FREYA: A RECONSTRUÇÃO

Capítulo 14 – Lembranças Nefastas

Freya: A Reconstrução

Texto: Carolina Bivard

Revisão: Naty Souza e Nefer

Ilustração: Táttah Nascimento


Capítulo 14 – Lembranças Nefastas

Bridget perguntou diretamente para Caeté e para Decrux. Seu questionamento nada mais era do que indicar às duas que queria uma solução para o problema e não uma resposta propriamente dita. Caeté virou-se para Decrux.

— Posso passar programas de comunicações que estudei em Lithinus, meu planeta natal. Ele sempre teve comunicações “alternativas”.

Caeté teve um destino muito diferente da maioria das mulheres de Lithinus, pois seu pai não era “puro”, como falavam. Ele era de outro planeta e se casou com a sua mãe por amor. Uma lithiana da classe burguesa, diferente de muitas mulheres pobres que eram vendidas aos prostíbulos do Espaço Delimitado. Essa era uma cultura comum em Lithinus e que Caeté odiava.

Quando seu pai a mandou para uma universidade no QG da República, viveu uma realidade bem diferente das mulheres de seu planeta. Após formada, voltou para Lithinus, apenas para se inteirar do conhecimento de engenharia de comunicações de seu planeta natal.

Eles desenvolveram uma comunicação à parte da República, pois a venda de mulheres era considerada ilícita no Espaço Delimitado e para não afetarem a forma como viviam, aceitaram as condições que a República impunha para conquistarem o direito de participarem da adesão do planeta no acordo comercial. Porém, não mudaram a sua conduta, apenas faziam as transações de forma encoberta.  Caeté sabia que nunca mais se adaptaria à vida de uma mulher lithiana, e mesmo seus pais não queriam.

Considerava sua mãe sortuda. Conhecera seu pai ainda jovem, em uma viagem de férias que os avós fizeram para um planeta-turismo do Espaço Delimitado. Eram tradicionalistas e, como tal, sua avó era uma entre três das mulheres de seu avô. Caeté tinha nove tios, alguns filhos de sua avó e outros do restante das esposas do avô.

Seus pais se apaixonaram e como era comum entre os lithianos, ele teve que dar uma certa quantia em dinheiro corrente do Espaço Delimitado ao seu avô, para que se casasse com ela. Também tinha que viver em Lithinus durante os primeiros sete anos. Assim o fez. Seus pais eram felizes, entretanto, sua mãe mais ainda. Erunat, seu pai, vinha de uma cultura igualitária e participou isto a sua mãe e a filha.

— Manda ver, Caeté. Vamos trabalhar nisso.

Decrux respondeu, se aproximando da engenheira de comunicação.

— Kara, pode dispensar Oton de ajudá-la na engenharia? Quero falar com ele e com Helga, para montarmos uma abordagem nova para o sequestro.

— Eu me viro. Vão lá!

Saga estava cansada e, em momentos como aquele, onde beirava a exaustão, perguntava-se como chegou àquele ponto. Ajeitou a cama improvisada para dormir. Precisava se recompor, pois os estimulantes que Rurik lhe dava, só faziam deixá-la em alerta, todavia sentia o desgaste físico, como se todas as suas células clamassem por esse sossego e sono.

Embora seu ciclo de sono fosse diferente da maioria dos humanoides, não poderia forçar tanto, pois um alomar para fazer a transmutação dependia da harmonia fisiológica.

Retirou debaixo do colchão um objeto envolto em um pano. Desembrulhou-o sobre a cama e o admirou, lembrando dos ensinamentos de seu pai. Aquele machado milenar era a única coisa que a chamava de volta para seu objetivo.

Recordou da história do machado que fora o símbolo da sua dinastia, antes da guerra civil de Freya. O acordo feito na época para que freynianos típicos e alomares convivessem, distribuídos num governo mais democrático, tirara os Jorn do poder, jogando o nome de seus ancestrais na lama a ponto de caírem no esquecimento.

— E por que isso importa agora, pai? Freya é um bom lugar para se viver…

Quando expôs sua dúvida em voz alta, lembrou-se da história que seu pai lhe contara a respeito da morte de sua mãe. Fora morta por um freyniano típico que burlara o sistema de identificação de Freya e nunca foi pego. Ela era muito pequena para se lembrar, entretanto seu pai fazia questão de sempre lhe contar a história.

Era um assaltante que levava armas pesadas e que os pegou numa noite, quando estavam jantando pacificamente em seu rancho. O homem tinha tanta segurança de que escaparia das autoridades que, quando invadiu a casa, pegando a família desprevenida, atirou nos dois joelhos de seu pai, neutralizando-o completamente e pegou Saga, que contava com somente três anos de idade, rapidamente nos braços, para forçar a mãe a fazer o que lhe aprouvesse.

Ele foi um homem ardiloso e perverso. Prendeu Saga em uma cadeira com um explosivo sobre o assento. Manteve um dispositivo de acionamento por voz sobre um móvel e ordenou que sua mão juntasse cada centavo e cada objeto de valor em uma sacola. Não satisfeito, subjugou a mãe e a estuprou na sua frente. Graças a Eiliv esquecera do fato. Os médicos falaram que o trauma foi tanto que ela simplesmente apagara de sua mente.

As poucas memórias que tinha eram de um homem sorrindo para ela, soltando-a de amarras.

Seu pai voltou a andar. O governo pagou todas as despesas médicas para que ele recuperasse as articulações que perdera no ataque, entretanto, isso não apaziguou a sede de vingança que ele acumulou durante os anos, até sua morte. Dizia que se estivessem nos tempos de seus ancestrais, nada daquilo teria acontecido. Não houve um dia em sua infância e adolescência que Saga não escutasse as palavras de seu pai, tentando rememorá-la dos acontecimentos e treinando-a para ser parte de uma revolução em prol dos alomares e da retomada de “seu destino”.

Saga se deitou, o machado de família em seus braços sobre o peito.

— Mas, pai, Freya não é mais assim…

Adormeceu entre as palavras, que muitas vezes lhe vinham à mente, contradizendo seus atos. Quando acordasse, como sempre acontecia, se esqueceria de tudo que pensou, apenas para se focar em seu objetivo.

— Todos estão prontos para testar a T.I.M.?

— Pode começar, Kara.

Bridget ordenou, observando com interesse o tal objeto que a noiva colocou no meio do hangar para fazer o teste. Era um cilindro de metal que continha um material biológico.  O teste consistia em transportá-lo para fora da nave, deixando-o em determinadas coordenadas no espaço e retorná-lo à nave no mesmo ponto.

Toda a tripulação estava presente, com exceção dos médicos que ainda monitoravam o agente Olsson. Ele havia desestabilizado. Tentavam também sintetizar o medicamento para Elisa.

Kara acionou o dispositivo e o objeto que tinha mais ou menos a massa de um ser humano começou a desaparecer diante dos olhos de todos até sumir completamente. A engenheira-médica tocou o plate em suas mãos e uma imagem multidimensional se formou, permitindo que ela olhasse todos os parâmetros da transferência e visse que o objeto estava exatamente nas coordenadas que parametrizou.

— Ele está lá. Consegui transportá-lo para três milhões de quilômetros. Agora o trarei de volta.

Acionou o dispositivo e uma forma começou a se materializar. Estava instável, não conseguindo se fixar no ponto de chegada. Kara começou a manipular os ícones do plate na tentativa de ajustar parâmetros para que o objeto se fixasse nas coordenadas de chegada e, finalmente, ele se consolidou diante de todos.

— Não me importaria que Knut viesse desse jeito, mas não creio que você queira que eu volte para a nave assim, ou quer?

O comentário de Bridget nada mais foi do que a expressão da decepção de todos. O objeto havia se transformado em uma forma macilenta onde a matéria do cilindro havia se fundido ao material orgânico do interior. Kara coçou a cabeça com irritação.

— Os parâmetros estão certos, disso tenho convicção…

— São os estabilizadores de biomassa.

Decrux confirmou o que a engenheira-médica já desconfiava.

— Mesmo colocando-os em corrente simétrica, não são capazes de suportar a quantidade de massa de um corpo e nem a condutividade de energia dispensada. – Kara concluiu a fala de Decrux.

— Não temos mais estabilizadores de biomassa? Podemos retirar dos sintetizadores dos alojamentos. Há centenas deles na nave.

— Não adianta, Brid. – Decrux se antecipou para responder. – Eles são elaborados para trabalhar em uma dinâmica de suporte.

— Simplificando, o que Decrux quer dizer é que são feitos para gastar o mínimo de energia e trabalharem individualmente em pequenas quantidades de cada vez. Mesmo que colocássemos cem estabilizadores de biomassa de sintetizadores em série, não extrapolariam além de sua energia individual para um organismo tão grande.

— Resumindo: o que você e Decrux querem dizer é que não trabalham em conjunto. Quando atingem o topo de energia individual, desligam-se.

— Por isso, a amo tanto. Você é tão esperta… – Kara mexeu com a noiva e sorriu jocosa. – Não conseguiremos sem um estabilizador de biomassa estrutural e o único que temos, faz parte do motor principal. Não estou disposta a ligar esse nosso experimento diretamente em nosso motor.

— Ok. O problema já temos e a solução também. Quero alguma ideia para saber como conseguiremos um estabilizador de biomassa estrutural.

— Pensei em Pontos. – Oton propôs. – É um planeta de comércio livre que não tem barreiras de identificação. Não levaríamos muito tempo para chegar em uma nave auxiliar, se usarmos a dobra ponto-a-ponto.

— Mas é um planeta que pode ter vigilância, por Bridget ter relação estreita com ele.

Helga rebateu.

— Já fiz uma varredura na região e eles já estiveram por lá e, não encontrei mais assinaturas de naves freynianas ou naves independentes.

— Hora de nos mudarmos, Decrux. Mesmo que tenhamos conseguido tirá-los de nosso pé, mesmo que tenham achado que vamos para a Terra, não podemos facilitar. Vamos alçar voo e nos tire daqui.

— Para onde dessa vez?

— Que tal a nuvem de asteroides Ramsey?

Bridget parou por segundos, considerando a sugestão de Oton.

— Boa ideia. Ela fica na borda do sistema solar, está mais próximo a Pontos e podemos nos esconder com facilidade. Pode acionar, Decrux.

Não foi preciso mais que uns segundos para que a IA alçasse voo e os tirasse de lá. Quando se deram conta, já estavam entre milhares de asteroides, praticamente escombros de rochas gigantescas, flutuando em meio ao imenso universo.

— Ficaremos aqui por, pelo menos, um dia, pois eu, Kara e Helga já fizemos dois saltos em menos de vinte e quatro horas. Não poderemos saltar numa dobra ponto a ponto, outra vez. – Bridget voltou-se para Oton e Caeté. – Vocês se coordenarão para irem a Pontos comprar tudo de que precisamos. Irão disfarçados. Não é diferente do que fazemos quando estudamos uma civilização.

— Pode deixar conosco, Brid.

— A nave Decrux tá fora do alcance, não é?

— Cala boca, Barns!

A voz de Rurik era irritada. Saga estava há mais de doze horas dormindo e os agentes que Javer havia mandado para fazerem a escuta, não conseguiam entender os áudios vindos da nave. Eram mensagens partidas, pois elas eram pegas aleatoriamente, quando os tripulantes da nave Decrux conversavam na ponte, na engenharia ou nos alojamentos da comandante Bridget.

Rurik imaginava o tanto de ira que enfrentaria da aliada, quando ela acordasse.

Após a explosão no motor iônico, os detectores de localização haviam parado de transmitir e eles não contavam mais com essa vantagem. Ao que tudo indicava, a nave estava a caminho da Terra e as naves espiãs tentavam localizá-la, porém sabiam que era mais provável pegá-la quando chegasse ao planeta.

Aquela era a única nave com a dobra ponto-a-ponto que Freya tinha, pois as negociações de obterem mais dessa tecnologia de Ugor, não avançava. Os ugorianos eram um povo desconfiado por natureza e não cederiam essa tecnologia para a frota de Freya, antes do planeta se assentar efetivamente e antes da reconstrução completa. Levaria anos, até conseguirem essa confiança do planeta aliado de outrora.

Como a nave era orgânica na essência, levariam muito tempo até que conseguissem fazer engenharia reversa e a nave era particular. Bridget era a dona e não concordaria em desmontá-la em pedaços para que o fizessem e, muito menos, a Olaf permitiria. Não arriscaria azedar a relação que construíram com Ugor, por uma tecnologia que futuramente poderiam adquirir num acordo pacífico.

— Não conseguiram saber nada nessas conversas? Perdemos a nave?

Um dos agente retirou o ponto do ouvido, onde tentava identificar sons com estática. Também usava filtros para tentar escutar as mensagens claramente, às vezes sem sucesso.

— Ela, a essa hora, já está longe. Com esse tipo de equipamento e transmissão, perderemos em breve qualquer contato. Já não estamos conseguindo escutar tudo que acontece e as conversas estão cortadas.

— É só isso que têm a dizer? Como as encontraremos, idiota?! Se Saga acordar e não tivermos nada, não será somente ela que degolará suas cabeças! Javer conta com vocês. Esqueceram disso?

— Nossas naves rastreadoras estão a caminho da Terra. Quando chegarem, os pegaremos de surpresa. Nossa dobra em correnteza pode levar mais tempo, mas é rápida também. Certamente, ainda estarão vasculhando o planeta quando elas chegarem.

A raiva de Rurik não diminuíra. Esperou muito tempo para ter Kara diante de si e via sua oportunidade escorrer pelos dedos. As coisas não saíram como ele e Saga planejaram e isso o deixava ansioso e com muita raiva.

— Tento entender você, mas não consigo. Por que odeia tanto a ministra Kara?

A pergunta de Barns o levou para outra época…

Batidas na porta do gabinete da ministra espacial foram ouvidas. Kara Lucrétia sabia quem era, pois, seu secretário já tinha lhe alertado.

— Entre!

Ela falou sem desviar os olhos do documento que lia na tela plana do tampo de sua mesa. Não gostava de projetar informações dimensionalmente em frente a ela. Qualquer um que entrasse poderia ver o que estava acessando e, por isso, se dava o direito de ler seus documentos com privacidade. 

A porta se abriu e um homem sorridente entrou.

— Me chamou, ministra?

— Sente-se, doutor Vred.

— O que é isso? Me chame de Rurik, Kara. Não sabia que tínhamos esse distanciamento todo…

 A ministra espacial elevou o olhar até fixar nos olhos do médico. A expressão era séria e as orbes azuis translúcidas, frias como a neve.

— Sente-se. Tenho muito a lhe falar.

O médico se sentiu inseguro diante da frieza da amiga. Era dessa forma que via seu relacionamento com a ministra espacial. Sentou-se calado e intimidado.

— Tenho um relatório em minhas mãos de uma discussão entre você e Vertana, piloto classe um da frota.

— Isso não foi exatamente…

— … Escute tudo que tenho a dizer, doutor Vred, e não me interrompa. 

A ministra Lucrétia o advertiu. Rurik sentiu seu rosto queimar em ira e vergonha, no entanto calou-se. Acenou com a cabeça em concordância.

— Você tentou humilhá-la publicamente, falando inverdades. Todos no espaço-porto escutaram, quando a acusou de ter privilégios por ser lésbica e me bajular. Você não só a acusou injustamente, bem como me colocou em uma posição difícil também. Acredita mesmo que eu daria privilégios a uma pessoa por ter a mesma orientação sexual que eu?

— Claro que não, Kara!

— Não me chame de Kara. Não estamos aqui por eu ser sua amiga, doutor Vred!

Rurik se calou, vendo que sua interlocutora estava irritada. Encolheu-se na cadeira. Kara jogou-se para trás, como se relaxasse seu corpo sobre o encosto da poltrona. 

— Eu acreditava que Freya havia sublimado esse tipo de preconceito há centenas de anos. Vertana se formou na frota com louvor e é a piloto mais versátil e experiente que temos. A discussão foi um choque, até mesmo para os companheiros de insígnia dela. – A ministra bufou. – O que não entendo é por que disse que ela queria privilégios de mim? Me conhece o suficiente para saber que não deixaria minha vida pessoal interferir em meu trabalho, mesmo que houvesse algo entre nós. E devo dizer que, nesse caso, não existe! Você desrespeitou duas pessoas. Ela e a mim! Além de mostrar seu evidente preconceito sobre um terço da população deste planeta. 

— Ela lhe olha diferente. – Rurik se levantou da poltrona. – Será que não vê isso? – O médico se agitou. – Ela está sempre tentando chamar sua atenção. Está sempre fazendo jogos para que você lhe observe com outro intuito. 

A ministra cerrou ligeiramente as pálpebras. Sabia do que se tratava e tentou, ao longo de meses, conduzir aquele infortúnio brandamente. Viu que não adiantou o seu modo agregador de solucionar o problema.

— E você não?

Ele se chocou com o que escutou e Kara o fitou como se desnudasse sua alma. Por fim, ela falou.

— Rurik, acha mesmo que não vejo as suas investidas? Que não percebo que, quando estamos sós, você tenta se aproximar romanticamente? Isso está me dizendo muito sobre você. – Kara calou-se por segundos e retomou a sua retórica. – Quer dizer que você, por ser do gênero masculino e heterossexual pode me cortejar, e ela por ser lésbica não pode? Você é tão meu subordinado quanto ela. 

Ela também se levantou, ficando de costas para ele e de frente para a janela.

— Tentei fazer você entender que não lhe corresponderia. Quando me separei, vi que se aproximou, Rurik. Vi suas intenções para comigo e não correspondi, achando que entenderia, mas agora vejo que foi um erro meu. Deveria ter sido mais direta com você, para que não alimentasse esse sentimento. Começo a perceber que sua reação em relação a Vertana seja por ciúme e custo acreditar que, por isso, uma veia de preconceito descabido tenha abraçado você.

Ela se voltou para ele. Estava vestida com o uniforme de gala da frota, que lhe dava um ar mais austero e imponente do que o usual. Participaria da formatura de novos cadetes naquele dia, entretanto, não deixaria aquela conversa para outra hora. Era chegado o momento de dar um basta na loucura que se abateu sobre o médico. O considerava amigo e um bom médico… até então. 

Ele lhe observava, indignado. Dera tanto apoio a ela em momentos difíceis de sua vida. A separação dela e Embla fora sofrida e ele estava lá, ao lado dela. Como ela podia rechaçá-lo daquele jeito? Como ela podia dizer que não o corresponderia?

— Está me dizendo que não corresponderia a mim, mas se fosse Vertana, você corresponderia, não é?

A raiva permeava o som das palavras que ele cuspia com ferocidade. 

— Abaixe seu tom comigo, Rurik! Está ultrapassando muitos limites e há muito tempo. A discussão que teve ontem com Vertana se espalhou como fogo por todo o departamento e tive que conter os ânimos dos oficiais de comando, para que não abrissem um processo contra você! 

— Agora está dizendo que me protegeu diante do comando?

— Acha que não? Em menos de um dia, levantaram toda a sua ficha e olha o que acharam.

Ela tocou o documento na tela da mesa e, imediatamente, ele extrapolou para uma imagem multidimensional sobre o tampo, permitindo que o médico visualizasse.

— Eles levantaram todos os seus deslizes para que pudessem fazer uma representação contra você. Há anos, o conselho de medicina fez a orientação para que os pilotos que apresentassem qualquer distúrbio psiquiátrico fossem encaminhados para uma junta médica, você ignorou essa determinação. Todos que são tratados por você tomam medicamentos psicotrópicos.

— É o melhor a se fazer! A junta quer que esses pilotos façam tratamentos psicológicos agregados aos invasivos cirúrgicos. Eu não concordo com isso!

O egocentrismo que Rurik Vred mostrava, assustou a ministra espacial. Era como se não reconhecesse aquele homem, nem como médico e, muito menos, como amigo.

— Isso não compete a você, Rurik! É para isso que serve um conselho de medicina! Esquece que é um empregado deste departamento e que se não concorda com algo, deve fazer uma representação oficial? Pelo visto, se esqueceu de que sou médica também e que acato decisões do conselho de medicina. Sabe o quanto me esforcei para que não o demitissem, por justa causa?  

— E o que mais levantaram sobre mim de tão funesto para me demitirem? Não vejo nada em meu comportamento, ao longo desses anos, que me incrimine judicialmente. Os pilotos precisavam de mim e eu os atendi em suas moléstias.

Kara Lucrétia estreitou o olhar sem compreender como nunca viu aquela face do amigo. 

— Os pilotos precisam de tratamento, Rurik. Você deu drogas psicotrópicas que viciam!

— Eu dou a eles o que necessitam e não é você, ou o conselho de medicina que irão dizer o que preciso fazer por meus pacientes, sua maldita lésbica!

As palavras ditas com tanto desprezo abalaram profundamente a ministra espacial. Ela não conhecia aquele tipo de preconceito. Freya era um mundo igualitário em gênero e orientação sexual, há séculos, e custava a ela entender de onde vinha tamanha revolta. Mal conseguiu pronunciar as palavras que saíram de sua boca involuntariamente, tão grande o assombro que a acometeu.

— Amanhã, passe no setor de recursos humanos. Será transferido para o departamento de defesa e trabalhará em uma colônia penal. Foi tudo que consegui negociar com o comando. Agora saia, e boa sorte, doutor Vred.

A lembrança do dia fatídico atormentou o médico-terrorista.

— Quem manda se apaixonar por uma maldita lésbica!

Expressou a sua raiva em voz alta.


Nota: Esta é a última postagem de Freya antes do ano novo e por isso, desejo de todo o coração que o ano de 2021 seja muito melhor que o de 2020 e que tenhamos medicamentos para combater essa pandemia. Desejo a tod@s muita saúde, harmonia e que novos e bons ventos soprem sobre nós, dando-nos um ano maravilhoso cheio de boa-venturança! 

Devo responder os comentários ao longo da semana, ok?

Um beijo enorme e um abraço bem apertado a vocês!



Notas:



O que achou deste história?

14 Respostas para Capítulo 14 – Lembranças Nefastas

  1. Acredita que agora sabendo da história fiquei com pena da Saga? Fiquei. Ela está assim por ter sofrido violência psicológica a vida toda. Imagine os conflitos internos que ela está tendo… (só uma pessoa que tem o signo de câncer como signo lunar e se não bastasse ascendente também, como eu, para ter pena dessa bandida!)
    Já a história de Rurik não me comoveu de forma alguma. Puro machismo, achar que Kara seria dele pelo simples fato de que ele “gostava” dela. Sentimento de posse… vemos muito disso por aí.
    Capítulo bastante esclarecedor, além de disputas políticas também existe vinganças pessoais por trás dessa perseguição a Kara.

    Beijo Carol, e que este novo ano seja mais leve e nos traga coisas boas.
    Feliz ano novo para você e sua família!!!

    • Oi, Fabi!
      Olha, fica com muita pena dela não, porque a bichinha já matou um monte. rsrs A gente compreende o pq dos traumas, mas que ela já fez muita coisa ruim, ah, isso já fez. rsrs
      O Rurik é um cretino, isso sim. Um homem que se sentiu menosprezado por ter sido rejeitado, mas que se não fosse a arrogância dele, não se sentiria dessa forma.
      Espero que as festas tenham sido boas para você! E espero que 2021 seja bem melhor do que o anterior! Temos que sair dessa tranqueira de pandemia!
      Um beijão, Fabi, e obrigada!

  2. A eterna mágoa vingativa de pais transmitida a filhos. Embora aqui seja ficção, existe e muito na vida real, infelizmente! Mas, o desenrolar do enredo continua nos prendendo mais e mais. Bjs

    • Oi, Ione!
      Sim, sim. Existe muito. Por exemplo, preconceito e ódio contra gays, racismo… Essas coisas não nascem com as pessoas. A maioria das crianças, quando crescem num meio livre desses ódios, não espelha isso na sociedade. Enfim.
      Como foi de festas?
      Valeu, Ione e um beijão pra ti!

  3. Fantástico capítulo, esclarecendo alguns “pqs?” desse povo mau, kkkkk.
    Que 2021 seja de muita luz, paz e esperança de um novo amanhã.
    Bjs
    Feliz 2021 pra vc e sua família.

    • Que merda esse Rurik! AFFF… E será que Saga muda de atitude? Senti uma dúvida no discurso dela. Vamos ver.

    • Oi, Blackrose!
      Retornando hoje, mas terá novo capítulo.
      Espero que as festas tenham sido ótimas para você e vamos começar 2021 com o pé direito!
      Obrigada e Um beijo grande para você!

    • Oi, Naty!
      Cara, talvez Saga mude e talvez não. rsrsrs Mas é uma esperança, afinal, não é um legado dela, né? De qualquer forma, ela já matou gente pra caramba. kkkkkk
      O Rurik é outra história. O rancor é dele mesmo.
      Valeu, Naty! Legal que gostou!
      Um beijão pra ti!

  4. Feliz ano novo, que a vacina seja global e que consigamos vencer esse virus, estou amando as novas revelacoes,excelente, me faz desejar as tercas feiras??feliz 2021 para todas nos.

    • Oi, Lucy!
      Que legal vê-la por aqui. Como foi de festas, tudo bem? Espero que sim.
      Bom, demorei uma semaninha, mas retornei! Hoje tem mais.
      Obrigada pelo carinho, Lucy e um beijão pra você!

  5. Uau…

    Q cap., agora sim me caiu os butiás do bolso.
    Realmente me surpreendeu…

    Adorei,

    Carol, te desejo um final de ano tranquilo e que 2021
    venha com um frescor de saúde e acolhimento pra todos nós.

    • Como está, Nádia? Como passou de festas, espero que bem!
      É, esse capítulo foi para explicar parte do contexto no que diz respeito a Saga e Rurik. Vamos ver o restante.
      Um beijão pra ti e obrigada!

  6. Oiee’ Carol!
    Muito bom como sempre!
    Falarei pouco hj..
    Sempre acho incrível como às pessoas que querem vingança por algo que passou isolado generalizam. Um Freya comum mata a mãe de Saga e o pai acha que isso justifica sua fúria contra todos’ contra um sistema…diz que se fosse como antes n iria passar isso,pois sim, de Um Freyniano comum ou não. Sem falar que criam um sentimento nos outros,no caso, a filha’Saga…que é fácilmente manipulável’ como sempre são…questionou,mas luta por algo que nem dela era, alimentando a raiva..e o pai lembrando algo que n deveria tee feito’ mt egoísta e cruel..afinal, td o q tinha era ódio, nem wra mais pela mulher..
    DR Vred,outra dor sem sentido…fazem besteira e colocam a culpa em outro. Que culpa tinha Kara?! Talvez deixou ír longe demais, mas mesmo cortando antes, o problem foi pra onde o mandou e quearionou seu atos..arrogante e com um ego gigante n ia permitir q falassem nada..enfim!
    Espero q elw n pegie Kara,vai saber que medicamentos usará… e Saga, já sabemoa…aimda q seria interessante um resgate assim kkkk

    Desejo um 2021 mais agradável. Que passem o melhor que puderem..mais esperança, amo,saúde e possamos manter a calma diamte desses acontecimentos…da forma como cada uma possa enfrentar..
    Beijos de Luz pra todos!!

    • Oi, Lailicha!
      Como foi de festas? Espero que bem!
      Pois é, lailicha, as dores e amarguras de uma pessoa, normalmente vem alimentadas por outros ou por acontecimentos e como você disse, na maioria das vezes não justifica toda um mundo de revolta. Enfim… Seres humanos são complexos. rs
      Um beijão pra ti e espero que tenha começado bem o ano!

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