Líberiz

Capítulo 13 – Tramas de Alcaméria

Durante os quinze dias após o retorno de Cécis para Alcaméria, Fira focou nas dificuldades do ducado e dos condados mais problemáticos. Queria, principalmente, que Avar e Remis desse mais apoio a seus cidadãos. Se ela conseguisse que o povo destes condados prosperasse, solucionaria mais um problema: o Rélia. 

Falou para a Assembleia, com todas as letras, que não colocaria a guarda de Líberiz atrás dos rebeldes. Disse-lhes que não era a hora, pois ficaria mal com o governo central de Alcaméria. Foi contestado apenas por Avar e Remis, mas os outros condados deram apoio à duquesa. 

Lady Líberiz quase não saía mais do castelo e dificilmente almoçava ou jantava na sala real de jantar. Sempre pedia para lhe servirem no quarto. Ela transitava entre a sala da Assembleia, a biblioteca e o seu quarto. Cada vez mais, Bert se preocupava com a duquesa, mesmo que ela mostrasse calma.

A escudeira passou a pedir para milady treiná-la em outros dias do que apenas os dois, que era o costume delas. Nesses momentos, percebia que Lady Fira se sentia mais feliz. Chegou ao castelo naquela manhã e foi direto para o quarto de milady. Ela estava tomando o desjejum e lendo livros de registro do ducado, como nas outras manhãs.

— Bom dia, milady!

— Bom dia, Bert!

Começou a agitar as coisas no quarto, arrumando tudo. Lady Líberiz se mantinha na leitura. A escudeira não sabia o que havia acontecido com sua patroa, enquanto esteve no castelo de campo de Remis, contudo, logo depois que ela entregou a mensagem da duquesa para Divinay, e da conversa que teve com a amiga, Lady Fira voltara a se enclausurar. “Se Divinay dispensou milady, como pedi, talvez isto tenha quebrado o coração dela.”  Estes eram os pensamentos de Bert, enquanto via sua dama calada.

— Milady…

— Sim, Bert. Pode falar.

Lady Líberiz baixou o livro para dar atenção à escudeira.

— Desculpe-me o abuso, mas gostaria de lhe convidar para a festa de aniversário de Edwin. Se milady quiser, é claro. Será à tardinha, no mesmo horário da outra.

— Não é abuso nenhum, Bert. Agradeço o seu convite. Só verei se existe algo para hoje à tarde e, se acaso estiver livre, ficarei feliz em comparecer.

Sorriu para a sua fiel empregada.

Bert continuou as suas tarefas e tomou uma decisão. Se milady se sentia bem com Divinay, o que ela poderia fazer?

— Divinay estará lá. Ela quase nunca perde uma festa nossa. Não nos vemos muito, pois ela trabalha duro no rancho dela e as festas servem para nos encontrarmos e, também, aos nossos amigos de infância.

Fira escutou a escudeira falar e já notara a preocupação dela com relação a atitude reclusa que adotara. Seria interessante reencontrar Divinay, numa situação diferente da qual elas se conheceram. Porém, se penalizava por deixar Bert pensando que havia tido um relacionamento amoroso com a amiga dela. Suspirou. 

— Será bom reencontrá-la. Quando terminar, Bert, está dispensada. Vá ficar com sua família no dia de hoje. Eu vou até a sala dos escribas e, provavelmente, ficarei o dia inteiro por lá. 

Levantou-se e saiu, sem esperar resposta. Quis cortar a conversa, sem melindrar a escudeira. Precisaria estudar alguns mapas do ducado, do reino e de reinos vizinhos. Lady Líberiz tentava descobrir a relação de Cárcera com outras nações. Não acreditava que Ivanir ficaria passivo, depois que viu malograr seu plano de se casar com a princesa. Mais à tardinha, retornou ao quarto para se arrumar e como ultimamente se recolhia cedo, não teve dificuldades de pedir para que não a incomodassem. Desceu pelas escadas ocultas que levavam ao estábulo particular e olhou em volta. Tudo estava limpo, como sempre.

— É engraçado como confio em Bert para cuidar desse lugar e não confio nela para contar sobre o que faço… 

Inspirou e soltou o ar aos poucos, pensando no que falara.

– A verdade é que eu não quero que ela saiba de coisas. Não quero causar problemas para ela, caso alguém a aborde. Bert não merece essa vida de intrigas e insegurança.

Falava alto, enquanto fazia um carinho na égua, que há tempos não levava para cavalgar. Não podia deixar isso acontecer. Se condenou, mentalmente, pela displicência, pois o animal poderia adoecer confinado ali, embora o espaço fosse grande. 

Selou e saiu pela passagem, segurando o cabresto da égua. Como sempre, só montaria depois que estivesse distante dos muros de Líberiz. Cavalgou em direção ao rancho de Bert e quando o vislumbrou, sentiu-se feliz por ter decidido ir à festa. Chegando, apeou e prendeu a égua no mourão do curral. Avistou pessoas bebendo e conversando na varanda da cabana, como da outra vez.

— Boa tarde.

— Boa tarde.

Foi cumprimentada por todos e entrou. Sorriu, ao ver que a disposição das coisas era a mesma que da festa anterior e que, as crianças corriam entre as pessoas, perturbando os convivas. Quando viu um garotinho passar correndo por ela, o segurou, interrompendo o seu divertimento. 

— Como vai Edwin? Lembra de mim?

Ele balançou a cabeça afirmativamente.

— É amiga das minhas mães. 

Falou simplesmente. Fira sorriu para o menino.

— Sim, eu sou. Trouxe uma coisa para você. Não é seu aniversário?

Estendeu para o menino, uma carruagem de brinquedo entalhada em madeira. Havia pedido, logo cedo, para um artesão da cidadela fazer e lhe entregar no castelo. O menino abriu um sorriso enorme. Nunca teve um brinquedo como aquele.

— Como se fala, Edwin?

Maia chegava para recepcionar a duquesa e sorria diante da felicidade do filho ao ver o presente.

— Obrigada… Mmm…

— Tia Dotcha.

Fira falou respondendo à pergunta muda do garoto.

— Obrigado, tia Dotcha.

Respondeu, mas logo em seguida correu para perto dos irmãos e amigos. Fira abriu mais o sorriso. Se encantava com a simplicidade das crianças. Gostava da convivência com elas e raramente tinha alguma à sua volta.

— Perdoe nosso filho, milady.

— Só se me chamar de Dotcha, Maia. Me chamando de “milady” em sua casa, eu não perdoo.

Maia sorriu e se viu abraçar por Bert. 

— Como vai, Dotcha?

Perguntou a escudeira com um largo sorriso.

— Muito bem, Bert, e obrigada por ter me chamado. Gostei da sua casa e amigos. Para mim, é um momento de relaxamento.

Maia estava intrigada com uma questão que há tempos lhe perturbava. Se Lady Fira fazia questão de que fosse tratada como igual na casa delas, então não se furtaria em perguntar.

— Dotcha, pode me responder uma coisa?

— Se eu puder…

— Seu mestre vinheiro tem comprado nossa sidra no pregão da cidadela?

— Eu peço para que ele compre bons vinhos e boas sidras e… – encolheu e relaxou os ombros – … se sua sidra é boa, provavelmente ele comprou.

Maia abriu um largo sorriso.

— Vai acabar com meu estoque anual. – Suspirou displicente. – Teremos que pensar numa forma de aumentar a produção para o próximo ano.

— Acredito que seria prudente. – Fira devolveu o sorriso.

— Venha. Vamos arrumar uma caneca para você. 

Maia segurou a mão de Fira, a conduzindo para a mesa. A duquesa sorria, sentindo-se leve e acolhida. Chegando à mesa, Maia e Bert foram chamadas por um convidado.

— Podem ir. Eu posso me virar. Não se preocupem comigo. 

Fira dispensou as anfitriãs como fez na outra festa. Elas agradeceram e foram falar com o amigo, que acabara de chegar. A duquesa voltou-se para a mesa e pegou uma garrafa de sidra. Sentiu alguém se aproximar. Não importava o lugar em que estivesse, o sentido de alerta sempre estava presente em sua vida.

— Por que quando venho aqui, sempre encontro você perto da mesa de comidas e bebidas?

Escutou a voz e sorriu. Não se voltou para olhá-la, derramando a sidra numa caneca e pegando outra para encher.

— Provavelmente, porque Maia e Bert tem a melhor sidra do ducado e fazem comidas maravilhosas. – Respondeu divertida.

 — Fico feliz em encontrá-la. Sabia que eu viria?

— E você deixaria de vir à uma festa de Bert?

— Não mesmo. Ela seria capaz de mandar soldados para me arrastar até aqui pelas orelhas. – As duas riram em cumplicidade. – Como está, Lady Dotcha?

Perguntou, arrastando a fala quando pronunciou o nome, fazendo Fira gargalhar. Ambas levaram as canecas à boca e viraram para ver as pessoas dançarem, ao som dos músicos que tocavam no outro canto da sala.

— Estou bem.

— Sua resposta foi seca e curta. Interpreto como se tivesse falado: Estou bem, na medida do possível.

Fira sorriu sem ânimo, sem conseguir encarar a aliada rebelde. 

— Entenda, Divinay, minha vida não é como se eu pudesse jogar tudo para o alto e sair por aí, fazendo o que quero.

A rebelde a olhou, pesarosa.

— Sabe que, antes de lhe conhecer, eu tinha outra visão do governo?

— Você via o governo pelos olhos do povo. Já lhe falei naquela ocasião; nem nós estamos completamente certos e nem o povo está. O difícil é achar um consenso entre as duas visões.

— Eu sei, mas o problema é que nem todos pensam como você, Lady Fira… Desculpe, Dotcha.

— Vamos dar um passeio. Encha um odre com sidra e eu pego algumas coisas para comer.

Fira queria desabafar e contar com alguém distante do seu mundo. Andava angustiada e via que as montanhas que tinha que escalar para chegar à paz, eram maiores do que imaginara. Divinay levantou as mãos em sinal de recusa. 

 — Desculpe, mas da última vez que fui passear com você me dei mal. Não arredo o pé daqui.

Fira gargalhou com gosto e, logo depois, tentou segurar o riso, vendo que chamara a atenção de algumas pessoas, inclusive de Bert e Maia. 

As risadas não passaram despercebidas pelas donas da casa. O casal anfitrião se entreolhou, reparando nelas, conversando próximas à mesa. A leveza que Bert via no semblante da sua patroa, fez com que pensasse que havia acertado ao chamá-la para a festa.

— É, Maia, você estava certa.

Bert falou para a esposa ao ver Lady Fira tão descontraída. 

— Não adianta você se preocupar com o coração dos outros. Tudo que deixamos entrar no nosso peito é por nossa conta e risco. Se Divinay a faz feliz, quem somos nós para dizer que não?

Bert sorriu para sua mulher, contente em ver Lady Líberiz sorrir depois de muito tempo.

— Não me faça rir, Divinay, e deixa de ser medrosa. – Fira falou baixo. –  Acredito que já passamos dessa fase. Não tenho motivos para matá-la, aliás, não posso nem pensar em perseguir o Rélia. – Falou descontraída.

— Como assim?

— Se quer saber sobre esse assunto, pegue a sidra enquanto eu procuro algo para levar a comida. 

Tentou ver alguma coisa sobre a mesa que pudesse utilizar para guardar algumas castanhas assadas e frutas secas, mas as duas foram interrompidas por Bert, no momento que tentavam arrumar o pequeno farnel.

— Milady, acredito que isso deva servir para vocês.

Colocou sobre a mesa um odre, uma bolsa em couro, dois guardanapos e mais uma pequena toalha. A escudeira não esperou resposta, voltando-se para o salão e distraindo uns amigos que se aproximavam da mesa. Fira suspirou. Bert estava preocupada com ela e isso aquecia o peito de Fira; no entanto, o motivo era errado.

— Vamos ficar com má fama por essas bandas, se não pararmos de fugir das festas de Bert. – Divinay sorriu ao falar.

— Só se você ficar. Não me conhecem por aqui, então… 

Fira encolheu os ombros, displicentemente.

— … Então sinto dizer-lhe, milady, que minha fama só cresceu da última vez. Acham que eu tive uma noite memorável. – Respondeu com pesar. – Uma mulher bonita e misteriosa. Pena que ninguém sofreu no meu lugar.

Mais uma vez, Fira conteve a gargalhada que teimava em sair. Não se arrependia do que fizera, apenas sentia ter usado de tanta violência contra a mulher que lhe acompanhou nos segredos do ducado.

— Vamos. Não reclama que, pelo visto, sua fama vai crescer. Depois me conte se sua cama ficou mais aquecida por outras mulheres, durante a semana. Provavelmente, algumas curiosas lhe procurarão para saber o que você tem de interessante.

Saíram; e Fira cavalgou até o escarpado, acompanhada da outra. Queria ver o vale de Líberiz. Achara aquela paisagem linda e quase não pôde aproveitar da outra vez. Apearam e Lady Fira retirou o pequeno farnel do alforje.  Estendeu a toalha que Bert tinha dado e começou a arrumar os petiscos sobre ela. O sol estava se pondo e, em breve, a noite as engoliria.

— Pode fazer uma fogueira, Divinay? Hoje não terá lua cheia e ficará muito escuro.

— Você está me fazendo sentir até confortável. Minha apreensão com você está se esvaindo e isso não é nada bom.

Fira não sabia por que, mas começava a confiar na rebelde. Ela era divertida e inteligente. Depois do que passaram, Divinay parecia ser a pessoa que mais compreendia as apreensões da duquesa e o que passava pelos bastidores do governo.

— Eu não vou fazer nada com você. Tem minha palavra, relaxa. Sabe que eu cumpro o que digo.

— Ah, e como sei!

Divinay terminou de juntar os galhos que apanhou, colocou entre eles palha seca e pegou as pederneiras no alforje. Agachou em frente ao monte de galhos e friccionou as pedras, ateando fogo. Sentou-se ao lado de Fira que já se acomodara, olhando o finalzinho do pôr do sol.

— Me responda, Fira, e gostaria que fosse sincera. Você me empurraria do penhasco naquela noite? – Perguntou Divinay, quebrando o silêncio.

Fira fechou os olhos e não pôde deixar de pensar nos momentos que viveu com Divinay ali. Repassou em sua mente cada passo que fizera.

— Sim. Se acaso não me respondesse, eu não teria opção e, acredite, fiquei feliz que cedeu.

— Eu não sei se gosto da sua sinceridade ou da sua objetividade, mas de qualquer forma, saiba que ambas me dão medo.

— Ah, Divinay…

— Eu sei. Não pense que não entendo o que fez. Só que era minha vida que estava em jogo.

— Por que confiou em mim? – Fira perguntou de súbito. – Se estivesse em sua posição, não o faria.

— Não confiava, mas arrisquei. Se o que as pessoas falavam sobre você fosse mentira, o Rélia morreria e, se fosse verdade o que me falou, salvaríamos o ducado e o reino de algo muito ruim. – Sorriu. – Gostei da decisão que meus companheiros tomaram e do resultado.

— Sabe que é uma paz momentânea…

— Sim, eu sei, mas nos dá tempo de lutar um pouco mais. Daqui a dois ou três dias haverá uma festa em Alcaméria pelo retorno da princesa Cécis. Cárcera foi convidado pelo rei Deomaz.

— Como sabe disso?

Divinay sorriu instruída. 

— Também tenho meus espiões, Lady Líberiz! – Gargalhou ao pronunciar o título de sua acompanhante. 

Fira inspirou fundo, diante da informação.

— Então saiba que sua soberana está com a moral baixa. Eu não sabia. – Falou seca, fazendo Divinay engolir o riso. 

— Sabe o dia exato?

— Não. Só que estão planejando esta festa por estes dias. – Divinay respondeu, crispando o cenho. –  Não é possível! Eles não a convidaram?

A rebelde perguntou assustada. Entendia o que isso representava em termos de relações diplomáticas e, realmente, achava que a Duquesa tivesse sido convidada.

— Até agora, não. Ainda posso receber o convite, se essa festa de fato acontecer.

— Vai acontecer, Fira. O Rélia tem pessoas dentro de Alcaméria. 

— Se eu não receber o convite; e Cárcera recebeu, sabe o que isso representa, Divinay?

Fira perguntou, especulando a capacidade da rebelde ver além das fronteiras da atuação de seu grupo.

— Que o rei Deomaz quer apagar o que aconteceu com a princesa e demonstrar para a corte que Cárcera não foi o culpado.

— Muito perspicaz e acertado o que pensou. 

Fira sorriu desanimada.

— Mas, por quê? A filha dele declarou aos quatro ventos e…

— … Ele é um misógino, preconceituoso e vê meu governo como uma ameaça. Você achava que, depois que uma mulher assumiu o trono de um ducado, ele seria obrigado a modificar a lei para que Cécis assumisse? Não, Divinay. Ele não quer! Sente como se tudo que fez na vida para ter um herdeiro, se desmanchasse através dos dedos. É capaz dele mesmo raptar a filha mais velha e mandar matá-la, para seguir em frente.

— Que merda! O que vai fazer? Não vejo a princesa Cécis aceitando de bom grado.

Fira parou e olhou para a rebelde. Tentava ver através dos traços do rosto, suas expressões. A noite caíra e apenas a luz da fogueira iluminava os corpos no topo do escarpado do vale.

— Por que diz isso?

— Porque ela é o demônio encarnado. A resgatamos e parecia que ela trazia um vulcão dentro de si. Estava revoltada. A impressão que deixou é que nos mataria, se pudesse. Me surpreendeu o fato dela ter nos agradecido em nota pública. Isso eu não esperava.

Fira tentou esconder o riso com a declaração da rebelde, mas não conseguiu. Imaginava a ira de Cécis, ao ter que retornar por intermédio de Divinay.

— Pelo riso que deu, você a conhece.   

— Sim, a conheço. Ela é uma peça rara, mas nem de longe tem alguma coisa a ver com o rei. Suas ideias são bem diferentes. Talvez por isso a revolta. Ela é uma boa pessoa.

— Gosta dela.

Divinay pontuou, vendo que Fira baixava a guarda ao falar da princesa.

— Gosto da forma como ela pensa, mas não da forma que age. Se continuar assim, morrerá em breve. 

Fechou o cenho em preocupação.

— Como a conheceu?

— Em recepções na corte. Ela é muito diferente daquele meio e o pai sabe disso.

— Ela é uma mulher bonita também. Não faz meu estilo, mas é uma mulher bonita. – Riu. – Certamente tem mais herdeiros de ducado interessados nela, além de Cárcera.

Divinay jogou com as palavras para ver se confirmaria o que percebeu dos sentimentos de Fira em relação a Cécis. A duquesa fechou o cenho, pesadamente, antes de responder.

— Deve existir. São um bando de moscas em volta do trono, isso sim! A verdadeira beleza de Cécis não está na aparência. Ela é um diamante lindo e bruto. Garanto que esses frouxos só pensam no que ela poderia trazer de benefício para eles, além de quererem domar na cama uma “gata selvagem”, para desfrutarem. Parece que isso os estimula.

Fira falou amuada, fazendo Divinay prender o riso. 

— O que vai fazer se não for convidada para a recepção? 

A rebelde mudou de assunto, pois se preocupou com o desfecho das ações da corte. Estar ali, com Fira Líberiz, fez com que visse um mundo de ações que não faziam parte de seu dia a dia, mas afetaria terrivelmente a vida de todos.

— Ainda não sei. Tenho que pensar sobre isso. Não esqueça que foi você quem me deu a notícia e me surpreendeu.    

Fira se voltou para a rebelde e viu seu rosto crispado. Apreciava conversar com ela e desejou que seu coração não estivesse preso ao reino de Alcaméria. Sentia um vazio desde que Cécis partira e, agora, cada vez mais se via distante da princesa.

— Não se preocupe, Divinay. Não poderemos fazer nada por essa noite.

— Pelo que me falou, você é um perigo para o rei Deomaz, Fira. Como pode ficar tão calma?

— Não estou calma. Apenas não posso atuar ou pensar em algo, se as coisas não aconteceram. Eu respiro isso todos os dias, Divinay.

— Soube que falou na Assembleia que não nos perseguiria. O conde Avar e o conde Remis devem ter ficado possessos. – A rebelde riu, divertida.

— Tenho certeza que Delante não conseguiu escutar tudo, mas lhe falarei. 

Fira pausou o relato e riu, ao perceber o rosto de espanto da rebelde. 

— Ora, Divinay, você acabou de delatá-la. Delante é a única que entra na sala da Assembleia fechada, para deixar a comida, água e vinho para nós. Nessa Assembleia, só eu e os condes deliberamos.

— Merda! Sabia que não poderia lhe encontrar! Vou acabar deixando o grupo, pois a minha estupidez me faz perigosa para eles… – Falou pesarosa.

— Sossegue, mulher! Ninguém sabe da minha relação com você e não sou imbecil. Eu não conheço o restante do Rélia, e você não tem acesso na Assembleia. Eu confiei em vocês para fazer algo que não podia e você não tem a credibilidade que tenho.

— O que exatamente você quer dizer com isso?

— Estou dizendo que morrerei com o que sei e vou fazer o possível para não interferir. Apenas não posso protegê-los, caso algo saia de mão para vocês. Só farei o que estiver ao alcance, sem me comprometer. Acredito que entenda o que digo.

— Sim, eu entendo. – Sorriu. – Você confia mais em nós do que neles…

— Não ouvirá isso de mim. – Falou séria.

— Não preciso.

Ficaram em silêncio por uns instantes. A rebelde reparava no rosto de Fira, apreciando a beleza da governante. Não resistiu à tentação e mesmo temerosa, estendeu a mão e puxou Lady Fira pela nuca. Desde a última vez que se encontraram, tinha vontade de sentir o beijo da duquesa. A soberana retesou o corpo sob o toque, mas foi pega de surpresa pela mulher de cabelos fartos. Sentiu o contato morno da boca e se deixou levar.

***

— Há quanto tempo está apaixonada por ela?

A duquesa escutou a pergunta, aconchegada nos braços da rebelde. Não esperava este tipo de questionamento diante das estrelas de Líberiz, depois de fazer amor.

— Do que está falando?

— Não do que, mas de quem. Estou falando da princesa Cécis. Não me leve a mal, Fira. Foi bom, mas sua cabeça não estava aqui. A única vez que a vi despida, realmente, foi quando falávamos dela.

— E tem importância diante de tudo que acontece no reino?

— É lógico que tem!

Divinay elevou o corpo, sentando-se nas mantas, que tinha pegado no alforje de seu cavalo e estendido para as duas se deitarem. 

— É a única coisa que faria você ter forças para mudar o que está acontecendo. Você só pode lutar se tiver paixão. Podemos ter paixão pelo que achamos ser o correto. Por ideais, entende? E a outra paixão é a do coração.

— Pelos Deuses, Divinay! – Fira se sentou, também. – Não acredito que está achando verdadeiramente que estou apaixonada por ela.

— Me escute, Fira. – A rebelde chamou a atenção da duquesa. – Eu sei o que estou falando. Eu luto no Rélia por ter a paixão em ver as pessoas que conheço melhorarem de vida. Você foi educada para governar e sabe o que é certo, mas, e a paixão por isso? Eu vi o fogo nos olhos de Cécis e me diga se não foi o que lhe chamou atenção nela?

— Eu não quero ter essa conversa com você agora. Pelos Deuses! Nós acabamos de fazer amor!

A rebelde se impacientou. Fira era interessante e uma mulher lindíssima, mas contida. Divinay tinha certeza de que algo a Instigava. Viu um brilho diferente na duquesa, enquanto falava sobre a princesa.

— Acabamos de fazer sexo, se é o que quer dizer. Muito bom, por sinal. Nada contra, mas você, definitivamente, não estava aqui.

Fira a olhou, tentando entender onde Divinay queria chegar com aquela conversa. Estava se sentindo exposta, mas não se pronunciou.

— Tudo bem. Volte para o castelo de Líberiz, tendo a certeza de um sexo morno e satisfatório, mas pensando no fogo da princesa. – Bufou. – Olha, estou com meu ego profundamente machucado, por sentir isso vindo de você, mas não morrerei. O dia que for para o túmulo, pensarei que “peguei” a duquesa sobre as pedras e sob o luar de Líberiz. – Riu de si mesma. – Sinto confessar que não sou apaixonada por você, minha soberana… – fez uma reverência com a cabeça – … mas tenho certeza que você está apaixonada por alguém.

— Você é ridícula.

Foi a única coisa que Lady Fira conseguiu falar para Divinay, soltando uma gargalhada pela encenação. Sem sombra de dúvidas, ela gostava da rebelde. Era sincera e não se importava em falar com Fira de igual para igual, ainda que debochando de sua posição. 

****

CC BY-SA 3.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=538221

Nota da autora: Esta é a imagem que tenho em minha cabeça da cidadela de Líberiz. Esta foto é de um lugar que existe no mundo real e se chama Allambra. Hoje é um grande museu a céu aberto na cidade de Granada na Espanha. Foi construída entre os séculos XIII e XIV pelos Mouros, como eram chamados naquela época os árabes que migraram para o sul da Espanha na ocasião.



Notas:

Mais um capítulo, pessoal!

Fira também não é lá uma santinha. 

Próxima semana talvez acontece um encontro entre elas. O que acham que ocorrerá?

Um beijão para tod@s!




O que achou deste história?

11 Respostas para Capítulo 13 – Tramas de Alcaméria

  1. Não há duvida que a imagem da cidadela é muito realista… principalmente para quem tem imaginação fértil, como a minha rsrs. Adorando

    • Oi, Pollyana!
      Sua ansiedade terminará hoje. rs Daqui a pouquinho entra o novo capítulo. Só mais alguns minutinhos.
      Brigadão, Pollyana. Um beijão e bom fim de semana!

  2. Oieee, Bi!!!!
    Amei o capítulo!!
    Sabe, gosto de Divinay, ela é natural, honesta e Fira sente isso e por isso é mais fácil falar com ela. Pena que a estória vá pra outro lado, mas é bom essa cumplicidade que criaram!! Fira neessita desabafar, é mt solitário….
    Agora, será que a convidarao?Agora veremos por onde irao as coisas!!
    Santa ela nao é, mas Cécis é pior e sabe ser fria, apesar que é uma protecaqo…Fira, ela por dentro é sensível e a situacao foi diferente, ao menos ela nao expulsou a outra. Foi divertido e Divinay deixa as coisas leves, é engracada e se poder confiar! E tb fala na lata pra Fira o que pensa sobre os sentimentos de Dotcha por Cécis…
    Diviny e suas piadas sobre o sexo entre elas kkkkk. Me matou o que disse!!!

    Amei as fotos, lindas e realmente combina com o que estamos lendo, posso ver!!!

    Tudo ótimo nesse capítulo e o final foi o melhor, nao pelo sexo( pq n houve descricao…cadë o erótico….te perturbo mesmo rs), mas pela cumplicidade e diálogo que tiveram….Bert e Maia pensando coisas….rs

    Beijos, Carol e pra sua esposa tb!!!!

    • Lailicha!! Conseguiu retornar. Que bom!
      Também gosto muito da Divinay. É uma personagem bem leve e gosto da forma simples sem muita frescura. rs
      A Cécis tenta se proteger num aparente descaso com os sentimentos e Fira, foi educada a ser prática para lidar com as políticas. Essas duas ainda tem muito chão pela frente.
      Legal que conseguiu resolver o lance da postagem dos coments.
      Um beijão grande, Lailicha e bom fim de semana pra você e sua esposa!

  3. Esta história é uma delícia de se ler. Adoro abrir o site e dar de cara com novo capítulo.
    Parabéns, autora!!

  4. Acontecerá um reboliço no peito das duas.

    Muito bonita a cumplicidade de Cecis e sua irmã. Nos primeiros capítulos eu achava Cecis uma mulher fútil e rebelde. Mas agora vejo que não. Penso que ela age dessa forma “rebelde” para fugir da realidade que a cerca. A cada capítulo está conseguindo conquistar o posto de minha crush, hehe.
    Divinay não perdeu a oportunidade.. pegou a duquesa mesmo, rs, e também foi certeira nas palavras. Com certeza fará Fira refletir.

    Beijo Carol

    • Opa! Voltei para dizer que amo quando coloca imagens, mapas e afins nas histórias. Acrescenta muito em nossa imaginação. Obrigada 😙

    • Oi, Fabi!
      É. A Cécis não é rebelde sem causa. Ela tem um histórico no castelo de Alcaméria que não é lá muito seguro para mulheres.
      Quanto a Divinay, eu no lugar dela também não perderia a chance. rsrsrs
      Brigadão, Fabi!
      Um beijo grande e bom fim de semana!

  5. Dos males o menor, pelo menos a Divinay tem na memória que “pegou” a duquesa Fira, história para contar aos netos kkkk.
    Nossas queridas princesa e duquesa estão numa briga interna da saudades e afirmarem pra si mesma que estão apaixonadas.

    Ansiosa para o encontro desses dois furações apaixonados

    Bjs Carol e um ótimo final de semana pra ti

    • Oi, Blackrose!
      Concordo contigo. Elas são tinhosas e na verdade não sabem bem o que acontece com os corações dela. Mas tenho certeza de que vão descobrir. rs
      Um beijão, Blackrose e bom fim de semana!
      Ah! Daqui a pouquinho entra o novo cap

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