Luz para florescer

Capítulo 26

Há cerca de uma semana atrás, Eleonora se mudara para um pequeno apartamento mobiliado de propriedade de seu pai e, cujo último inquilino o desocupara, repentinamente, a fim de viajar para a Europa para estudar. O pai insistira para que ela morasse no apartamento pelo tempo que lhe conviesse. Eleonora só aceitou porque precisava de algo transitório até que resolvesse a sua vida com Suzana e mediante pagamento de aluguel, mesmo perante os veementes protestos do Dr. Marcos. A única coisa que Eleonora levou para o apartamento foi uma cama box king size que quase tomou todo o diâmetro do minúsculo quarto.

Há menos de um mês retirara seus pertences do apartamento que dividira com Luciana por três anos. Como o esperado, a despedida fora dolorosa. Eleonora tentou uma conversa, mas Luciana foi veemente em não querer trocar uma única palavra, além do estritamente necessário. Eleonora não insistiu, sabedora, por experiência própria, de que as feridas precisam de tempo para se tornar minimamente suportáveis e então se curarem.

Da última vez que se encontraram, Luciana contou-lhe, inexpressiva, que aceitara uma especialização em cirurgia cardíaca nos Estados Unidos. Seria uma grande chance de aprender uma técnica inovadora trabalhando junto com uma equipe de profissionais altamente conceituados.

Eleonora a parabenizou com sinceridade e por um momento julgou perceber um vislumbre do brilho carinhoso que sempre convivera nos olhos de Luciana. A médica, porém, virou os olhos para o velho e temperamental gato deitado no tapete e falou:

– Eu gostaria de levar Bertrand.

– Está bem – Eleonora concordou simplesmente.

Despediram-se sem abraços emocionados e o gosto travoso na boca, que só conhece quem já experimentou o sabor acre de uma separação magoada.

Eleonora caminhou tristemente até a porta. Virou-se de repente e deu de cara com Luciana, olhando para ela com Bertrand nos braços e, os olhos castanhos líquidos de tristeza. Eleonora pensou em dizer algo, mas se calou. Devolveu o olhar esperando que Luciana compreendesse que essa tristeza era inteiramente compartilhada. Voltou-se para ir embora, abriu a porta e saiu sem olhar para trás, mas a tempo de ouvir:

– “Tempus animae medicos” ¹

Fechou a porta refletindo que, às vezes, a prodigalidade da vida em nos conceder pessoas maravilhosas para amar pode ser paradoxalmente injusta se elas acontecem ao mesmo tempo.

Perto de uma hora depois, Suzana e Eleonora desceram na garagem do prédio de Eleonora. Caminharam até o elevador em silêncio. A loira ia à frente com uma maleta. Suzana seguia-a logo atrás com uma mala, uma valise e o sobretudo nas mãos, e os olhos ocupados com a visão dos quadris de Eleonora. A ansiedade de ficar a sós com a sua mulher era tanta que lhe pulsava nas têmporas como uma estranha dor de cabeça.

Eleonora, por sua vez, sentia o olhar de Suzana sobre si como o roçar leve de dedos atrevidos.

Entraram no elevador.

Nele já se encontrava uma senhora idosa cujos cabelos cor de violeta tinham um penteado bizarramente semelhante ao do poodle que carregava no colo. A cena teria sido cômica se a tensão sexual dentro do cubículo não estivesse a tal grau que não havia espaço para o menor toque de humor.

Chegaram ao andar de Eleonora que se adiantou para abrir a porta. A loirinha podia sentir na nuca o calor dos olhos azuis como raios ígneos. Entrou e seguiu até o sofá onde deixou a maleta. Quando se virou, a mulher mais alta fechava a porta atrás de si. Olharam-se intensamente. Eleonora se atirou na direção de sua mulher com o ímpeto de uma tempestade tropical, forte e abrasadora. Não só correu, saltou para os braços de Suzana que a agarrou no ar pela cintura com facilidade enquanto a mulher mais baixa enlaçava-lhe o pescoço com os braços e o tronco com as pernas e enchia-lhe o rosto de beijos sucessivos e afoitos, arrancando sorrisos deliciados de Suzana que, por fim, capturou a boca de sua pequena mulher com a sua e descortinou a vontade reprimida por semanas.

Incendiário

Com a respiração para lá de irregular, Suzana foi caminhando com o seu precioso fardo para o quarto que divisara rapidamente quando adentrara o apartamento.

Caíram na cama beijando-se alucinadamente. Entre elas não havia espaço nem mesmo para o pensamento. A saudade, o desejo sofreado, a necessidade uma da outra suplantava o senso, desvirtuava o tempo e se traduzia tão somente pelo desejo primário de se tocarem completamente nuas.

Tiraram as roupas com presa e sem cuidado. Botões Armani foram apartados de suas casas e conheceram a solidão do chão frio, displicentemente depostos de sua ilustre ascendência.

Suzana e Eleonora abraçaram-se finalmente juntas e nuas.

Corpos desnudos. Bocas e mãos perderam a preeminência para a simplicidade terna e ao mesmo tempo altamente sensual do abraço. Na urgência do momento, nada mais era necessário. Seios contra seios, pernas entrelaçadas, corpos difusos. Apertaram-se, esfregaram-se. Deslizaram na umidade dos sexos colados, comprimidos, estimulados pelo bamboleio erótico dos quadris em movimentos cada vez mais rápidos. Com a excitação em níveis estratosféricos o gozo veio para ambas, breve e intenso.

Ofegante e suada, Eleonora girou o corpo e se postou sobre Suzana com os olhos verdes brilhantes descortinando um olhar muito longe da saciedade.

– Hum…Agora é o momento de concretizar cada capítulo dos sonhos recorrentes que venho tendo há mais de cinco torturantes semanas. Espero que você tenha se alimentado, Lady Alcott.

– Não agora – a morena comentou com um meio sorriso.

– O que? – a loirinha perguntou, incrédula.

Suzana virou o corpo depressa e ficou por cima de Eleonora.

– Lembra daquele dia no hotel em Madrid?

– Vendeta…

Suzana apenas levantou a sobrancelha.

– Você não teria coragem…

Em resposta, a morena prendeu os braços da sua pequena mulher ao lado da cabeça. Eleonora comentou com os olhos semicerrados:

– Então, eu vou ser punida?

– Impiedosamente.

Sem mais esperar, Suzana abocanhou um dos seios claros com voracidade. Sem misericórdia, mordeu o biquinho rosado e túrgido alternando força e delicadeza, dor e delícia. Rendeu a mesma homenagem ao outro seio ao tempo em que as mãos longas e poderosas passaram a apertar a carne tenra das nádegas e das coxas de Eleonora que gemeu um protesto pouco convincente enquanto sua pelve já se elevava involuntária, demonstrando o que a respiração discordante já denunciava há tempos.

– Suzana, amor… – Eleonora falou em tom de súplica.

Quando os quadris da loirinha já se erguiam implorando mais que a voz, Suzana abriu caminho para o clitóris pulsante de sua mulher. Massageou-o com torturante lentidão. Um grunhido de impaciência a fez se apressar. Deixou dois dedos escorregarem para dentro de sua mulher e a penetrou gentil e firmemente. Eleonora gemeu alto. Suzana, sem retirar a mão, trocou de posição ficando por baixo e colocou Eleonora sentada sobre o seu ventre. A loirinha passou a se movimentar assentada no abdômen forte e no início dos pelos escuros encostando-lhe nas nádegas.

Suzana olhava hipnotizada para a sua mulher.

O rebolar insinuante do corpo lançando-se impudico à busca do gozo. O balançar dos seios, o ventre contraído, a respiração arfante, a boca rosada e perfeita entreaberta.

Suzana nunca a vira tão bela.

Entrelaçaram as mãos.

Por fim, Eleonora desabou sobre sua mulher choramingando os sons ininteligíveis e, no entanto, tão claros do prazer. Suzana a abraçou e beijou-lhe o topo da cabeça com infinito amor.

– Elê?

– Hum?

– Tudo bem?

– Maravilhoso – Eleonora respondeu com um suspiro. – Mas preciso…

– Sim?

– Preciso de um banho.

– Cla-claro.

Olhos verdes marotos fitaram olhos azuis um tanto confusos.

– Com você.

Sobrancelhas negras arquearam-se.

– Proposta interessante.

A loirinha se levantou.

– Interessante ficará quando eu lhe mostrar os…brinquedinhos que comprei especialmente para você.

– Que brinquedinhos?

– Eu não lhe contei?

– Não – Suzana respondeu com um sorriso malicioso bailando nos lábios cheios.

– Ah! Então esqueci de mencioná-los. Algum problema?

– Nenhum.

Eleonora se levantou lépida e seguiu na frente. Parou na porta do banheiro.

– Suzana? – chamou.

– Sim.

– Pare de olhar a minha bunda e venha já para este banheiro.

– Um prazer por vez, meu delicioso amor.

Os passos felinos tomaram o rumo do seu destino consubstanciado numa pequena mulher de cabelos loiros e sorriso de menina. E o resto do dia…O resto do dia foi dedicado a muitas e gostosas brincadeiras.

Suzana acordou com a agradável sensação de um peso morno e macio sobre o ombro. Além disso, um braço cobria-lhe o peito e chegava até o outro ombro onde a mão delicada agarrava frouxamente uma mecha de cabelo negro logo abaixo da nuca. Para encerrar, uma perna repousava em cima da sua, languidamente. Eleonora dormia com quase meio corpo em cima de Suzana. A morena sorriu e abraçou um pouco mais forte o corpo amado.

Eleonora murmurou algo indecifrável. Suzana imaginou ser reflexo de algum sonho, mas a loirinha falou de novo e, desta vez, Suzana divisou algo como: Eu…você.

A morena perguntou suavemente:

– O que?

Eleonora moveu um pouquinho a cabeça para o lado e falou preguiçosa, mas claramente:

– Eu babei em você.

Suzana abriu um sorriso e beijou o topo da cabeça loira.

– Você pode fazer de mim o seu babador predileto, meu amor, desde que eu seja o único e eterno.

– Então, prepare-se para acordar com uma poça de baba nos ombros todos os dias de sua vida – Eleonora retrucou.

– Jura?

– Eu não preciso jurar.

– Ah, precisa, sim.

Eleonora ergueu o corpo sobre os cotovelos e fitou Suzana.

– Para que você quer um juramento sobre algo que sabe que é verdade?

– Não, não para mim, amor – ergueu-se e deu um breve beijo na boca de uma intrigada Eleonora. – Mas perante todos os Deuses de todos os mundos. O que você quiser…

– Você quer dizer…- olhos verdes brilharam. – Uma cerimônia?

– É…Bom…Eu pensei em algo simples, mas bonito. Com a presença das pessoas que amamos.Tipo…para celebrarmos juntos solenemente, mas sem grandes formalidades, a nossa união e…

Olhos verdes sorriam no lugar dos lábios.

– Por que? Você não quer? É…Talvez não seja uma boa idéia mesmo. Vamos morar juntas e pronto. Ninguém…

Eleonora cortou a frase de sua mulher levando o dedo indicador delicadamente aos seus lábios.

– Suzana, calma. Eu adorei a idéia.

– Sério?

– Sério.

Suzana saltou da cama como se tivesse molas sob o corpo.

– Então não temos tempo a perder – falou andando pelo pouco espaço que restava no pequeno quarto enumerando as providências a serem tomadas como se já tivesse tudo planejado em sua cabeça.

Eleonora ficou observando-a movimentar as longas e perfeitas pernas pelo exíguo espaço entre a cama e a parede, nua e concentrada, sem conseguir deixar de pensar em como a vida lhe fora generosa ao lhe devolver o amor de sua vida.

….

¹ O tempo é o médico da alma.



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