Yahira sentia dor em todo o corpo, além de um terrível desconforto para respirar. Avaliou-se rapidamente. Algumas costelas quebradas, possivelmente o mesmo com tornozelo direito.
O corpo de Aisen a pressionava contra a rocha fria sobre a qual caíram. Yahira gemeu alto, olhando para o céu noturno. A ação da ex-companheira fez as duas despencarem por não mais que uma dezena de metros. A queda teria sido mortal, se não houvesse uma protuberância no paredão, um pouco abaixo de onde estavam. Então, em vez de uma queda direta até o fundo do abismo, ao atingirem aquele ponto, elas acabaram rolando até a plataforma rochosa em que agora se encontravam.
Aisen resmungou algo, a cabeça apoiada no seu ombro. Descobrir que ainda estava viva fez Yahira sorrir dolorosamente ao passo que assistia a luz do círculo de chamas, que flutuava no vazio, descendo vagarosamente até elas.
— Ainda estamos aqui — Yahira murmurou, os olhos fixos nas chamas.
Apesar de não conseguir visualizá-la, sabia que a mulher que projetava estacas do paredão continuava a descer em sua direção. O som da terra sendo moldada à sua vontade chegava até as duas daijins, cada vez mais próximo.
Aisen resmungou de novo, Yahira gemeu de dor, o vento forte silvou através da fenda e o tempo pareceu parar para ambas. A corrente Adrakis mexeu-se devagar, o metal do qual era feita tilintando suavemente. Yahira percebeu que ela se enroscava na rocha e teve a certeza de que Aisen iria repetir o feito de momentos atrás: atirá-las para a morte.
— Eu te odeio…
Yahira finalmente entendeu o que ela estava murmurando e sentiu algo morno molhando seu ombro. Aisen fungou, a voz tão fraca que se perdia no som do vento.
— …odeio …destruiu. Você nos… me… aband… onou. — Respirou fundo. — …te odeio.
— Eu… — tentou responder, mas tudo que a mente formulava não fazia sentido. Algo havia se partido dentro dela e não tinha nada a ver com ossos. Uma perturbadora clareza tomou seus pensamentos. De repente, achou que o que estavam fazendo era pura insanidade. Ela não queria machucar Aisen de verdade, não desejava realmente destruir a única coisa boa que lhe restou naquele mundo. Então, confessou: — E eu te amo.
Soprou a frase, quase engasgada com o sangue que começava a se acumular na boca. Ela tossiu e Aisen conseguiu se mexer o suficiente para fitá-la com olhos úmidos; o efeito daquela frase foi devastador para ela. Adrakis parou de envolver a rocha e Yahira fechou os olhos por um momento.
— Eu cometi um erro esta noite. Achei que queria a sua morte, mas isso não é verdade. Na realidade, eu fiquei feliz em te rever. Tão feliz, que nem consigo descrever. Ao contrário do que pensa, eu sei o que fiz. Sei que tomei uma decisão inconsequente e que isso custou as vidas de muitas pessoas, principalmente, do nosso filho. E estou pagando por isso, desde então… Mas Amani poderia ter evitado isso, Aisen. Ela é a rainha de Aman, é o dever dela proteger o seu povo! Ela só precisava dizer uma palavra…
Com um suspiro pesado, Aisen juntou forças para responder, a voz tão fraca que Yahira foi obrigada a inclinar a cabeça para ouví-la melhor.
— É uma maldição conhecer o destino alheio. Esse… esse fardo se torna ainda mais pesado quando se sabe que sua interferência não irá surtir efeito algum — respirou fundo, sentindo-se sonolenta. A dor havia se tornado dormência, quase não podia se mover. — Amany poderia falar…, dar a ordem pela qual você implorou. Aman atacaria os senhores de Guilas e depois essa guerra se espalharia pelo continente. E então… n-não seria a morte de dezenas, mas de centenas de milhares… que… que ela teria nas mãos.
Uma lágrima escorregou pela bochecha ferida, misturando-se ao sangue e à sujeira.
— Eu amava Kirjan, mas o destino dele não podia ser desfeito, assim como o seu… E é por isso que… — soluçou — eu te odeio, Yahira. Odeio… odeio…
Houve um momento longo, enquanto ela lutava contra a aproximação da inconsciência.
— … odeio o fato de que você… — a voz começava a ficar enrolada, entrecortada pela respiração falha — tenha sido a responsável pela morte dele, assim como odeio saber que nada disso poderia ser evitado. Odeio ter escolhido odiar você, quando tudo que mais queria era mostrar o quanto te amava e dizer que estaria ao seu lado até o fim.
A corrente começou a se mover, novamente. Enroscava a pedra com uma promessa mortal. Yahira não soube o que dizer, mas sentia o vazio se agigantando dentro de si.
Voltruf saltou para a rocha, os pés tocando-a com tal suavidade que não fizeram som algum. Ela se aproximou das duas e Yahira pôde notar a cor incomum dos seus olhos, que brilhavam à luz do círculo de fogo que flutuava um pouco acima da sua cabeça.
— Daijin idiota! — ela reclamou, pegando Aisen com cuidado e deitando-a ao lado de Yahira no espaço estreito da rocha. Yahira, finalmente, conseguiu se mexer, a pressão em seus pulmões diminuindo. — Morrer aqui e de uma forma tão estúpida não vai honrar suas promessas.
A resposta da daijin foi um gemido tão fraco, que quase não pôde ser ouvido.
— Ajude-a — Yahira pediu fracamente, e os olhos de Voltruf se concentraram nela por alguns instantes.
— Você pode sentar? — ela quis saber.
— A-acho que sim.
— Seus ferimentos?
— O tornozelo quebrado e algumas costelas também — ela cuspiu o sangue. — Estou bem, cuide de Aisen.
Aos olhos atentos de Voltruf, “bem” era tudo o que ela não parecia estar. Mesmo assim, a florinae passou a examinar Aisen, cujo estado era realmente crítico. Os lábios dela se mexiam e Voltruf se curvou para tentar ouvi-la.
— Nos… deixe… a-aqui — Aisen murmurou com muito custo.
— Há alguns milênios, eu o faria sem pestanejar. Mas agora, me irrita sua covardia. Promessas regem destinos. Lembra disso, Aisen? Não vou ajudá-la a fugir do seu, porque está tão magoada com a sua esposa que prefere morrer em vez de resolver as coisas entre vocês de um jeito mais civilizado.
Voltruf se endireitou, pousando a mão sobre o peito dela.
— Você já sabe que isso vai doer muito. E quer saber? Estou tão irritada com a sua estupidez, que a ideia me agrada imensamente — pequenos círculos luminosos escapuliram da sua mão e a dor da cura se misturou a dos ferimentos, levando Aisen para a inconsciência.
— Ela vai ficar bem? — Yahira perguntou, atraindo o olhar de Voltruf.
— O suficiente para conseguirmos subir. Eu não sou uma curandeira, como a minha amiga, lá em cima. Mesmo que nós duas trabalhemos na cura dela, o estado em que se encontra é tão frágil que não tenho certeza se conseguirá suportar.
— Aquele maldito…
Voltruf lhe tocou a mão, transferindo um pequeno círculo luminoso para ela. Yahira trincou os dentes.
— Me deixe, cuide apenas dela!
— É muito nobre da sua parte, visto que ela está assim por sua causa — fez outro círculo ir para o corpo dela. — Só cale a boca e me deixe trabalhar. Estou fazendo uma cura superficial, o suficiente para que consiga escalar sem sufocar no próprio sangue.
Resignada, Yahira aguentou a dor em silêncio. Uma flecha cruzou o abismo, iluminando-o momentaneamente. Voltruf se inclinou na borda da rocha, visualizando as criaturas que escalavam o paredão.
— Que bela porcaria — resmungou, erguendo o olhar para o alto e visualizando a lua. Era uma lua comum, bem diferente daquela de meses antes, quando tiveram de descer o abismo para resgatar Lenór. Isso a fez pensar em coisas desagradáveis.
— Leve-a, eu cuido deles — Yahira pegou Adrakis e forçou-se a ficar de pé.
— Que heroína! — derramou seu sarcasmo. — Onde estava toda essa nobreza e coragem quando apunhalou a sua esposa com aquela maldita arma e a condenou a uma vida de enfermidades físicas e espirituais?
Mentalmente, Yahira formulou uma pergunta que pedia explicações, mas quando pousou o olhar em Aisen, recordou do sangue que vertia do peito dela, antes de iniciarem o combate. Lembrou, também, das emanações de ódio do punhal sombrio em relação a ela. E o peso daquela verdade a fez prender a respiração por alguns segundos.
— Se já consegue ficar de pé, já pode escalar. Melina irá nos apoiar enquanto isso — Voltruf colocou Aisen em suas costas, e fez um cinturão de gelo e água envolver seus corpos para mantê-la segura. — Você vai na frente.
Ela tocou o paredão e, como havia acontecido antes, Yahira assistiu uma dezena de estacas se projetarem dele. Parecia uma escadaria.
— Seja rápida, eu não posso manipular o solo por muito tempo enquanto estou na forma humana.
Obviamente, o que disse não fez sentido para Yahira, que começou a escalar os “degraus” o mais rápido que a dor no tornozelo ferido e nas costelas permitiam. Seu corpo parecia pesar uma tonelada.
Flechas chamejantes cruzavam o abismo a todo instante e os gritos das criaturas misturavam-se ao uivo do vento. Em dado momento, ela parou para recuperar o fôlego e percebeu que as flechas não as atingiam. Em vez disso, apenas destruíam seus apoios nos paredões, jogando-as de volta para o fundo do abismo.
— Não temos a noite toda! — ela ouviu o bufar de Voltruf e continuou a subir.
Quando atingiu o último “degrau”, não havia mais criaturas escalando os paredões. A mão delicada de Melina a segurou forte e a puxou para a terra firme. Voltruf colocou Aisen no chão e a curandeira se pôs a trabalhar.
— Por todos os círculos da Ordem, nem sei por onde começar! — disse a grã-mestra. — É um milagre que ainda esteja respirando.
— Apenas faça o que sabe fazer de melhor, Melina.
A líder da Ordem mal escutou o que a amante disse, pois já estava concentrada na cura. Voltruf segurou as mãos de Yahira, com tanta força, que a mulher pensou que iria quebrá-las.
— Eu não gosto de muitas pessoas, mas gosto dessa daijin, apesar dela ser muito irritante às vezes. Se ela morrer esta noite e tiver a alma devorada por aquele pedaço de abominação que você deixou em seu corpo, farei com que se arrependa do ar que respira.
Ela aumentou a pressão. Yahira trincou os dentes ao sentir as unhas dela fincando-se em sua carne, enquanto os olhos violetas adquiriram um formato felino.
— Não é hora para isso, Volt! — Melina reclamou.
A florinae soltou as mãos de Yahira, que ficou grata pela intervenção da grã-mestra. Andou à volta delas, dizendo:
— Nossos problemas podem ser maiores que isso. Acredito que este pode não ser o único ponto que estão escalando. Perto daqui, está ocorrendo uma batalha.
Melina ergueu o olhar para ela.
— Não gosto do que está sugerindo.
— Eu gosto menos ainda. Esta é uma noite de lua comum e, no entanto, eles estão saindo do abismo. Mas diante de tudo que já sabemos, faz muito sentido. Não acha?
A grã-mestra fitou a criatura que havia aprisionado e que a olhava de volta, como se fosse um pedaço de carne exposto no mercado.
— O véu entre os mundos está ficando mais fraco por aqui. Por quê?! Quando derrotamos Érion, há cinco anos, tudo voltou ao normal.
Melina fitou o punhal.
— Aquilo é poderoso, mas não é a razão disso — Voltruf foi categórica.
Ouviram o soar de chifres de guerra, não muito longe dali.
— Você pode ver como as coisas estão indo e se há mais desses espíritos fora do abismo? — Melina perguntou.
A outra inclinou a cabeça, concordando. Assustada, Yahira deu um passo para trás ao vê-la assumir a forma de um tigre de pelagem azulada com uma cauda de três pontas. Voltruf bateu uma das patas dianteiras no chão e um círculo luminoso surgiu naquele ponto e afundou no solo.
Yahira não podia ver o que estava se passando, porém sentia pequenas e constantes vibrações no chão. Enquanto isso, Melina encerrou a cura de Aisen e ficou de pé.
— É o máximo que posso fazer aqui. Ainda mais em um momento tão delicado.
Yahira baixou o olhar para Aisen, cujo peito já não sangrava, mas subia e descia fracamente.
— Ela vai ficar bem?
— Neste momento, isso depende mais dela do que de mim. Deixe-me ver você.
***
Vanieli mordiscou o lábio enquanto moldava a magia dentro do círculo, certa de que se Voltruf estivesse ali, ficaria orgulhosa do seu trabalho. O fogo e o óleo, usados na primeira investida contra os zaidarnianos, não atingiram aquela parte do campo que ainda se encontrava encharcada após a chuva daquela tarde.
Os deuses, pensava Vanieli naquele momento, estavam sorrindo para ela.
A Kamarie cerrou os olhos, concentrando-se. Uma fina camada de gelo cobriu o chão até os limites do círculo.
— Lutar contra um mago é complicado, lutar contra quase uma dezena me parece suicídio. Como deixei você me convencer disso? — Dalise perguntou para Lenór, analisando os adversários à frente.
Alguns, ainda surpresos com o aprisionamento, tentavam destruir a barreira do círculo com ataques mágicos. Outros, limitaram-se a acompanhar a aproximação das duas palatins, assumindo uma posição de combate.
— Eu tenho um sorriso bonito — respondeu Lenór.
— Não é tão bonito assim — a outra suspirou, concentrando-se. Assim como conseguia modificar seu corpo e aparência, a magia de Dalise também permitia que ela fizesse o mesmo com alguns objetos, especialmente, os metais. Então, quando foram atingidas por uma rajada mágica dos zaidarnianos, ela já tinha expandido o bracelete de ferro em seu braço até que ele tomasse a forma de um pequeno escudo, reforçado com magia protetiva. Apesar disso, as duas foram lançadas para trás.
Quando nova investida se desenhou, antes que voltassem a ficar de pé, Vanieli ergueu uma barreira de gelo entre elas e os agressores. A proteção ofereceu distração suficiente para que as duas palatins surpreendessem os inimigos em um ataque calculado.
Dalise deu a volta na pequena coluna de gelo criada por Vanieli. Nas mãos, a espada de ponta larga, conectada a uma corrente, cuja outra extremidade ostentava um pequeno peso circular e estrelado com pinos afiados. Com um movimento ligeiro, ela jogou o peso estrelado nas pernas do Sentinela das Sombras mais próximo. O puxou com força, jogando-o no chão.
Lenór finalizou o ataque ao escalar o gelo e atirar-se sobre o mago caído, fincando ambas as espadas no peito dele. Enquanto ela se erguia, uma bola de magia atravessou o ar em sua direção. A comandante cruzou as espadas à frente do corpo e as armas absorveram o impacto e o poder ofensivo.
Ainda na borda do círculo, Vanieli ficou surpresa ao descobrir que as espadas da esposa tinham essa capacidade. Espanto que cresceu ao vê-la jogar uma das espadas para o alto e, enquanto ela caía, atirou a outra em sua direção. Naquele átimo, Dalise juntou-se à Lenór, erguendo o escudo. Quando as duas armas se chocaram, a magia que absorveram gerou uma explosão.
Quando a terra e os pedregulhos pararam de cair, os Sentinelas tinham dois homens feridos e fora de ação. Decididos a não deixarem isso se repetir, formaram uma fileira lançando ataques sincronizados, que obrigaram Vanieli a agir novamente, erguendo colunas de gelo para proteger as duas mulheres, enquanto a gatinha Aneirin corria em direção aos magos, saltitando pelo campo com velocidade impressionante.
A pequena criatura saltou sobre o mago no centro da fileira, fazendo-o cambalear para trás e cair. Por fim, escolheu outro adversário e também o derrubou. Então, retornou para junto de Vanieli que, naquele instante, congelou o chão e prendeu os dois magos caídos. Quase imediatamente, a Kamarie se tornou o principal alvo dos outros magos.
E enquanto isso, Lenór deixou a cobertura de Dalise. Ela correu, saltou sobre o corpo do mago que matou e recuperou uma das suas espadas que caiu ali perto depois da explosão. Segurou a arma pela guarda mais longa, de forma que o lado cego ficou apoiada no antebraço, assim como fez ao lutar com o soldado Dalid, um ano antes.
***
— Isso é insano!
Elius concordou com o soldado que falou, sem desviar o olhar da luta que ocorria dentro do círculo. Naquele momento, Lenór corria e rolava pelo chão, desviando de ataques mágicos, enquanto Dalise entrava em combate direto com um Sentinela. A espada dela estava em chamas, dividindo ataques mágicos e se chocando com a espada do adversário que escolheu.
— Insano é uma descrição adequada para tudo que envolve o Castelo do Abismo — retrucou ele, afastando o olhar do centro da clareira.
Ninguém parecia disposto a continuar com a batalha de momentos antes e assistiam a disputa dentro do círculo com olhos que revelavam uma mistura de pavor e admiração. Da parte dos cardasinos, havia aqueles que demonstravam uma clara torcida pelas três mulheres, enquanto outros se mantinham comedidos.
***
Na outra ponta da clareira, o rei Dakar foi cercado pelos soldados comandados por Lorde Aulos e Lorde Taniel. Fiel ao seu rei, Lorde Vans mantinha a posição de combate, disposto a derrubar qualquer homem que ousasse se aproximar.
Porém, a batalha já estava perdida para Zaidar.
Somente Dakar ainda não estava disposto a reconhecer isso, mantendo a esperança de que seus Sentinelas das Sombras iriam sobrepujar a comandante cardasina e, quando isso acontecesse, ninguém naquele campo seria capaz de impedir sua vitória.
***
Entre dois magos, Lenór usava todo seu repertório de movimentos evasivos. Em alguns momentos saltava, noutros se jogava no chão e rolava para os lados e, às vezes, pulava e girava o corpo em pleno ar, como se estivesse em um baile mortal. Entre essas idas e vindas acrobáticas, ela conseguiu ficar a menos de um corpo de distância dos dois oponentes. Era tudo o que queria.
Estarem tão próximos impedia o uso da magia por parte deles, pois, logo que a luta começou, ficou claro que os magos zaidarnianos não estavam habituados ao combate direto e próximo. Todos seus movimentos mágicos visavam adversários a metros de distância.
Então, bastou meia dúzia de golpes do seu Manibut para que Lenór os deixasse incapacitados e vomitando sangue no chão.
Dalise, por outro lado, acreditava que adversário bom era adversário morto. Razão pela qual fez a cabeça do seu oponente rolar até os pés de Vanieli. A Kamarie mal se deu conta disso, pois estava concentrada em girar o cajado à frente do corpo, dissipando o ataque mágico do seu rival, o último oponente de pé.
Dalise fez menção de ir ajudá-la, mas a mão de uma Lenór ofegante pousou em seu ombro.
— Deixe-a.
Vaniele parou de girar o cajado e passou a mão livre diante do corpo, deixando um rastro de cristais de gelo flutuantes, os quais empurrou em direção ao inimigo, como vira Voltruf fazer dezenas de vezes em seus treinamentos. Num piscar de olhos, o mago zaidarniano foi alvejado pelos cristais e seu corpo tombou para a frente.
Em toda a clareira, o silêncio se tornou um companheiro fiel, até que houve uma explosão de gritos de vitória dos cardasinos. Diante disso e da óbvia captura do seu rei, os poucos soldados zaidarnianos que ainda estavam armados, começaram a se render.
Vanieli fitava os corpos no chão, quando finalizou a conjuração do círculo.
— Sinceramente, estou decepcionada! — Dalise falou com a propriedade de quem tinha lutado batalhas brutais contra exércitos que utilizavam guerreiros magos. Homens e mulheres que eram mortais usando magia, espadas ou as mãos.
Compreensiva, Lenór balançou a cabeça.
— Afinal, estamos em um continente diferente. É uma forma singular de treinar os guerreiros e, principalmente, lidar com magia não é comum por aqui — ela disse, se aproximando de Vanieli para verificar se ela tinha ferimentos além dos arranhões que via em sua face. — Você foi bem, amor.
Ganhou da Kamarie um sorriso satisfeito e uma inspeção minuciosa. Fora alguns arranhões e um corte profundo no ombro, causado por um estilhaço de pedra quando fez suas espadas liberarem o poder que absorveram, ela estava em ótimas condições.
— Vocês podiam dar conta disso sem me envolver — Dalise insistiu.
Lenor recuperou a outra espada, passando pelos magos feridos sem lhes prestar atenção.
— Você tem reclamado demais, desde que chegou. Nota-se que Mardus a contagiou com a tagarelice dele.
A mulher revirou os olhos e a seguiu até o outro lado da clareira, onde Dakar e Vans ainda tentavam se mostrar na defensiva. Ao se aproximarem, a comandante notou o olhar que Lorde Taniel dirigiu para Vanieli e o modo como a espada tremeu em sua mão, quando a segurou mais firme. Atitude semelhante para muitos dos soldados cardasinos pelos quais passaram até alcançarem o rei.
— Você veio, lutou e perdeu, Majestade. Reconheça a derrota.
***
Yahira tinha esquecido o que era gentileza e logo percebeu que ela transbordava de Melina, através de seus gestos, palavras e toque. Era o oposto de Voltruf.
— O que ela está fazendo? — perguntou, indicando a tigresa. — Aliás, o que ela é?
A grã-mestra sorriu brevemente, escorregando a mão pelas costelas dela.
— É um pouco complicado de explicar — respondeu. — Mas sei que já viu espíritos em Aman, Aisen nos contou.
— Ela não parece com os espíritos que já vi, tampouco ele parece.
Por um momento, Melina fitou a criatura aprisionada em seu círculo de fogo.
— Voltruf é um spectu. Sei que você sabe o que significa.
Houve um pequeno inclinar de cabeça positivo, por parte de Yahira.
— Ela é o seu espírito guardião?
— Você é curiosa — Melina acusou, jocosa. — Quase não consigo sentir a agressividade que emanava semanas atrás, quando foi até o Castelo do Abismo. Mesmo distantes, era perceptível.
Suas mãos envolveram o tornozelo dela.
— Eu… não sei… — olhou para Aisen. — É a primeira vez, em uma década, que não sinto raiva. Não entendo o que aconteceu aqui.
Ficaram em silêncio por um momento. Melina sabia, ao menos, achava que sabia que o punhal sombrio incitava aqueles sentimentos em Yahira, consequentemente, alimentava-se deles. Se a arma era tão poderosa quanto Voltruf afirmava, aquela mulher era surpreendentemente forte por sobreviver sob a sua influência por tantos anos.
— Chama-se Integração — resolveu explicar o que Voltruf estava fazendo. — Nossa afinidade com os elementos nos permite ver através deles. Sou um pouco limitada nesse ponto, pois o fogo é o meu elemento. Só consigo usar a integração se ele estiver presente ou durante o dia, pois também é possível com o calor do sol.
Ela se afastou e Yahira ficou de pé notando que estava completamente curada.
— Obrigada — inclinou-se para a frente em um gesto respeitoso. Então, ajoelhou-se ao lado de Aisen.
Voltruf retornou à forma humana naquele momento. Informou:
— Apenas dois espíritos desgarrados, não muito longe daqui. Cuidarei disso.
— E a batalha? — Melina soou ansiosa.
— Vanieli foi incrível! Os sentinelas caíram. A luta acabou! — ela mostrou um sorriso orgulhoso.
— Eu ficaria feliz com isso, mas não é a verdade — Yahira decretou.
***
Lorde Vans tinha uma espada em uma mão e uma pequena bola luminosa na outra. Deu um passo à frente, ameaçador. Lenór não lhe prestou atenção e continuou falando com o rei:
— Faça sua escolha, Dakar. Voltar para casa derrotado e sob o domínio de Cardasin ou ser julgado por seus crimes aqui e agora. O resultado de ambas é a morte. A primeira, de espírito; a segunda, de corpo e alma. O que você prefere?
Ele não titubeou ao dizer:
— A lâmina — tocou no ombro de Lorde Vans e o fez baixar a arma e findar a conjuração.
Se aproximou de Lenór, livrando-se da espada e ficando de joelhos.
— Admito que estou surpresa, esperava uma tentativa desesperada de negar o fim desta disputa.
Dakar passou os olhos em volta, antes de encará-la. Lenór chegou mais perto, sem perceber que, das dobras da capa, ele tirou uma faca.
— Sua últimas palavras, Majestade — ela pediu.
Ele sorriu de lado.
— Morte à Cardasin! — berrou, levando a faca em direção ao flanco esquerdo dela, onde a couraça continha aberturas.
Lenór não se moveu, nem mesmo Vanieli, cujo dom permitia sentir as intenções alheias. Tampouco, Dalise e seu irmão, Dimal, que havia se juntado a eles um minuto antes. Todos, naquele pequeno pedaço de terra, estavam imobilizados.
Alguns passos atrás, Lorde Vans tinha apoiado a espada no chão e esta serviu de condutor para os fios de magia que percorreram que se espalharam discretamente, privando-os dos movimentos. Ao perceber o que se passava, Lorde Aulos tentou reagir, mas foi atingido por uma forte onda de magia e jogado sobre Lorde Taniel, que o seguiu de perto. Os dois homens perderam os sentidos.
Os soldados em volta, tanto os cardasinos quanto os zaidarnianos, não souberam o que fazer, temerosos da magia. Dakar forçou a faca contra a carne de Lenór, que sentiu a lâmina girar em suas entranhas, causando uma dor excruciante.
— Você destruiu tudo o que construí e sonhei em uma noite, mas não irá celebrar essa vitória! — o rei prometeu.
Olá, autora!
Queria dizer que gosto muito dessa estória…tem boa trama, é super envolvente!! Esperando o desenrolar…
Até o próximo capítulo.
Oiii, Laila!
Que bom que tá curtindo! Às vezes, demoro um pouquinho, mas gosto muito de escrever essa história. Estamos pertinho do fim.
Obrigada pela companhia até aqui!
Beijos!
por favor continue postando amo cada capítulo 😍
Podexá!
Às vezes, demoro um pouco, mas tô sempre por aqui!
Beijos!
Que isso!
Pra que tanta crueldade com a nossa heroína Lenór.
Isso não se faz!!!
Ahhhh… faz sim!
Com toda a certeza se faz! Haha…
Xêro pra tu!
Misericórdia, pra que me fazer sofrer mulher malvada vai matar a protagonista…
Haha… será que vou?
Vontade não tá faltando de matar personagens, viu?
(sorriso maldoso)
Beijão!
Passada, sabia que não ia ser tão “fácil”, mas tb não esperava por essa!
Malvada, vc realmente é muito malvada! haha
kkkk… Faz parte! rs…
Valeu pela companhia, Preguicella!
Beijos!