– VOVÓÓÓÓ – Gustavo entrou correndo na sala, chorando
– Sua avó está descansando enquanto o lanche não chega filho!! Posso saber que escândalo é esse??? – Pedro brigava com seu filho!
– Tio Pêêêê!! – Clara entrava, também correndo, atrás de Pedro
– Mas o que foi crianças?? Já falei que as avós de vocês…
Ignorando completamente o que Pedro falava, as crianças continuavam a falar juntas. Gustavo – filho de Pedro- tinha 8 anos. Clara – filha de Adriana – tinha 10.
Pedro não entendia nada que as crianças falavam e não conseguia fazê-los parar de falar. Foi quando Adriana entrou na sala e viu a cena, já falando:
– POSSO SABER O QUE ESTÁ ACONTECENDO AQUI?
As crianças gelaram. Inclusive Pedro. A irmã sabia ser assustadora quando queria. Clara já foi se explicando:
– Mãe, o Gustavo tá chorando só porque eu falei que aprendi na escola que as pessoas quando estão muito velhas morrem logo!
– Ela falou que as vovós vão morreeeer!! – Desabou a chorar de novo
Adriana e Pedro se olharam. Adriana tomou a palavra:
– Ué crianças, um dia elas vão morrer sim. Gustavo, você tinha que saber dessas coisas. Um dia todos nós vamos morrer.
O menino abriu o berreiro e Clarinha mostrou concordar com o ponto de vista da mãe. Pedro abraçou o filho e interviu:
– Vocês são muito insensíveis sabia? Não se fala esse tipo de coisa assim…
– Mas é a realidade meu irmão, você quer o que? Eu sou prática igual a mamãe Lex. Você que é sensível demais.
– Não é ser sensível, é ter o mínimo de jeito pra falar as coisas.
– Ahh!! Que nhenhenhem!! Eu hein.
As crianças assistiam a discussão. Gustavo já tinha até parado de chorar. Sabia que quando aqueles dois brigavam, era espetáculo para correr e fazer uma pipoca.
– Nhenhenhem?? Eu não sei como você se apaixonou com esse coração de pedra que tem!
– Antes isso do que ser um molenga.
– Vou te mostrar o molenga!
Pedro levantou e foi pra cima de Adriana. Alexia chegou na sala:
– É uma ilusão, ou meus dois filhos marmanjos estão prestes a cair na porrada? Os dois pararam instantaneamente. E Gustavo gritou:
– Vovó!!!! A senhora não morreu!!!!
O menino agarrou as pernas da agora, alta e velha senhora, que perguntou curiosa:
– E porque eu teria que estar morta, meu pequeno?
– Porque a Clara falou que você e a vovó Ju estavam mortas e enterradas, cortadas em pedaços dentro de sacos plásticos de supermercados.
Alexia olhou comicamente para o seu neto, enquanto Clara se defendeu:
– Não falei nada disso seu exagerado. Só falei que um dia elas iam morrer! Falei mentira vovó? Alexia, que já ria com a cena, falou:
– Não Clarinha. Você falou a verdade. E Gustavo, você é muito exagerado!
– Vovó, então a senhora vai morrer daqui a pouco? Uma outra voz integra a sala:
– Que bagunça é essa aqui? Eu estava dormindo, sonhando com tantas coisas boas, e vocês me acordaram. Despertaram a fera!!! – Juliana brincou com seus netos, imitando o rugido de um leão.
– Resumindo para você, meu amor. Clarinha falou pro Guto que nós vamos morrer um dia. Guto ficou desesperado e danou-se a chorar. E Pedro e Adriana estavam quase se porrando aqui na sala, por motivos que nem quero saber, pois provavelmente é alguma briguinha de egos deles.
– Mas vocês vão ficar velhos, e chatos hein! – Juliana reclamava dos filhos
– É a Adriana que é toda insensível. – Pedro se defendeu
– Você é um paspalho! – Adriana atacou verbalmente Pedro
– Olha garota eu… – Pedro ameaçou segurar o pescoço da irmã
– Ei!!! Eu jurava que as crianças da sala eram Clara e Gustavo. Resolvam seus problemas depois. – virou-se para as crianças – então Clarinha, por que você falou isso pro seu primo? – Perguntou Juliana
– Porque é a verdade vovó! Só que o Gustavo começou a chorar, e eu corri aqui pra dentro, porque achei que ia apanhar da mamãe. Queria explicar que não fiz por mal. É só a verdade, não é?
Juliana olhou para Alexia e sorriu em cumplicidade. Alexia disse:
– Venham vocês aqui no nosso quarto, queremos te mostrar uma coisa. – virou-se para os filhos – venham vocês dois chatinhos também. – Juliana deu as mãos para os netos
Nesse momento, Fábio e Laila entraram em casa, com os lanches gostosos e gordurosos que substituiriam o jantar aquela noite.
– Ah vocês chegaram, venham vocês também! – chamou Juliana
Fábio e Laila não entenderam nada, mas as seguiram.
———
Estavam todos sentados na cama das duas senhoras que por mais que a idade tivesse chegado, estavam bastante conservadas, e estas estavam de pé, próxima a uma janela que dava uma vista linda para a lua cheia que embelezava o céu naquela noite.
– Quero deixar uma coisa bem clara aqui… – Alexia começou com seu discurso autoritário
– Deixa que eu falo amor, eu tenho dom para essas coisas mais sensíveis… – Juliana abaixou a mão de Alexia que já apontava os dedos para todos
– Como é? Não, eu também posso fazer isso e…
– Lexy, por favor, deixe comigo está bem? – insistiu
– Se eu não vou falar, vou me sentar nessa poltrona ao seu lado. – sentou contrariada
Juliana continuou:
– Esse papo todo de que vamos morrer um dia, me deu vontade de contar uma história.
– Ai mamãe! Você e suas histórias. Nunca responde uma pergunta de forma direta.- O que parecia que seria uma reclamação, se transformou num elogio – Apesar de me acharem fria, eu amo tanto isso em você…
– Olha…ela tem um coração. Que bom né? Até o homem de lata tem um. – Pedro brincou
– Chato! – deu um tapinha em Pedro e sorriram cúmplices
– Fiquem quietos! Como eu falava: Crianças, é claro que eu e sua vovó Lex vamos morrer um dia. Esperamos que isso demore ainda, apesar de estarmos velhinhas, somos fortinhas.
– Então vocês não vão morrer daqui a pouco? – Perguntou Gustavo esperançoso
– Não. Claro que não. E nem podemos? Já pensou? Esses dois aí iriam brigar todos os dias – disse apontando com um movimento discreto com a cabeça para Adriana e Pedro. Teria pena de vocês dois e de Fábio e Laila.
Eles riram com a cara engraçada que Juliana fazia. Clarinha falou:
– Vovó…eu não quero que a senhora morra nunca. Só falei isso pro Gustavo, porque aprendi na escola que…
– Eu sei que não quer minha princesinha. Você é durona como a sua mãe. E Gustavo é sensível como o pai dele. São diferentes assim como eles, e como eu e Alexia. Mas se amam e querem nosso bem. Eu sei disso.
Clarinha pediu desculpas pra Gustavo e as crianças correram pra abraçar Juliana. Alexia reclamou:
– E eu não ganho abraço não? Só a vovó Ju que ganha? Não gostei…
Todos se divertem com o ciúme característico de Alexia e a abraçam também. Esta pede a palavra:
– Apesar da mãe e avó e sogra de vocês aqui presentes, acharem que eu sou insensível, também tenho uma história pra contar!
– Não acredito? Você? Que milagre é esse? Meninos, se isso está acontecendo, eu posso ser eterna. Comemorem!! – Juliana brincou
– Com o tempo você aprendeu direitinho o meu sarcasmo hein.
– E você pelo visto aprendeu a contar histórias…eu acho. – Riram
– Posso então? Sente-se ali por favor e assista o show dessa velha senhora que ainda está enxuta e muito bonita.
Todos já haviam esquecido do lanche. Ficar com elas era sempre engraçado e agradável. Era possível sentir o amor em todas as formas emanando daquele lugar. Alexia começou:
– Um dia crianças, todos nós vamos morrer. Mas não é isso não significa que não vamos mais estar com vocês. Todos prestavam atenção.
– Clara, Gustavo, venham aqui pertinho… Eles rapidamente foram, Alexia continuou:
– Vocês estão vendo aquela estrela ali, super brilhante, perto do cruzeiro do sul?
– Ahhh, esse é aquele negócio que você ensinou pra gente quando fomos pescar aquele dia de noite, vovó Ju?
– Esse mesmo Clarinha… – respondeu Juliana sorrindo
– Irado!!! – as crianças disseram uníssonos
– Voltando a atenção pra cá crianças…então…localizaram a estrela?
– Sim! – responderam uníssonas
– Então, na verdade, ali existem duas estrelas, que estão tão perto uma da outra e brilham tão fortes, que parecem uma só.
– Que maneiro vovó!!! Como a senhora sabe disso?? Gustavo perguntou
– Ela é velha Guto, os velhos sabem de tudo! – Clara e suas espontaneidades
– CLARA!!! – Foi repreendida por Adriana
Todos se divertiam muito com a irreverência de Clara, apesar de saberem que aquilo poderia lhes trazer piores vergonhas futuras.
– Que foi mamãe? – perguntou sem entender o porque da bronca
– Ela não falou nenhuma mentira Adriana. Mas olhe, tome cuidado com essa linguinha. Ser inconveniente é muito feio.
– Desculpe vovó…
– Não peça desculpas. Enfim, você me perguntou como sei disso?
– Sim!
– Há muitos anos atrás, a vovó Ju me fez uma surpresa, antes da gente casar, e registrou aquelas duas estrelas, com nossos nomes.
– Que lindo vovó! – Disse Gustavo
– Eu sei, foi uma sacada e tanto. – Juliana se vangloriava piscando o olho para o neto
– Foi mesmo….- pensou Alexia – Meu amor, vem aqui . – pediu a Juliana e virou-se para as crianças – sentem ali novamente. Assim fizeram. Alexia continuou:
– Então, para todos vocês que estão aqui… mesmo quando nós morrermos, e não pudermos estar aqui, para ensinar vocês a pescar, a tocar violão, contar histórias e torcer pelo Botafogo, o que sempre deixei total a cargo de Juliana essa última parte, basta vocês olharem para essas estrelas no céu.
Alexia segurou a mão de Juliana e continuou:
– Quando eu conheci essa loirinha que está aqui ao meu lado, na época em que ela não parecia um maracujá – recebeu um tapa de Juliana no ombro – mas que ainda tem um braço forte para me bater, sabia que ela era a mulher da minha vida, mas não imaginava que construiríamos uma família tão linda. Hoje somos mãe, avós, sogras e felizes. Não há mais nada no mundo que queiramos. Estamos cheias de amor, e é esse amor, que estará sempre nos corações de vocês. Sempre estaremos com vocês, nós e o nosso amor.
Alexia fez uma tímida reverência teatral indicando o final da história. As crianças aplaudiam efusivamente, enquanto os adultos se mostravam emocionados. Todos eles abraçaram longamente Juliana e Alexia e as cobriram de beijos. E em seguida foram para o lanche-jantar, menos Alexia e Juliana que ainda estavam abraçadas, sentadas no sofá do quarto delas. Alexia virou e perguntou para Juliana:
– E então amor, o que achou? Gostou da história? Daria um livro né?
– É verdade. Mas não sei se algum maluco ou alguma maluca toparia escrever nossa história.
– Por que não? Eu tenho até um título para ela!
– Ah é?? E qual seria? – pergunto curiosa
– Eternizado Pelas Estrelas… o que acha? – diz orgulhosa
Juliana olha ternamente para Alexia, a beija rapidamente nos lábios e responde cheia de carinho:
– Brega amor. Muito brega! –
– Ah não Juliana! De novo nãão!!!!!
E riram da mesma forma como sempre riram. E conversaram como sempre conversaram. E viveram como sempre quiseram viver desde que se encontraram: Juntas.
E a história de amor daquela duas de fato foi eterna, transcendeu o bem e o mal, a vida e a morte, e perdurou durante muitas gerações, inspirando novos casais apaixonados, e novos amores eternos.
FIM
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