Gringa Grudenta

11. Portugal

Uma certa brasileira tem um sorrisinho eufórico no rosto quando, pela primeira vez na vida, desembarca no velho continente. 

O voo de 8 horas de Calisto City até Lisboa não foi nem de longe o suficiente para acabar com a bateria do seu celular novo. Feliz da vida, Crista guarda o aparelho no bolso no momento do desembarque, ainda com as batidas de “Estilo Cachorro” dos Racionais na mente.

– Mulher e dinheiro, dinheiro e mulher, quanto mais você tem, muito mais você quer… – cantarola Crista, seguindo a multidão para onde imagina que vá recuperar sua mala. Assim que chega à sala das esteiras, vê sua mala saindo do meio das cortinas e, satisfeita com a sua sorte, agarra a mala e sai para o hall do aeroporto.

Embora as placas estejam em português, ela lê também as partes em inglês, como forma de treinar sua fluência no idioma e, por isso, demora um pouco mais do que o normal para chegar à entrada do aeroporto.

– Opa – Crista se dirige ao primeiro motorista livre da fila e mostra a tela do celular com o endereço da estação de trem – e aí mano. Rola me levar nesse lugar aí?

O motorista, um homem de meia-idade, assente e dá a volta no carro, indo abrir o porta-malas e guardando a bagagem de Crista. Ela se senta no banco de trás e tenta conectar à internet…

Sem serviço. “Mas que caralho”, pensa frustrada. Claro que seu plano alteriano não funcionaria em solo português. Crista respira fundo e relaxa contra o banco do carro, tentando criar uma paciência que não tem para enfrentar as próximas horas de viagem de trem para Lagos, ainda sem internet, somente com suas músicas baixadas. A garota suspira resignada e continua sua playlist.

– Tem que acreditar! – o discurso de Mano Brown começa, na versão ao vivo de “A Vida é Desafio”. Ela já ouvira aquele discurso tantas vezes, mas sente que só nos últimos anos da sua vida começou a realmente entendê-lo – desde cedo a mãe da gente fala assim, “filho, por você ser preto, você tem que ser duas vezes melhor”, mas passado alguns anos eu pensei: como fazer duas vezes melhor, se você tá pelo menos cem vezes atrasado? Pela escravidão, pela história, pelo preconceito, pelos trauma, pelas psicose? Por tudo que aconteceu, duas vezes melhor como? Ou melhora, ou cê é o melhor ou é o pior de uma vez, sempre foi assim. Se você vai escolher o que tiver mais perto de você, o que tiver dentro da sua realidade, você vai ser duas vezes melhor como? Quem inventou isso aí, quem foi o pilantra que inventou isso aí? Acorda pra vida rapaz.

 

É necessário sempre acreditar que o sonho é possível
Que o céu é o limite e você, truta, é imbatível
Que o tempo ruim vai passar, é só uma fase
Que o sofrimento alimenta mais a sua coragem

 

Crista cantarola baixinho junto com Edi Rock.

É assustador pensar como essa música é quase tão velha quanto ela. Como vem escutando essa mesma música praticamente desde que se conhece por gente. Como costumava não entender sobre o que ela falava, quando criança…

 

Que a sua família precisa de você

Lado a lado se ganhar, pra te apoiar se perder

 

As imagens de sua mãe, seus irmãos, aparecem na sua mente. “Eu não vou perder”, ela retruca à música. Embora tenha os olhos bem abertos, não vê nada do que se passa ao seu redor: sua mente se encontra num mundo paralelo particular. “Se tem uma coisa no mundo da qual eu tenho certeza, é de que agora eu não vou perder”. Mas a música continua, sem esperar por suas reflexões. Sem esperar que a mulher perceba que os motivos daquela sua versão do passado para gostar dessa música, quando ela apenas admirava o ritmo de Edi Rock, as batidas legais, as rimas bem-calculadas, eram imaturas. Lembra de como começou a se tocar durante a adolescência do real significado daquela poesia, mas olhando para trás agora, Crista percebe que ainda não havia entendido completamente.

A prova disso é o primeiro verso da música. Ela já havia desistido, muito tempo antes daquele olheiro do São José aparecer. Já havia se conformado com um subemprego, de nunca ser capaz de ajudar sua família, de viver uma vida medíocre, em inércia, até uma morte entediante, com a qual provavelmente ninguém teria se importado.

 

É isso aí, você não pode parar

Esperar o tempo ruim vir te abraçar

Acreditar que sonhar sempre é preciso

É o que mantém os irmãos vivos

 

Como ela conseguiu dar tanta sorte na vida?

Ela nunca vai entender, não importa o quanto pense.

[…]

O sotaque do recepcionista é tão bizarro. Crista nunca havia realmente ouvido um sotaque português antes, apenas seus amigos da comunidade imitando para fazer piadas, talvez em um ou outro momento na televisão ou algum vídeo curto do qual não consegue se lembrar especificamente. Ouvir assim, em primeira mão? É bem diferente dos sotaques forçados das piadas. Vez ou outra ela sequer entende o que está sendo dito. E claro, não esquece de pedir a senha do wifi.

 

Lumia

Avisa quando chegar em Portugal, mana

 

A mensagem fora enviada duas horas atrás. A maioria das garotas da seleção alteriana haviam pegado um voo antes do de Crista. Há meia hora, uma foto de Lumia, Aglaia, Carmen, Storm e Kyveli num quarto de hotel apertado foi enviada, com Lumia mais perto da câmera fazendo biquinho e um sinal de paz e amor com os dedos e as outras quatro de fundo, Kyveli socando o ombro de Carmen enquanto Storm ri e nenhuma das três dando a menor atenção à foto. Não é o caso de Aglaia, no entanto: com uma expressão tímida, ela acena para a câmera no momento da foto.

Crista fixa os olhos naquela foto. Aglaia, a volante mais mala que já enfrentou em campo e a gata tatuada mais linda que já viu num bar. Ela percebe um desenho no pulso do braço esquerdo dela, mas não consegue identificar o que é. “Tatuagem nova?”, se pergunta.

 

Crista

chegay

kd as gata do grupo

Lumia

Cristaaaaaa para de usar gírias :sob:

Eu já falei que o tradutor não consegue traduzir ):

Ah calma a Storm tá aqui agora né LOL

Calma lá

Crista

okay

hott stuf

 

Crista guarda o celular no bolso quando a porta do elevador se abre e se dirige ao seu quarto. Número 86, pelo o que se lembra. Imagina que estará dividindo o quarto com alguém. Ela cruza os dedos atrás das costas. “Espero que seja a Matilde, espero que seja a Matilde”, torce.

Mas quando ela abre a porta do quarto 86, não há ninguém ali. Na verdade o corredor inteiro parece meio vazio, o que traz Crista ao pensamento de que deve ter sido uma das primeiras chegar. Um pedacinho inseguro do seu cérebro grita que foi tudo uma grande pegadinha sem-graça e que ela obviamente não foi convocada para a seleção brasileira e veio para Portugal à toa. 

Enquanto isso, noutro hotel não muito longe dali, as cinco atletas da seleção alteriana se apertam todas para caber na cama de Aglaia e riem igual bobas enquanto Storm tenta ler a tela de Lumia para traduzir as mensagens da brasileira, algo que não é facilitado pela recusa da menor de deixar qualquer outra pessoa no mundo além dela mesma tocar em seu celular.

– Caramba Lumia, dá pra parar de se mexer? – reclama Storm – deix…

– NÃO!!! VOCÊS FICAM FAZENDO CÓCEGAS EM MIM – ela reclama, tampando as axilas com força enquanto Carmen e Aglaia tentam atacá-la juntas – NÃO, TIREM ESSAS MÃOS CHEIAS DE DEDOS DE PERTO DE MIM!

– … sabe, seria muito mais fácil para eu ler se você simplesmente me deixasse pegar seu celular.

– EU NUNCA ME RENDEREI! – Lumia pula para fora da cama, carregando um dos travesseiros como se fosse um escudo, e Carmen e Aglaia vão atrás dela, rindo e imitando rosnados. Não demora muito para aquilo virar uma guerra de travesseiros. No começo, Kyveli revira os olhos como quem considera as outras três imaturas demais para valerem o seu tempo, enquanto Storm ri baixinho da situação. Não demora muito para que as duas pontas da Red Phoenix se rendam e se juntem à guerra.

A alguns quilômetros dali, uma brasileira deitada sozinha numa cama de hotel fica no vácuo, embora não se importe muito, enquanto ouve música e checa suas redes sociais. Lumia havia praticamente obrigado Crista a segui-la no instagram há alguns dias. Ela decide ir dar uma olhada.

Em quase todas as suas fotos, ela está acompanhada por Jay e Aglaia, ou pelo menos um dos dois. Sempre em algum bar, lanchonete, shopping, cinema e algumas selfies casuais no espelho do seu quarto. Em algumas das fotos, dá pra ver Jay pelo espelho. Várias outras, parece estar no vestiário das Royal Foxes junto da amiga loira.

“Esses gringos são grudentos até fora do campo”, pensa Crista, brincando. Começa a reparar mais nas fotos de Lumia com Aglaia. Ela tem um estilo… diferente do que Crista está acostumada. Um certo je-ne-sais-quoi – ouviu essa palavra num filme uma vez. Não é como as burguesinhas de escola particular que costumava encontrar no Brasil, é algo mais… simples e leve, talvez? Ela não sabe descrever, mas se amarra nesse estilo da loira.

Crista encontra aquela foto do tinder da amiga, aquela em que Lumia e Jay dançam na beira de uma piscina. Ela havia sido postada junto com algumas outras fotos, sempre com Lumia perto dessa piscina acompanhada por alguém. Crista presta especial atenção às que ela é acompanhada por Aglaia. Nesse dia, a loira usava um biquíni amarelo escuro, óculos de sol e o cabelo preso por uma piranha, mas nas últimas fotos a piranha já se soltara e lá estava ela novamente, de cabelos loiros soltos emoldurando o rosto de traços delicados – okay, não exatamente isso, mais como encharcados, grudando em suas bochechas e pingando.

Naquele biquíni, a tatuagem de Aglaia se mostra mais visível do que nunca. Deve ser a primeira vez que Crista a vê por inteira. Logo, está secando aquela tatuagem, aquele corpo atlético…

BLAM, a porta abre como um trovão.

– ÁGATA! – uma voz conhecida, grave feito um trovão, faz ela se sobressaltar na cama. A garota se levanta e vê Renata à porta.

– ‘TÁ PORRA! Te chamaram também! – ela se surpreende e vai apertar a mão da garota, que tem um sorriso radiante e carrega malas bem mais pesadas que as de Crista às costas – e “Ágata” é minha buceta, já falei.

– Tá bom, Cris – Renata revira os olhos, se divertindo em silêncio.

Renata Conceição é uma mulher quase tão alta quanto Carmen, tão magrela quanto Crista, de pele mais escura que a de Storm e cabelos trançados. Joga na posição de zagueira pelo São José e fora revelada um ano antes da própria Crista. Ela entra no quarto com seu visual casual padrão: tênis all-star sem meias, microshorts jeans e camisa regata com decote em V.

– E aí, mana? Como que tá a vida? – Renata pergunta, fechando a porta atrás de si e indo jogar suas malas sobre a outra cama – eu vi a foto do teu quarto que cê postou esses dias, tá vivendo igual burguesinha já é? – ela ri.

– Que isso, véi. Né nada disso não – Crista vai se sentar na outra cama, ainda surpresa pela presença da ex-colega, agora colega mais uma vez – uma das minas da Red Phoenix tá me recebendo na casa dela até eu aprender melhor como me virar lá, saca? Muito daora, a mina. E ela tá na seleção das gringa também, marca gol pá caralho. Pique artilheira memo, tá ligado? Bota Harry Kane no bolso fácil.

– Aham. Eu ouvi dizer que cê tá destruindo com as gringa lá. Marcou um puta golaço, driblou até a goleira – Renata ri daquele jeito desvairado dela – eu vi o vídeo, parecia uma barata morta no chão.

– Aquele dia foi foda – Crista sorri, concordando – mas e você? Como cêis tão indo esse ano?

– Jogamo outro dia contra a Ferroviária. Perdemo 2 a 0 – ela diz, dando de ombros – deu pra sentir bem tua falta, nega.

– Nada a vê, mana. A gente chegou forte ano passado, eu num conquistei aquele terceiro lugar sozinha não. Vai na fé, esse ano quero ver São José campeão – Renata sorri de leve para a ex-colega de time.

– Pode crê. Num vou facilitar igual facilitei contra a Ferroviária de novo não.

Crista se lembra de como quando chegou, enquanto ela mesma lutava pela titularidade no meio-campo do São José, Renata aos poucos conquistava seu espaço na defesa da equipe. Fora uma das atletas do time de quem mais se aproximou: viviam em bairros próximos, tinham interesses similares, a mesma faixa etária. Iam juntas pros bailes na comunidade uma da outra no fim de semana e muitas vezes jogavam uma contra a outra, um mano-a-mano depois dos treinos. De tanto jogar contra Crista, Renata se tornou a jogadora da equipe que melhor conseguia ler seus dribles. Isso afetou sua capacidade de marcação em jogos oficiais e, com 20 anos, a garota já estava sendo uma das líderes da defesa do São José.

– E aí, quer ir fazer algo? Ou vamo ficar o dia todo aqui nesse quartinho olhando pra cara da outra? – brinca Renata.

– Sei lá mano, tô cansadona.

– Há, para com essa merda. Levanta essa bunda daí, vai.

Renata encontra um bar nas redondezas através do google maps e praticamente arrasta Crista para lá.

[…]

Enquanto isso, a guerra de travesseiros mais intensa de Algarve se aproxima do seu final.

– Chega, chega, chega! – pede Lumia – eu me rendo! Eu me rendo à sua implacável opressão!

Aglaia derrubara Lumia com uma travesseirada bem dada na cara há alguns momentos e depois disso as outras garotas haviam soterrado ela em golpes de travesseiro.

– Quem é que disse que nunca iria se render mesmo?! – pergunta Aglaia, rindo e dando mais uma travesseirada na cara da amiga, que se joga de costas dramaticamente no chão.

– EU RETORNAREI, AGLAIA DA CASA DE MCCARTNEY! – e agita dramaticamente o punho no ar.

– Aham – a loira ri e joga o travesseiro no colo da outra, depois oferece a mão e a ajuda a se levantar.

– Ei, vocês não querem sair? Fazer algo além de brincadeiras infantis? – sugere Storm, rindo de leve.

– Claro – as outras concordam e começam a pesquisar por lugares próximos.

[…]

Enquanto isso, Crista e Renata conversam animadamente num bar não muito longe dali, tendo a vida de Crista em Alter como o assunto principal.

– Eu já tô quase praticamente fluente em inglês agora tá ligado – gaba-se Crista – tem uma rapaziada lá que dá rolê comigo na faculdade e pá. Povo daora.

– Foda…

– Sim, foda memo.

– Fica aqui na minha mente quando é que vai chegar minha vez, tá ligado. Vocês do ataque são umas privilegiadas – brinca Renata – sempre recebendo mais destaque.

– Porra, cê diz isso porque não viu como aquela Aglaia Méqui-não-sei-quê é uma mala da porra!

– Aglaia do quê?

– É uma volante aí. Me marcou no meu primeiro jogo, tá na seleção de Alter também. A mina joga pra caralho, mas puta que me pariu como ela é insuportável.

– Na vida real? – pergunta Renata, em tom de dúvida.

– Não, pô. No jogo memo. Ela gruda em ti igual chiclete no cabelo, saca? Sem tiração, duvido que exista alguém pior! A real é que na vida real ela é toda timidazinha, mas é gata pra caralho – Crista ri, lembrando do dia que a conheceu – consigo nem imaginar essa mina nuns baile tipo os que a gente ia. Nossa, saudade mano. 

– É verdade que eles não tem brigadeiro, nem feijão com arroz, nem nada assim na gringa?

– Porra mano, nem me lembra. Ainda num consegui superar. Também num acho coxinha e guaraná de jeito nenhum. Nem pão de queijo cê vê em padaria, mano! Falar a real que é triste, viu. E inda num vi um pastelzinho de feira sequer. Porra, tá até me dando fome.

Crista percebe o olhar de Renata em algum ponto atrás dela. Espia por cima do ombro e vê um cara e uma mulher na bancada, cochichando, lançando olhares para elas duas e rindo baixinho.

– E essa mina aí que cê tava chamando de gata, hein? Deixeu ver isso aí – pede Renata, tornando a chamar a atenção de Crista. Ela pega o seu celular e entra no instagram de Lumia, procurando aquelas fotos delas na piscina que havia visto mais cedo e tentando se distrair do casal risonho. Quando ela mostra a foto que procurava, Renata põe a mão no queixo e faz cara de pensativa.

– Fala alguma coisa – apressa Crista.

– É bonitinha, mas sei lá. Mó loirinha odonto com cara de burguesa pra mim.

– Burguesa o quê mano. Nada a ver.

– Num creio que tu é do tipo que sonha em ser a malandra de alguma princesa, Cris – debocha Renata, ganhando um olhar de questionamento sarcástico da amiga.

– Pelo meno eu num gosto de hómi – retruca Crista.

– Aí, tá levando pro pessoal já – Crista ri baixinho e distraidamente vai checar suas mensagens. Seu celular já vem vibrando constantemente há alguns minutos.

– Pera só um segundo.

Ela encontra mensagens no whatsapp vindas de Storm e outras no Messenger, de Lumia e Carmen. Todas uma completa bagunça, aparentemente interligadas entre si. Crista demora um pouco para entender o que houve, mas aparentemente Carmen queria sair com Crista e estava a convidando para ir acompanhar as garotas de Alter e, ao não responder Lumia, começara a mandar mensagens perguntando onde ela estava, que elas viriam até ela. Por fim, Storm enviara fotos de cinco faces conhecidas por Crista, quatro delas espremidas no banco de trás de um Uber e ela própria no banco da frente, com o que parece o nome de algum lugar na mensagem seguinte. Crista imagina que seja para onde elas estão indo. Um vídeo curto de 10 segundos logo após a foto mostra uma gritaria no carro, com as 4 do banco de trás gargalhando e fazendo brincadeiras idiotas. A legenda, escrita por Storm, diz: “por favor me salva”.

 

Crista

se vira ai irma

né minha treta n kkkk

 

Ela guarda o celular no bolso e torna o olhar à colega.

– Onde estávamos? – Renata indica sutilmente com a cabeça aquele casal atrás de Crista, que faz menção de olhar.

– Não olhe – ela murmura, interrompendo o movimento da outra – aqueles dois ali tão secando bonito a gente.

– Hã.

Não muito tempo depois, Crista sente a aproximação de alguém e aquela mulher se posta ao seu lado.

– Hey. Como vocês estão? – indaga ela, num tom doce. Crista observa a mulher de esguelha: alta, branca, longos cabelos negros e lisos, olhos azuis, traços harmônicos, sorriso de canto. Veste camisa preta estilo tank top, que deixam as tatuagens de flores num dos seus antebraços à mostra e calça jeans colada com rasgos nas coxas. “Bonita”, pensa Crista.

– Suave.

– Tô de boa – respondem as brasileiras, encarando a portuguesa com uma certa curiosidade. A garota pigarreia.

– Ah, vou ser direta, o meu irmão – ela indica o rapaz na bancada, que falhava miseravelmente em fingir não estar prestando atenção nas três – está interessado em ti.

– Eu? – surpreende-se Renata, logo lançando um olhar ao rapaz – ei, Crista. Que que cê acha? – cochicha.

– Sei lá, pra mim todo ómi é feio – Renata ri baixinho e se levanta.

– Tá legal, mina que eu num sei o nome. Vou dar uma chance aí pro seu maninho.

– Mas que cadela desesperada por macho…

– Cris, cala a boca – retruca Renata, se afastando.

Crista ri baixinho e torna a pegar seu celular no bolso, quando percebe que a garota portuguesa continua ali. Ela puxa uma cadeira e se senta, em silêncio. Crista termina de assistir um vídeo de um filhotinho de gato fazendo gracinha no twitter e torna sua atenção pra ela.

– Precisa de algo? – pergunta.

– Ah, não. Eu chamo-me Camila, é um prazer.

– Crista.

– Crista? Nome bonito. 

– Combina com a dona né? – a portuguesa ri, surpresa, jogando a cabeça para trás.

– Combina – ela concorda, por fim – mas diz-me, vais ficar por aqui até quando, hm?

– Dia 29 – responde, franzindo o cenho.

– Enquanto tua amiga diverte-se com meu irmão, não queres… – “ir pra sua cama?”, Crista completa em pensamento – andar pela cidade?

Crista olha na direção de Renata. Ela já enchera um copo de cerveja e ri alto com aquele cara alto e branquelo que a princípio ela havia suposto formar um casal com Camila. “Que porre, odeio segurar vela”, pensa a garota já se levantando.

– Vamo, né.

E Camila guia Crista até um pedaço de praia isolado, sem uma alma à vista. Não é algo que Crista esperava ver na Europa: sempre imaginou que o velho continente seria aquele lugar frio, cheio de cidades grandes e tecnologia, lotado de gente branca que não se importa com aqueles ao seu redor e vivem apenas de trabalhar e manter o nariz empinado, e que o que encontraria de mais interessante seriam castelos e arenas de gladiadores antigas. Que quando os europeus queriam ver praias lindas como essa, teriam de ir ao Brasil ou algum outro lugar longínquo.

Essa praia, limpa, deserta, é muito mais bela do que a praia lá no norte de São Paulo que Crista costumava ir, cheia de gente e de lixo na areia, na rua, na água. Camila logo arranca a camisa e a calça jeans, revelando um biquíni todo preto por baixo, e deixa suas roupas num canto da areia junto com sua bolsa, pegando Crista de surpresa. Ela lança um olhar de malícia para a brasileira e caminha de costas na direção da água.

– Tu vens ou não?

– Aham, claro.

Quando ela vira de costas, Crista nota uma tatuagem desbotada de cavalo-marinho atrás do ombro da garota e outra tribal na base das costas. Ela arranca a própria camisa, deixando à mostra seu top esportivo cinza, a joga com seu celular e carteira junto à bolsa de Camila, e segue a estrangeira até a água.

É fria, mas não horrivelmente gelada. As ondas são suaves, pequenas. O mar parece tão calmo… Não é uma praia das mais recomendadas para surfar. Camila avança pela água, lançando olhares de provocação para Crista por cima do ombro de vez em quando.

– Que que cê tá… – do nada, Crista não encontra chão sob seus pés, e afunda quase o corpo inteiro de uma vez. No susto, ela engole um pouco de água e volta para a superfície, agitando os braços em desespero e tossindo, enquanto Camila ri dela – porra! Puta que pariu!

Camila nada de volta até ela e a apoia em seu ombro, ajudando-a a voltar à parte mais rasa e soltando risadinhas ocasionais.

– Estou aqui, calma, já passou – elas já estão numa parte onde a água bate na cintura.

– Que porra de barranco é esse mano? Credo!

– Tu tinhas que ter visto tua cara!

– Há, há. Graçado pra porra memo.

Quando Crista vai se desvencilhar da garota, incomodada com a proximidade excessiva, ela firma sua mão no pulso de Crista.

– Precisa de algo? – ela pergunta, mantendo a paciência. A portuguesa lhe oferece um sorriso de lado.

– Não. Por quê?

– Minha política – ela se desvencilha da mão da garota – é que tirando minha mãe e meus maninhos, só toca em mim quem quer me pegar. 

– Hm – Crista levanta as sobrancelhas, atenta às reações de Camila. Percebe um leve enrubescer em suas maçãs – …e se eu estiver interessada?

Ela tenta soar confiante, e em vez disso fala pra dentro, cheia de timidez. Seu rosto enrubesce ainda mais conforme os segundos passam sem que Crista dê resposta alguma além de um sorrisinho provocador.

– Cê tá ligada que cê é péssima nisso, né? – Crista arranca uma gargalhada de Camila.

– Cala-te.

– Vem calar – provoca. Camila faz menção de que vai puxar Crista pela cintura, mas desiste do movimento no meio do caminho, ficando ainda mais vermelha – meu, vamo lá. Atitude, véi. Cê consegue, eu confio em você – Crista a estimula, embora no fundo esteja brincando e não acredite realmente que a outra vai ser capaz de algo.

Camila quebra as expectativas de Crista, pousando uma das mãos gentilmente em sua cintura e sutilmente puxando seu corpo para mais perto, e com a outra mão entrelaça-se aos dedos de Crista debaixo d’água. A brasileira encara os olhos da portuguesa acima dos seus com mais desafio do que expectativa. “Seria fácil pra caralho te dominar na cama”, ela pensa, como se pudesse transmitir a mensagem telepaticamente. Fixa os olhos nos lábios rosados da garota, depois gradualmente os sobe até aqueles olhos de um azul-claríssimo, quase cinzento.

– Teus cabelos são incríveis – Camila diz subitamente.

– É, já ouvi muito isso – Crista responde, metida. Sabe que suas madeixas exageradamente longas e densas chamam a atenção por onde passa e, se tem uma coisa da qual se orgulha (fora seus dribles), é o seu cabelo.

Crista passa seu braço livre ao redor do corpo da outra garota, pouco acima da sua cintura.

– Hm… e o que estás a fazer em Portugal?

– Cacete mulher, para de enrolar – Crista diz, rindo e revirando os olhos. Camila ri de um jeito nervoso e Crista sente os dedos dela ligeiramente mais apertados em sua pele.

No momento seguinte, seus lábios se juntam. A iniciativa é de Camila e não passa de um selinho rápido.

– Aí ó, eu disse que cê conseguia.

Nas horas seguintes, Crista ensina – ou tenta ensinar – o seu esporte de água preferido: “surfar sem prancha”, algo no qual ela havia se tornado especialista no Brasil por nunca ter tido uma prancha. Ela falha miseravelmente pelas ondas dessa praia serem tão fracas, completamente diferente das praias de São Paulo. Por fim, as duas voltam à areia e, enquanto Crista se senta numa canga que a outra tirara da bolsa e estendera no chão, mexendo preguiçosamente em seu celular e tirando fotos da paisagem aqui e ali, Camila decide construir uma porção de castelos de areia e depois ligá-los com muralhas, decidindo no final que o conjunto todo é uma grande fortaleza impenetrável.

– Aham – concorda Crista, achando graça e batendo uma foto da tal fortaleza impenetrável – ei, cê pode passar a senha do seu 4G?

– Claro – Camila pega o celular na bolsa, libera o sinal e passa a senha para Crista.

– Valeu – seu celular começa a vibrar com várias mensagens chegando ao mesmo tempo no whatsapp e Messenger e ela vai postar as fotos que tirara no instagram. Passa os olhos rapidamente pelas mensagens e depois vai ao twitter assistir vídeos de gatinhos, aos quais Camila assiste com ela.

– Ownn, ti bebê mais fofinhuuu! – os comentários de Camila a cada vídeo fazem Crista rir, tanto quanto os próprios gatos em cada vídeo fazendo gracinha – awnn, olha que fofura esse caçador feroz atrás da borboleta!

Uma nova notificação chega no Messenger e Crista vai checar o que é.

 

Grupo: Algarve Adventurers

Crista foi adicionada ao grupo.

 

Lumia

SEJA BEM VINDA AVENTUREIRA \O/

Crista

?

qual foi mano

Carmen

e aí Crista :*

Kyveli

fala vadia

Crista

você é vadia

–‘

Aglaia

gente não briguem >.>

somos todas amigas aqui certo? :c

Carmen

Certo ^^

Lumia

somos?????

Crista

somos????

Lumia

viram??? A crista me entende

acho q é amor :3

Maria Carolina

Gente, cala a boca

Inhaí

Eu vi tuas foto no insta u3u

Que lugar é esse q vc ta?

Nem convida af

Crista

storm?

sla

conheci uma mina tuga e ela me trosse pra ca

Lumia

Storm, pergunta da garota com quem ela está

VAMOS FAZER CIUMINHO NA AGLAIA

Aglaia

na boa, essa piada já ficou velha

Crista

velha como o nosso amor

Lumia

CARALHO

Kyveli

LOL

Lumia

LMAOOOOOOOOOOOOOOO

Maria Carolina

Porra

Crista

LRANJA

Maria Carolina

Inesperado

LRANJA véi

Pqp Crista

Carmen

lol

Maria Carolina

Qdo a gente se encontrar de novo vou te dar um soco na cara por essa piada horrorosa

Aglaia

Crista, para de estimular elas

eu vou arrebentar teu outro tornozelo na próxima ¬¬’

Crista

Storm me ajuda

como q fala vergonha

eu qro pergunta se ela tem vergonha do nosso amor

n pera

tenho uma ideia melhor

vo dizer q gosto de apanha de mulher bonita KKKKKKKKKKKKKK

Maria Carolina

Ahsdbahasahjsdsahjbadshj mds

Vou te mandar no privado e vc copia

Crista

ta bom

 

Crista rapidamente muda para a janela privada com Storm e espera que ela envie a mensagem.

– Estás a rir-te de quê? – pergunta Camila, curiosa, vindo se sentar ao lado de Crista.

– Tamo zuando uma amiga nossa – Crista tem um ar risonho.

– Hm – Camila não parece achar tanta graça. Ela espia a tela do celular de Crista por cima do ombro dela enquanto ela copia a mensagem que Storm lhe enviara no privado.

 

Crista

Pode me arrebentar, Aglaia

Eu gosto de apanhar de mulher bonita

Lumia

MEU DEUS LMAOOOOOOOOOO

Kyveli

ja deixo avisado q eu só vou no casamento pra comer de graça

Aglaia

Kyveli, vc é outra q eu vou quebrar o tornozelo no próximo jogo

Kyveli

é piada loirinha

vc ta tão sensível assim com seu futuro casamento com a nossa Cristinha?

Aglaia

não é isso e vc sabe –‘

Lumia

LMAO

EU QUERIA ESTAR GRAVANDO ISSO

Maria Carolina

Crista, manda pra gente teu GPS pra gente ir ai

Tamo na cidade sem saber o q fazer há horas

E se a gente continuar aqui essas 4 não vão mais calar a boca

Crista

ta 

mas deixem as crianças em casa flw???

tava prestes a ter um jantar português aq

 

Crista é subitamente envolvida por um abraço forte da outra garota e percebe que Camila está completamente vermelha de vergonha e ri nervosamente.

– Por que disseste isso?! – ela pergunta, arrancando gargalhadas de Crista.

 

Maria Carolina

Jesus

Q nojo Crista

Vai arrumar um motel

Eu hein

Nojenta

Crista

kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk

calma ae jah mando

Lumia

motel????? =O

EU RECONHECI A PALAVRA MOTEL ALI

nós vamos todas nos encontrar num motel???? =3

ai gnt eu n sei se to preparada D:

nunca fiz com tanta gnt assim de uma vez….. >.<

 

Ao final das suas mensagens, Lumia envia uma imagem de uma personagem de mangá fazendo um ahegao.

 

Aglaia

Lumia, eu vou te bloquear

Kyveli

lol

*suando em linguagem de trisal*

Lumia

kyv vadia para de se exibir só pq faz threesome todo dia

Maria Carolina

Por mim a gente começava a shippar Crista x Lumia, duas nojentas

Porra

Vou botar a Kyveli no meio tbm

3 nojentas

Kyveli

??????

eu n fiz nada ¬¬

Carmen

ai gente, a lumia não fez por mal

foi só uma piadinha inocente

e eu acho o relacionamento da kyv com a Erin e o Conrad mto fofo, n julguem eles u3u

Maria Carolina

Carmen, para de defender ela

e sim, é fofo, mas ela ainda é nojenta

Carmen

):

Kyveli

preconceituosas >:(

Aglaia

NGM QUER SABER DOS SEUS THREESOMES KYV

Kyveli

EU NÃO FALEI NADA, A LUMIA Q FALOU SUA LOUCA

Lumia

LMAOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOO

SOU INOCENTE

 

Rindo, Crista muda a tela para o google maps e manda a sua localização no grupo.

 

Maria Carolina

Já aparecemos aí

Crista

ta

 

Crista torna a jogar o celular junto com sua camisa e a bolsa de Camila, e quando torna, a portuguesa se ajoelha sobre ela.

– Então, ainda temos um tempinho até as tuas amigas chegarem? – Crista já quase se sente acostumada com esse sotaque. Beija o pescoço de Camila, arrepiando todos os pelos dos seus braços e arrancando um gemidinho baixo de surpresa da outra: é melhor do que qualquer resposta verbal.



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2 Respostas para 11. Portugal

    • ss, eu postei, percebi que tinha um erro, editei pra consertar o erro e o cap agr ta preso em rascunho, to aq tentando entender

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