Os Estranhos Casos de Evernood & Blindwar

26 – Décimo Caso: Ex-Espiões Não Existem – Parte 1

Os Estranhos Casos de Evernood e Blindwar

Décimo Caso: Ex-Espiões Não Existem – Parte 1

Texto: Carolina Bivard

Revisão: Naty Souza e Nefer

Ilustração: Táttah Nacimento


Parte 1

Há quase um ano havia ocorrido o assalto ao Banco Nacional e, mesmo com a secretaria de segurança tendo assumido o caso, nada de novo ocorrera. Sabiam que os ladrões assaltaram bancos em outros países e, agora, os agentes federais operavam em conjunto com estas federações, e também com os detetives do departamento naquela investigação. Todos os investigadores iniciais trabalhavam numa ajuda conjunta para pegar a quadrilha de assaltantes. 

Evernood havia viajado para a cidade em que cresceu, pois seu tio estava doente e pediu para que ela o ajudasse no gerenciamento da pequena manufatura de utensílios domésticos da qual era proprietário. A fábrica de pequeno porte produzia panelas, talheres e outros implementos como conchas e escumadeiras. 

Margareth tinha saudades da namorada. Tentavam se falar todos os dias, todavia sentia falta de ir à casa dela, ou de simplesmente almoçarem em um restaurante qualquer. A Crimes Graves estava sem nenhuma investigação importante e os dias pareciam morosos, sem a presença da detetive particular.

A policial olhou a hora e passava do meio-dia. Pegou a bolsa, trancou suas gavetas e levantou-se para sair. 

— Vai almoçar em casa, Blindwar?

— Acho que sim, Reynold. Vocês estão trabalhando com os federais e não temos nenhum caso. Posso me demorar mais um pouco.

Os seus colegas de trabalho se despediram e ela se foi. Enquanto saía do prédio, pensava que era estranho o fato de Reynold nunca tocar no nome da legista, após a briga deles. 

Ele não devia ser apaixonado. Se fosse, não aguentaria um minuto longe dela. 

Margareth divagava sobre os sentimentos do colega, comparando aos seus. Ela se sentia fora do prumo com a distância de Elizabeth.

Caminhava pela calçada e, sem perceber, tinha se direcionado no sentido contrário à sua casa, culminando com a chegada em frente a um restaurante italiano que, de tempos em tempos, frequentava com a namorada. Abanou a cabeça indignada com a peça que sua mente lhe pregara. Estava distraída, porém não houve dúvidas, comeria ali. 

Entrou e o próprio dono foi lhe atender.

— Como vai, senhorita Blindwar? Mesa para duas pessoas?

— Vou bem, senhor Pasquale. Hoje serei somente eu.

— Por aqui, senhorita.

O dono do restaurante a levou a uma mesa arejada, próximo à janela, afastando a cadeira para que ela se sentasse. Embora achasse a atitude da senhorita excêntrica, pois não era comum uma mulher almoçar sozinha, ele a conhecia e sabia que ela trabalhava na polícia, bem como já almoçara algumas vezes com a senhorita Evernood em seu estabelecimento.

— Quer que lhe traga um antepasto e uma taça de vinho?

— Sim, por favor.

Ela olhou pela janela, vendo os passantes na calçada e suspirou. Não demorou muito para que o senhor Pasquale levasse a taça de vinho e uma garrafa de água, garantindo-lhe que o antepasto chegaria logo. No minuto em que o dono do restaurante saiu, um homem bem apessoado se aproximou, segurando um copo de whisky e parou frente à mesa da detetive. 

Margareth retesou o corpo, baixando a mão em direção à perna. Tocou por cima do pano da calça a pistola, que agora carregava sempre consigo em um coldre preso ao tornozelo.

— Não se assuste, senhorita Blindwar. Sou o agente Stevens, da Inteligência. – Ele falava calmamente e num tom baixo. – Acredito que a senhorita Evernood já tenha comentado sobre mim naquela ação de Paris. Preciso lhe falar. Posso me sentar?

— Não tenho nenhum assunto com a Agência de Inteligência.

— Se me deixar explicar, talvez mude de ideia. Na verdade, é a Agência que precisa de sua ajuda e da detetive Evernood. Para tranquilizá-la, devo dizer que o auxílio da senhorita Evernood, em Paris, tirou a Agência de grande perigo e que os novos coordenadores e chefes sentem-se muitíssimo agradecidos à ela.

— Nem por isso deixaram de nos espionar, pelo visto. Sente-se. Está ficando extremamente constrangedor o senhor falar comigo aí, de pé. 

O agente Stevens sorriu e se sentou.

— Não estávamos espionando vocês, somente aconteceu algo que me levou, hoje, até ao prédio central da polícia, mas preferi esperar e abordá-la quando saísse. Para provar que não estamos vigiando vocês, procuramos a senhorita Evernood também, entretanto soubemos que ela não está na cidade.

— Permita-me duvidar disso.

Margareth respondeu, tomando um gole da bebida rubra, encarando o homem. Ele parecia ter por volta dos trinta e cinco anos. Não era velho e, também, não era jovem o suficiente para ser um agente inexperiente. Pasquale chegou com o antepasto, colocando sobre a mesa, recebendo um aceno de gratidão da detetive de polícia.

— Mas não vamos nos delongar. O que quer me contar? 

A detetive de polícia perguntou, secamente. A atitude cética dela fez o agente tomar uma abordagem mais direta.

— Hoje, quando a senhorita voltar para o departamento, receberá a denúncia de um sequestro. Seria extremamente importante para nós que seja a detetive do caso e que a senhorita Evernood também esteja nele. 

Margareth elevou uma de suas sobrancelhas, intrigada com a informação e o pedido. Permaneceu calada. Para ela, aquele agente teria muito a explicar, antes de se posicionar.

Ele percebeu a manobra dela com o silêncio, abanou a cabeça em negativa com um sorriso leve no rosto. Bebeu um pouco de seu copo e continuou.

— Estávamos protegendo a família de um diplomata indiano. As tensões entre nossos países aumentaram muito, após a guerra, por conta da situação política e há grupos extremistas que não querem que deixemos os indianos terem livre acesso ao nosso país. 

— Está havendo um aumento da imigração indiana para cá. – Margareth apenas constatou. – O sentimento protetivo de nacionalistas extremos sempre ocorre nesses casos. O que há de novo nisso? Quem foi sequestrado?

— A filha do diplomata. Ela é uma universitária e se chama Durga Quazi.

— A filha de Raj Quazi? Ele não é o diplomata oficial. É um pacifista de influência que tenta um acordo conosco.

— Esse é o problema, senhorita Blindwar. Os federais não podem atuar oficialmente na proteção da família dele. O sequestro cairá em seu departamento. Entenda que se qualquer coisa ocorrer com a família Quazi em nosso solo…

— … Haverá insurgências contra a nossa ocupação na Índia.

O agente tomou um grande gole de scotch de seu copo, acenando para ela afirmativamente.

— É uma questão de tempo para que isso ocorra; e esses grupos extremistas nacionalistas querem que aconteça a cisão entre nossos governos. Acham que isso impediria os indianos, mesmo de castas mais abastadas, de virem para cá. 

— Eles não acham somente isso. Acham certo que nosso governo faça opressão nas terras da Índia. Saiba que não concordo com essa política, agente Stevens.

— Independe de política. Acredita ser correto o que os extremistas querem desencadear, detetive Blindwar?

— Claro que não! Vocês, da Agência, sabem que estão colocando a mim e a Evernood entre a cruz e o caldeirão.

— Por quê? – O agente perguntou com simplicidade.

— Como assim, por quê? Eu não concordo com a nossa política com relação à Índia. Para mim, deveriam estar completamente independentes economicamente, entretanto também não concordo com os extremistas. Eles têm uma razão que julgo enviesada do que é nacionalismo. Amar meu país não significa odiar todo o resto e nem opressão.

— Veja bem, detetive Blindwar, desta vez estamos do mesmo lado. Raj Quazi mantêm contatos importantes no governo para começar uma outra fase nos acordos. Uma fase de abertura para os indianos. O sequestro da filha dele coloca todas essas negociações em risco, em prol do que? Menos indianos morando em nosso país? 

— Preconceitos racistas nunca foram de meu gosto. – Margareth afirmou, enfática. – Agradeço a sinceridade, ao abordar o caso, afinal não é o que gostam de fazer. – Ela provocou o agente. – Apenas não entendo o que quer de nós, pois eu já faria o meu trabalho na condução da investigação do sequestro.

— Queremos discrição e que não vaze a informação, nem antes e nem depois de tudo resolvido. Sabemos que seu comissário é adepto de fazer a propaganda dele diante dos jornais. Como disse antes, não poderemos estar à frente e o controle da investigação deverá ficar em suas mãos. Quando chegar, receberá a denúncia pelo telefone em sua mesa. Diga que foi o próprio Raj Quazi que ligou e vá falar diretamente com o comissário. Discrição acima de tudo. Receberá as instruções na ligação de denúncia do sequestro.

— E será o próprio Raj Quazi que me ligará?

O agente Stevens silenciou, fingindo beber de seu copo. Queria tomar tempo, antes de responder.

— O senhor Raj Quazi não confia em vocês… – Margareth sorriu, cínica. – Vocês protegiam a filha dele e a perderam. E o pior, não sabem o que aconteceu…. 

O agente não negou e nem concordou. Deixou que a detetive de polícia tirasse as próprias conclusões. Margareth riu com gosto, presumindo estar correta. Colocou, calmamente, uma pasta de beringela num pão e depois comeu. Mastigou ainda com a expressão de riso, vendo o rosto de Stevens corar, o que era incomum para um espião.

— Agente Stevens, conte-me a situação em que ocorreu o sequestro e estarei um passo à frente. Não me faça desperdiçar tempo.

— Ele não desperdiçará seu tempo. Garantirei isso. 

Margareth seguiu a direção da voz, abrindo um enorme sorriso. Evernood se voltou para o dono do restaurante, que se aproximava.

— Senhor Pasquale, coloque mais uma mesa. A senhorita Blindwar não nos esperava e acabou que nos encontramos. Traga também uma taça de vinho, por favor.

O homem atendeu ao seu pedido, após a dona da mesa autorizar. Evernood se sentou ao lado da namorada, retirando as luvas de couro que usava para dirigir, jogando-as displicente sobre a mesa.

— O agente que enviou para me interceptar era um menino, Stevens. A Inteligência deve estar com poucos recursos…

Evernood falou, sarcástica. Não levou muito tempo para conseguir informações do novato que a Agência colocou para chamá-la de volta à cidade. 

Seu tio já estava bem e à frente da manufatura. Ela sentia falta da agitação da cidade e, mais ainda, da namorada. O agente da Inteligência abordando-a de forma negligente a divertiu, incentivando-a retornar para se encontrar com Margareth.

Havia chegado mais cedo à cidade e foi ao encontro da detetive de polícia no departamento, entretanto, reconheceu o agente Stevens a espreitar o prédio da polícia. Resolveu permanecer distante, seguindo-o, e ver o desfecho daquela abordagem.

— Embora a Agência reconheça o seu valor, ainda é um estorvo, Evernood.

O agente falou enfadado.

— Sei que adorariam me ter novamente no quadro de funcionários, mas não, obrigada. Qualquer relação que venha a ter com a Agência será somente em circunstâncias como essa que agora se apresenta. Diga ao seu novo coordenador que aceito participar dessa investigação, mas com algumas condições.

— E quais seriam?

— A primeira é que vocês nos informem absolutamente tudo que envolveu o sequestro de Durga Quazi. Não quero que nos escondam nada, Stevens. Você sabe que descobrirei se estiverem ocultando algo de nós, e se esse for o caso, eu me retirarei.

— Evernood, você sabe que é de nosso interesse que esse sequestro seja resolvido o mais rápido possível. Daremos tudo a vocês.

— A segunda coisa é que nos subsidiem com os recursos da agência. Se precisarmos de equipamentos mais sofisticados, será a agência que irá bancar.

— Sem problemas. Já estávamos preparados para isso.

— Terceiro: pagarão por esse serviço, afinal, sou uma detetive particular agora. – Ela sorriu.

— Também não há problemas quanto a isso, porém, a agência também tem exigências.

Foi a vez do agente se colocar e sorrir.

— Se for a questão do sigilo total, pode me enviar a documentação que eu leio e assino, desde de que não haja nada que me comprometa.

Evernood se antecipou ao agente da Inteligência.

— Não a conhecia antes de Paris, no entanto, agora vejo por que há certa tensão entre “vocês”. A Agência não pode tê-la completamente e a senhorita, pelo visto, nunca mais confiará na Agência.

— Boa percepção, agente Stevens. Veja bem, não é nada pessoal. Particularmente, gostei do senhor. 

— Acho ótimo que vocês dois estejam se entendendo, mas também tenho as minhas exigências.

Margareth vendo todo aquele desfecho entre os dois, indignou-se, pois ela quem seria a pessoa exposta nessa operação.

— Percebem que eu posso fazer o que dizem, contudo não tenho autoridade para atuar se meu comissário não quiser deixar esse sequestro reservado? 

— Entendo a sua preocupação, senhorita Blindwar…

Margareth o interrompeu com um aceno de mão.

— Não, não entende, senhor Stevens. Eu serei um alvo para um grupo terrorista e, também, para o governo, caso Greendwish não me ouça em relação ao pedido de discrição.

A detetive Blindwar suspirou, balançando a cabeça em negação. Tomou um gole de seu vinho e voltou a falar.

— Quero que o próprio Raj Quazi ligue diretamente para Greendwish e o convoque pessoalmente, exigindo que eu vá junto. Na conversa que teremos, obviamente em um lugar seguro, ele próprio dirá para o comissário que quer a mim na investigação. Também quero que uma autoridade proeminente de nosso governo esteja junto para embasar essas exigências. Assim saberei que o comissário cumprirá com o acordo e que ele me dará cobertura no departamento.

O agente Stevens não esperava por aquela solicitação. Colocar uma autoridade do governo junto às investigações, não estava nos planos da Agência.

— Não sabemos se alguma autoridade governamental quererá se comprometer. As conversas que aconteciam entre Quazi e seu contato eram confidenciais. 

— Sei que pensarão numa forma disso ocorrer, pois eu serei o elo mais fraco dessa história e, se não conseguir que Greendwish apoie, estarei exposta para os nacionalistas extremistas, além de vir a ser a culpada, posteriormente, caso algo saia errado.

— Me dê um minuto, por favor. 

Ele se levantou da mesa e saiu do restaurante, sendo acompanhado pelo olhar das duas detetives. Evernood se voltou para a detetive de polícia e a abraçou forte, sendo recompensada com um abraço em igual entusiasmo.

— Como chegou aqui tão rápido, Beth? Não tem três horas que me ligou. 

Margareth sabia que as ligações entre as cidades demoravam a completar e para que Elizabeth tivesse ligado para ela, havia realizado a ligação pelo menos quarenta minutos antes de pegar o carro para retornar. Isso demonstrava que o agente que enviaram para falar com ela, tinha a abordado logo cedo.

— Eu acelerei um pouco mais que o de costume com o automóvel. – Elizabeth respondeu e sorriu. – Fiquei preocupada que você se comprometesse com a Agência.

— Acha que Stevens desconfiou de alguma coisa?

— Não. Você foi ótima, Meg. Stevens pareceu surpreso com seu pedido e com a minha chegada.

—  A mim não pareceu. Ele estava calmo, Beth.

— Existem alguns sinais que a gente observa. Quando estive com ele, em Paris, vi que tem o hábito de brincar com a abotoadura. Quando se vê contrariado, a aperta. Na verdade, é um estratagema que nos ensinam, para controlarmos as expressões do rosto.

— Entendo. É como se redirecionasse a ansiedade para outra parte do corpo.

— Exatamente, Meg. O tique dele é a abotoadura.

Margareth se voltou para a namorada, com um ar de curiosidade divertida.

— E você? Qual a sua artimanha para se controlar?

Elizabeth a fitou com a expressão brincalhona, antes de falar.

— Não adivinha?

— Deus! Como não me atinei? Você é a pessoa mais sardônica que conheço. Só pode ser isso!

— E você ainda me deixará em apuros, me traduzindo tão bem assim, senhorita Blindwar.

A resposta de Evernood veio com um avanço de seu rosto em direção ao de Margareth. Ela teve o impulso, impensado, de beijar os lábios da namorada, contudo, mudou rapidamente a direção, projetando o corpo ligeiramente para o lado, estendendo o braço para pegar uma azeitona em um pires sobre a mesa.

— Me desculpe. Eu quase…

— Não se desculpe, Beth. Se o fizesse, eu retribuiria e aí nós duas estaríamos bem encrencadas. Precisamos trabalhar mais essa “coisa” de esconder em público o que a gente sente.

Blindwar sussurrou, etada com a atração irracional que a presença de Evernood exercia sobre ela e vice-versa. Resolveu dispersar o momento, voltando ao caso que a Agência queria empurrar para elas goela abaixo.

— Eles estão escondendo mais alguma coisa, não é?

— A Agência sempre esconde coisas, Meg. Tenha certeza de que Stevens não contou tudo que eles sabem. Se estão nos contactando, é porque existe algo a mais que a Inteligência está impedida de executar.

— E por que nós vamos entrar nesse jogo?

— Porque tenha certeza de que eles não se importam com a vida dessa garota. Se não aceitarmos, e ela for morta, arrumarão um jeito de saírem ilesos dessa história, mesmo que, para isso, coloquem Raj e o contato dele no fogo e ainda conseguirão desmantelar o grupo extremista. 

— Você os conhece bem. 

— Mais do que gostaria, Meg.

Viram Stevens entrar na cantina italiana. Esperaram que o agente se sentasse e nada falaram até ele se pronunciar.

— A Agência aceitou os termos. Nesse exato momento, seu comissário está recebendo uma ligação. Quando você retornar, terá as instruções dadas por Greendwish.

— E eu esperarei o contrato com a Agência em casa, até às seis horas da tarde, para eu avaliar. Se ele não chegar, me desconsidere para esta missão. O caso será resolvido somente entre a Agência e a polícia; e seus superiores sabem que falo a verdade.

Dessa vez, Margareth reparou no trejeito do agente ao apertar a abotoadura de seu paletó.

— Comunicarei à Agência a sua demanda. Certamente já estava na lista de prioridades deles.

— Certamente.

Evernood respondeu sarcástica. O Agente se despediu e saiu, deixando-as a sós.

— Então, vamos comer? O polpetone de Pasquale é uma delícia…

A detetive particular perguntou para a namorada, se adiantando para chamar o dono da cantina, como se nada mais importasse no momento.

Ao chegar ao departamento, após duas horas fora, Dashwood logo a informou.

— Não sei o que aprontou, Blindwar, mas Greendwish já a procurou três vezes e está nervoso.

— Falamos que você demoraria um pouco mais hoje e que nos informou, mas ele continuou nervoso. — O policial Smith declarou.

— Mas eu não aprontei nada! Só me demorei um pouco mais no almoço. 

Ela colocou a bolsa sobre a mesa e saiu para ir ao gabinete do comissário. Seus colegas a olharam com pena. 

— Certamente Greendwish está entediado com o marasmo aqui na Crimes Graves; e hoje “tirou Blindwar para Cristo”. –  Dashwood considerou. 

Margareth bateu na porta do comissário de leve e escutou um brado mandando-a entrar. Parecia impaciente. Ela entrou.

— Por que demorou tanto? Não importa! Pegue sua bolsa e me acompanhe, agora.

Ele se levantou e seguiu para a porta. Blindwar foi até a sala, pegou sua bolsa e saiu sem nada dizer. Dashwood, Reynold e os policiais se entreolharam.

— O que está acontecendo, comissário? Está me assustando.

Blindwar perguntou, demonstrando eto. Greendwish a olhou, com o semblante assustado.

— Para falar a verdade, eu também estou aturdido. O coordenador da nossa Agência de Inteligência me contatou, pessoalmente. Disse que queria me encontrar para uma conversa particular e que queria você junto, mas não me falou o que era. Sabe que a Agência não é de brincadeira, não sabe?

Margareth não sabia se ria ou se se compadecia do comissário. Calou-se, colocando-se numa postura séria durante todo o trajeto. Ela reparou para onde o comissário se dirigia. Estavam no automóvel particular dele e saíam do centro da cidade, em direção ao bairro das mansões de veraneio mais afastadas.

Chegaram no endereço em que o comissário havia escrito em um papel. Ele dirigiu o carro, manobrando-o para ficar em frente à entrada do portão; e um homem bem vestido chegou até a janela do carro. 

— Sou o comissário de polícia Greendwish e esta é a detetive Blindwar. Estão nos esperando.

Sem nada dizer, o homem abriu o portão para que o automóvel entrasse. Greendwish estacionou em um largo, em frente à mansão e, quando os dois policiais saíram do carro, outro homem bem apessoado foi recebê-los.

— Bem-vindos. Meu nome é Rowan Stevens.

O agente cumprimentou os dois formalmente, dando a Margareth a certeza de que não deveria, em momento algum, mostrar que o conhecia. O comissário e a detetive devolveram o cumprimento apresentando-se.

— O coordenador Clinton os espera. Sigam-me.

Eles entraram na casa e a detetive de polícia, a cada passo que dava, reparava a decoração alegre e colorida, típica da comunidade indiana.

Esta é a casa de Raj Quazi…

Pensou.

Chegaram à uma grande porta dupla de correr e o agente abriu-a, postando-se ao lado, fazendo um gesto para que eles adentrassem. Os agentes da polícia entraram, reparando que estavam sozinhos na sala. A porta foi fechada atrás deles e Margareth viu o suor brotar na fronte do comissário, bem como o nervosismo em seus gestos. 

Deus! Ele está apavorado. O que ele acha que farão conosco? Acha que nos comerão vivos?

Blindwar se inquiria mentalmente, etada com o nervosismo de seu superior. Não imaginava que pudesse descompensar tanto, diante de uma situação que não estava sob o controle dele.

Uma porta lateral se abriu e um senhor de cabelos grisalhos, vistos a partir da lateral de sua fronte, pois usava turbante, e de pele azeitonada entrou, seguido de outro homem. Este era mais alto, de cabelos castanhos, pele clara e seus olhos azuis de expressão fria que davam um tom de mistério ao rosto.

— Sejam bem-vindos. Chamo-me Raj Quazi e este aqui é o coordenador Patrick Clinton, da Agência de Inteligência. Obrigado por virem.

Todos se cumprimentaram e o anfitrião pediu que se sentassem. O pacifista indiano começou a falar.

— Senhor Greendwish, soube que seu departamento se destaca na resolução de crimes e tenho um crime a relatar, porém não posso deixar que a notícia venha a público. Por isso a Inteligência está conosco.

Margareth permaneceu calada e observava com acuidade as reações de seu superior. Apesar de assustado, Blindwar percebeu certo ar de contrariedade na expressão de seu chefe. Também não pôde deixar de notar que o coordenador da agência reparava o mesmo que ela. Ele mantinha os olhos sobre o comissário de polícia como uma raposa estuda a sua presa. Em nenhum momento, Patrick Clinton pousou o olhar sobre ela. O pacifista continuou a sua preleção.

— Não sei se o senhor acompanha noticiários internacionais. 

— Acompanho sim, e sei quem é o senhor. Não sabia que estava aqui.

— Ninguém sabe, senhor Greendwish. 

Um serviçal indiano entrou com uma bandeja, servindo scotch e chai a todos. Margareth iria recusar e o coordenador da Agência comentou:

— Senhorita Blindwar, apesar do assunto ser sério, esta reunião é extraoficial. Beba conosco. 

Com a afirmativa, o coordenador regional da Agência impunha o caráter daquela reunião. Se alguém abrisse a boca fora dali, seria negado veementemente que havia ocorrido. Ela o atendeu. Pegou o chai, uma bebida tradicional do oriente sem álcool. Ela não queria perder a percepção da reunião, com a sua mente enevoada por uma bebida.  

— Tudo que for falado aqui, deverá ficar entre nós, senhor Greendwish. – O coordenador se posicionou diante do comissário. – É uma situação delicada, pois o senhor Quazi estava articulando com alguns parlamentares uma forma de apaziguar os ânimos entre nossos governos, mas se isso vazar, todos os esforços irão por água abaixo. Compreende isso?

— Compreendo.

O comissário falou, secamente. Não gostava de ações às escondidas, porém também não interferiria em questões governamentais.

— Bem, então falarei o que aconteceu. – Raj Quazi declarou. — Minha filha estuda aqui, há alguns anos, entretanto, após três dias de minha chegada, ela foi sequestrada…

A reunião não levou mais de meia hora.  Margareth se impressionou com a forma com que seu chefe se impôs, diante do medo que vinha lhe assolando desde que recebeu a ligação na delegacia. Aliás, ela gostou imensamente do acordo, já que Greendwish fez questão de assegurar que se algo saísse errado, culpa alguma poderia recair sobre a detetive e nem ser atribuído à delegacia.

— Senhor Greendwish, apoiaremos extraoficialmente. Se algo sair errado, não poderemos aparecer. Desta forma, não questionaremos nada. Pedimos o mesmo do senhor, sigilo. Sei que existem casos de investigação fechada no departamento de polícia, os quais nunca vêm a público. Qualquer das alternativas de desfecho que ocorra neste caso, estará inteiramente em suas mãos.  

O coordenador da agência comunicou a Greendwish que a detetive de polícia não estaria sozinha. Haviam contratado os serviços da detetive particular Evernood para auxiliá-la, porém não poderiam pagá-la diretamente. As despesas seriam repassadas da Agência para o departamento, através de fatura fechada e privada. Era uma manobra arriscada.

Embora o comissário não pudesse levar a público, só pela interferência da Agência de Inteligência, sabia que se resgatassem a garota, seu nome circularia pelo alto comando de segurança. Aceitou.

 

Após o comissário ir embora, Blindwar permaneceu na casa colhendo informações de como Durga Quazi havia sumido. Precisava de todos os detalhes. O tempo urgia e a cada minuto desperdiçado, menos chances teriam de encontrá-la com vida. Ela havia sido levada pela manhã, quando saíra para a faculdade. O agente Stevens a auxiliava dando-lhe todas as informações pertinentes ao caso.

— O que fará agora, detetive?

— Me encontrarei com Evernood, agente Stevens. Se vocês cumpriram com a promessa de levar o contrato; a esta hora, ela já está trabalhando e quero ver o que conseguiu.

— Bem, aqui estão os arquivos dos grupos extremistas que consideramos serem os prováveis sequestradores. Essa pasta contém tudo que já levantamos da investigação. – Stevens entregou a pasta para a detetive. – Também encontrarão neste arquivo vários contatos da Agência e “células”, onde poderão trabalhar, ou mesmo, requisitar equipamentos. Lembrem-se que qualquer incursão que façam para resgatar a senhorita Durga Quazi, não poderão fazer sozinhas. Nos contatem e agiremos em conjunto.

— Me responda uma coisa, Stevens, se estão investigando também, por que precisam de nós? Bastava que, quando resgatassem a garota, entregassem a nós para ela dar entrada através do departamento de polícia.

A resposta de Stevens foi dada num tom mais sério do que Margareth desejava. Reparou o tique de nervosismo dele, através do aperto na abotoadura. 

— Não é tão simples assim, senhorita Blindwar. Tenha certeza que estarem à frente das investigações será melhor para todos os envolvidos.

Ele deu por encerrada a reunião com a detetive, indo em direção à saída da sala. 

 

A entrada de Margareth na mansão Evernood sem ser anunciada, passara a ser algo usual no último mês. Embora, no início, a incomodasse, Elizabeth falara que era desnecessário as duas terem um relacionamento e a detetive de polícia bater para Edwin recebê-la.

Quando entrou, caminhou em direção ao escritório e abriu a porta, deparando-se com a sala vazia. Fez menção em procurar Edwin na copa, retornando ao corredor, sendo surpreendida pela figura de Tristan. Quase se esbarraram.

— Que susto, Tristan!

— Desculpe-me senhorita Blindwar. Não quis assustá-la. A senhorita Evernood e o senhor Edwin pediram para avisá-la que a esperam… Bom, não me disseram onde. Disseram que a senhorita saberia onde.

— Obrigada, Tristan.  Sei sim. Sairei pela parte de trás. Corta um bom caminho para mim. 

O rapaz já ia acompanhá-la, no que foi prontamente interrompido pela detetive.

— Não precisa me acompanhar, Tristan. Sei o caminho e Elizabeth falou que sou praticamente “mobília da casa”. 

A detetive de polícia fez uma troça para desestimular o rapaz e não esperou por resposta. Não queria que ele a seguisse.

Saiu pela porta do escritório que dava diretamente para o jardim da mansão Evernood. Seguiu pelo caminho das roseiras e, quase chegando ao portão de saída dos fundos, virou para a esquerda, seguindo em direção ao herbário da casa.

Evernood havia planejado bem o local onde comprou o pub. A porta principal dele, era em uma ruela que fazia contato direto com os fundos da sua propriedade. Após a compra, ela fez uma passagem em seu herbário que ligava diretamente ao bar. Somente ela, Margareth e Edwin sabiam dessa passagem. 

Ela chegou de mansinho pelos fundos e pegou os dois ex-espiões desprevenidos. Ambos sacaram suas pistolas em direção à ela. Margareth pulou, levantando as mãos assustada.

— Vocês querem, por favor, parar com a paranoia de vocês?! Sou eu!

Falou com o coração aos pulos e Elizabeth ralhou com ela, baixando a arma.

— Não chegue pé-ante-pé! Poderia ter atirado em você!

— E eu poderia ter morrido!

Margareth suspirou, indo até o balcão do pub. Pousou a pasta que levava e pegou uma garrafa de scotch, colocando uma dose em um copo.

— Toda vez que a Agência aparece, vocês ficam loucos.

— Se passasse pelo que passamos com eles, você entenderia.

— Tudo bem, Beth. Não discutirei com você. 

Margareth pegou os arquivos e colocou na mesa em que os dois ex-agentes trabalhavam. Deu um gole em sua bebida.

— Isso foi o que a Agência nos deu para iniciar a investigação. 

Margareth ainda estava nervosa com a recepção. 

Elizabeth abriu a pasta com os documentos, começando a analisar, enquanto Edwin relatava para a detetive de polícia o quanto já haviam progredido.

— Quando Elizabeth recebeu o novato da Agência, ela me acionou e, desde cedo, rondei a cidade. Descobri algumas coisas. – Edwin relatou.

— O novato falou com Beth o que a Agência queria com ela?

— A Inteligência errou ao não demorar para contatar Beth. O agente novato era o mais próximo que tinham para falar com ela. Ele deu mais informações do que a Agência deveria querer que soubéssemos. – Edwin sorriu, cínico.

— Às vezes tenho medo de vocês, John. 

Margareth sorriu. Já se acostumara a chamar Edwin pelo primeiro nome quando estavam em uma investigação.

— Então me atualizem, pois todos esses trâmites cansativos para me enquadrar nessa investigação, não me permitiram saber de muita coisa.

— Posso lhe antecipar que a ação da Agência em se afastar do caso, não é somente burocracia governamental. – Evernood explicou. – A inteligência não se importa se Durga Quazi será resgatada viva. Só querem confundir o pai dela, para que ele ache que estão fazendo tudo ao alcance, sem interferir no julgamento dele, quanto a aliança do contato com o tal congressista.

— Você quer dizer que se ela for resgatada viva ou morta, tanto faz para a Inteligência?

— Exato. – Evernood declarou. – Veja o que conseguimos até agora e que se alinha com os documentos que você trouxe…


Nota: Estou novamente por aqui. Nova aventura!

Brevemente colocarei um link para mostrar como era a questão dos telefones naquela época. Esse foi um assunto discutido para poder terminar de escrever esse caso. rs Espero que gostem. 

PS.: Estou sem internet em casa esta semana inteira. Pois é, minha VIVO está mais para morta. Tentarei responder a todos os comentário anteriores assim que possível. 

Um beijo



Notas:



O que achou deste história?

3 Respostas para 26 – Décimo Caso: Ex-Espiões Não Existem – Parte 1

  1. Pronto, já começa com o clímax lá em cima! Como faço para segurar a ansiedade
    pelo desenrolar da história!? Ah, não esqueci de torcer pelo Edwin e a médica!
    Bjs

  2. Carol,

    Eu tava com saudades, apesar de ter sido bem ‘substituída’,
    és única e assim faz mesmo mta falta.

    Elas retornaram em mais um caso peculiar… tô amando.

    Bjs,

Deixe uma resposta

© 2015- 2020 Copyright Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial do trabalho sem a expressa autorização do autor.