Nightingale

Capítulo 19 – Tatuagens

– Esse filme tá uma merda – falou Alex com o braço em baixo da cabeça enquanto arrumava o travesseiro e encarava a televisão.

– Pessoa pobre aqui – falou Erika rolando os olhos – Não tenho TV a cabo. Preciso me contentar com a TV aberta, nenhum filme que passa nela é bom.

– É, tem razão….Por isso eu não vejo televisão – falou a menor suspirando de um jeito cansado.

– Você não vai pra casa? – perguntou Erika virando o rosto na direção da guitarrista.

– Tá me expulsando?! – perguntou Alex se virando para a morena com um olhar arregalado de falsa surpresa.

– Ah, vai se ferrar – riu Erika fazendo Alex rir junto – Só pra saber, porque se você vai pra casa, é bom ir logo antes de ficar muito tarde. Porque, caso você não tenha notado, eu não estou em condições de te levar em casa – ela completou voltando sua atenção para o filme.

– Eu já sabia que não dava mais pra voltar pra minha casa cedo desde que decidi trazer você pra cá – falou Alex dando de ombros – Se sair agora chego em casa perto da meia-noite – falou ela rindo sozinha.

– Alex!! – Erika exclamou em tom de reprovação e se apoiando sobre o braço esquerdo para virar e encarar a garota – Se sabia que ia ficar tão tarde pra você voltar pra casa porque aceitou me trazer???? Eu podia ter pedido pra qualquer outra pessoa.

– Sei lá – falou a menor dando de ombros e virando o rosto para encarar Erika com um sorriso calmo – Eu só quis cuidar de você. Mas se está me mandando embora eu vou – falou ela se sentando no colchão – Eu mesma não esperava que só fosse ter um colchão aqui, esperei pelo menos um sofá pra passar a noite, mas chão puro não vai fazer bem pras minhas costas – falou ela rindo e já ia se levantar quando Erika segurou-a pelo pulso.

– É perigoso você voltar pra casa sozinha a essa hora – falou a morena suspirando – Pode dormir aqui mesmo; o colchão já é de casal e bem espaçoso. Mas vai tomar um banho antes pelo menos neh – ela disse e sorriu de um jeito divertido.

– Babaca – falou Alex rindo junto – Onde tem toalhas, e você vai ter que me emprestar um short pelo menos – ela disse dando de ombros e se levantando.

Erika disse onde havia outra toalha e onde Alex poderia achar um short de malha confortável para dormir e uma camisa se quisesse uma também. O short marrom claro até que não ficou tão largo, mas a camisa passava em muito a cintura da menor.

 

POV Alex

O banheiro tinha o cheiro dela. Bem, é óbvio que teria o cheiro dela, era a casa dela, tudo ali tinha o cheiro dela….mas ali estava mais forte…ainda mais forte do que quando eu senti ele ao ajuda-la a chegar no colchão. Me concentrei e inspirei profundamente, era um cheiro muito bom.

Não me controlei e acabei olhando tudo em volta. Era pequeno, com uma cortina de plástico separando a área do chuveiro do resto do lugar. Logo notei que o shampoo no suporte era de eucalipto, então pensei de onde viria o cheiro de lavanda que eu senti. Olhei, mas não vi nenhum tipo de hidratante nem creme ou coisas do tipo; não que isso me surpreenda já que Erika não se parece com o tipo que usa essas coisas. Então ignorei isso e entrei embaixo do chuveiro, havia uma saboneteira fixada na parede, eu não tinha outra escolha além de usar aquele sabonete mesmo.

E então descobri que era dali o cheiro de lavanda, o que achei estranho mesmo foi o formato do sabonete, não era como daqueles comuns que a gente acha em supermercados. Parecia daqueles tipos de sabonetes artesanais que algumas pessoas fazem. Depois que me enxuguei abri o único armário que havia ali, o qual eu não tinha aberto ainda. Foi ali que encontrei o que confirmou minha suposição, eram sabonetes artesanais com perfume de lavanda. Tive que sorrir com aquilo, mas depois da descoberta veio a realidade, eu estava com o cheiro dela.

Terminei de me secar e vesti as mesmas roupas intimas já que ela não teria nada do meu tamanho pra isso. Só então coloquei as roupas que Erika tinha me emprestado. O short era muito confortável e, como Erika era bem magra ele não ficou assim tão largo na cintura e tinha um comprimento que passava um pouco da metade das minhas coxas, o que me fez pensar que nela eles ficariam bem acima do meio das coxas.

A regata verde que eu peguei no guarda-roupas era de um tecido bem fino e parecia meio velha, mas era muito confortável. Sabia que a peça estava limpa, mas por algum motivo, depois de colocar a regata eu trouxe o tecido para perto do nariz para sentir o cheiro. Ainda era o cheiro dela, mas em mim já não parecia assim tão bom….o que era um fato muito estranho. E as roupas dela cheiravam a lavanda também o que era mais um fato muito esquisito. Acho que alguém tinha uma fixação com o cheiro de lavanda.

– Qual é a dessa sua fixação com lavanda?? – sai do banheiro perguntando isso e tentando ajeitar a regata que descia até perto do meio das minhas coxas.

– Eu gosto do cheiro ué – ela me respondeu rindo baixo enquanto ainda olhava para a televisão, o filme tinha mudado e ela estava prestando atenção agora, mas já dava pra ver que os olhos dela teimavam em fechar.

Sorri pra mim mesma por ter notado isso. Ela estava exausta, mas por alguma razão ainda não tinha se permitido dormir.

– Achei que, pelo tempo que demorei, você já teria apagado ai nesse colchão – falei me aproximando e passando por cima dela para chegar ao lado em que eu tinha estado antes.

– Hey, o que é isso?? – perguntou ela com um tom surpreso e se sentando na cama enquanto me encarava fixamente – Isso no seu ombro…É uma tatuagem??

– É – falei sorrindo e me sentando, meu ombro direito com a tatuagem bem a mostra para os olhos dela – Foi a primeira que eu fiz, tinha 17. E não, não doeu tanto. E, não, eu não acho que vou me arrepender. E sim, tem um significado – dei todas as respostas para as perguntas que as pessoas costumam fazer.

– Eu não ia fazer exatamente essas perguntas – ela disse rindo de mim e eu acabei rindo junto – Vai, diz o significado.

– São pássaros voando livremente – falei virando o rosto para encarar a tatuagem – Pra mim são representações da minha liberdade. Minha liberdade de escolhas, de pensamentos, de opções, de tudo. É o meu ideal de liberdade gravado na minha pele. Nada deve transmitir uma sensação de liberdade tão verdadeira quanto poder voar com suas próprias asas.

– Isso é….muito profundo – ela comentou com um sorriso pequeno – É a única que você tem??

– Não, tenho mais duas e quero fazer uma terceira – falei me deitando e encarando o teto – Essa é, tecnicamente, a menor porque os pássaros são pequenos apesar de ocuparem muito espaço. As outras duas tem mais tinta envolvida – falei rindo – E doeram um pouco mais. Essa só é assim meio sem graça porque meus pais só permitiram que eu fizesse a tatuagem se não fosse chamativo demais.

– E as outras duas? São mais chamativas? – perguntou Erika com um tom de curiosidade misturado a brincadeira.

– Ah, bem mais – falei rindo e erguendo a camisa emprestada por ela, a lateral direita do meu corpo era coberta por um enorme filtro de sonhos bem colorido.

Começava com três fitas mais cinzas na metade das minhas costelas e o desenho se estendia com o filtro dos sonhos com uma flor rosa no centro e depois quatro penas coloridas, a ponta da ultima chegava na altura do final da minha cintura. E ainda haviam três pequenos pássaros desenhados pro lado da minha barriga que acompanhavam o filtro dos sonhos. Assim que ela viu a tatuagem seus olhos se arregalaram e a boca abriu levemente, era muito engraçada a expressão surpresa que ela estava fazendo.

– Essa demorou pra caramba, foi a ultima que eu fiz, faz…um ano e meio que ela ficou pronta – falei pensando nas datas – Comecei a fazer ela uns 3 meses antes. Demorei por causa das cores e porque faltou tempo pra ir ao tatuador.

– Nossa, Alex….Isso é…Enorme – ela disse encarando fixamente a tatuagem – E a outra? – ela perguntou de repente sacudindo de leve a cabeça e me encarando nos olhos – Você disse que tinha outras duas…Falta uma. O que é a outra??

– Anh – falei rindo sem graça – É no meu peito……no meio do peito….entre os seios….e… Não vai perguntar o significado dessa? – perguntei apontando para a minha tatuagem ainda a mostra.

– Porque não quer falar da outra? – Erika foi direta ao me perguntar fazendo com que eu suspirasse.

– Porque tem um significado mais complicado – falei e depois dei uma risada – E eu não pretendo te mostrar meus peitos – falei e a vi arregalar os olhos e depois cobrir o rosto com a mão pra esconder o rosto levemente vermelho, ato que me fez gargalhar.

– Você é uma grande pervertida sabia? – disse Erika bufando irritada e se deitando, então ouvi a televisão ser desligada – Qual o motivo do filtro dos sonhos? – ela perguntou logo depois.

Eu sorri e me deitei; nós duas encaramos o teto antes de eu responder.

– Minha mãe sempre gostou dessas coisas. Sempre tive um filtro desses pendurado perto da janela do meu quarto e eu gosto do significado e da função que ele tem – falei.

– Afastar sonhos ruins e pesadelos – disse Erika.

– Exato – falei e virei o rosto na direção dela; Erika estava me encarando o que me fez voltar a olhar o teto – A dois anos atrás eu…e a banda… Nós passamos por um período muito ruim. Eu não conseguia compor e as coisas que eu já tinha prontas….não ficavam boas o bastante pra Tiffy cantar. Minhas musicas não estavam cumprindo os papéis que eu queria pra elas. Não sei se foi isso o que causou os pesadelos…mas eu comecei a sonhar coisas ruins sobre minhas musicas e a banda….sempre eu sendo deixada por eles porque não podia fazer o que eles precisavam que eu fizesse. Uma noite eu acordei assustada e encarei o filtro de sonhos que eu tinha pendurado perto da janela. Achei uma das linhas dele quebrada. Então levantei e peguei papel e um lápis e desenhei um filtro de sonhos…esse filtro. No dia seguinte eu fui no meu tatuador e perguntei se era possível ele tatuar em mim aquele desenho. Fizemos algumas modificações, porque ele é muito melhor que eu com desenhos, e então ele começou a trabalhar. Eu ainda tive pesadelos por duas semanas, mas depois comecei a compor de novo. Então não conseguia parar de pensar em cores e acabei colocando elas na  tatuagem e nas musicas.

– Nossa – falou Erika e eu pude sentir que ela ainda me olhava – E a outra tatuagem, não quero que me mostre, só que diga o que é e as razões de ter feito – ela falou rápido não me dando chance de dizer algo antes dela terminar.

A encarei por algum tempo. Eu a conhecia a poucas semanas. Mas estava aqui deitada num colchão que servia de cama pra ela, então tecnicamente eu estava na cama dela e não era por motivos obscenos ou pervertidos. A ultima vez que estive assim do lado de alguém tinha sido com Ted quando tínhamos 15 anos. Só que Erika claramente era muito mais o meu tipo do que Ted.

Eu confiava nela, confiava cegamente nela. Se Erika me pedisse pra fechar os olhos e caminhar reto sem olhar eu nem trapacearia para abrir um pouquinho um olho. Eu confiaria minha vida a ela e isso tinha que significar muito….eu não sentia que podia confiar minha vida a muitos dos meus amigos. Talvez apenas Ted e Jimmy. Com um suspiro eu desisti de ignorar a pergunta.

– É um cadeado – falei suspirando – Um cadeado trancado sobre o meu peito. Tatuei ele ali quando fiz 19 depois de quase fazer uma bela merda por estar interessada numa garota qualquer. Agora ele me lembra que só a chave certa pode abrir o cadeado, e que se eu forçar a fechadura ela vai quebrar e ficar trancado pra sempre.

Encarei Erika que me olhava com um olhar sem expressão. Do nada ela suspira e encara o teto, acabo fazendo o mesmo por não querer ficar olhando pra ela.

– Eu nunca me apaixonei – diz ela de repente – Nunca mesmo. Na cidade onde eu nasci…bem, era uma cidade pequena e eu nunca fui como as outras garotas do lugar. Ninguém nunca se interessou pela esquisita da cidade – ela riu – Não me incomoda nem um pouco isso. Mas…eu fico pensando como deve ser.

– Uma merda – respondi suspirando – Ao menos se não é a pessoa certa a gente só se ferra.

– Mas também não tem que virar uma pervertida que nem você. Assim a pessoa certa não vai te querer se você a achar – disse Erika me encarando com uma sobrancelha erguida como se dissesse “eu estou certa, não discuta” e aquilo me fez rir – Não era pra você rir – ela disse quando notou que eu estava quase gargalhando.

– Tá, vamos ver – falei respirando fundo – Faz….quase…Não…. Nossa, já faz mais de dois meses que eu não fico com ninguém… Tipo, ninguém mesmo. Acho que isso me faz menos pervertida. E eu só sou pervertida nos momentos certos, ou seja: se estou tentando conquistar alguém ou se estou tentando deixar alguém constrangido. E como a primeira opção não vem ao caso a dois meses eu só fico mesmo zoando a sua cara com essas coisas pervertidas que eu digo – falei e comecei a rir de novo, eu tinha lógica afinal de contas.

Eu não estava dando em cima dela e isso era muito óbvio pelo fato de eu estar deitada na mesma cama que Erika, estarmos muito perto uma da outra, e mesmo assim eu continuar no meu cantinho sem tentar nada. Isso dizia algo sobre mim: eu sabia respeitar os outros. Mas piadas pervertidas eram legais se a outra pessoa ficava corada com isso. O cheiro dela por toda parte não me afetava, ao menos não que eu estivesse notando, já que tudo o que eu queria era cuidar daquela lutadora cabeça-dura que estava machucada. Eu só queria cuidar de uma amiga com problemas, apenas isso.

 

 

N/A: As imagens das tatuagens foram achadas no google mesmo, eu já tinha as ideias e procurei imagens que se assemelhassem ao que eu havia pensado. Para minha surpresa encontrei algumas que eram muito próximas da minha imaginação. 



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