I

 

— Você é um rapaz engraçado! — Disse Rall para o homem sentado sobre uma pedra a poucos metros da floresta.

O homem ergueu as sobrancelhas e sorriu, deixando que o velho percebesse a ausência de um dente em sua boca. Havia uma cicatriz fina no pescoço dele e mais duas semelhantes nos braços.

— Eu juro que é tudo verdade — Ravis declarou, sentando uma mão no peito.

Rall sorriu mais uma vez, avaliando-o, e Ravis estampou na face uma estranha expressão que misturava medo e loucura. Ele tinha acabado de contar, para o servo estrangeiro da Comandante Azuti, como escapou de ser morto pelos demônios na floresta. Descreveu, em detalhes, as mortes horripilantes de seus amigos, deixando escapar expressões assustadas a cada momento.

— Tudo bem, rapaz! Eu acredito em você! — Rall soou amigável, então apontou para as árvores atrás dele. — Vou ficar bem longe desse lugar. Já não tenho idade para lutar contra demônios. Além disso, espero viver mais alguns anos para ver o meu neto crescer.

Ravis balançou a cabeça para cima e para baixo, mostrando um sorriso bobo. Depois aquietou as expressões e aconselhou:

— Se o senhor quer caçar, a parte sul da floresta é melhor, mas não fique até a noite. Ninguém volta da floresta à noite!

O velho passou a mão nos poucos fios de cabelo que possuía, agradeceu pelos conselhos e conversa, então se afastou contornando a floresta e tomando o rumo que o homem indicou. Contudo, não foi muito longe.

Ao notar que o olhar de Ravis já não podia alcançá-lo, Rall entrou na mata.

 

II

 

 

Lenór passou a mão pelos cabelos cacheados de Gael e o menino ressonou mais alto. Ela o admirou por algum tempo, sem perceber que Rall, que dormia na cama ao lado, havia despertado e a observava, também.

— Um dia, você vai acabar me matando de susto. — O velho comentou, fazendo-a suspirar baixinho.

Entrar no quarto que ele dividia com Gael durante a madrugada, tornou-se um hábito, já que precisava manter-se um pouco distante do filho a fim de que seus inimigos não o usassem contra ela.

Controlar a vontade de abraçá-lo, beijá-lo, conversar com ele como mãe, estava sendo difícil para Lenór. Sabia que Gael se sentia da mesma forma, porém, apesar da pouca idade, era uma criança observadora, esperta e compreensiva. Ficaria quieto, desde que lhe contassem a verdade com palavras simples e sem rodeios.

Algumas vezes, acreditava que o filho podia ser mais adulto que ela. Era um pensamento engraçado e ilógico, todavia lhe ocorria com frequência.

— Só queria vê-lo, tocar nele um pouco… Ter um momento de paz. — Ela declarou para o amigo, que escorregou para fora da cama com ar divertido.

— Seus momentos de paz perturbam os meus. — Afirmou ele, despejando um pouco de água em um copo. Contudo, apesar das palavras de repreensão, ele não se importava com as invasões noturnas de Lenór. Lhe aprazia ver o carinho dela pelo menino, o que só fazia com que o seu próprio querer por ela aumentasse.

Saciou a sede devagar, assistindo Lenór voltar a acariciar os cabelos do filho com uma expressão ausente. Escondeu um sorriso de satisfação por trás do copo.

— Vi seus homens retornando do treino na floresta, mais cedo. Pobres coitados! — Ele comentou, sentando na cama, ainda com o copo nas mãos. — Desse jeito, você vai acabar ficando sem soldados. Ouvi resmungos por aí, alguns pensam em largar a Guarda Real.

— Se é a vontade deles, nada posso fazer. Você bem sabe, que só quero os melhores ao meu lado.

— Não acha que está sendo muito dura com eles?

— Como posso estar sendo dura, se o treinamento mal começou?

Rall balançou a cabeça, divertido.

— Não se faça de desentendida. — Ele acusou. — Está dando a eles um treinamento palatin.

— Está muito equivocado, meu amigo. Se estivesse fazendo isso, metade deles estaria morta e a outra metade a caminho disso. O fato é que a Guarda Real de Cardasin é uma piada. Não nego que existem soldados qualificados nela, contudo, a maioria deles só entrou para a Guarda para escapar da pobreza e ter um soldo mensal. Os bons guerreiros deste reino trabalham para os lordes. Ainda assim, são poucos.

Ela cruzou as pernas, apoiando o cotovelo nelas, antes de fitar a noite além da janela entreaberta. Um gato passeou pelo parapeito da janela e entrou no quarto. Se esfregou nas pernas de Rall e depois encarou Lenór, como se estivesse na dúvida se deveria ou não fazer o mesmo com ela. A comandante o ignorou, então o animal saltou para a cama e aninhou-se ao corpo de Gael.

— Sejamos honestos, Rall, Cardasin só não foi invadido nas últimas duas décadas, porque possui fortes laços diplomáticos com os reinos vizinhos. O que não significa que não está passível disso acontecer hoje, visto que Mardus não é o rei mais popular e amado entre as lideranças dos clãs.

O velho tomou o resto da água em seu copo, contando:

— Sabe, Lenór, às vezes me incomoda esse seu jeito de projetar cenários desastrosos.

— É assim, porque você é uma boa pessoa, Rall. Gente como você, está sempre desejando e vendo o melhor nos outros. De todo modo, só estou comentando algo que não é segredo para ninguém. 

Ela fitou as paredes, abrindo os braços em um gesto displicente, indicando que falava do Castelo.

— Este lugar foi o pilar que sustentou Cardasin por séculos. A economia do reino ruiu junto com o estreito que o conectava ao Deserto de Chadre. Cardasin está na lama e basta um rei um pouco mais ambicioso, de um dos reinos com os quais fazemos fronteira, para que afunde de vez. É uma matemática bastante simples, Rall. Construímos a ponte, o comércio com os reinos do Oeste retorna. Mais dinheiro entra nos cofres cardasinos, consequentemente, seremos capazes de contratar mais soldados e proteger melhor nossas fronteiras. Isso feito, o resto é lucro. E, como conheço Mardus mais do que sou capaz de descrever, sei que ele não irá manter esse dinheiro intocado.

Sorriu de lado.

— Pela quantidade de projetos que vi na biblioteca particular dele, Mestre Draifus ficará ocupado por décadas.

Com um suspiro longo, ela deu a conversa por encerrada, então curvou-se e beijou a testa do filho. Ficou de pé, ensaiando um gesto de despedida, porém Rall achou por bem esclarecer, regressando ao tema anterior, rapidamente:

— Você também é uma boa pessoa, Lenór. Mesmo que não acredite nisso.

Ela mostrou um sorriso largo e, assim como fez com Gael, curvou-se e beijou o topo da cabeça dele. Começava a abrir a porta para sair, quando Rall pediu:

— Fique mais um pouco.

— Não quero perturbar a sua paz. — Falou, debochada.

O amigo deu uma tapinha no colchão, balançando os ombros.

— Já estou desperto mesmo. Além disso, podemos aproveitar o momento para conversar sobre a “caçada” que fiz na manhã passada.

Curiosa, Lenór voltou a fechar a porta e escorou-se nela, assumindo um ar mais sério.

— Você viu o sujeito? — Indagou ela.

— Não só vi, como conversei com ele. — Rall retrucou, passando a vista pelo rosto do menino adormecido, notando o olhar atento do felino deitado ao lado dele. — Aquele rapaz não bate bem da cabeça. É isso, ou ele finge muito bem. Me contou a mesma história que o feitor narrou para você, só que com um pouco mais de sangue e vísceras. Depois, me instruiu a ir caçar em outra parte da floresta. Não criei caso e fingi seguir o conselho dele para não levantar suspeitas.

— Achou a nascente? — Lenór quis saber, cruzando os braços.

Desde a conversa com Enzio, ela tinha certeza de que a morte de animais, a má qualidade das lavouras e o constante adoecimento da população nos últimos dezessete anos, era fruto do envenenamento da água.

O primeiro passo para comprovar sua hipótese era ir até a fonte. Assim, ficou acertado que Rall o faria com a desculpa de que estava entrando na floresta para caçar.

— Isso é que é o mais estranho, Lenór. Segui o mapa que você encontrou na biblioteca. Andei por horas, mas não achei a bendita nascente. Pior! Me dei conta de que estava andando em círculos, como uma criança perdida no bosque!

A comandante acariciou o queixo por algum tempo, imersa em pensamentos. Rall era um caçador experiente; por mais que a Floresta de Valnor lhe fosse estranha, ele não se perderia dessa maneira. Ainda mais, tendo um mapa consigo.

— Tente de novo daqui alguns dias. Não quero que as suas idas a floresta cativem o interesse de alguém, então é melhor que não sejam tão frequentes.

 

***

 

Lenór fitava a cidade do teto do castelo.

A luz da lua se estendia sobre as casas, permitindo que ela divisasse os contornos das construções com clareza. Ainda que distantes, os braseiros no topo das muralhas proporcionavam uma clara visão do vai e vem dos guardas.

Seus olhos foram além dos paredões e dos campos depois deles, perderam-se nas sombras da floresta com a certeza de que em algum lugar dela estavam as respostas para a morte de Mirord, e o dia de ir atrás delas não estava distante.

— Não consegue dormir, Comandante?

A pergunta não a surpreendeu, pois, havia algum tempo, tinha notado a presença de Adel a observá-la.

— Poderia perguntar o mesmo — Ela respondeu sem se voltar para olhá-la.

Adel se aproximou devagar, com passos quase inaudíveis. Lenór observou isso, ciente de que ela poderia ser ainda mais silenciosa. A daijin se recostou na amurada, direcionando a vista para o mesmo lugar que a comandante fitava momentos antes.

— Eu dormi por tempo demais… — ela falou, recordando a Lenór do período que passou lutando para retornar a consciência e recuperar-se do veneno e ferimentos que sofreu.

Como se o comentário recordasse ao seu corpo que ainda não estava totalmente curada, suas mãos tremeram ligeiramente, então tratou de escondê-las às costas. Fitou o rosto austero da comandante, lembrando-se do momento em que o rei as apresentou. Mirord havia lhe contado sobre a irmã caçula e, de alguma forma, Adel esperou encontrar a menina silenciosa e triste que ele descreveu com tanto cuidado e carinho.

Fisicamente, Lenór Azuti não se parecia em nada com o irmão mais velho. Com efeito, também não se parecia com o pai e, isso, certamente era um dos motivos que Lorde Kanor tinha para acreditar na traição da sua segunda esposa e, assim, despejar tanto ódio sobre a filha.

O vento soprou, fazendo-a se concentrar ainda mais no rosto pensativo da comandante. Enquanto Mirord era um homem de semblante calmo, Lenór parecia estar sempre zangada com algo. Todavia, ambos possuíam o mesmo sorriso gentil, quando se permitiam o gesto.

— Por que me escolheu, Aisen?

O questionamento a tirou de suas recordações e reflexões. Ela voltou a fitar o horizonte negro, remoendo-a e, intimamente. Se indagou o que Lenór pensaria da verdade. 

Era uma pergunta inevitável e eventualmente teriam aquela conversa. Entretanto, Adel admitia que subestimou Lenór. Imaginou que seria interpelada sobre isso mais cedo, contudo, não demorou a perceber que a comandante raramente agia de forma intempestiva e que era o tipo de pessoa que avaliava bem uma situação antes de se decidir sobre qual ação tomar.

Era certo, também, que Lenór a estudou naqueles meses de convivência. Afinal, ela era mesmo diferente de Mirord que, mesmo sendo um homem cuidadoso e desconfiado, não se mostrou dessa forma quando conheceu a daijin e desatou seus segredos sem maiores preocupações, já que confiava cegamente no voto de lealdade. Ele buscou por isso, não tinha motivos para duvidar.

Embora Lenór fosse atenciosa e gentil com ela, Adel, suas reservas eram perfeitamente compreensíveis. A comandante seria uma tola se não desconfiasse dela e suas intenções, ainda que Adel não tivesse nada a esconder, pelo menos, nada que dissesse respeito a Lenór.

— Você tinha uma ligação com Mirord através de um voto de lealdadeas , mas ele se foi e você não tinha motivos para vir até a mim e refazer esse voto. — Lenór expôs.

A comandante se preocupava com essas questões desde que encontrou Adel pela primeira vez, todavia tinha muito com o que lidar, naquele momento. Como a moça foi uma serva direta do seu irmão, decidiu que poderia mantê-la por perto com o mínimo de confiança.

Ela fitou os olhos cor do mel da daijin. Eram brilhantes, suaves e, às vezes, misteriosos como se escondessem verdades além da sua imaginação. Em outras ocasiões, eram apenas tristes.

— Sabe como alguém consegue a lealdade de uma daijin? — Adel perguntou, decidida a dar uma parcela da verdade que Lenór pedia.

Recebeu silêncio como resposta, então continuou:

— É preciso provar que a merece. E a única maneira de fazer isso é ficar diante de Amani. Ela sabe tudo: presente, passado e futuro. Não é possível esconder sua verdadeira natureza dela.

Seus lábios se contraíram, revelando um sorriso sem dentes, com uma nota que, Lenór pensou, fosse ironia.

— Ela viu que Mirord era um homem bom, com objetivos nobres. Então, soube qual daijin deveria partir com ele.

— Simples assim? — Lenór soou irônica. — Ele ficou diante da estátua de uma deusa e, de repente, você decidiu partir com ele?!

Os olhos de Adel se fecharam levemente, antes dela mostrar um sorriso torto.

— Compreendo seu ceticismo. Eu também já fui assim…

— Esteja certa, Aisen, — usou o nome daijin dela — você nunca foi como eu.

— Não teria tanta certeza. — Adel retrucou, quase como se a estivesse desafiando.

A comandante suspirou, irritada..

— Se Mirord passou por um teste para ter a sua lealdade, por que você a deu para mim sem que eu lhe pedisse isso ou você exigisse que eu passasse por uma prova semelhante?

— Está começando a fazer as perguntas certas, Comandante. Certamente, lhe surpreenderá saber que você já passou por esse teste.

Lenór escorregou dois dedos pelo nariz. Apertou a ponta dele, tentando assimilar a informação, mas antes de formular outra pergunta, Adel explicou:

— Sabe, era uma escolha que somente Mirord poderia fazer. Se ele desistisse de ter uma daijin ao seu lado, teria uma vida longa, porém, cheia de culpas e arrependimentos por eventos que estariam além da sua capacidade. Por outro lado, se optasse por partir comigo, como de fato fez, teria uma vida curta, porque seria apenas o meu condutor até você.

Cada vez mais irritada com o rumo da conversa, Lenór indagou:

— O que isso quer dizer?

— Quer dizer que, desde o início, era a você, Lenór, a quem eu deveria servir. — Adel sentenciou, observando a descrença transformar o rosto da outra.

— Isso é insano! — Declarou a palatin.

— Só porque você não compreende ou não acredita nas areias do destino, não quer dizer que não seja verdade, Comandante. Meu destino sempre foi estar ao seu lado.

Lenór balançou a cabeça, confusa. Porém, Adel falava de forma tão serena e com tanta convicção, que tornou-se quase impossível duvidar das suas certezas.

A daijin baixou os olhos para as mãos trêmulas. Vários meses tinham se passado, desde o ataque que a colocou em uma luta dolorosa pela vida, mas ela ainda sentia os efeitos do veneno. Era provável que as dores, as tonturas e fraqueza repentinas, continuassem a ocorrer por mais alguns meses. Talvez, seu corpo nunca viesse a se recuperar totalmente.

Perceptiva, Lenór mudou o tom hostil e falou:

— Talvez seja melhor continuarmos esta conversa outra hora, você precisa de um pouco de repouso…

Adel suspirou, balançando a cabeça em aquiescência, entretanto, não fez menção de ir embora. Em vez disso, ela continuou a falar:

— Quando eu tinha quinze anos, minha mãe e eu fugimos para as Terras de Aman. Você acha que não somos iguais, apenas porque as suas cicatrizes são visíveis. — Fez uma pausa, voltando a erguer o olhar para Lenór. — Às vezes, as pessoas também se machucam na alma e na mente.

Seu tom perdeu a firmeza costumeira e as palavras seguintes soaram trêmulas.

— Amani era apenas uma lenda para mim, uma ilusão que mulheres desesperadas inventaram para escapar de uma vida injusta e sofrida. Sinceramente, eu não me importava com isso, desde que pudesse ficar a salvo sob a proteção que toda mulher reivindica ao entrar em suas terras. Mas acredite em mim, Lenór, a deusa é tão real quanto você ou eu. Mirord esteve diante de uma mulher de carne, osso e muito poder.

Ela interrompeu-se. As pernas fraquejaram e usou a amurada como apoio. Lenór a segurou antes que escorregasse em direção ao chão e envolveu sua cintura.

— Continuamos essa conversa depois. — Decretou a comandante. — Você precisa de um descanso.

 

***

 

— Isso vai ser um problema?

A pergunta de Vanieli surpreendeu Lenór, que não esperava encontrá-la diante da porta dos aposentos de Adel.

— Só se você estiver com ciúmes — respondeu em tom jocoso, fechando a porta atrás de si.

Ela tomou a direção dos aposentos que as duas ocupavam e Vanieli a seguiu de perto, reclamando:

— Você bem que gostaria disso, não é?

Por sobre o ombro, Lenór respondeu:

— Não sei. Nunca me relacionei com alguém ciumento.

Assim que entrou no quarto, ela desapareceu atrás da porta que levava ao quarto de banho. Retornou momentos depois com o rosto e mãos úmidos e usando roupas de dormir. Entretanto, não seguiu o exemplo de Vanieli, que havia se deitado. Em vez disso, encheu um cálice com vinho e sentou em uma das cadeiras diante da lareira.

Tinha muito em que pensar, mas recusava-se a se deixar envolver pelas indagações que a conversa com Adel lhe trouxe. Eram questões para outro momento. Tomou um gole da bebida, fitando as chamas amareladas na lareira e deixando um forte exalar escapar.

Vanieli, que olhava para o teto imersa em pensamentos estranhos, saiu da cama e juntou-se a ela, também com um cálice de vinho. Talvez, se conseguisse ficar bêbada, pudesse cair no sono outra vez.

— Você não me respondeu. — Disse para Lenór. — Isso vai ser um problema entre nós? Pergunto, porque você me pediu discrição em relacionamentos fora deste casamento. Me acusou de não ser tão reservada quanto eu imaginava. Aí, acordo no meio da noite e não a encontro na cama, vou até a janela e a vejo abraçada a Adel, no teto do castelo. Em um lugar que qualquer um dos guardas poderia vê-las, principalmente, em uma noite enluarada, como esta. Já acham que você me agride, se ouvirem que tem uma amante…

Lenór sorveu um pouco mais de vinho. Não estava com ânimo para explicações naquele momento, além disso, divertia-se em ver a contrariedade de Vanieli, já que ela era bastante reticente em relação a Adel. Não podia culpá-la por isso, a daijin era mesmo uma pessoa que inspirava sentimentos controversos.

— Teve outro pesadelo? — Indagou, desprezando a pergunta dela.

A mudança de assunto desconcertou Vanieli.

— Eu… Do que…?

Lenór a interrompeu com um gesto.

— Todas as noites, no mesmo horário. — Afirmou. — Às vezes, você grita e se debate, noutras, apenas acorda de supetão.

— Por que nunca disse nada? — Vanieli se mostrou ligeiramente envergonhada, embora não tivesse razão para isso, afinal estava além do seu controle.

— Não queria me envolver, são seus pesadelos, sonhos particulares. — Lenór foi sincera.

— E qual a razão de querer saber disso agora?

— Porque eles vêm todas as noites, Vanieli. Não uma ou outra vez, mas todas as noites. Por mais que eu tenha tentado, é impossível ignorar isso por muito tempo. — Enfiou a mão nos cabelos, desconfortável. — Então, você quer me falar sobre eles?

Vanieli inspirou fundo, tomando do seu próprio vinho. Ela fez uma pequena careta e suspirou ao perceber certa expectativa no semblante da esposa.

— Para ser sincera, sim, eu gostaria. Entretanto, eu não lembro com o que sonhei. Na verdade, nunca lembro. Só sei que eles se tornaram piores, desde que viemos para cá, e as impressões e medo permanecem por muito tempo depois que acordo. — Escorregou a mão pela face, depois pelos cabelos em desalinho. — Eu não sei, Lenór. Acho que há algo aqui, e não é essa ponte ou aqueles bandidos fantasiados na floresta…

Fitou o fogo e tomou o resto do vinho de um só gole.

— A cada dia que passa, me sinto mais estranha em relação a este lugar. É como na floresta…

— Quando você disse que alguém estava indo até nós e não tinha boas intenções? — A comandante rememorou.

— Exato. Tenho sensações como essa o tempo todo, desde que chegamos aqui. Antes, elas eram tão raras… — Baixou a vista para a taça vazia e a depositou no braço da cadeira, antes de se levantar.

Quedaram-se em silêncio por algum tempo. Vanieli tomou outra taça de vinho e Lenór desistiu da sua, ainda pela metade. Como ela costumava dizer, o vinho de Cardazin não era bom, mas a bebida se tornava pior no Castelo do Abismo.

— Lenór, seria estranho e incômodo para você se eu lhe pedisse um abraço? — Vanieli perguntou, de repente.

Ela não sabia com o que tinha sonhado, mas o medo ainda percorria seu corpo. Sempre que fechava os olhos, ele tornava-se mais presente.

— Não exatamente agora, só… Queria saber se você poderia me abraçar um pouco enquanto eu tento dormir. É que…

A frase ficou incompleta, porém Lenór entendeu onde ela queria chegar. Vanieli precisava de um pouco de contato físico para serenar a mente e o coração. Ela endireitou-se sobre o assento e Lenór ficou de pé, lhe oferecendo a mão.

A comandante a conduziu para a cama e abraçou com cuidado. De início, o corpo de Vanieli era pura tensão, depois foi relaxando entre os braços firmes da esposa, que não admitiria em voz alta, mas também se sentia necessitada de um pouco de calor humano.

 



Notas:



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8 Respostas para 11.

  1. Nossa é cada mistério, cada pequeno desvendar, que me deixa cada vez mais ansiosa e extasiada com cada novo capítulo que leio.
    E meu coração anda em dúvida entre Lenór e Vanieli ou Lenór ou Aisen, mas ainda tenho uma quedinha pelo primeiro casal kkkk.

    • kkkkk… Que bom que te “fisguei”, moça! Vá desculpando a demora na resposta. Espero que essa sensação se mantenha até o fim da história.

      Beijos!

    • Owww, obrigada, Nádia!
      Como sempre, é um prazer ter a sua companhia nas minhas histórias.

      Beijos!

  2. Esses sonhos e medos descortinam segredos do castelo. Muito interessante a conversa da Lenor com a daijim.

    • Exatamente, Carla.
      Mesmo sem entender e perceber, Vanieli está desvendando os segredos do Castelo. E há muito mais por vir.

      Beijos!

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