Nos Corais de Veronna

Capítulo 1 – Proposta Irrecusável

1. Capítulo: Proposta irrecusável.

11h

O telefone toca repetidas vezes. Na cama, alguém debaixo do cobertor resmunga palavras desconexas. O som para por breves minutos continuando em seguida mais irritante que antes. Um braço surge das cobertas a procura do aparelho.

__ Diga. – Atende sonolenta.
__ Maria Anastácia! Isso não é hora de estar na cama.

O telefone é desligado. Segundos depois recomeça insistentemente até que a mulher, mais irritada que antes, atende novamente.

__ Se me chamar de Maria Anastácia de novo…
__ Certo! Certo, desculpa Mia. Estou ligando porque tenho uma proposta irrecusável de trabalho pra você.
__Samuel eu estou de férias. Quer por favor, me deixar aproveitar as minhas férias em paz?
__ Mia, chegar de madrugada em casa todos os dias de pileque e com uma mulher diferente, não é aproveitar as férias eu…
__ Dá minha vida cuido eu e você trate de procurar outro fotógrafo porque eu estou de FÉRIAS. – Gritou.
__ Uma cidadezinha no litoral, poucos habitantes, lugares paradisíacos, a história local também é bem interessante…
__ Não estou interessada.
__Eu pago bem.
__Também sou dona da revista, embora às vezes me esqueça disso, não ligo pra dinheiro e você sabe muito bem. Você tem uma equipe que pode fazer isso, Samuel. Me deixa voltar a dormir, vai. – Disse impaciente.
__ Você disse bem Mia, você também é dona da revista. Eu fico com toda parte burocrática, você só precisa viajar e tirar boas fotos. Você sabe que é a melhor fotógrafa que temos, eu raramente te peço alguma coisa… Por favor, maninha.
__ Sal você é um cachorro chantagista. – Disse bem humorada.
__ A Levien Lugares não funciona sem nós dois trabalhando juntos e além do mais, lá você pode curar essa dor de corn…
__ Já me convenceu, Samuel!– irritou-se com o ultimo comentário do irmão. __ Mais tarde passo no escritório pra acertar tudo. Posso dormir agora?
__ Agora pode. Te amo maninha!

Mia levantou-se. Mesmo se quisesse, não conseguiria dormir mais. Desde que fora deixada por Larissa, seu sono nunca mais foi o mesmo.
Maria Anastácia Albuquerque Levien, Mia, como preferia ser chamada, era uma jovem e talentosa fotógrafa, cuja carreira era invejada por vários veteranos no ramo. Tinha uma vida estabilizada, formada em turismo, tocava junto ao irmão, um excelente administrador, a herança da família, a revista: Levien Lugares. Uma revista voltada ao público que adora viagens exóticas e lugares pouco conhecidos.
Tudo seria perfeito para Mia se o fato de viajar tanto não atrapalhasse sua vida amorosa. Seu último relacionamento tinha acabado de forma fatídica. Larissa queixava-se do pouco tempo que passava com sua namorada, Mia por sua vez, tentava a todo custo fazer com que Larissa a acompanhasse em suas viagens. Assim que conseguiu as férias, a fotógrafa chegou mais cedo no apartamento da namorada, encontrando-a na cama com outra mulher. Desse dia em diante Mia passou a cair na noite e a sair com várias mulheres. Por mais que não amasse Larissa, o que Mia sentia por ela, era o mais próximo que chegara de amar.

No escritório…

Mia entrou no prédio da revista com cara de poucos amigos. Vestia uma curtíssima saia jeans, uma camiseta que delineava seus seios rígidos e arredondados, no rosto, óculos escuros escondiam as olheiras que a fotógrafa conseguira nos últimos dias.
À medida que avançava até a sala do irmão, era seguida por olhares curiosos e lascivos.

__ Se eu pudesse e meu dinheiro desse. – Suspirou Marcelo, um dos funcionários.
__ É meu amigo… Só que pra isso você teria que nascer de novo e como “Marcela”. – Zombava Lucas, o office boy.

As salas dos diretores ficavam no ultimo andar. Mia estava prestes a pegar o elevador, quando foi interceptada por Melania, a editora chefe.
Melania era uma mulher experiente. Sentia uma forte atração por Mia, nutrida pela curiosidade, porém não pretendia se deixar levar pelos desejos reprimidos. Via a caçula dos Levien, como uma garotinha mimada merecedora de uns corretivos, seu maior prazer era chateá-la.

__ Anastácia! Pensei que estivesse de férias. – Disse com falsa surpresa.
__ Pode parar de teatro que eu sei muito bem que o fato de eu estar aqui tem dedo seu. – Disse irritada, a outra sorriu.
__ Você faz uma ideia muito errada de mim, sabia? – Dramatizou.
__Ah vai te catar. – Entrou no elevador enquanto Melania sorria do lado de fora.

Entrou como um furacão na sala de Samuel. Jogou-se na cadeira em frente ao irmão que fez um gesto para que aguardasse.

__ Sim, sim. Nossa fotógrafa chegará amanhã. – Falava animado ao telefone. Mia não gostou da conversa. __ Tudo certo. Tchau.
__ Que história é essa de “amanhã”? Sal você não me disse que seria tão urgente.
__ Pra ontem, Mia. Temos que aproveitar o verão. Turista não quer visitar lugar cheio de lama né? E você não tem nada de importante mesmo pra fazer aqui.
__ E onde fica esse lugar?
__ Ceará. Numa cidadezinha bem distante de fortaleza. Ta tudo aí. – Jogou uma pasta em cima da mesa. __ Aí tem informações sobre o hotel e telefones de alguns guias. – percebeu o desânimo da irmã. __ Hei Mia, anime-se! Tenho certeza que depois de tudo você vai me agradecer.
__ Talvez. – Levantou-se. __Vou arrumar minha mala, nos veremos antes de eu viajar?
__Claro! Você vai jantar conosco essa noite.
__ Por que será que eu tenho a impressão de que você nunca me pede nada, simplesmente comunica?! – Sorriu.
__ Não se atrase.
__ Só mais uma coisa… – Disse antes de sair. __ A Melania tem alguma coisa a ver com essa sua ideia de me mandar nessa viagem?
__ Mia para de implicar com a Mel.
__ Teve ou não teve?
__ É… Ela sugeriu seu nome sim.
__ Eu sabia! Ela adora me infernizar.
__ Não Mia, ela quer seu bem. Ela, assim como eu, acha que isso que você está vivendo não é vida…
__ Ela o que?? – Voltou pisando forte.
__ Mia tenha calma…
__ Samuel eu estou calma, calminha, você nem está me vendo espumar… – Aproximava-se do irmão. __ Eu só quero saber o que você anda falando da minha vida com essa sua cunhada enxerida!?
__ Nada… Ela… Ela te viu saindo bêbada de uma boate e comentou com a Clara e minha esposa me disse. Somos sua família, nos importamos com você.
__ Você é minha família, Sal. Adoro a Clarinha, mas não quero ninguém se metendo na minha vida, muito menos a idiota da irmã dela. Mas eu já sei o que fazer. – Disse com um meio sorriso nos lábios e com carinha de menina levada.
__ Pode parar, Mia. Não vá me aprontar nada, da ultima vez que vi esse seu sorriso maléfico, eu tive que despachar duas drag queens da minha despedida de solteiro.
__ Relaxe Sal. To indo aprontar minha mala. – Disse.
“E aprontar com outra” – Pensou.

Mia saiu mais animada da sala do irmão. Fazer travessuras sempre fora uma ótima terapia, em cima de Melania então… Viajaria realizada.

Entrou em sua sala e pegou alguns materiais que levaria para viagem, em seguida posicionou estrategicamente uma câmera automática na direção de sua mesa, com tudo pronto, ligou para Melania.

__ Oi Mel, eu gostaria de falar com você.
__ Anastácia? Algum problema? Você nunca me chama de Mel.
__ É, eu sei. Eu sempre fui meio hostil com você e esse momento de transição que estou vivendo me fez dar mais valor as pessoas que estão a minha volta. Pode vir a minha sala para conversarmos?
__ Ta eu… Já chego aí.

Melania não era boba, conhecia o gênio de Mia e suas armações. Sentiu-se tentada a pagar pra ver, mas não pretendia fraquejar diante a beleza da garota.

A fotógrafa era uma morena estonteante. Seus olhos azuis piscina já fizeram muitas se afogarem. Seu cabelo negro de um brilho ofuscante, vivia constantemente num rabo de cabalo que pousava sobre o ombro, e uma meia franja que caía sobre o olho esquerdo, eram sua marca registrada.

Na sala, Mia aguardava animada. Mel bateu na porta.

__Pode entrar. – Apontou a cadeira a sua frente. __ Sente-se.
__Não obrigada, tenho muito trabalho a fazer. Por favor, seja breve. – Melania tentava manter o controle. Permaneceu de braços cruzados tentando transparecer uma indiferença, que na verdade não sentia.
Mia se aproximou.
__ Vou direto ao ponto. O Sal me disse que você me viu saindo da boate bêbada e…
__ Anastácia eu não tenho nada a ver com sua vida…
__ Gostei de saber que se preocupa comigo. – disse deixando a outra desarmada. __ Eu sempre quis me aproximar de você, mas nunca tive espaço, mas agora… – Imprensava o corpo da editora contra a mesa. __ Agora o espaço é totalmente dispensável.

Nesse momento Melania não sabia mais o que fazer. Tinha sido pega de surpresa e a única coisa que via á sua frente era os penetrantes olhos azuis de Mia.

__ Mia, eu… – Seus lábios foram silenciados pela boca da fotógrafa. Não apresentou resistência nos primeiros momentos. Quando retomou os sentidos, empurrou a outra para longe de si. __ Sua!…Sua…! – Limpava a boca.
__ Diz. Sua o quê? Lésbica?- Sorria cinicamente. __ Qual a novidade nisso? Todo mundo sempre soube! Mas que VOCÊ também gosta da coisa… Isso sim é novidade!
__ Sua cretina! Você me beijou a força!
__ A força? É nisso que você quer acreditar? Tudo bem, mas eu acho que os outros não vão crer muito nisso não.
__ Você não se atreva a contar isso pra ninguém sua pirralha anormal. Mesmo porque, ninguém acreditaria. Todos sabem que não te suporto e que a sem vergonha aqui é você.
__ Não vou contar a ninguém, pode ter certeza. – Disse num tom sério e aparentemente sincero, deixando Melania atônita. __ Por que ta me olhando assim? É sério! Você tem ideia da lista de mulheres lindas que eu já tive? Você mancharia minha reputação! – Disse em tom de deboche.

Os olhos de Melania fuzilaram a mulher a sua frente. Aproximou-se de Mia e com o dedo em riste, disse:

__ Se eu ouvir alguma coisa sobre o que aconteceu aqui, pelos corredores… Eu juro Maria Anastácia, você vai se arrepender de ter nascido!
__ Vamos fazer o seguinte: – Recobrou a seriedade. __ Você cuida da sua vida e eu cuido da minha. Combinado assim?

Melania lhe deu as costas e bateu a porta atrás de si deixando uma Mia radiante.

__ Agora ela me deixa em paz. – Pegou a câmera. __ E isso aqui vai ficar bem guardado.

No jantar….

__ Amor, fico preocupada com o fato das nossas irmãs não se suportarem. Vou conversar com a Melania, pedir para que ela ceda um pouco. – Dizia Clara enquanto preparava a mesa para o jantar.
__ Clarinha não se mete nisso não. Elas são adultas e podem muito bem resolver essa rixa boba perfeitamente sozinhas. – Toca a campainha.__ Deixa que eu atendo.

__ Não quero demorar. – Disse assim que a porta foi aberta.
__ Boa noite pra você também maninha. Entra.

Mia foi cumprimentar a cunhada e logo em seguida seguiu para sala, onde tinha conversas intermináveis com o irmão.

__ Já que você viaja amanhã cedinho, depois daqui, sugiro que vá pra casa e descanse quietinha como uma boa menina.
__ Relaxa Samuel. Desde quando eu não levo a sério o meu trabalho? Eu só não pretendo demorar porque ainda não consegui avisar as minhas amigas que sairei da cidade. Marcamos uma pequenina despedida hoje. – Samuel a olhou com cara de poucos amigos. __ Pequenina, Sal.
__Ok, realmente você ainda não me decepcionou quando o assunto é trabalho. Espero que não haja a primeira vez.



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