro no cofre. – Blindwar especulou, cismada. –  Seria somente por ser uma cidade pacata de fácil acesso?

Evernood fixou o olhar no rosto da namorada. Sua expressão estava séria. Levantou de súbito se dirigindo à porta.

— Me esperem aqui, acho que deixamos passar algo importante.

Ela saiu, causando eto nos dois companheiros de empreitada. Meia hora mais tarde, a detetive de polícia retornava.

— Fale logo, Beth! Por que saiu às pressas? Onde você foi?

Elizabeth se aproximou da namorada, dando-lhe um beijo no topo da cabeça. Ela não era dada a demonstrações de carinho em frente a outra pessoa, mesmo que fosse seu fiel amigo, no entanto, não pôde se conter na alegria do que descobrira, devido a observação de Margareth.

— Você estava certa, Meg, e não percebemos uma informação importantíssima.

— E o que é exatamente? – Edwin perguntou, agoniado.

— Eles optaram por roubar o banco daqui porque, além da cidade ser pacata, uma vez por mês envia o saldo excedente para o banco central de Lisboa.

— Deixe-me adivinhar. Amanhã será esse dia. – Margareth falou. – E você fez uma ligação para Fernandes, no intuito de obter informações.

— Graças ao seu questionamento, Meg. – Elizabeth sorriu. – Perguntei a ele as informações que poderia me dar sobre o banco para dia de amanhã. Se havia algo diferente nas transações.

— E ele sabia lhe dar essa informação, sem nenhuma pesquisa prévia? – Edwin perguntou intrigado.

— Ele me falou que a única coisa que sabia é que, ao final de todo mês, o banco faz esse tipo de transação. Fora isso, disse-me que tentaria pesquisar mais. Eu posso estar enganada, mas acredito que seja por isso que escolheram esse banco e o dia de amanhã.

— Então, o assalto pode não ser ao banco em si, e sim, ao carro que levará o dinheiro para Lisboa? E se a ação deles for fora da cidade?

— Sei que será no banco, pois escutei parte da conversa quando me infiltrei no cativeiro, Meg. – Edwin afirmou.

— Concordo em parte com você, Edwin. – Elizabeth o interrompeu. – Porém acredito que eles não entrarão no banco. Escutem-me e vejam se concordam…

Haviam conseguido um carro com seus contatos, e estava pronto desde que planejaram o resgate Aquela investida de Edwin no cativeiro assim que chegaram ao Porto, rendeu boas informações, inclusive o tipo de automóvel que os bandidos utilizavam.   

Não era novidade ver o mordomo-espião vestido em terno escuro e chapéu, porém, Elizabeth ver Margareth em terno  de corte masculino e chapéu, a fez sorrir. O cabelo se escondia por baixo do chapéu, preso por grampos e alinhados com pasta de goma. Já o rosto, estava completamente livre de maquiagem, sendo o único arranjo, as sobrancelhas espessadas por um lápis de olho. 

— Algum dia achou que se vestiria assim? – Evernood chacoteou, ao vê-la.

— Não, entretanto não penso em me vestir assim em outras ocasiões. Estou me sentindo um etalho! Pare de broma comigo. Vamos! – Blindwar retrucou a namorada. – Temos muito trabalho a fazer e, se Deus quiser, estaremos a caminho de casa hoje mesmo.

Evernood riu com gosto, acompanhando a namorada. Ela já se acostumara a esse tipo de disfarce e não se incomodava mais em andar transformada em homem.

— Não rebole tanto ao andar, Meg. Embora eu goste, não seria prudente que fosse identificada como pederasta.

Margareth bufou, revirando os olhos, tentando andar mais contida. Desta vez, Evernood conteve o riso para não aborrecer mais a namorada. Implicava com ela, não para chateá-la, e sim, porque era seu jeito quando gostava muito de alguém; e ela amava demais Margareth Blindwar.

A detetive de polícia tomou o assento do motorista do automóvel, enquanto Evernood se posicionou atrás e Edwin na frente, ao lado de Margareth. Se tudo saísse como planejado, à noite já estariam na estação de trem de Vigo, na Eha, para retornarem levando de volta Durga Quazi com eles.

Foram discretos ao estacionar em uma das ruas adjacentes à saída da ponte que ligava Vila Nova de Gaia à cidade do Porto, onde os bandidos teriam que passar obrigatoriamente.

Antes de sair do carro, Edwin conferiu a sua pistola, guardando-a logo a seguir, no coldre escondido pelo paletó. Atravessou a ponte, rumo à direção do cativeiro. Àquela hora, após o almoço, a cidade estava mais calma, contudo, havia transeuntes admirando a paisagem, ou mesmo, caminhando por conta do comércio. Edwin entremeou-se aos passantes, sem que levantasse qualquer suspeita.

Haviam chegado cedo e tinham se passado mais de quarenta minutos desde que Edwin saíra. A ansiedade tomava conta de Margareth e Evernood conseguia “respirar” o nervosismo.

— Calma, Meg. Não adianta se antecipar. Nós temos duas saídas simples, e você sabe. Tudo dependerá em esperar que eles passem por aqui.

— Se não passarem, perderemos Durga Quazi e não saberemos o que aconteceu com Edwin.

— Se não passarem, a vida de uma mulher estará perdida, mas não por falta de nossos esforços. Não podemos controlar isso, porém, podemos controlar nossas ações, caso eles sigam com o plano deles.

Evernood segurou a mão de Margareth, acalmando-a. A detetive de polícia inspirou fundo, soltando o ar a seguir. O plano, o papel que tinham que desempenhar, nada disso a enervava. Ela sabia o que queria e o que deveria fazer, mas a espera… Essa era sua pior inimiga.

— São eles!

Evernood falou, pegando um pequeno binóculo para observar para além da ponte.

— Me passe o binóculo. Deixe-me ver, Beth.

— Não há tempo, Meg. Ligue o carro, pois se eu conseguir ver Edwin na condução de um dos automóveis, você terá que agir rápido para acompanharmos.

Margareth atendeu a namorada de imediato. Teria que ficar alerta, pois não era exímia motorista, no entanto Elizabeth teria que estar liberada para o que sucederia no resgate à Durga Quazi. Sabia que esse era o papel de Evernood. Identificar e dar o sinal para que ela pudesse agir. A euforia a inundou como se corresse através das veias, deixando-a atenta.

— Estão se aproximando. Os automóveis passarão por nós. – Elizabeth anunciou. – Edwin conseguiu, vamos!

Evernood pulou para o banco detrás. A sincronia foi perfeita. Enquanto Edwin virava o carro numa rua à esquerda, Margareth se dirigia para encaixar o automóvel em que elas estavam no espaço que o amigo-espião deixou, completando a fila de carros.

Eram três automóveis que se dirigiam ao Banco Central do Porto e o delas era o último. Dificilmente, os bandidos conseguiriam perceber, até que chegassem ao local, visto que o retrovisor não dava uma visão nítida dos ocupantes dos automóveis. Os assaltantes-sequestradores foram espertos e usavam carros novos, equipados com o tal retrovisor. Aparato novo que consistia em um espelho preso em um suporte na carenagem no centro do parabrisas, possibilitando a visão dos carros que vinham atrás.    

 Elas teriam que tomar decisões cruciais ao chegarem, pois não saberiam os passos dos assaltantes, enquanto não se aproximassem do banco.

— Estamos perto. Diminua um pouco a velocidade para nos distanciarmos.

— Não podemos fazer isso, Beth. Eles podem se alertar. – Margareth respondeu preocupada.

— Tente fazer aos poucos, na medida em que veja que eles estão reduzindo a velocidade. Não sabemos se pararão na frente do banco, ou irão mais adiante, de onde sai o carro do transporte de dinheiro.

— Ok.

A resposta da detetive de polícia foi curta e compenetrada, dando tranquilidade para a ex-espiã, que já se posicionava para olhar a redondeza, de posse de sua pistola. À medida que se aproximavam, Evernood observava minuciosamente cada ruela, caminho ou mesmo prédios ao redor, tentando saber se a força da polícia federal internacional estava de tocaia, esperando os assaltantes de banco.

— Plano em andamento, Meg. Eles estão aqui.

O coração de Blindwar acelerou. Ela tinha que desacelerar um pouco, para manter certa distância, até que os bandidos parassem, entretanto ela não poderia parar completamente. Teria que passar pelos carros dos sequestradores e assaltantes, depois que eles saíssem dos automóveis. Parecia que o tempo reduzira o seu ritmo. Ela via as pessoas passarem nas calçadas como se estivessem arrebatadas por uma lentidão incomum.

— Eles pararam e os integrantes do automóvel da frente já saíram. Estão armados. Acelere e passe por eles, Meg!

Blindwar acelerou, desviando dos outros automóveis. Evernood disparou um tiro certeiro na roda do automóvel que estava ligeiramente à frente do carro delas e, depois, na roda do outro, cujos bandidos já haviam saído e esperavam que seus companheiros fizessem o mesmo.

Não tiveram tempo para que vissem o desfecho da ação que desencadearam e somente ouviam barulhos de tiros disparados. Aos poucos, os sons ficaram para trás e, quando conseguiram chegar à estrada, não escutaram mais nada. Saberiam se haviam acertado no plano, somente quando chegassem à cidade de Vigo e pudessem ler as notícias nos jornais.

Haviam retornado em uma rua e pegaram a direção da ponte de volta a Vila Nova de Gaia, para depois seguirem em direção à Lisboa. Ainda escutavam os tiros ao longe. Era o que esperavam que ocorresse, se o plano que fizeram funcionasse. Entretanto, Evernood era a pessoa da vigia e proteção e não relaxou, observando todos os movimentos ao redor, caso alguém da polícia federal internacional tivesse se atinado a tempo de perseguí-las na fuga.

Enfim, estavam na pista em direção à Lisboa e conseguiram parar numa estrada de terra adjacente à principal, onde deixariam o carro, trocariam de roupas e retornariam em direção a Vigo.

O automóvel de outra marca, que o contato de Edwin tinha deixando no local, estava completo com as roupas e armas. Pegaram suas bolsas, transferiram para o novo carro e se trocaram. Retornaram pela estrada indo em direção ao norte, em direção a Eha.

Chegaram a Vigo e conseguiram deixar o carro no local combinado para escondê-lo e depois, foram direto para a estação de trem.

— Deus! Por que não passamos esta noite aqui? Estou exausta!

Margareth exortou, passando a mão pelos cabelos. Eles estavam engordurados da goma que passara para se disfarçar e agora, se encontravam empoeirados da estrada.

— Porque queremos passar as fronteiras, antes que coloquem todas elas vigiadas. Além do que, ainda temos que encontrar Edwin aqui e ver se ele está com Durga Quazi. Esqueceu-se de que se ele não conseguisse tomar o lugar do motorista que a levava, não saberíamos até chegar aqui?

— Eu sei! Eu sei… Nós apenas presumimos que ela estivesse no último automóvel e teríamos que seguir o plano. Só estou cansada e… engomada.

Margareth respondeu, ainda mexendo em seu cabelo que nada combinava com as roupas que usava. Elizabeth sorriu, mas não implicou com a vaidade da namorada.

— Concordo que nosso cabelo está pegajoso, mas poderemos dar um jeitinho no trem. Vamos ver se nossas passagens estão no guichê. Se estiverem, encontraremos Edwin lá dentro.

Foram ao balcão de passagens e mostraram seus passaportes. Evidentemente eram falsos. Entrariam com os originais, somente na aduana de seu país. A moça do guichê olhou e procurou passagens pré-pagas. Ela devolveu os documentos com as duas passagens.

— Tenham uma boa viagem, senhoritas.

Embora fosse educada, Blindwar não pôde deixar de perceber certo desprezo no olhar. Era compreensível, já que as duas se trajavam com vestidos extremamente amassados e seus cabelos estavam alvoroçados com aparência de sujos.

— Vamos entrar logo nesse trem. Ainda bem que não me impediu de trazer minha mala. Odiaria não poder trocar de roupa e me lavar.

— Mesmo que Edwin tenha comprado uma cabine na primeira classe, Meg, lembre-se que não há chuveiro no comboio. Há somente um lavabo.

— Sei bem como os trens são, Beth. Não precisa chacotear. Qual o problema de me sentir suja?

— Nenhum. – Evernood riu com gosto. – Vamos nos adiantar, pois chegamos próximo à hora de embarque e assim poderá se compor.

As brincadeiras entre Evernood e sua namorada a distraiam, entretanto, ela também estava cansada e louca para relaxar um pouco. Aquele tipo de tensão já não a atraía como outrora. Reparou em Margareth entregando o passaporte e o cartão de embarque para o fiscal do vagão.

Não preciso mais disso em minha vida.

Ela almejava estar com Margareth em sua vida, longe daqueles grandes perigos. Desejava uma vida sem tanta intensidade.

Acomodaram-se na cabine e agradeceu mentalmente a seu fiel amigo por ter comprado a passagem na classe especial. Relaxaria um pouco após o trem começar a viagem, porém, também tentaria se limpar e trocar de roupas, para uma mais confortável e limpa.

Após duas horas de viagem, estavam descansando quando escutaram batidas na porta. Era Edwin, pois as batidas eram um código. Mesmo assim, Elizabeth pediu que Margareth abrisse, enquanto ela segurava sua pistola encoberta por um lenço para não deixá-la à mostra.

Margareth abriu devagar, espiando pela fresta antes de abrir totalmente. Edwin entrou sozinho.

— E então? Está com a menina? tudo correu bem? – Evernood perguntou, com certa apreensão.

— Claro que deu certo! Achava que eu não conseguiria? – Edwin perguntou orgulhoso e com um grande sorriso.

— Está ficando metido demais, senhor Edwin.

Elizabeth implicou com o amigo, rindo. Ele estava mudando suas atitudes e Evernood gostava do que via. Estava mais relaxado com ela e parecia que recuperava a sua jovialidade.

Pelo visto, a doutora Lister está trazendo você de volta para a vida, John.

Elizabeth pensou.

— Ela está na sua cabine?

— Está sim, Meg. Entretanto, ela está muito assustada. A garota ficou traumatizada e acredito ser melhor que uma de vocês vá lá para acalmá-la. Ela não ficará confortável comigo por perto.

— Eu vou. Assim explico o que está acontecendo e me apresento como detetive de polícia.

— Está bem, Meg. Sugiro que fique até o fim da viagem na cabine com ela e Edwin aqui comigo. A cultura indiana é muito diferente da nossa e acredito que ela ficará mais à vontade com uma mulher presente.

— Concordo. – Margareth respondeu, voltando-se para Edwin. – Em qual cabine está?

— Aqui ao lado. – Apontou para o lado esquerdo dele.

Ela pegou seus pertences e se despediu dos dois. Estava aflita para ver a garota e, ao mesmo tempo, feliz que a levaria de volta para casa. Se despediu e saiu.

Bateu na porta, porém, quando a porta se abriu teve que se esquivar, pois a garota tentou empurrá-la assim que ela entrou. Apesar de ter aberto a porta, a moça estava na defensiva e muito assustada.  Blindwar deixou sua maleta cair, segurando os braços da menina.

— Tenha calma, Durga! Sou da polícia! Estamos aqui para levá-la para casa. Foi seu pai quem nos contatou para resgatá-la.

A menina parou de se debater e a detetive de polícia continuou a explicar:

— Se me deixar pegar meu distintivo na maleta, poderei provar o que falo.

A menina deixou de fazer força e, aos poucos, Blindwar foi afrouxando as mãos que seguravam-na com vigor. Soltou-a e a garota se sentou numa das camas. Ela abriu sua maleta e retirou de dentro de um forro camuflado o distintivo, dando-a para Durga Quazi. Ela se tranquilizou.

— Então, aquele rapaz que me trouxe dizia a verdade?

— Sim, ele está conosco, mas serei eu quem ficará aqui na cabine com você, até chegarmos.

Mesmo que as informações alentassem a garota, ela tremia.

— Eles disseram que me matariam… Me falaram várias vezes. Me falaram coisas horríveis!

— Fizeram algo com você?

Margareth perguntou receosa, revoltada e enojada, ao mesmo tempo.

— Não. Pelo menos, não isso que está pensando… Me bateram umas duas vezes porque tentei escapar.

Margareth se sentou ao lado dela e pegou em sua mão para passar-lhe alguma serenidade. Sua pele era morena e seus olhos negros, assim como os cabelos lisos e grossos. Ela estava maltratada, despenteada e com as roupas sujas. Margareth sentia pena, pensando no pavor que a menina devia ter passado. Resolveu animá-la.

Levantou-se e abriu sua maleta. Ainda tinha um vestido limpo, e vasculhou para ver se encontrava o seu cachecol. Poderia não ser o tipo de véu que as indianas usavam, costumeiramente, porém, acreditava que ela gostaria de se limpar e trocar suas roupas por algo asseado.

— Vamos.

— Para onde? – A garota perguntou.

— Para o toilette. Tem que se limpar e trocar essa roupa suja.

Estendeu o vestido e o cachecol. Durga Quazi sorriu. Nada mais lhe faria feliz do que tirar um pouco daquela imundície do corpo. Levantou-se, pegando as roupas das mãos “daquela moça gentil e simpática” e a acompanhou para fora da cabine.

Enquanto a filha do pacifista se ajeitava, Margareth foi ver os amigos. Gostaria de saber se tinham alguma notícia do ocorrido com os extremistas.

— Ainda não temos notícias, Meg. Provavelmente, saberemos na próxima parada, pois é o horário em que os jornais da manhã começam a circular. – Elizabeth lhe respondeu, com um certo tom de curiosidade, também. – Arrume alguma comida para ela no vagão do restaurante e faça-a dormir. Provavelmente, ela não come e não dorme direito desde que foi raptada. Quer que Edwin a acompanhe?

— Não. Ela se assustou com Edwin, mesmo falando que ele é um dos nossos. Vamos deixá-la dormir primeiro para apresentá-lo formalmente. Serei discreta e ficarei atenta, na hora de pegar a comida.

Após ter descansado, Durga Quazi se sentiu mais à vontade, até mesmo com Edwin, e o restante da viagem foi num clima tranquilo, embora nenhum dos agentes-detetives relaxassem até chegarem ao seu destino final.

Assim que o carro parou na frente da casa de Raj Quazi, a garota saiu do automóvel às pressas e correu em direção à casa, abrindo a porta, entrando como um furacão. Evernood e Blindwar saíram calmamente. Sabiam que encontrariam, não só o pai de Durga Quazi, como também Greendwish e o coordenador regional da Agência.

Assim que saíram do veículo, as duas olharam para o jardim, próximo ao chafariz e viram Stevens apoiado na mureta, fumando um cigarro. Ele as olhou, tentando transparecer indiferença, contudo, conseguiram divisar um leve sorriso sarcástico no rosto, que virou para o lado, a fim de escondê-lo.

Dirigiram-se para a mansão Quazi, e o mordomo as recepcionava para conduzí-las à sala de visitas, que estava aberta e, antes de entrarem, puderam ver, não somente Raj Quazi, como a esposa dele a abraçar a filha.

A sala estava diferente de quando Margareth esteve na casa da primeira vez. Parecia que haviam colocado diversos artigos de decoração tais como, vasos ornamentados e baús tão dourados que pareciam até mesmo feitos em ouro. A detetive se impressionou com o tipo de arranjo e ostentação. Ao gosto dela era um tanto exagerado, contudo, entendia que aquela cultura era bem diferente da sua.

Elas também repararam em Greendwish levantando-se para recepcioná-las. Ele foi até as duas detetives, estendendo a mão, antes mesmo que elas entrassem.

— Entrem, entrem! Bom trabalho! – Falou em voz alta, sorrindo. – Coloquem esse homem no lugar dele. – Sussurrou somente para que elas duas escutassem.

Blindwar pôde ver pela expressão do seu chefe que ele estava a ponto de explodir. A detetive de polícia não sabia exatamente o que havia acontecido, porém, imaginava que o coordenador da Agência puxava o mérito da solução do caso para a Inteligência, pois esse era um dos pontos que Evernood sempre reforçava em suas críticas à Agência.

— Pode deixar, senhor. Sei exatamente o que devo dizer.

Blindwar o respondeu aos sussurros também, antes de entrar na sala. Olhou de esguelha para sua namorada e viu em seu rosto a fisionomia da satisfação.

— São elas, papai! Elas e um senhor distinto que trabalha com elas que me salvaram!

Durga Quazi exclamou emocionada, ainda nos braços dos pais, apontando para as duas. Evernood reparou no incômodo do coordenador Clinton da Agência de Inteligência, ao escutar a filha do pacifista reconhecê-las como as verdadeiras salvadoras. Antes que pudesse interceder em prol da Agência, Elizabeth se adiantou, cumprimentando o pai da garota.

— Me chamo Elizabeth Evernood e a Agência me contratou para trabalhar juntamente com a detetive Blindwar para resgatar sua filha. – Estendeu-lhe a mão. – Sou detetive particular e já trabalhei com a Inteligência anteriormente, porém, muito me agradou me juntar à polícia para salvar sua filha das garras dos assaltantes de banco. Confesso que o apoio de nossa segurança pública me impressionou muito. O comissário Greendwish deu a nós um grande suporte, quando mais precisamos.

Ela olhou o senhor Clinton de esguelha e via a contrariedade em seu semblante.

— Por que esses homens quiseram sequestrar a minha filha? Minha luta é pacífica e não tenho qualquer negócio ou dinheiro guardado aqui no país. Tudo que tenho aqui, é esta casa. É onde venho quando estou em missão diplomática, e é onde minha filha vive. Além disso, não tenho mais nada.

O coordenador Clinton fez menção em falar, no entanto, Blindwar se apressou, impedindo-o novamente.

— Eles não eram somente assaltantes. – Ela encarou o coordenador da Agência. – Sinto muito que a segurança de nosso país tenha falhado e proporcionado à sua família esta desventura. Quando eu e a senhorita Evernood começamos a investigar, descobrimos que os assaltantes de banco nada mais eram do que extremistas-nacionalistas que roubavam para dar um grande golpe nos governos.

Novamente ela pausou na fala para encarar o coordenador da Agência, mostrando a ele que sabia do jogo que fizeram com a vida da garota. Voltou a contar a sua história.

— Eles utilizariam o dinheiro para pagar terroristas para explodir o congresso de vários países. Sua filha foi um alvo para eles, no intuito de demonstrar a força que tinham.

— Graças a Deus, os detetives de minha comissaria fazem parte da força tarefa federal. – Greendwish se apressou a falar. – A detetive Blindwar, assim que descobriu, me comunicou e eu acionei meus outros detetives. Desta forma, ela pôde salvar sua filha, deixando que a polícia internacional prendesse os sequestradores.

As duas detetives sorriram e o pacifista as convidou para um almoço no dia seguinte, causando aborrecimento ao coordenador Clinton da Agência de Inteligência. Greendwish sorria, sem conseguir conter seu bom humor e havia um motivo para a reação dele.

A prisão dos assaltantes aos bancos, que atuavam em vários países, agitava todos os jornais com inúmeras informações, contudo todas traziam um mesmo relato: a força tarefa de polícia criada por diversos países foi quem solucionou o caso. Em meio aos informes, outra coisa em comum os ligava: a polícia federal, juntamente com os dois detetives da Crimes Graves da capital, foram os responsáveis pelas informações de onde os assaltantes iriam atuar.

Assim que as detetives e o comissário saíram da mansão de Raj Quazi, Greendwish as agradeceu.

— Vocês são boas juntas. – Ele olhou para a sua detetive de polícia. – Obrigado, Blindwar. Você é uma detetive competente, diferente de muitos que conheço. Sei que, muitas vezes, sou difícil, mas tenha paciência. Temos que mudar a mente das pessoas, aos poucos. Além do mais, este foi um trabalho do qual não poderemos falar, nem para os nossos companheiros do departamento.

— Eu compreendo, senhor. Seu elogio à mim, neste trabalho, já me basta. Além do mais, detesto que tirem vantagem em algo que não tem mérito. A Agência de Inteligência quis nos manipular e é algo que não tolero.

Ela olhou para Evernood. Queria ver o que a namorada falaria.

— Sempre que precisar em situações como essa, pode contar comigo, Greendwish. Ao contrário de vocês, amo um bom desafio.

O comissário sorriu de lado, colocou um cigarro na boca e se despediu, entrando em seu automóvel.

  As duas chegaram ao pub e quartel general para se encontrarem com Edwin. Havia uma mesa posta com iguarias e uma garrafa de scotch. O mordomo-detetive já levava na mão um copo e se deliciava com a bebida.

— Como foi?

Evernood retirou suas luvas, jogando-as sobre o balcão do bar, se adiantando para servir à ela e à namorada com uma dose da bebida.

— Esse novo coordenador da Agência não é muito diferente dos outros. – Respondeu ao amigo. – Entretanto, acredito que pensará duas vezes antes de querer nos enganar novamente.

— No mais, – Margareth complementou a fala da namorada – ele não teve como tirar vantagem de nós, junto à família Quazi.

As duas se sentaram, acompanhando o amigo junto à mesa e começaram a comer displicentemente alguns petiscos. Edwin rondava o copo nas mãos, com o olhar disperso.

— Não nos livraremos deles, Beth. Sabe disso, não é?

Evernood suspirou, um tanto desanimada. Compreendia o que o amigo falava.

— Sinto muito tê-los trazidos de volta à sua vida, John.

— Não sinta. A culpa não é sua. Depois da guerra, eu me transformei em John Edwin, mas você não tinha opções. Elizabeth Evernood sempre foi e sempre será Elizabeth Evernood. Quando resolvi ficar aqui com você, eu sabia disso. – Ele também suspirou, resignado. – Não tem importância. Quantas vezes a Agência vier atrás de nós, tantas outras nós os colocaremos no lugar deles.

Edwin elevou seu copo e as duas amigas tocaram em um brinde, fazendo um pacto silencioso.

O fim de semana chegou e era a oportunidade perfeita para que elas ficassem juntas, após tantas semanas distantes, bem como a tensão da missão junto à Agência. 

Violet, a empregada da casa de campo, ficara feliz com a chegada das duas para o fim de semana. Há tempos, cuidava da casa sem que sua patroa a desfrutasse.

Evernood e Margareth jantaram um delicioso assado de pernil e, logo depois do jantar, dispensaram a garota, para que ela fosse para casa descansar. Não queria pensar em outra coisa a não ser ter a namorada em seus braços, com tranquilidade e sem interferências. Não levou muito tempo para que se recolhessem ao aconchego do quarto.

Assim que entraram, Elizabeth abraçou a detetive pela cintura, puxando de encontro ao seu corpo. Beijou-a com saudade e paixão, sendo retribuída com igual ardor. As mãos acariciavam-se mutuamente, na tentativa de se livrarem das vestes inconvenientes que teimavam em afastar o contato de seus corpos.

— Você estava planejando isso, não é?

Margareth falou roucamente entre os beijos e os carinhos que a boca de sua amada fazia, alternando entre seus lábios, pescoço e seios.

— Me condenará por este ardil?

A espiã perguntou pouco antes de beijar o mamilo que começou a aparecer enquanto abria a roupa íntima da detetive. Incentivou-se mais a retirar o restante, após escutar um gemido rouco que estimulou sua libido.

— Não… – A resposta saiu abafada. – Quem sou eu para condenar algo tão maravilhoso?…

O final de semana para elas estava somente iniciando.

Fim.


Nota: 

  1. Pederasta – Termo utilizado antigamente para designar homossexuais masculinos de forma pejorativa. Fonte: https://www.sinonimos.com.br/pederasta/ 
  2. Pessoal, atrasei um dia, porém acredito que valeu à pena. Como prometido, capítulo maior que o anterior e chegamos ao final de mais uma aventura dessas duas detetives queridas. Elas demorarão um pouco para retornar desta vez, mas acreditem; virão mais aventuras!

Um beijão!

Ps.: Não esqueçam de deixar a opinião de vocês!



Notas:



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7 Respostas para 29 – Décimo Caso: Ex-Espiões Não Existem – Parte 4

  1. Sempre vale a pena a espera por mais uma parte ou caso dessas duas e seus amigos. Como são inteligentes!!!! Beth, apesar de ter tido um passado sofrido por ter perdido os pais, é uma mulher de sorte, conquistou o amor da querida e vaidosa Margareth e tem em Edwin um amigo irmão mais que fiel.

    Beijo, Carol!
    Demora muito não!

  2. Extraordinário amo a sincronia delas em tudo e Meg não demora estará uma espiã tão TOP quanto Beth e que Edwin daqui pra frente também tenha um pouquinho da felicidade que alas tem

  3. Ação cronometrada perfeitamente!
    Calaram a boca do enganador da Agência e salvaram a garota e
    as relações internacionais. Querer mais o que né!
    Bjs
    Ah sim, não esqueci do Edwin que merece ser feliz! rsrsrs

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