Os Estranhos Casos de Evernood e Blindwar
Sétimo Caso: Morte no rio Sena – parte 3
Texto: Carolina Bivard
Revisão: Naty Souza e Nefer
Ilustração: Táttah Nacimento
No episódio anterior…
Elizabeth sorriu de lado e sem ânimo.
— Acha mesmo? Conhecendo-os, sei que deixariam isso de lado, num piscar de olhos, se estivessem matando somente ex-agentes. O fato é que Vincent estava na ativa. Começaram a pegar agentes de campo. O que eu não entendo é a razão disso tudo.
— Eliminar alguém que tem informações deles e não sabem quem é?
Margareth respondeu com uma pergunta.
— Talvez, Meg.
Evernood parou, por segundos, para pensar.
— Entretanto, não acredito. É uma ação muito grande para eliminar uma só pessoa. Investigariam até encontrá-lo e o eliminariam. Os recursos das Agências são enormes. Você nem acreditaria.
— Estou começando a ver onde nosso dinheiro foi para a guerra. Nunca imaginei que pudesse existir um fonógrafo tão pequeno… De qualquer forma, para matarem tantos agentes de outros países, teriam que investigar também, ou então, informações foram vazadas.
— Certamente. Há alguém como informante, um traidor; na nossa e nas outras Agências. Todos estão perdidos, exceto a Agência alemã.
— Isso quer dizer que não podemos confiar em ninguém mesmo, Beth. – Margareth divagou por segundos. – Seu amigo Novak também está dentro dessa desconfiança; sabe disso, não é?
— Quando disse que não poderíamos confiar na Inteligência, eu falava sério, Meg. Só não sabia que a situação era tão grave. Os alemães estão anos à nossa frente.
— Pelo visto, desde o final da guerra, Beth.
Parte 3 —
— Por que levar as armas e esses equipamentos para outro lugar, Beth? Não achou o apartamento seguro? Ficamos lá três dias inteiros.
— Não podemos ficar baseadas em um só lugar, Meg. “Eles” estão aqui fora nos procurando e uma hora nos encontrariam lá. Por isso, vamos nos separar. Pegarei o metrô e você irá para a torre Eiffel. Lá você estará mais protegida.
— Protegida? É um local público, Beth!
— É um local que, se Novak quiser falar conosco, nos encontrará. Quero falar com ele. Se ele fizer contato, vá para o local onde combinamos de nos encontrar. Se ficar lá por mais de três horas e não for contatada, faça o mesmo. Você terá que tomar cuidado com uma única coisa: procure abrigo na estrutura da torre. Não se exponha.
— Isso é para que eu não leve um tiro? Reconfortante.
— Se a Agência estiver vigiando o local, Meg, os espiões que estão me caçando não atuarão e, depois eles não querem você.
— Agora está me dizendo que você vai tentar desviar a atenção deles de mim? Também não quero isso, Beth! Eu disse que a ajudaria.
— Não vou desviar nada de você, Meg. Estou dizendo apenas que eles querem a mim. Não vejo ninguém nos seguindo e pretendo esconder essa bolsa, onde ninguém, além de mim, saiba. Antoir sempre foi um bom contato, mas não sei os estragos que o pós-guerra deixaram para essas pessoas de apoio.
Evernood não se importou em não se despedir de Blindwar e desceu as escadarias do metrô, sumindo. A detetive de polícia entendeu, a contragosto, pois desde que saíram do apartamento, andavam a uma certa distância e conversavam, disfarçadamente. A detetive de polícia continuou o caminho e, assim que chegou ao um ponto de táxi, entrou em um carro.
O coração batia acelerado bem mais do que a velocidade do automóvel. Agora estava por si só. Tinha que se acalmar, pois a ação de Evernood dependeria do que ela fizesse na torre.
♦
Margareth avistou Novak e fez um sinal para que ele se aproximasse. Quando chegou à torre, havia encontrado um refúgio entre a bilheteria e uma das colunas principais, assim como Evernood a orientou. Ficara ali por mais de uma hora, observando os turistas e admirando a magnitude daquela construção.
— Procuramos vocês por três dias inteiros. Achávamos que haviam sido mortas naquela ação do hotel.
— E quase morremos.
— Por que Evernood não está com você?
— Ainda acha que ela é uma idiota, Novak?
Ele sorriu e retirou do bolso do paletó um maço de cigarros. Ofereceu para a amiga da antiga colega de trabalho. Ela retirou o seu maço de dentro do bolso do próprio casaco, pegando um dos cigarros, acendendo-o com o próprio isqueiro. Ofereceu o fogo a ele. Mais uma vez, ele sorriu.
— Vejo que Evernood lhe instruiu muito bem.
— É. Ela me disse que cigarros oferecidos podem conter substâncias narcóticas ou mesmo explosivos. Vocês da espionagem são bem inventivos…
— Ela desconfia de nós; depois de tudo que passaram?
— Ela não confia em ninguém e eu confio nela, apenas isso. Ela quer saber se já tem alguma resposta da coroa quanto a Proteção Mater.
— Spark ainda está trabalhando nisso. Diga para ela que não podemos ficar assim. Pode não parecer, mas estou tentando protegê-las dessa loucura toda e sei que Evernood conseguiu com seus contatos mais informações do que nós. Ela tem que compartilhar para que possamos, no mínimo, saber o que está acontecendo.
— Falarei com ela, mas sabe que não é fácil acreditar que a Agência não sabe de nada. Vou embora. Ela disse para nos encontrarmos amanhã às seis horas da tarde na estátua de Apolo nos jardins do palácio de Versalhes.
Margareth saiu do abrigo da torre, caminhando em direção à rua mais próxima e o ex-companheiro de espionagem de Evernood fez o mesmo, porém no sentido contrário.
Margareth se sentia insegura. Parecia que ouvia passos atrás dela, mas quando espiava sobre os ombros, não avistava ninguém. De repente, tudo escureceu.
♦
Estar com uma carapuça sobre a cabeça e as mãos amarradas lhe causava muita aflição. O coração de Blindwar batia descompassado. Ouviu alguém sentado ao lado dela resmungar coisas incoerentes.
O saco de estopa que cobria a cabeça de Blindwar foi retirado. A detetive de polícia se assustou. Havia um homem de frente para ela em trajes gastos com um pano cobrindo parte do rosto e cabeça, deixando somente os olhos à vista. Olhou para o lado e viu Novak sentado com pés e mãos amarradas, assim como ela, com o agravante dele estar semiacordado. Balbuciava palavras aleatórias. Compreendeu que fora aquele som que ouvira, assim que sentaram-na na cadeira, antes daquele homem retirar o capuz.
— O que quer conosco?
— Acalme-se, senhorita. Não está morta, está? Então há ainda uma chance…
A voz estava abafada e o tom continha um leve sotaque germânico. Presumiu que fora sequestrada pelos mesmos homens que queriam matar os agentes.
Fique calma. Fique calma. Sabia que podia acontecer isso uma hora ou outra. Fique calma.
Blindwar tentava acalmar a si mesma, repetindo mentalmente aquelas palavras como um mantra. Não poderia demonstrar para aquele homem o pânico que começava a lhe assolar.
— O que aconteceu com ele? – Ela perguntou. – Bateram nele? Por que ele está delirante?
O homem ignorou a pergunta, aproximando-se de Novak, desamarrando-o. Porém, o agente não reagia, quase caindo da cadeira. O sequestrador o apoiou para deitá-lo sobre o chão.
— Não demorará muito para ele acordar e, quando o fizer, desamarrará a senhorita.
O estranho saiu, levando um rifle que só naquele momento Blindwar percebera que estava sobre um sofá velho e surrado. Escutou vários barulhos na porta, antes de ouvir passos se afastando do lado de fora. Mais tranquila, sem a presença do homem, pôde reparar que estavam em uma casa simples, com poucos móveis, porém, muito bem limpa.
Que raio de espiões são esses, que nos deixam à sós numa casa completamente mobiliada e sem estarmos presos?
Margareth tentava se soltar e cada vez que tentava mover os braços e mãos, parecia que a corda apertava mais.
— Merda!
Exortou, porém, parou de esbravejar, quando viu que Novak estava acordando. Parecia que havia ganhado um presente de aniversário, de tanta alegria que se apossou dela.
— Levante-se, Novak, e me tire daqui!
Ele parecia desnorteado, mas quando conseguiu se aprumar, percebeu o que havia acontecido.
— Injetaram alguma droga em mim. Estou zonzo.
Levantou-se cambaleante e foi até a cadeira em que Blindwar estava amarrada. Desfez os nós da corda com dificuldade.
— Me pegaram assim que conversei com você na torre.
Blindwar falou, enquanto o agente a desamarrava.
— Então devo ficar feliz porque consegui sair de lá e só me pegaram duas horas depois.
Margareth esfregava os punhos para aliviar a ardência que as cordas deixaram.
— Fiquei quatro horas amarrada no assoalho de um carro em movimento, até chegar aqui e quando cheguei, o homem que me trouxe retirou o meu capuz e você já estava a meu lado.
— Ótima observação, detetive. Isso quer dizer que não estamos tão longe assim de Paris. – Novak especulou. – Se levaram duas horas para me pegar e fui apagado, e você levou quatro horas para chegar aqui…
— Significa que rodaram comigo a esmo para que chegássemos juntos. Mas por que não me apagaram completamente? Me senti zonza por instantes e sentia meu corpo ser conduzido. Me colocaram num carro e me amarraram, mas não desacordei.
— Talvez porque já saibam que não é uma mulher treinada na espionagem. Essas drogas que as Agências utilizam normalmente, são para conter pessoas que estão acostumadas. Não são muito seguras. Usaram algo mais leve em você.
— Então presumo que não nos queriam mortos. – Olhou ao redor. – E nos deixaram a sós em uma casa sem cuidado.
— Se eu fosse você, não tocaria em portas e janelas, se é o que está pensando. – Novak a alertou. – Não nos deixaram sem vigia, apenas o método deles é nos deixar mais cômodos. Tenha certeza de que há alguém do lado de fora com uma arma e que a casa inteira é um barril de pólvora.
— Como assim?
Novak sorriu para a ingenuidade da detetive.
— Venha, vou lhe mostrar.
Se aproximou de uma janela e Blindwar o acompanhou.
— Não toque nela. – O agente a advertiu. – Olhe.
Apontou através da vidraça um fio delgado passando pelo lado de fora de todo o caixonete da janela, tão escondido que quase não se conseguia ver.
— Pode não parecer, senhorita, mas estamos mais presos aqui do que se estivéssemos acorrentados. A casa toda foi preparada para que, qualquer tentativa nossa de abrir uma das saídas, acionasse explosivos. Se girarmos uma maçaneta de saída ou tentarmos abrir um trinco, é possível que todo o lugar vá pelos ares.
Margareth arregalou os olhos compreendendo, e bufou.
— Onde raios os governos arrumam tanto dinheiro para isso? Eu mal consigo que me deem balas para meu revólver da polícia…
Novak riu com a reação da detetive de polícia. Achava que ela descompensaria, o que não aconteceu.
— Vejo agora por que Evernood gosta de você.
Margareth enrubesceu, diante do comentário do agente. Tinha certeza de que a Agência havia investigado a vida delas e Novak sabia da relação que tinha com Elizabeth.
Três dias se passaram e somente uma vez, de madrugada, acordaram com ruídos. Quando foram investigar, viram que seus captores haviam colocado mais alimentos sobre a mesa da cozinha. Estavam abastecidos por mais três dias. Não passariam fome ou sede.
A casa tinha dois quartos e não foi difícil a convivência de Blindwar com o agente. Conversavam, especulavam coisas, mas um dia, o agente alertou a detetive de polícia para um tipo de extração de informações diferenciada em que ,uma vez, a Inteligência havia abordado: Colocar duas pessoas sob o mesmo teto, sem tortura, somente observando, para que elas se acostumassem e passassem a conversar, livremente.
— Um método interessante, Novak, entretanto, bem demorado para extrair informações. De qualquer forma, como estariam nos observando e nos escutando?
— Não sei ainda… Depois da guerra, a Agência se dispersou um pouco. Não temos mais certeza do que nossos antigos inimigos estão fazendo.
Margareth estreitou os olhos, irada.
— Então a Agência sabia do que se tratava e você nos deixou no escuro!
Novak prendeu o ar por segundos.
— É disso que falo. É um método eficaz, apesar de ser demorado, Blindwar. Eu acabei de dar informações a você, das quais não queria e eventualmente, você dará informações sobre Evernood. Sugiro mantermos distância e não conversarmos.
Novak se levantou e foi para seu quarto. Embora fosse um excelente agente, nunca fora submetido a testes com esse tipo de abordagem. Poderia vacilar. Contudo, o agente não era passivo. Todo dia procurava pela casa brechas para escapar, sem acionar os explosivos. Haviam retirado tudo dos bolsos de Blindwar e as roupas de Novak foram trocadas por completo, antes que os deixassem na casa. Ele não tinha nenhum aparato com ele, de que pudesse se utilizar para anular os gatilhos dos explosivos.
♦
— Não podemos ficar marcando à toda hora de nos encontrar, Evernood. É perigoso para todos nós!
— Ótimo saber disso, Steven, porque minha amiga sumiu…
— …Novak também e apareceu outro corpo no rio Sena.
— Era da Agência?
— Não da nossa. O morto era belga.
— Era um agente também, Steven?
— Era sim, Evernood.
— E, pelo visto, a Agência não aprendeu nada com isso! Querem minha ajuda, mas não compartilham informações. Estou fugindo há dias para não morrer. O que querem verdadeiramente de mim? Existem outros ex-agentes que vocês podem recrutar. Minha relação com a Agência não terminou muito bem e estamos nos desgastando, novamente. Tenho procurado por minha amiga e, se não fossem vocês, talvez isso nem tivesse acontecido.
O novo agente designado para tratar com Evernood suspirou. Aquele encontro foi a última cartada da Agência, antes de aceitarem os termos dela. Retirou uma carta timbrada do bolso. O símbolo era da coroa.
Evernood pegou e abriu o selo. Retirou os papéis de dentro do envelope, lendo-os. Pegou uma lupa pequena do bolso, analisando a tinta da assinatura e os padrões da caligrafia, bem como o selo do documento. Eram legítimos. A própria rainha havia assinado. Relaxou.
— Agora podemos conversar como dois agentes amigos, Steven. Mesmo se me matarem, sei que haverá repercussões para a própria Agência. Isto, – apontou os papéis em suas mãos – para chegar até mim, foi validado no palácio.
— Spark está morto. – O agente falou de súbito. – Mataram-no dentro de nossas fronteiras, Beth. Sabemos que você tem contatos valiosos, pois a Agência nunca os identificou. É diferente dos outros ex-agentes.
— Por isso estão insistindo comigo.
— Sim.
— E os novos agentes, Steven? Depois da guerra, a Agência deve ter recrutado mais, ou não?
— Fizemos uma investigação profunda, desde que os assassinatos começaram. Mesmo os novos agentes foram revelados. Todos nós, sem exceção, estamos vulneráveis. Seus contatos são os únicos que não apareceram em nossas investigações.
— Nossa, não sei se me sinto lisonjeada ou irada! — Evernood despejou com raiva. — Perceberam que, quando entraram em contato comigo, me denunciaram? Eu suspeitava, mas agora tenho certeza. Por isso “eles” vieram atrás de mim e de Blindwar. E vocês ainda fizeram caso, por eu ter pedido a Proteção Mater!
— Recorrer à rainha, é uma mancha enorme na Agência. Não percebe isso? A credibilidade da Agência ficará abalada perante a Coroa.
— Percebo que estou sendo caçada por causa de vocês. Os jogos continuam os mesmos. Esse orgulho idiota foi um dos motivos pelos quais saí da Agência, após a guerra. Agora minha amiga está sumida e a minha vida está em risco! Que pesadelo!
Steven calou-se. Não podia contestá-la.
— Vamos embora, Steven. Estamos há tempo demais aqui. Amanhã entro em contato com você para marcarmos num lugar seguro. Você terá que me falar exatamente tudo que sabe, para eu conseguir atuar.
— Por que não agora, Evernood?
— Porque não quero morrer, você quer? Estamos há mais de três minutos parados e conversando num local público.
A ex-agente saiu andando, sem esperar resposta. O novo contato da Inteligência fez o mesmo. Já estavam no cair da tarde e os caminhos dos jardins de Luxemburgo estavam em sombras. Elas os encobriam.
♦
De madrugada, Blindwar acordou sobressaltada, com um homem sobre ela, tampando a sua boca.
— Por favor, senhoria Blindwar, não grite. Vim para lhe resgatar.
Ouvir a voz de Edwin a acalmou.
— Temos que sair rápido, e silenciosamente.
Ela concordou e se levantou sem fazer barulho algum.
— Novak, um agente da nossa Inteligência, também está aqui. – Margareth cochichou.
— Está tudo sob controle, senhorita. Não fale mais. Temos que ser silenciosos.
Margareth nunca havia passado por algo como aquilo e calou-se. Fez exatamente o que Edwin pedia à ela. Saíram da casa, em completo silêncio. Margareth queria se livrar daquele pesadelo. Pensava que já estava enlouquecendo.
Caminharam, em silêncio, durante quarenta minutos entre as árvores de uma floresta que cercava a casa. A detetive de polícia não entendia como Edwin conseguia se orientar. Com a escuridão da noite, ela mal conseguia enxergar seus próprios pés e, vez ou outra, tropeçava em folhas ou galhos secos e caia, sendo auxiliada pelo mordomo.
A curiosidade de Blindwar fez com que tentasse observar tudo, todavia conseguiu ver apenas que haviam colocado ela e o agente Novak em um local isolado e, se a casa explodisse, ninguém ouviria.
Chegaram a uma estrada de terra em meio à mata, onde o carro que Edwin levara estava encoberto por arbustos. Ela entrou e só então sentiu os músculos relaxarem. O mordomo deu a partida e conduziu o carro por aquele caminho estreito. O farol quase não conseguia iluminar por onde passavam.
— Por que não salvou Novak?
— Eu o salvei, mas a minha prioridade era a senhorita. Eu precisava tirá-la rápido. Ele sabe como escapar.
— Do que está falando? Nós o deixamos lá.
— O deixamos lá, com as armadilhas desarmadas e a porta aberta. Se é um agente da Inteligência, tenha certeza de que escapará e ficará vivo. Tive orientações muito precisas da senhorita Evernood: minha missão era encontrá-la e salvá-la.
— E deixar alguém para morrer?
— Entenda que minhas ações são pensadas. Quando vi que Novak estava com a senhorita, dei oportunidade a ele para escapar; no entanto, não desviaria de minha missão.
— Ele está desarmado. O homem que nos levou…
— … não se preocupe com esse homem. – O mordomo esboçou um sorriso de lado. – Ele não fará mais mal nenhum ao senhor Novak.
Margareth não sabia se ficava aliviada ou se sentia medo do mordomo, pelo sangue frio que demonstrou.
A viagem deles durou mais de duas horas e Margareth nem viu o amanhecer. Edwin havia dado um sobretudo a ela para que se compusesse. Quando ele a retirou da casa, estava vestida somente com a ceroula e a blusa de dormir. Sucumbiu ao sono durante a viagem.
— Senhorita Blindwar, chegamos.
Margareth abriu os olhos. Mesmo com sono, olhou à volta e se viu em outra propriedade. Esta era construída em pedras e bem cuidada.
— Onde estamos, Edwin?
— Estamos a cerca de uma hora de Paris. Aluguei esta casa e, brevemente, Beth estará conosco. Recomendo entrarmos. Poderá tomar um banho, enquanto faço o desjejum.
Edwin abriu a casa, deixando a detetive de polícia passar.
— Na parte de cima tem um quarto que preparei para a senhorita. A porta está aberta. Saberá qual é.
— Edwin, pare de me chamar de senhorita. Está me irritando! Sei que foi um contato de Beth na guerra e não usa comumente essa deferência com ela. Estou exausta para essas sutilezas. Me raptaram, me amarraram e me deixaram em uma casa cercada de explosivos!
Margareth extravasou. Estava emocionalmente abalada.
— Me diga que Beth está bem, pois, pelo pouco que conheço de vocês, é capaz de me salvar, até mesmo se ela estiver morta.
— O que fala é uma verdade. — Edwin sorriu. – A Beth está bem. Estive com ela, pouco antes de ir ao cativeiro para retirá-la de lá. Combinou de nos encontrar aqui, ainda hoje. Não se preocupe.
Blindwar sentiu todo o seu corpo relaxar. Suspirou.
— Preciso de roupas.
— Estão num armário no quarto que lhe indiquei. Arrumei tudo de que precisaríamos, antes de retirar você de lá.
♦
O dia estava passando e a agonia começava a açoitar a detetive de polícia. A casa era adorável. Tinha uma pradaria com lavandas na frente, que começavam a despontar as primeiras flores lilases. A brisa refrescante tornava a tarde agradável. Mesmo assim, o clima aprazível não tranquilizava o coração de Blindwar.
Edwin trouxe uma bandeja com quitutes, que pousou na mesa do jardim.
— A espera é o mais angustiante de tudo.
Edwin falou, servindo um refresco em dois copos. Pegou-os, dando um para Margareth, servindo-se do outro. Os dois olhavam para a pequena estrada que conduzia à propriedade.
— Como consegue? Digo, pelo que observei, respeita muito Beth e gosta dela. Como consegue estar aqui, sabendo que ela pode estar em perigo?
Edwin inspirou a brisa da tarde, deixando escapar aos poucos o ar dos pulmões.
— Em parte não consigo. Me sinto tão agoniado quanto você. – Olhou para Margareth. – Posso chamá-la de você?
— Acho que já passamos dessa fase, Edwin. Você até já me viu de roupas íntimas.
Blindwar sorriu sem muito ânimo e Edwin a acompanhou.
— Eu e Beth temos uma história juntos. Tivemos que aprender a confiar um no outro, em uma época difícil. Devo dizer que não foi fácil, por conta de nossa natureza sempre precavida. No entanto, serviu para que nosso trabalho fosse mais preciso. Isto não quer dizer que não nos preocupamos um com o outro. Aliás, nossa preocupação é ainda maior.
— Quero saber o que aconteceu, enquanto estava presa. Me deixe a par de tudo, Edwin, pois não vou tolerar que me tratem como uma garotinha. Como veio parar aqui na França?
— Eu e Beth temos um código para situações de emergência, no que tange à Agência. Ambos fomos descartados pela Inteligência na época pós-guerra; de formas distintas, é verdade. Todavia, nenhuma delas agradáveis. – Edwin emudeceu por segundos, antes de continuar. – Sabíamos que eles poderiam monitorar Beth, já que ela fez um acordo para sair.
— E você não?
— Digamos que estou morto para a Agência. – Ele sorriu. – Eu era apenas um contato de Beth, que poderia ser descartado. Eles não sabiam quem eu era e nem como era, até que eu e o primo de Evernood fomos presos por nossos inimigos. Ela, para tentar conseguir ajuda da Inteligência, revelou a identidade de seu primo, mas nunca falou sobre mim.
— Essa história ela me contou. O primo dela foi morto e você estava junto. Ela não teve auxílio para tirá-los do cativeiro e fez tudo por ela mesma.
— Exato. Ela poderia ter me descartado e não o fez. Mesmo vendo seu primo morto, veio me acudir. Poderia ter morrido naquela ação e quase aconteceu. Levou um tiro nas costas e, mesmo assim, conseguiu me tirar de lá.
Margareth lembrou de uma cicatriz que vira na parte de trás dos ombros de Elizabeth, mas quando perguntou sobre ela, a namorada desconversou. Começava a compreender toda a ação que culminou nos fortes laços de confiança que unia a mulher que amava com o homem que estava a seu lado e vice-versa. Edwin continuava a lhe explicar.
— Ela deu a Agência informações de quem estava do lado de dentro, que era um agente duplo. A Agência fez um acordo com o homem e ainda puniram Evernood por arriscar a Inteligência num resgate que, para eles, era absurdo e dispensável.
— Por isso ela não confia em nada do que falam.
— E por isso, também, hoje tenho uma vida. Ela disse para a Agência que todos foram mortos.
— Então para a Agência, você não existe e nunca existiu. Eles não sabiam quem era você e, como soldado da coroa, foi dado como baixa de guerra.
— Eu sou um mero mordomo, Meg.
Ele fez jus a intimidade que Margareth lhe permitira, usando o apelido dela. Sorriu, aliviado e contente por poder contar a sua história para outra pessoa em quem, agora, confiava.
Ela se calou, assimilando tudo que ele havia falado, deixando-o continuar sua história. Tomou um gole do refresco, observando os campos de alfazema.
— Richard Evernood foi meu maior amigo, desde a juventude. Eu não era da aristocracia, no entanto, isso nunca o incomodou. Quando fomos para a guerra, cuidamos um do outro. Ele deu a vida por mim, muitas vezes, no front, e ele também me deveu sua vida, em outras tantas vezes em que eu o livrei de perigos. Elizabeth Evernood tem o mesmo apreço que ele, por suas amizades.
Edwin inspirou mais forte e soltou o ar aos poucos para se aprumar. Continuou.
— Antes de morrer, Richard falou para que eu escapasse com Beth e me pediu para cuidar dela. Antes de poder cumprir meu juramento, Beth cuidou de mim. Certificou-se de que o antigo soldado seria declarado morto em batalha, arrumou uma identidade para mim… A Agência era fácil ludibriar, pois nunca souberam que havia outro contato preso junto com o primo dela.
— Obrigada por confiar em mim, Edwin.
— A nossa confiança foi construída, Meg. Não confio em você porque é a namorada de Beth.
Margareth enrubesceu, contudo, sabia que o mordomo-espião estava somente confirmando para ela que ele sabia da condição das duas.
— Foi Beth que lhe contou?
— A senhorita Evernood é uma dama. Nunca faria isso, se não fosse autorizada por você. Contudo, não tem muita coisa que consegue esconder de mim. – Ele sorriu.
— Ok, Edwin. Já que confia em mim, me fale agora o que aconteceu nesses dias que estive presa e me diga como veio ao meu socorro. Você disse que tinham um código?
— Exato. Recebi um telegrama de Beth uns dias atrás com uma palavra-chave. Fui para Paris, imediatamente. Passei quase um dia inteiro sentado em um café na Saint Germain, que era o local onde acordamos de nos encontrar há muito tempo, caso esse “Código de Emergência” fosse citado. Ela me abordou e fomos para um “Bunker”, onde ela se escondia. Você já havia sumido e ela me incumbiu de lhe achar e salvar, enquanto cuidava da situação com a Agência em Paris.
— Como sabia que era aqui na França, Edwin?
— Além dela nunca sair sem me dizer para onde vai, temos palavras-chaves para diversos lugares do mundo. O ruim será o dia que não tivermos uma palavra-chave para onde ela for. – Riu. – Primeiro, tratei de alugar um lugar para nós e dizer para ela onde aluguei. Depois fui atrás de você. Quando descobri, voltei ao abrigo e deixei instruções para ela de como faria. Ela marcou comigo um encontro e trocamos informações para sabermos de nossos passos.
— Então não sabe como ela está em Paris?
— Ela me disse que, se passasse de amanhã sem notícias, para embarcar você para Bruxelas e procurar por ela.
— Deus! Então não sabe o que está acontecendo com ela em Paris? Não vou para Bruxelas sem saber dela, coisa nenhuma!
— Meg, se gosta dela, haja dentro dos planos. O improviso é válido, mas quando temos conhecimento. Eu e Elizabeth somos treinados e sabemos como reagir.
— Então trate de me ensinar, ou então, me mantenha por perto para me informar. Não a deixarei aqui sozinha!
Embora Edwin não gostasse de reações emotivas, diante de situações como aquela, gostava da atitude Blindwar. Ela amava a sua amiga.
— Ok. Ensinarei algumas coisas. – Tomou um gole do refresco. – Primeiro: nunca deixe suas emoções interferirem em seu julgamento da situação.
— O que disse é para me acalmar ou para me convencer?
Edwin gargalhou.
— Os dois. Segundo: preocupe-se, se acaso o que foi combinado não se concretizar e; terceiro: se isso ocorrer, concentre-se no próximo passo combinado. Essa é uma das formas de sair de situações perigosas. Se você sair do roteiro, saiba que quem depende de você, pode morrer por isso.
— Você está querendo me convencer e não me orientar!
— Estou fazendo os dois, Meg. Não estou mentindo. Você tem que compreender isso, para que eu possa mostrar as alternativas.
Margareth fechou os olhos, fortemente. Raciocinando sobre o que ele falou.
— Tudo bem, eu compreendo. Mas a sugestão dela foi de me afastar. Salvar a minha vida, independentemente de qualquer coisa.
— Compreenda que ela fez isso, não só porque tem afeição por você, mas porque sabe que é vulnerável diante das garras de quem está causando tudo, percebe?
Margareth desanimou. Sabia que ela era o ponto fraco.
— Entendo, Edwin. Sou uma inútil diante dessa situação.
— Não. Isso você não é, Meg. Venha. Mostrarei a você algumas coisas.
Nota: Mais uma vez agradeço a vocês pela força e compreensão. Um beijo a tod@s!
Quando Edwin apareceu para salvar Meg tenho certeza que fiquei mais aliviada que ela. Tomara que Beth esteja bem e apareça até “amanhã”. Esses inimigos são perigosos.
Carol, muita luz para você.
Beijos
Carol, espero que esteja melhorando, desejo muito isso!! Espero tb que sua irma esteja melhor!!Forca pra vcs!Tenho orado muito por seu pai, por sua mana e por vcs!! Te envio muitas vibracoes de amor e consolo!!
O capítulo foi incrível,uma surpresa muito agradável!
GRATIDAO, Carol!!
Beijo no seu lindo coracao! Beijo pra esposa e luz divina pra toda sua família!!
Quem ama cuida, mas diante do perigo pode ficar emocionalmente irracional e botar tudo a perder! Uau! Tô doida pra ver o desenrolar desta história que tá bombástic!
Momentos tensos e de esclarecimentos. Parabéns pelo enredo muito estimulante.
Carol,
A cada cap. fico, mais envolvida por esta história.
Tá maravilhosa, a curiosidade é enorme, estou completamente
envolvida por Evernood e Blindwar e Edwin é realmente um
amigo especial.
Fico aguardando ansiosamente o próximo cap.
Bjs…