Capítulo 32

Pronto, estava realmente no meu inferno astral. Fui desarmada com essa notícia, tive que sentar e acho que a cara que fiz não foi nada boa porque o Carlos já estava ao meu lado querendo saber o que aconteceu.

-Eduarda? Você está me ouvindo?

Saí do meu estado de transe:

-Estou sim, como ele está?

-Não sei direito, os médicos não foram muito claros, mas ele está inconsciente.

-Tá, vou ver aqui umas coisas e quero que você me mantenha informada.

-Pode deixar.

-Conto com sua colaboração, tchau!

-Tchau!

Encerrei a ligação e me larguei no sofá:

-Duda, o que aconteceu? Você está pálida.

Respirei fundo procurando forças não sei de onde e contei a ele:

-Caramba! E como ele está agora?

-Não sei direito, a imbecil da mulher dele disse que ele está inconsciente, não sabe nada, além disso.

-Acho que você deveria ir até lá e ver com seus próprios olhos o que está acontecendo, deixa que me viro aqui. Depois a gente vê como ficarão esses dias, como você vai pagar, sei lá. Depois nós resolvemos.

Aceitei a sugestão do Carlos, liguei para a empresa aérea que o Vc3 trabalhava, para minha mãe e para Dani explicando o que aconteceu e que eu estava indo ao encontro do meu pai, mas só consegui passagem para o dia seguinte, ainda de madrugada.

Quando cheguei em casa, coloquei algumas roupas na mochila, separei meu notebook e programei meu celular para despertar a 1h, o avião decolava as 4h e eu sempre demorava um pouco para sair do estado de transe do sono.

***

Assim que cheguei a Curitiba, liguei meu celular e entrei em contato com a Regina para saber em qual hospital meu pai estava. Quando me aproximei dela, fez uma cara de total surpresa, acho que não imaginava que eu chegaria assim, tão rápido. Tentei saber ainda por ela qual o estado do meu pai, a xinguei mentalmente por não saber de nada, pois além de ser uma idiota, imbecil, era também uma   tapada.

Ela me apresentou ao médico e enfim soube sobre a real situação do meu pai: a pressão arterial não cedia com as medicações, por esse motivo ele estava em coma induzido e muito provavelmente depois que ele acordasse, teria seqüelas, só não tinham certeza o quanto que ele ficaria debilitado. Disse ao médico que eu era de Salvador e que eu estava ali porque era filha, a esposa dele não soube me dar nenhuma informação e que ficaria ali o tempo necessário, pedi para qualquer alteração no quadro de saúde dele, para me avisarem, ele concordou e se retirou.

Pronto, mais uma bomba nas minhas costas: tinha que avisar a minha mãe, a minha irmã – filha de meu pai de outro casamento, ela era cerca de seis anos mais nova do que eu – tinha também meus avós, tios, primos paternos. Precisava manter a família informada do que aconteceu. Passei a manhã inteira ligando, a tarde tive autorização para entrar na UTI e vê-lo, fiz um carinho, falei um pouco, segurei sua mão o tempo inteiro.

Apesar de nossas desavenças, ele era meu pai e não sei qual seria minha reação se acontecesse algo pior com ele, sabia que o amava, mas tinha medo de nem chorar.

Depois que eu cheguei, não vi mais a mulher dele. Para mim foi certo alívio não ficar olhando para aquela cara de imbecil que ela tinha. Alguns amigos do meu pai apareceram para visitá-lo, mas ele não podia receber ninguém por causa do seu estado. Os filhos da Regina também apareceram. Percebi que meu velho era querido entre muitas pessoas, acho que ele era um ótimo amigo, mas era um péssimo pai e provavelmente marido também.

À noite fui para uma pousada, preferi não ficar em hotel porque não sabia quanto tempo ficaria na cidade e com certeza sairia muito mais caro, outro lugar que não iria era a casa de meu pai por motivos óbvios.

Quando já estava preparada para dormir, resolvi verificar meus emails e tinha um de Rafa perguntando como eu estava e o que tinha acontecido que sumi desde o episódio do Originally, ela tentava, mas não conseguia falar comigo. Respondi explicando tudo o que tinha acontecido até aquele dia e pedi que ela não comentasse com a Bruna porque eu sabia que a Clara acabaria sabendo e aquele não era um bom momento para a gente conversar, não estava preparada para nenhum tipo de discussão. Começamos a conversar por email diariamente.

Os dias passavam sem nenhuma novidade no quadro clínico do meu pai e isso estava me deixando angustiada. Recebia diversas ligações todos os dias de familiares e amigos dele, mas eu não tinha novidade a contar. Eu já estava ali há uma semana, estava exausta, desanimada. Regina aparecia, ficava cerca de trinta minutos e depois sumia. Minha vontade era de bater naquela mulher, eu sentia uma raiva fora do comum quando eu a via. Seu olhar era irônico e eu não entendia o motivo, mas fingia que nada percebia.

Emagreci, incrivelmente não conseguia comer direito, sentia fome como sempre senti, mas não tinha vontade de comer. Eu não aguentava mais aquele clima de hospital, o cheiro de hospital, as pessoas do hospital, mas eu não podia abandonar meu pai ali no momento que ele mais precisava, por isso, somente por isso, persisti.

Mais três dias se passaram e meu pai começou a responder aos medicamentos, fiquei super feliz, liguei para minha mãe para contar a novidade, depois da minha euforia, ela me disse na maior tranquilidade do mundo:

-Estou na casa da sua avó – pausa, escutei sua respiração – a Clara está aqui comigo.

Pronto, a essa altura ela já sabia tudo o que estava acontecendo e não era nada superficial como deixei informado na empresa, minha mãe tinha contado. Eu não queria que nós voltássemos porque a Clara estava com pena de mim, da situação que eu estava enfrentando, eu queria que ela enxergasse a verdade, que nunca a traí e jamais faria isso.

-Você está me ouvindo, filha?

-Estou sim – disse num fio de voz – o que você disse a ela, mãe?

-A verdade, filha. Desde o desentendimento que vocês tiveram daquele domingo até o problema com seu pai.

Incrível! Minha mãe me ajudando a me reconciliar com a minha namorada. Nem nos meus melhores sonhos poderia imaginar isso.

-Você não deveria ter feito isso.

-Claro que sim, não aguentava mais você ficar lamentando essa separação e filha. Nunca te vi chorar por ninguém. Naquele dia que nós conversamos, fiquei com meu coração apertadinho.

Pronto! Ganhei na loteria e não sabia. Minha mãe com o coração apertado porque eu estava sofrendo por uma mulher.

-Mãe? Você está bem? – sorri.

-Nunca estive tão bem. Eu deveria ter lhe apoiado antes, mas agora pretendo recuperar o tempo perdido, filha.

-Você sabe quanto tempo esperei para escutar isso?

-Quatro anos. Sei que é muito, mas como dizem por aí: “antes tarde do que nunca”, não é verdade?

Sorri, apesar de tudo eu estava feliz. Finalmente eu estava me acertando com minha mãe, finalmente ela estava reconhecendo o erro que estava cometendo durante quatro anos.

-Du…

Prendi a respiração, não conseguia falar mais nada. Fui pega totalmente de surpresa. Vinte dias mais ou menos que não escutava aquela voz, a voz da pessoa que tanto amava e que tanto queria que estivesse ao meu lado, mas por causa de uma idiota estávamos separadas. Mas, também por causa da própria Clara que não me deu a chance de explicar o que aconteceu, aliás, não aconteceu:

-Oi – respondi num fio de voz depois de alguns segundos.

-Como você está?

-Tirando a nossa separação e que meu pai está em coma, está tudo bem – não consegui, a Clara sabia que detesto esse tipo de pergunta.

-Desculpa.

-Não, quem tem que pedir desculpa sou eu. Estou exausta, muito cansada mesmo, aqui está tudo nas minhas costas. Não aguento mais esse hospital.

-Você detesta hospital.

-Se não fosse por meu pai, já teria ido embora – soltei um riso curto.

-Quando você volta?

-Não sei, não tenho a mínima ideia porque não quero deixar meu pai assim. A imbecil da mulher dele raramente vem e quando aparece fica só uns trinta minutos e some. Não quero deixá-lo sozinho.

-E você está dormindo onde?

-Numa pousada aqui perto, preferi não ficar sob o mesmo teto que ela. Eu me conheço o suficiente para fazer essa escolha, pode ter certeza que é a mais sensata.

-Você está se alimentando direito?

-Na medida do possível.

-Dormindo?

-Quase nada

-Você não toma jeito mesmo, não é? – sorriu – Olha, vou passar o celular para sua mãe, tenho que voltar ainda hoje para Salvador.

-Tudo bem – pausa – Muito obrigada.

-Pelo o quê?

-Por ainda se preocupar comigo.

-Você não imagina o quanto – ela suspirou – estou com saudade.

-Eu também estou.

Meu coração disparou ainda mais quando eu ouvi aquela frase, a Clara confessar que está com saudade de mim já era um ótimo começo. Sei que teríamos que conversar sobre o assunto da nossa separação, mas vi uma luz no fim do túnel que poderíamos reatar nosso namoro.

-Bom, preciso ir. Cuide-se.

-Clara?

-Oi!

-Amo você.

Ela sorriu, consegui imaginar seu sorriso pelo tom de voz que falou comigo, suspirou forte.

-Eu sei – pausa – eu também amo você.

Falei com minha mãe por mais um tempo e encerrei a ligação. Estava feliz na medida do possível: meu pai estava reagindo aos medicamentos e pelo visto eu ia conseguir me acertar com a mulher que amo com a ajuda da minha mãe, isso era uma maravilha.

Quando cheguei à pousada, tomei meu banho e fiz um lanche. Fui verificar meu email, tinha um de Rafa que já era de praxe, um do Carlos querendo saber como estavam as coisas, alguns sem muita importância e um da Clara:

“Eu te amo, minha espatódea.” e tinha em anexo a música “Espatódea” do Nando  Reis:

“Minha cor/ Minha flor/ Minha cara/ Quarta estrela/ Letras, três/ Uma estrada/ Não sei se o mundo é bão/ Mas ele ficou melhor/ Quando você chegou/ e perguntou:/ Tem lugar pra mim?/ Espatódea/ Gineceu/ Cor de pólen/ Sol do dia/ Nuvem branca/ Sem sardas/ Não sei quanto o mundo é bão/ Mas ele está melhor/ Desde que você chegou/ E explicou/ O mundo pra mim/ Não sei se esse mundo está são/ Mas pro mundo que eu vim já não era/ Meu mundo não teria razão/ Se não fosse a Zoe”.

É… Estava mais do que claro que a minha Clara estava voltando a ser minha, dormi relativamente feliz depois de tanto tempo.

O dia começou aparentemente tranquilo, acordei cedo como sempre, tomei meu café da manhã e segui para mais uma maratona no hospital. Meu pai continuava reagindo bem aos medicamentos e o médico me informou que se ele continuasse assim e a pressão baixasse um pouco mais, ele não precisaria mais ser submetido ao coma induzido.

Eu estava saindo para almoçar, fiquei a uns dois passos distantes da entrada do hospital do lado de fora, senti o sol bater em minha pele. Respirei fundo, realmente estava precisando de um pouco de ar, não precisava ser puro – o que é impossível em qualquer metrópole. Mas, qualquer um era melhor do que o ar de hospital, definitivamente eu não serviria para atuar em nenhuma profissão da área de saúde – sorri com essa constatação.

Senti uma mão segurar em meu braço, virei para ver quem era e para minha pura, total e maravilhosa surpresa era a Clara. Sorri, ela também lançou um sorriso lindo, mais lindo do que nunca para mim, nos abraçamos e lágrimas caíram dos meus olhos numa mistura de saudade com alívio de não estar mais sozinha naquela cidade que não tenho boas recordações.

Ficamos assim por alguns minutos até que ela se afastou um pouco, mas não desgrudou o corpo do meu. Fitou meus olhos, os seus estavam lindos, mais uma vez fiquei encantada por eles, mais uma vez me apaixonei por eles.



Notas:



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