I

 

A reação dos soldados em volta variou das expressões de surpresa para o resvalar de espadas no couro da bainha e a ameaça de uma investida letal contra Voltruf. Contudo, a florinae fez novo gesto de descaso e disse:

— Por favor, poupem-se do trabalho. Não ofereço perigo a vocês e, mesmo que fosse o caso, essas armas não poderiam me matar. Talvez ferir temporariamente, mas matar está fora de cogitação. Perguntem ao Rall, ele viu bem mais do que contou.

O velho limpou a garganta, mostrando um sorriso incomodado. Por fim, balançou a cabeça afirmativamente.

— Estou falando sério, gente! Não precisam disso. Não tenho intenção de atacá-los.

— Como se fôssemos acreditar no que diz, Flora! — Disse um dos soldados, cujo nome era Dalid. — Aparentemente, as histórias de que a sua rainha está usando a Ordem para nos espionar são verdadeiras.

Voltruf suspirou, achando graça do que ele dissera.

— Você é um moleque bem insolente e estúpido também.

Ela estendeu a mão e um círculo brilhou na palma, antes de tudo a volta deles, literalmente, congelar. Estacas de gelo se formaram no ar, apontadas para cada um dos soldados, enquanto outras se ergueram do chão. No colo do avô, Gael sorriu, encantado, e Vanieli não escondeu o mesmo deslumbramento.

 

 

 

 

Satisfeita com a reação que causou, Voltruf fechou a mão e o gelo se desfez como se fosse poeira sendo carregada pelo vento. 

— Como quiserem, fiquem com as espadas em mãos, se isso os faz se sentirem seguros…

A florinae escondeu as mãos às costas, relaxada. Tinha um ar de deboche na face de traços delicados. Sorriu para Lenór, olhando para as espadas que a herdeira do Clã Azuti ostentava na cintura.

— Pensando bem, há alguém entre vocês que poderia me oferecer algum perigo. A sua comandante é uma mulher interessante. Certamente, poderia me machucar. Só machucar mesmo, porque a morte continua sendo uma possibilidade nula.

Voltruf balançou os ombros, pensativa. Chegou perto dela, fazendo os homens aumentarem o estado de alerta, todavia Lenór manteve-se firme na mesma posição. Aparentava estar relaxada, entretanto continuava atenta.

— Admito que estou bastante surpresa, Comandante Azuti. — Voltruf inclinou-se um pouco na direção dela. — Você tem um cheiro bastante interessante.

O comentário fez Lenór arquear uma sobrancelha, ao passo que Vanieli estreitou os olhos, tentando entender se aquilo era algum tipo de insulto florinae.

Voltruf inspirou profundamente e sorriu de lado.

— Uma guerreira que carrega espadas como essas, certamente é alguém de muito valor. Esses tolos sequer imaginam do que você é capaz, não é?

Lenór não respondeu, porém Vanieli percebeu um ligeiro incômodo se assentar no semblante da esposa e indagou-se o que havia de tão especial nas espadas dela. A florinae recuou, fazendo um gesto de descaso enquanto mirava os homens com as armas ainda erguidas. Balançou a cabeça com escárnio.

— É estúpido agirem dessa forma por causa de uma guerra que aconteceu há milênios. Se bem me lembro, houve paz entre nossos continentes depois dela. Tratados foram assinados, meu povo caminhou livremente por essas terras e o seu fez o mesmo nas nossas. E quanto a rainha de Flyn, ela tem mais o que fazer do que se preocupar com Paludine. Quanto à Ordem, são curandeiros, senhores. Só pensam em cuidar dos necessitados, mesmo aqueles que temem a magia e se mostram preconceituosos.

— Se este é o caso, por que os acompanha? — Vanieli indagou, baixinho.

Por sua vez, Lenór continuava a exibir uma máscara de tranquilidade. Diferente dos soldados em volta, ela nunca compartilhou do preconceito que os paludinos tinham contra a magia e depois de construir uma vida no continente amariliano, ela se tornou tão comum ao seu cotidiano que suas manifestações não a surpreendiam mais. Contudo, a comandante teve de admitir para si mesma que a demonstração de Voltruf fora assustadora. O controle dela sobre a magia e o espaço que a rodeava sequer poderiam ser comparados aos parcos poderes dos magos que conhecia.

Ela fitava os olhos violetas da florinae, enquanto esta falava. Lia suas expressões como se fosse um livro e, pela primeira vez em anos, teve dificuldade para interpretar alguém. No entanto, o instinto lhe dizia que, ainda que Voltruf fosse uma mulher perigosa, não era a eles que a florinae oferecia perigo.

— Sendo sincera? — Indagou Voltruf para Vanieli, respondendo em seguida: — Eu aprendi a apreciar o desprendimento dessas pessoas. Se doar em favor de outros me pareceu estúpido na primeira vez que ouvi falar da Ordem, porém o tempo e uma guerra me ensinaram o quão valorosos eles são, principalmente, uma de suas mestras. Todavia, não é por isso que estou aqui e, certamente, não é para espionar vocês.

Ela deixou novo arquear de lábios deformar a face. Era um gesto muito agradável, embora tivesse uma nota intensa de soberba e sarcasmo.

— Vocês devem conhecer a história, certo? Pelo menos, uma parte bem interessante dela. Alguns milênios no mesmo lugar, me fizeram ter vontade de “bater perna” por aí. Creio que isso não seja um crime.

Mentira. Foi o que todos pensaram. Todavia a florinae encerrou o assunto com outro sorriso. Pousou a mão sobre o peito e se voltou para Rall, inclinando o corpo para a frente em um gesto respeitoso e tão profundo quanto se faria para um rei.

— Agradeço sua bondade e companhia, Rall. Creio que o mundo, especialmente este reino, precisa de mais pessoas como você.

Ela recolheu o manto e a espada, então fez nova reverência, desta vez, para Lenór.

— Obrigada por dividirem um pouco do seu fogo comigo. Desejo que, à partir daqui, sua viagem seja tranquila e segura.

Endireitou-se e começou a se afastar, dizendo:

— Tenham uma boa noite. Não lhes direi “adeus”, porque algo me diz que voltaremos a nos reencontrar, em breve.

Dito isso, caminhou para o vilarejo e montou no cavalo, que havia deixado preparado, mais cedo. Incentivou o animal a ir além dos escombros e das casas que permaneciam de pé. Então, se embrenhou na floresta.

— Deuses! Ela poderia… — o soldado que confrontou a florinae enfiou a espada na bainha com as mãos trêmulas.

Rall riu, sabichão. Realmente, ele tinha ocultado da sua narrativa algumas partes importantes, como o fato de ter retornado para ajudar a guardiã, após deixar Gael em um local seguro com os moradores da vila.

Sentiu um calafrio ao recordar o que viu. Com certeza, as armas daqueles soldados não podiam matar a florinae. Ele tinha visto de perto quando um dos bandidos a estocou no peito e, quando retirou a espada, o ferimento se fechou. Entretanto, isso não foi a coisa mais estranha e assustadora que a viu fazer.

— Sim, ela poderia ter matado todo mundo aqui num piscar de olhos. — Concordou.

Ele acariciou a cabeça do neto. O menino tinha pego uma das pedras de gelo que Voltruf criou e fixava o objeto com fascinação. Rall olhou para a pedra, notando que ela tinha a forma de um animal, parecia um tigre. Imaginou que a florinae a fez assim de propósito, afinal, depois de algum tempo de conversa na estalagem, ela se mostrou muito amigável com o garoto.

Fitou Lenór de uma forma bastante significativa. A comandante, que ainda olhava para o caminho que a florinae tomou, deu voz aos pensamentos dele:

— Ela poderia, mas não o fez. — Voltou-se para Rall, pensativa.

Em seu lugar, Vanieli se expressou:

— Todavia, é curioso que tenha optado por usar a espada contra os bandidos, se com um único gesto poderia ceifar a vida de todos.

Lenór deu de ombros, retornando para junto dela.

— E por qual razão ela usaria magia, se luta como um demônio? — Rall perguntou. — Com ou sem magia, ninguém neste grupo seria páreo para ela. Bem, — ele olhou para Lenór e corrigiu-se — quase ninguém.

 

***

 

Vanieli agradeceu Adel com um misto de sorriso e inclinar de cabeça. A serva havia preparado as esteiras para que ela e Lenór pudessem repousar. A moça murmurou uma resposta educada, então saiu da tenda, que fora erguida um pouco mais distante das outras e juntou-se aos soldados em volta da fogueira.

A Kamarie ainda se incomodava com o silêncio diligente da moça de rosto sério e bondoso. Verdade fosse reconhecida, a serva tinha modos muito agradáveis. Entretanto, havia algo nela, que lhe inspirava desconfiança e o desejo de se preservar. Contudo, Lenór se mostrava muito tranquila em sua companhia e não era incomum vê-las conversando em voz baixa ou capturar uma troca significativa de olhares.

Talvez fosse apenas impressões de Vanieli, que passava muito tempo observando a esposa a fim de conhecê-la melhor. Todavia, ela se pegou a pensar se Lenór já não tinha encontrado em Adel uma pessoa de interesse, com quem pudesse se relacionar fora do casamento, fazendo jus aos termos que estabeleceram. Nada conversaram sobre os gostos dela, mas estava quase certa de que Lenór preferia as mulheres em vez dos homens, ante a forma que se expressou na noite de núpcias.

Deixou as suposições de lado e encarou as esteiras, dispostas lado a lado, sem vê-las realmente.

Sua mente ainda estava processando tudo que havia acontecido naquele dia. Não era a primeira vez que via a manifestação da magia, contudo, foi a primeira que presenciou controlada e bem estruturada. Seguramente, devia temer aquilo, mas não conseguia. Embora ameaçadores, os cristais de gelo que a florinae criou eram tão belos que pareciam pedras preciosas.

O vento balançou a cortina que servia de porta para a tenda e Vanieli deixou suas impressões de lado para ir à procura de Lenór, a fim de esclarecer algumas coisas. Encontrou a esposa recostada a uma árvore, a uma dezena de metros além do acampamento, onde a luz da fogueira quase não a tocava.

Pensou que ela estivesse vigilante; talvez tentando ver se a florinae voltaria ou mesmo os bandidos, contudo Lenór estava distraída com o firmamento.

A comandante confiava nas percepções de Rall e sabia que, embora ele se mostrasse simpático com todo mundo, raramente demonstrava confiança em alguém ao ponto de lhe oferecer companhia em uma viagem ou parada em uma estalagem. O velho tinha simpatizado com Voltruf e o instinto dele sobre a índole das pessoas nunca falhava, então estava certa de que não precisava se preocupar.

As nuvens chuvosas tinham partido sem derramar nenhuma gota de água e deixaram em seu lugar um céu límpido e estrelado. Vanieli o fitou, também, mas logo retornou o olhar para a esposa e indagou:

— Devo esperar mais surpresas a seu respeito? Achei que você e o rei tinham decidido ser completamente sinceros comigo.

A voz dela fez Lenór suspirar e retornar a vista para a noite que as envolvia, antes de fitá-la:

— Culpe o seu rei por isso. Ele esqueceu de contar algumas coisinhas naquela noite.

— E você, convenientemente, manteve assim. — Vanieli acusou.

— Não exatamente. Poderia inventar muitas desculpas para não ter lhe contado, mas nada que disser poderá apagar a revolta que está sentindo. Diga, por que se sente tão incomodada com isso? Daijins são renegadas por todos os reinos deste continente, todavia você parece decepcionada por não estar casada com uma.

Vanieli se mostrou desconcertada com a pergunta. Encolheu-se com o vento frio que as envolveu e balançou a copa das árvores.

— Não sei ao certo. — Confessou. — Apesar das tradições, e da forma como as daijins são encaradas pelo nosso povo, quando conheci você, a admirei por ter tido a coragem de escolher seu próprio caminho, mesmo que para isso tivesse deixado nome e família no esquecimento. Agora… Não sei o que pensar.

Ela encolheu-se um pouco mais e Lenór se aproximou, pousando as mãos em seus braços e fazendo movimentos suaves para aquecê-la. Se irritava com a fragilidade que Vanieli aparentava, mas também se admirava do seu poder de observação e dedução em alguns momentos.

— Talvez este seja o problema. Você está pensando demais nisso. Eu não sou esse tipo de mulher forte e decidida que imaginou. É um fato que eu quase fui para as Terras de Aman com o intuito de me tornar uma daijin, porém o destino tinha outros planos para mim e abandonei, não apenas Cardasin, mas este continente também. Em ambas as situações, não foi uma escolha minha. Foram decisões de Mirord. Quer saber o porquê dele fazer isso?

Não esperou uma resposta positiva para contar:

— Ele fez porque, aos quatorze anos, eu não tinha voz. Eu não sabia o que era viver, só sabia o que era ter medo. Temia a próxima coisa errada que diria ou faria para deixar meu pai zangado ao ponto de me arrastar para o local vazio mais próximo e me bater até que eu perdesse os sentidos. Temia morrer nas mãos dele. Na verdade, houve um tempo em que eu até desejei que isso acontecesse. Seria um bom fim para aquilo. Eu tinha tanto medo, que sequer podia imaginar outra vida além daquela.

Afastou-se um pouco e a parca luminosidade deixou que Vanieli visse o mesmo olhar triste que divisou no dia em que se conheceram.

— Longe daqui, descobri que o medo não é um estado de espírito constante. Cresci, aprendi coisas, vivi coisas, ensinei coisas… Eu tenho uma vida inteira de fatos desconhecidos para você. E não poderá se zangar ou se mostrar desnorteada sempre que descobrir algo sobre mim. — Fez um gesto vago, sorrindo para o céu estrelado.

Ao que se recordava, somente Rall e sua nora ouviram aquela história. Contudo, a forma que Vanieli se mostrou decepcionada por ela não ser uma daijin, fez com que as palavras lhe escapassem sem travas. De alguma forma, a esposa a tinha superestimado baseada na mentira que Mirord contou e que o rei endossou, mas Lenór não era a rocha que se mostrava, tampouco continuava sendo a menina amedrontada do passado.

Desconfortável por despejar sobre Vanieli uma história que não gostava de recordar, mas que, entretanto, estava bem vívida em suas memórias e na mulher que veio a se tornar, Lenór soltou um suspiro carregado e disse:

— Foi um longo dia. Que tal descansarmos um pouco?

Ofereceu o braço para Vanieli, que o pegou ainda em silêncio, e a seguiu remoendo aquelas informações. De modo algum conseguia encarar Lenór como uma vítima, no entanto a dor que enxergou no olhar dela, momentos antes, lhe pareceu tão real que poderia ser palpável.

De fato, tinha muito para assimilar e talvez fosse mesmo melhor tomar um tempo para pensar no assunto. Afinal, Lenór estava com a razão, não é como se tivesse sido enganada.

As pessoas recebiam fiapos de informação e deles montavam uma história que acreditavam ser verdade. Em nenhum momento Lenór disse “eu sou uma daijin”, mas, também, não tinha negado isso. Assim, Vanieli e, provavelmente, o reino inteiro, tinham sido induzidos ao erro. Deixando o desagrado por isso de lado, Vanieli teve vontade de rir da sua própria ingenuidade.

— Por que não contou isso a todos? — Quis saber, de repente.

— Palatins são soldados de Barafor. Essa designação impõe respeito por lá. Só que, agora, sou uma soldada de Cardasin. É necessário ganhar o respeito desses homens à maneira deste reino.

— Embora discorde um pouco, compreendo seu intento.

Um pequeno sorriso visitou os lábios de Lenór.

— Algo me diz que você faria alarde. Diria em alto e bom tom quem era e exigiria o respeito devido. Entretanto, Vanieli, já lhe disse que nem tudo pode ser resolvido no grito ou com os punhos. O que aconteceu esta tarde, confesso, foi um erro da minha parte. Me deixei levar pelas emoções.

Antes de entrarem na tenda, ela foi até Rall e tomou o menino adormecido dos braços dele. O levou consigo para a tenda. Deitou a criança na sua esteira e recostou-se ao lado dele sob o olhar curioso de Vanieli.

Lenór fez um carinho na bochecha do menino, dizendo:

— Creio que não há mais nada tão impactante em minha vida quanto essa história de ser ou não uma daijin, exceto, o fato de que sempre que esse garotinho diz “matik”, na verdade está querendo dizer “maaitik”.

Vanieli se recostou em sua própria esteira, virou-se para ela e indagou:

— O que significa?

— Quer dizer que eu sou a “mãe” dele.

 

II

 

Vanieli cavalgava ao lado de Lenór, cujo filho ia sentado à frente da sua sela. Vez ou outra, o menino via algo que lhe interessava e o apontava para a mãe. Ele era pequeno para a idade, o velho Rall deixou escapar que tinha cinco anos. Entretanto, se mostrava muito atento ao lado de Lenór que conversava com ele em voz baixa.

O trote dos cavalos abafava o som da voz dela, contudo algumas palavras lhe chegavam. Lenór contava histórias para ele. Uma lenda sobre a floresta que atravessavam e que era muito mais antiga do que as histórias de maldições e monstros dos últimos vinte anos.

Ainda não conseguia compreender como Lenór poderia ser a mãe dele, se o velho Rall tinha dito que a mãe da criança morrera. Entretanto, após lhe contar isso, Lenór abraçou o menino e adormeceu dando a conversa por encerrada, sem se importar com o fato de que havia deixado Vanieli com uma tempestade de informações para remoer. Contudo, a Kamarie também estava fadigada da viagem e caiu no sono pouco tempo depois.

O dia se iniciou com uma chuva fina, que se foi no meio da manhã. Os soldados de Verate chegaram um pouco antes de partirem e, assim, a Comandante se sentiu mais à vontade para deixar o vilarejo, mas não antes dar ordens específicas de como deveriam atuar.

A atitude imponente causou estranhamento nos homens que viajaram em sua companhia até Verate e assumiram postos por lá. Porém, as notícias do que ocorreu no dia anterior se espalharam entre eles rapidamente, cuja descrença de que pudesse ser uma palatin de Barafor foi desfeita assim que visualizaram os hematomas no rosto de Adamus.

O tenente tinha perdido completamente a atitude superior e provocadora e limitava-se a balançar a cabeça quando alguém, principalmente Lenór, falava com ele. Era como se Adamus fosse uma flor que murchou e, nem mesmo algumas palavras de apoio dos seus companheiros mais próximos, trouxeram ânimo às suas feições.

Vanieli olhou para o tenente, que cavalgava um pouco atrás delas.

Ali estava outra coisa que não conseguia compreender. Adamus era um sujeito grande e musculoso que, diante do ofício a que se dedicava, estava acostumado a entrar em brigas, a bater e apanhar também. Contudo, lhe impressionava, e aos outros também, que ele tivesse hematomas tão feios e grandes se Lenór só o atingira com poucos socos. O homem mais parecia ter sido pisoteado por uma manada de cavalos selvagens, e as expressões de dor que deixava escapar a cada momento, denunciavam que o estrago que a comandante lhe fez era bem maior do que o que podia ser visto.

Certamente, ser uma palatin fazia de Lenór uma mulher excepcional.

Vanieli não sabia muito sobre eles, mas o pouco conhecimento que tinha era suficiente para deixá-la impressionada e muito mais curiosa sobre a esposa.

Dizia-se que o treinamento para se tornar um palatin costumava matar a maioria dos pretendentes, mesmo assim, era uma função muito disputada entre a Guarda Real de Barafor. Nenhum reino de Amarilian, com exceção do recentemente redescoberto Flyn, do qual pouco se sabia ainda do seu exército, exceto que era implacável, possuía guerreiros tão poderosos. Nem mesmo Axen, que era famoso por suas fileiras militares brutais e incansáveis, tinha guerreiros tão bem treinados.

Com certeza, ser uma daijin também conferiria a Lenór um título impressionante. As guerreiras das Terras de Aman, sem dúvida, eram o exército mais poderoso de Paludine e o fato delas não se envolverem com os outros reinos e suas contendas, era motivo de alívio. Afinal, ninguém gostaria de ir contra o exército de uma deusa, mesmo que se apegassem às tradições machistas e desprezassem tais mulheres.

Pensando sobre isso, Vanieli viu o quanto aquele pedaço de mundo era contraditório. As daijins eram desprezadas por viverem à margem das tradições, porém também eram temidas por isso.

— Acho que este é um bom lugar. — Disse o capitão Elius.

Ele se retorceu sobre a sela, para olhar para Lenór e obter a aprovação desta, o que veio através de um inclinar de cabeça.

— Muito bem, — disse Elius, aumentando o tom de voz — vamos parar aqui. Descansaremos um pouco, faremos uma refeição rápida e retornaremos ao nosso caminho. Com sorte, chegaremos no Castelo ao pôr do sol.

Vanieli apreciou o momento de descanso, mais do que deixou transparecer. Porém, o velho Rall era bastante observador e lhe disse:

— Eu também estou com o traseiro dolorido, Damna.

A forma como se expressou arrancou um risinho dela, que aceitou um gole do vinho que ele ofereceu. Gael sentou-se ao lado do avô e Vanieli procurou a esposa com o olhar. Avistou, apenas, a capa dela desaparecendo entre as árvores, enquanto se afastava do local.

— Ela é uma boa mulher, Damna. Não poderia ter encontrado esposa melhor. — Rall falou, chamando sua atenção.

— O senhor sabe que esse casamento não é exatamente por amor. Certo?

Ele riu, afagando os cabelos negros do neto.

— E quem se casa por amor neste reino? — Indagou Rall. — Bem, talvez os mais humildes se casem, mas a nobreza não. Há sempre nomes, linhagens, fortunas e tantas outras coisas no meio, não é mesmo?

Resignada, Vanieli concordou com ele, notando que alguns soldados próximos pareceram incomodados com as suas afirmações. Rall percebeu, também, mas não mudou de assunto.

— Estou apenas declarando um fato, Damna. Independente das razões de ambas para se casarem e irem contra as tradições deste reino, você encontrou uma boa mulher. Lenór pode ser um pouco reservada e bem mal-humorada… Os deuses sabem que, às vezes, ela tem um humor de cão, mas cuidará bem de você.

Ele sorriu para o menino e baixou a voz para que somente Vanieli e o pequeno pudessem escutá-lo. Indagou para a criança, como se ela tivesse compreensão total do assunto:

— Não é mesmo, Gael? Sua mãe é gente boa, certo?

O pequeno balançou a cabeça, confirmando, então passou a se dedicar ao pão que comia. E Vanieli aproveitou a deixa para satisfazer sua curiosidade:

— O senhor nos disse que a mãe dele morreu, então como Lenór pode ser sua mãe?

Rall tomou um gole do vinho, fitando as árvores atrás das quais Lenór tinha desaparecido. Notou a figura esguia e silenciosa de Adel tomando o mesmo rumo, então se voltou para Vanieli.

— Porque ela é a mãe dele. Mãe nem sempre é aquela que dá à luz a uma criança, Damna. Bem, creio que seja melhor que ela conte os detalhes dessa história quando achar que deve. Há particularidades nela que não me pertencem.

 

***

 

Adel sentou ao lado de Lenór e permaneceu em silêncio por algum tempo, enquanto mastigava um pedaço de queijo que a comandante lhe ofereceu.

Estavam na entrada de uma pequena clareira em meio à floresta fechada. O local onde o resto do grupo ficou, estava próximo, mas não tanto para que pudessem ouvir as conversas e risos dos homens.

— Por que está aqui, em vez de comer com os outros, Comandante? — A serva indagou, mordiscando outro pedaço de queijo.

— Eu gosto de um pouco de silêncio durante as refeições, de estar a sós com os meus pensamentos. — Lenór respondeu, fitando o céu rapidamente. — Acho que somos parecidas nisso. Afinal, você está aqui, também.

A serva a fitou com uma sobrancelha arqueada e lhe mostrou um raro, mas bonito, sorriso. Lenór o retribuiu ao tomar a mão dela na sua e observá-la tremer por alguns instantes, antes de deslizar as pontas dos dedos pelo braço. Interrompeu o movimento sobre uma atadura, a qual ergueu um pouco a fim de verificar o estado do ferimento que cobria.

Adel se queimara enquanto a ajudava e a Vanieli, no incêndio. Lenór e a esposa também sofreram algumas queimaduras, porém eram leves. Poucos dias de cuidado e elas logo desapareceriam; provavelmente, não deixariam cicatrizes. 

— Tem razão. — Adel concordou. — Você me lembra alguém que dizia o mesmo…

Lenór inclinou a cabeça, pensativa. A avaliou atentamente, antes de indagar:

— A outra ferida está bem?

— Sim, já não dói tanto. — Adel apertou a mão dela, fitando os olhos de um negro intenso. Rugas discretas costumavam se formar à volta deles, quando Lenór sorria. — Obrigada pela preocupação e por dividir sua refeição comigo.

Se pôs de pé, fez uma reverência breve e se afastou em direção ao acampamento. Lenór ainda se demorou um pouco para seguí-la e não se mostrou surpresa quando encontrou Vanieli recostada a uma árvore com os braços cruzados e um sorriso cínico a moldar os lábios.

— Então, é disso que você gosta, esposa? — Perguntou a Kamarie. — Mulheres silenciosas e obedientes?

Lenór devolveu o sorriso cínico, chegando mais perto dela.

— Às vezes. Mas também gosto de homens de sorriso fácil e modos gentis, assim como o soldado Dalid. Nisso, acho que somos iguais! — Deu um leve toquinho no queixo dela e disse, antes de seguir seu caminho: — Seja um pouquinho mais discreta, tá? Tente não devorar o rapaz com os olhos sempre que ele lhe sorrir.

Embora não houvesse motivo para sentir vergonha, Vanieli corou violentamente. O soldado em questão tinha lhe chamado a atenção desde a primeira vez que o vira. Ele era gentil e atencioso com ela e Vanieli se agradou da sua postura, visto que não participava das ofensas de Adamus. Contudo, não imaginava que a amabilidade que demonstrava por ele, tivesse sido notada pela esposa, afinal, sempre fora cuidadosa.

— Ora sua…! Você mesma citou os termos! — A seguiu, dizendo.

Lenór interrompeu os passos para se voltar para ela.

— De fato. Só não achei que você seria tão rápida. — Ela provocou. — Apenas tente não ser tão fácil de ler, está bem? Se eu notei, outros podem ter percebido, também. Como Adamus afirmou ontem, nosso casamento é uma piada para esses homens. E ele não deixa de estar certo, não é verdade?

Deixou o sarcasmo de lado e tornou-se objetiva:

— Vanieli, esteja certa que, eventualmente, mais de um deles irá se insinuar para nós. Quando isso acontecer, não importa quem você irá escolher ou se irá preferir não fazer isso. A questão é saber se portar na frente deles.

A forma com que falava aumentou o rubor na face de Vanieli, o que inflamou os ânimos da moça.

— Por quem me toma?! Acha que sou uma mulher fácil?

— Não foi isso o que quis dizer! — Defendeu-se Lenór.

— Mas é isso que está dando a entender!

— Deuses, Vanieli! Não ponha palavras em minha boca! Só peço que seja mais comedida com seus sorrisos e olhares para Dalid ou qualquer outro. Eu não penso que seja uma mulher fácil. Por mim, você poderia esbanjar sorrisos à torto e à direito. Contudo, — fez um gesto que englobava tudo à volta delas — aqui a coisa é diferente e só estou pedindo que reflita um pouco sobre este ponto. Se você se mostrar simpática demais com esses homens, alguém poderá interpretar isso como um convite. E quando isso acontecer, o que você irá fazer?

— Ora, irei rejeitá-lo educadamente. — Respondeu, simplesmente.

Lenór não conseguiu evitar o deboche no sorriso. Passou a mão na testa, tentando encontrar um jeito de expor seu argumento de uma forma mais direta e simples, embora acreditasse que já estava sendo bastante clara.

— Você não compreendeu bem onde estamos. Há homens de valor nesse grupo, apesar de todas as situações desagradáveis pelas quais passamos. Certamente, apesar disso, são honrados. Contudo, não posso garantir que todos sejam assim e nem dizer o mesmo daqueles que estão no Castelo. Lembre-se bem da forma que Adamus falou sobre nós. Acha que somente ele pensa assim? Se um desses homens cismar que você jogou charme para ele, mesmo que não tenha feito, se sentirá no direito de procurá-la com segundas intenções e não importa que sejamos casadas, que você o rejeite “educadamente”, ou que eu seja a comandante. Entende onde quero chegar? Nosso casamento é uma pilhéria para essa gente e certamente necessitamos de um membro entre nossas pernas para nos sentirmos mulheres “de verdade, completas e satisfeitas”.

Vanieli entendia seu ponto, todavia não estava disposta a admitir sua inocência para ela. Às vezes, se sentia uma criança na presença de Lenór, o que não deixava de ser uma verdade ao se levar em consideração que a Azuti era alguns anos mais velha que ela e, como tinha afirmado na noite anterior, possuía bastante experiência de vida. Arrefeceu seus sentimentos e abrandou as expressões, o que pareceu surtir um efeito positivo em Lenór.

Mesmo assim, perguntou em tom de acusação:

— Como você pode ser tão maliciosa com seus próprios homens? Adamus, eu entendo. Os mais próximos a ele, também. Porém, os outros, nunca demonstraram esse tipo de conduta.

— Todavia, também não se mostraram contrários a ela. — Lenór recordou.

— É verdade. — Vanieli admitiu, retomando a palavra. — De qualquer forma, não consigo imaginar que qualquer um deles, até o tenente Adamus, seja capaz de um ato tão vil. — Fez uma pausa para tomar um pouco de ar. — Cardasin pode ser um reino que anula suas mulheres, contudo também condena certas ações e até mesmo o mais desagradável desses homens sabe quais limites não deve cruzar. Que eles não queiram ser comandados por uma mulher é uma coisa, mas daí a cometer a violação que está sugerindo é algo que não posso conceber.

Um suspiro audível escapou de Lenór. Ela deu de ombros, pousando a mão sobre uma das espadas curtas na cintura. Eram lâminas ligeiramente curvas nas pontas.

— Você se acostuma a certas coisas e situações no exército, Vanieli. É claro, em Barafor, as coisas são diferentes. Há respeito entre homens e mulheres. Contudo, isso não significa que não me encontrei em momentos complicados, porque um companheiro interpretou de forma errônea um gesto ou sorriso de minha parte. A coisa piora se estiverem bêbados. — Ela passou a mão nos cabelos. — É claro que essas coisas aconteceram no início da minha carreira militar, depois aprendi a interpretar as pessoas e a me impor.

— Não significa que o mesmo acontecerá comigo! — Vanieli pontuou.

— Realmente. Admito que você pode ter razão nesse ponto. Mas, também, reconheço que você é muito inocente; tanto que, às vezes, chega a ser irritante. O que estou dizendo soa como desprezível e, claro, não deveria acontecer. Sequer deveria ser uma possibilidade. E, com certeza, nem todo mundo é assim. Não sou daquelas pessoas que enxerga inimigos em todos os lugares, mas tem gente que não tem escrúpulos, mesmo estando cientes de que seus atos são condenáveis. É com essas pessoas que deve se preocupar.

Ela mudou a postura ligeiramente agressiva e se aproximou de Vanieli.

— Só quero que seja um pouco mais cuidadosa. Certo? — Pousou a mão no ombro dela e Vanieli a afastou, irritada.

— Você deve me achar uma idiota!

— De modo algum. Na verdade, estou certa de que é o contrário. Você é uma mulher muito astuta, entretanto ainda é inocente, como afirmei há pouco. Você cresceu entre os muros da casa do seu pai, sob a proteção de homens justos e fiéis a ele. Homens que nunca ousariam olhá-la de outra forma se não recebessem permissão para isso, como aquele guarda. — Sorriu de lado relembrando Darlan, todavia não se expressou de forma condenatória. — Aqui fora, as coisas são diferentes. E não quero vê-la machucada.

— Isso seria problema meu, não seu. — Vanieli afirmou, deixando-se inflamar outra vez. Não queria mesmo que Lenór a visse como alguém tão frágil.

— Você está fazendo de propósito, não é? — Lenór acusou. — Me irritando com essa teimosia… Sabe bem que se alguém lhe fizesse mal, seria um problema nosso. Não existe mais só eu ou só você. Somos um casal, agora. E se isso ainda não se assentou nessa cabecinha, então pense nisso quando se engraçar com alguém; se essa pessoa vier a machucá-la, estará me agredindo também. E eu não iria só machucá-lo de volta. Eu iria arrastá-lo para o meio da floresta e retalhar o corpo dele. O abriria como se abre uma caça e exporia suas tripas e o deixaria vivo para que os animais dessem fim a sua agonia.

Vanieli ficou mareada com a descrição sanguinolenta. Por um instante, achou que ela estava brincando, mas o tom maldoso no brilho dos seus olhos deixou claro que não eram palavras vazias. Em silêncio, a acompanhou com passos lentos, mirando os traços austeros da esposa. Estava mesmo provocando-a, quando insistiu em se fazer de desentendida.

— Você é uma mulherzinha horrível, sabia?

Lenór sorriu para ela, balançando os ombros.

— Esteja certa de que não é a primeira pessoa que me acusa disso. Contudo, o fato de querer zelar pela sua segurança faz de mim alguém tão desprezível assim?

Poucos metros e árvores as separavam da clareira onde tinham parado para descansar. Lenór estranhou o silêncio, assim como Vanieli, todavia estavam entretidas na conversa.

— Não acha que está levando essa história de ser minha esposa um pouquinho a sério demais?

Lenór parou de andar para olhá-la de frente. Tomou a mão dela e escorregou os dedos até o pulso, onde o bracelete que simbolizava a união de ambas repousava.

— Entendo que minhas ações podem lhe dar essa impressão, contudo, esteja certa de que não é exagero. Independente de ser uma farsa ou não, e de estar bem ciente dos termos que acertamos, eu levo compromissos bem à sério. Talvez promessas não signifiquem muito para você. — Ela mostrou o bracelete para Vanieli. — Mas enquanto tivermos isso, eu cuidarei de você e espero que também cuide de mim. Você pode fazer isso?

Foi um toque gentil, assim como as palavras.

— Eu posso tentar f…

Um soldado surgiu no campo de visão delas, justo aquele sobre quem falavam momentos antes, e o resto da resposta de Vanieli ficou presa na garganta.

Dalid sorriu para ambas, enquanto se aproximava.

— Estávamos à sua procura, senhoras. — Ele contou, chegando mais perto.

Parecia ligeiramente ofegante e isso não passou despercebido pela comandante.

— Algum problema? — Lenór quis saber.

Ela pousou a mão na cintura de Vanieli. Gesto que a moça interpretou, como se ela estivesse querendo marcá-la como sua propriedade. Porém, logo se deu conta de que não se tratava disso. Vanieli baixou a vista para as botas de Dalid, percebendo as manchas de sangue nelas e notando o silêncio além das árvores pelas quais ele passou.

— Não, o Capitão Elius quer retornar ao caminho logo, só isso. — O rapaz respondeu, tranquilo.

— Entendo.

Lenór observou uma movimentação sutil entre as árvores.

— Estamos tratando de um assunto delicado. Não iremos demorar. — A comandante fingiu-se inocente.

— Sinto muito, senhora, mas o Capitão está com pressa. — Dalid contou. — Ele quer chegar ao Castelo de Abismo antes que a noite caia. Sabe, a Floresta Valnor não é um lugar seguro.

— Já disse que não iremos demorar.

Dalid deu um passo à frente, percebendo que não obteria o que desejava com a atuação. Embora a comandante se mostrasse relaxada, o mesmo não ocorria com a esposa dela. Vanieli tentou, mas não conseguiu ocultar o receio que a tomava.

 Ele mudou sua postura e perguntou:

— O que me entregou?

— O sangue em suas botas. — Lenór respondeu, retrocedendo um passo curto com Vanieli.

O rapaz baixou a vista para os pés. Passou a mão na cabeça com jeito de criança que havia sido pega em meio à uma travessura e abriu os braços, finalizando o gesto com um dar de ombros.

— Ah, desculpe por isso, Comandante. Acredita que aquele brutamontes do Adamus sangrou como um porco quando cortei a garganta dele?! Algumas gotas respingaram nas minhas botas… — Ele sorriu, como se estivesse falando sobre o tempo.

A movimentação entre as árvores tornou-se mais evidente e outros soldados saíram das sombras, deixando claro que estavam cercadas. Eram uma boa parcela dos homens que as acompanhavam, entretanto, nenhum fazia parte daqueles que um dia integraram o exército liderado por Mirord.

— Rall e o menino? — Lenór indagou, escorregando a mão para uma das espadas na cintura.

Dalid acompanhou o gesto, sentando as mãos na cintura, despreocupado.

— Infelizmente, aquele velho é um osso duro. Ele e aquela sua serva sem graça derrubaram Taulos e Visen, antes de ajudarem o capitão Elius e fugirem floresta à dentro. Todavia, não precisa ficar feliz com isso, Comandante. Não vai demorar muito para nossos companheiros encontrá-los. Infelizmente, eles, alguns soldados e vocês duas, também, foram atacados por assaltantes muito violentos. Nós tentamos ajudar. Certo, rapazes? — Ele fez um gesto para os companheiros. — Tragicamente, chegamos tarde demais.

Ainda que Lenór nada tivesse demonstrado, Vanieli percebeu o alívio que a tomou através do toque em sua cintura. Se Rall e Gael estavam bem, a comandante não se seguraria na luta que se avizinhava. Contudo, Vanieli ainda estava por perto e lamentava o fato de não poder ajudá-la.

— Quem foi? — Lenór voltou a indagar o soldado. — Lorde Kanor?

O rapaz riu, fazendo um gesto que abrangia todos os homens em volta. Eles eram de todos os clãs.

— Isso importa mesmo? — Ele perguntou. — O rei foi longe demais. Deixou muita gente zangada ao pisar nas nossas leis e tradições. Acha mesmo que aquela sua demonstraçãozinha de força poderia nos fazer enxergá-la como nossa comandante? Não nos importamos que seja uma maldita palatin, ou que o sangue em suas veias seja Azuti; você já não passa de uma estrangeira miserável.

Ela concordou com um balançar rápido de cabeça. Verdade fosse encarada, Lenór não se sentia mesmo parte de Cardasin. Como tinha afirmado para Mardus, ela pouco se importava com o destino do reino. Queria mesmo era se vingar pela morte do irmão e evitar que o rei, seu amigo, tivesse o mesmo destino. E, se para isso, precisava assumir um papel que nunca desejou e nem imaginou ter naquele reino, assim o faria.

— A estalagem em Verate? — Lenór tornou a questioná-lo.

— Sim. — Respondeu outro soldado, se aproximando de Dalid. — Infelizmente, exageramos um pouco e o fogo saiu de controle.

Ele se voltou para Dalid:

— Não temos o dia todo. Vamos acabar logo com isso.

O outro concordou e deu um passo à frente, porém Lenór ergueu uma mão.

— Uma última pergunta. A morte do Comandante Mirord é obra de vocês?

Dalid pareceu confuso, assim como o amigo.

— Não sabemos do que está falando, o homem não foi atacado por um animal selvagem? — Ele recordou.

Com um dar de ombros satisfeito, Lenór passou os olhos pelos outros homens. Disse para Vanieli:

— E você achando que eu estava sendo maldosa a respeito deles.

— Se não morrermos hoje, me lembre de encontrar uma forma melhor de me desculpar com você do que dizer: sinto muito. — Vanieli falou.

— Vou me lembrar disso. — Lenór prometeu, fazendo um gesto suave para Dalid. — Vocês podem nos dar um momento?

O rapaz achou o pedido e a atitude despreocupada dela, engraçados. Fez que sim com a cabeça e aguardou, enquanto Lenór conduzia a esposa para a árvore mais próxima e longe dos homens.

— Espere aqui. Não vai demorar. — Ela disse.

A risada de Dalid foi alta e claramente carregada de incredulidade.

— Você é mesmo uma filha da mãe audaciosa! — Disse ele, depois se voltou para Vanieli, afirmando: — Desculpe, Damna. Esta floresta vai ser o seu túmulo.

Lenór se afastou da esposa, encarando-o.

— Como aquela florinae falou, você é um moleque insolente. E vai ser um prazer te ensinar a respeitar seus superiores.

 


 

Só pra deixar vocês com vontade de “quero mais”… O capítulo da semana que vem tá daquele jeitinho que estão imaginando: muita ação, emoção e algumas revelações.

Se eu fosse vocês, tacava o cursor do mouse na carinha do “amei”, aqui embaixo, e já preparava a pipoca. Hehe…

Beijão e até a semana que vem!



Notas:



O que achou deste história?

16 Respostas para 7.

    • Nada como saber oferecer o acompanhamento certo para uma boa leitura. Hehehe…

      Obrigada pelo comentário, Suzi. Te espero nos próximos capítulos.

      Beijos!

  1. Táttah, cada capítulo uma surpresa e um suspense, como vc dá conta de tanta informação assim para colocar no papel?!

    Passada com tantas revelações e com tudo acontecendo ao mesmo tempo e agora.

    Adorooooo e quero mais com certeza!

    Bjuuuu

    • Preguicella,

      Menina, às vezes, nem eu sei como consigo. Penso que não bato bem das ideias, mas quando boto essas coisas no papel, até que faz sentido. kkkkkkk… Melhor não tentar entender. kkkk…

      Beijão, visse?

      Até os próximos capítulos!

  2. Ela é a virnan 2.0, a cada capítulo é uma descoberta sobre ela, pra que no final descubram que ela é a fodona e dona do crlh a quatro. Esses caras já tão mortos e enterrados, já começaram errado querendo puxar as armas para a volt, e agora querem matar a lenór, pediram para morrer

  3. Olá! Tudo bem?

    Como sempre, maravilhoso o seu conto, suas palavras. Agora, incomoda-me essa ‘candura’ de Vanieli. Espero estar ‘confundindo’ as coisas.
    É isso!

    Post Scriptum:

    ”É tão fácil enganar-se a si mesmo sem o perceber, como é difícil enganar os outros sem que o percebam.”

    François La Rochefoucauld

    • Kasvattaja Forty Nine,

      Obrigada pelo carinho e comentário.

      Então… é para incomodar mesmo. kkk…

      Bem, é como Lenór disse, Vanieli cresceu cercada de “segurança”. Ela é inteligente, observadora e um pouco maliciosa, também. Contudo, os limites “seguros” com os quais foi criada, por vezes fazem com que essa inocência aflore. É claro que algumas vezes ela insiste nela, apenas pela teimosia de não dar o braço a torcer para Lenór.

      Ainda que ela tenha se casado com alguém que a mantém com um status nobre dentro da sociedade cardasina, é uma realidade nova para ela, já que passou a ter um contato mais próximo com o povo. Naturalmente, Vanieli irá reconhecer isso aos poucos e passará a absorver as coisas que Lenór lhe fala e faz questão de ensinar com mais apuro e respeito.

      Espero que esse incômodo passe logo e não lhe atrapalhe a leitura.

      Beijos e até os próximos capítulos!

  4. Tattah,

    Sensacional, Vanieli e sua ‘inocência’.
    Lenor se mostrando uma mãe amorosa e ao mesmo tempo uma mulher
    forte.
    Tenho pena destes soldados… na verdade tenho não, que se ferrem
    q tenham um ótimo encontro com a morte. k k k

    Mto bom, Tattah.

    • kkkkkkkk…
      Como estou atrasada na resposta e você, com certeza, já leu o capítulo seguinte, sabe que a sua vontade foi feita. Hehe

      Beijos!

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