POV Alex
Era tedioso, completamente tedioso, mas também era gratificante estar ensaiando com o grupo todo. Claro que quando eu não estava lá tocando ou quando não era a minha vez de fazer algo a coisa ficava completamente sem graça. E o pior era que eu sequer poderia falar com Erika pra me distrair; tinha que ficar atenta a tudo o que todos faziam, eu precisava achar os detalhes pra mudar ou melhorar. Aqueles últimos dias realmente estavam sendo intensos e cansativos.
Então pensei em Erika, tão perto da luta dela. Me odiei por não poder estar dando toda a atenção que ela merecia nessa hora importante. Ela deveria estar preocupada e ansiosa no mínimo; apesar de saber que aquela cabeça dura nunca admitiria isso pra alguém, mesmo pra mim. Procurei meu celular, estávamos em uma pausa mesmo. Eram 17h e Erika deveria estar indo pra sua pausa e descanso antes de esperar a ultima turma sair pra limpar a academia.
Mas não achei o maldito aparelho em lugar nenhum, nem nos meus bolsos, nem na jaqueta jeans que eu tinha trazido, nem em cima das mesas e muito menos nos vãos do velho sofá, lugar em que ele geralmente acabava quando eu me distraia o bastante pra perdê-lo como tinha feito agora. Estava pra gritar por todo mundo pra que me ajudassem a procurar quando Tiffany entra pela porta vindo sabe-se lá de onde com meu telefone verde escuro na mão.
– Você trocou a senha pra desbloquear seu telefone – ela me disse praticamente me acusando; isso me irritou, mas fingi não sido atingida pela acusação.
– É, mudei. Quis algo novo e acabei resolvendo trocar – falei indo pegar o aparelho das mãos dela.
– O que está tentando esconder de mim Alex??? – ela me questionou, praticamente exigindo uma resposta com seu tom de voz, ao mesmo tempo em que afastava o celular do meu alcance.
Aquilo sim me irritou.
– Eu não tenho nada a esconder de você Tiffany – falei respirando fundo – O celular é meu e tenho o direito de trocar a senha quando eu quiser. E não tenho nada a esconder de você. Aliás, você é que não tem nada que estar se metendo na minha vida. Isso é invasão de privacidade. Agora pode devolver de uma vez o meu telefone???
– Pra que? – ela continuou perguntando como se fosse a única que podia mandar naquela história.
Tomei o celular da mão dela com rapidez e bufei indignada com aquela atitude babaca e infantil enquanto destravava a tela e me afastava da loira. Tiffany não desistiu e veio atrás de mim.
– Me deixa no meu canto pelo amor de Deus, mulher! – falei irritada parando e encarando-a; pelos deuses como foi que eu consegui aguentar essa garota no meu pé por tanto tempo????
– O que tá havendo com você Alex??? – ela perguntou, agora fazendo aquela expressão de preocupada e ofendida – Você anda me ignorando e evitando. E agora isso! Eu sempre soube a senha do seu telefone, sempre tive livre acesso a ele, porque agora você mudou a senha do nada e age como se eu é que fosse a errada????
– Porque você é a errada Tiffy – falei suspirando, aquilo estava sendo ridiculamente infantil da parte dela – Olha, eu só queria mais privacidade. Nada contra você, mas nós duas sabemos que você só sabia minha senha por insistência sua, eu nunca quis saber a sua e nunca peguei seu telefone sem sua autorização. Eu apenas….
– Mas você nunca se incomodou com privacidade antes! – ela me interrompeu fazendo com que eu suspirasse com irritação – Quem é??? É alguma mulher não é??? Só pode ser, não há outra opção. Você tá dando em cima de alguém e não quer que eu descubra quem é, por isso trocou a senha do celular.
– Você tá doida?? – perguntei erguendo uma sobrancelha – Tu não é nada minha pra que eu tenha que esconder se to pegando alguém ou não. A gente só fica de vez em quando e, pelo amor de Deus, faz mais de meses que eu não quero nada com você. E mesmo que seja uma mulher, o que você tem haver com isso?? E se quer saber mesmo, é sim uma mulher, mas eu não estou “dando em cima” dela. É uma nova amiga e eu e ela somos isso e apenas isso. E quer saber uma outra coisa: eu me cansei desse seu jeito controlador e possessivo comigo. Você não é nada minha Tiffany! O que eu faço ou deixo de fazer não é da sua conta – falei irritada e comecei a sair de perto dela – E pra mim já deu de ensaio hoje. Vou pra casa. Vejo vocês amanhã de manhã pessoal – falei pegando minha jaqueta e saindo da sala.
Demorei um pouco para chegar em casa, ir andando cansava e era uma caminhada lenta sendo eu a pessoa a caminhar. Mas quando cheguei fui direto pra meu banho. Era pouco mais de 18h quando deitei na minha confortável cama, vestindo meu pijama de ursinhos e peguei o celular outra vez. Mandei um mensagem de voz pelo WhatsApp pra Erika e esperei a resposta dela enquanto pegava meus fones de ouvido.
– Oi Lutadora, como foi o dia? – foi o que perguntei.
Uns três minutos depois veio a resposta que eu escutei já com os fones.
– Hey, guitarrista. O meu foi cansativo. Corrida, café da manhã, musculação, almoço, musculação, treino e corrida de novo. Mas e você?? Achei que ia ficar até tarde ensaiando como das outras vezes.
– Problemas, problemas e alguns outros problemas. Deu uma merda lá e eu tava cansada e tava todo mundo cansado. Achei melhor acabar mais cedo. Mas me diz; como tá o psicológico pra amanhã?? – respondi pra ela e comecei a procurar músicas pra ouvir nas minhas playlists.
– Tá tudo tranquilo – ela respondeu depois de quase cinco minutos – Eu to bem. Treinei bem, estou em boa forma….vai dar tudo certo amanhã.
Não sei se foi o discurso padrão que ela usou ou se foi apenas o tom de voz dela, mas eu senti que aquilo não era verdade nem um pouco.
– Erika; você tem uma luta importante amanhã, tem o direito de ficar nervosa e preocupada. Não é só porque todo mundo jura que você é incrível que você necessariamente acredita nisso. Se estiver preocupada pode falar comigo sobre isso – falei me sentando na cama e largando as musicas pra depois; tinha que fazer aquela coisa alta entender que não precisava ficar escondendo o nervosismo.
– Eu to bem Alex, sério mesmo – foi tudo o que ela respondeu.
– Nem ferrando que tá tudo bem – falei rolando os olhos – Eu lembro da primeira vez em que eu subi num palco com a Horizons. A banda ainda não tinha o Jimmy com o piano e o baixista ainda não era o Anton. E eu estava nervosa pra caralho! Mesmo com todo mundo dizendo que éramos bons e me elogiando por eu ter conseguido o show e ser incrível, o que eu mesma sei com absoluta certeza que eu sou. Mas eu ainda estava com um puta medo de subir lá e fazer merda. Ninguém é perfeito Erika, todo mundo pode errar, a gente só tem que torcer pra fazer errado nas horas certas. Então você pode sim estar nervosa e preocupada. Tem esse direito – quando enviei o áudio fiquei pensando se foi o certo a dizer.
– Você se acha demais sabia?? – foi a resposta que veio em uma nota de áudio junto com uma grande risada dela – Céus Alex, como seu ego cabe nesse seu corpo pequeno???
A risada dela era alta, uma verdadeira gargalhada que fez um sorriso aparecer no meu rosto. Era a primeira vez que eu ouvia Erika rindo, nas outras vezes quando eu a fazia rir falávamos por mensagens de texto então eu não sabia como era a entonação, o timbre e os detalhes do som dela rindo. Era bom ouvir, e me perguntei…como seria ouvir aquela risada ao vivo e de perto. Fiquei um tempo ouvindo de novo o mesmo áudio enquanto ela gravava outro e me enviava.
– Eu to nervosa sim. To preocupada pra caralho sim. Sei que to bem preparada, mas você tem razão, a gente sempre pode acabar errando. E é isso que tá me deixando muito ansiosa – foi o que ela respondeu com um tom mais sério, mas depois veio uma risada mais leve antes de o áudio acabar com ela dizendo mais uma coisa – E, ok. Admito isso: você é mesmo incrível.
Não sei se foi o riso leve ou se foi o que ela disse sobre mim, mas alguma dessas coisas fez com que eu me sentisse tão bem e leve que eu quase achei que podia flutuar.
– É, eu sei que sou incrível. Me ame por isso – falei brincando e rindo só esperando que ela risse de novo e foi exatamente o que ela fez e pra minha sorte mandou a risada em forma de áudio.
Eu não queria que a conversa acabasse, mas Erika tinha que dormir e descansar. Claro que eu disse a ela que, se ficasse com insônia ou não conseguisse dormir ou qualquer outra coisa poderia me ligar a qualquer hora da madrugada. Eu não me importaria que ela ligasse, uma pena que ela não ligou.