14 anos depois …
– Mandou me chamar?
– Sim Daniel, sente-se.
E assim o fez, levando a boca a xícara de café disposta a mesa.
– E então, qual é a boa além de você?
Alexandra não conseguiu deixar de rir:
– Você sempre com essas tiradas sacanas! Não muda nunca!
– É brincadeira Alex. Você nunca me deu bola na faculdade! E olha que eu saia do prédio de Direito todos os dias pro de Medicina só pra te ver!
– Eu já era uma mulher casada, você queria o que?
– Com um traste desse, era melhor que fosse solteira…
Riram em cumplicidade
– Fale baixo meu amigo, que as paredes e os empregados tem ouvidos. E Eduardo confia em você …
– E não teria o por que não confiar. Sou advogado dessa família e faço bem meu trabalho, não é verdade?
– Sim, claro. E é sobre esse traste e seu trabalho que te chamei aqui durante a viagem dele pra Manaus…
– Pois diga! Finalmente decidiu se divorciar?
– Você sabe que não posso fazer isso.
– É eu sei…
– Enfim. Eu te chamei aqui pra fazer meu testamento…
– Pare com essas ideias mulher! Você vai ficar boa…
– Daniel, não seja tolo. Eu sou médica, e sei muito bem das minhas chances. O que mais me dói o coração é saber que vou deixar Alexia com esse miserável!
– Você não vai deixar ninguém! Pensamento positivo!
– Não quero discutir minha situação médica com você. Quero fazer meu testamento.
– Tudo bem então, como quiser. Hoje eu sou o Dr. Daniel então.
– Exato. Pois bem, como você sabe, a maior parte de minha fortuna é de Alexia, que ela irá receber quando fizer 18 anos, daqui há pouco mais de 2 anos. Não adianta reclamar, mas eu sei que não passo de mais alguns meses, e também sei que a primeira coisa que Eduardo vai fazer é dar um jeito de roubar esse dinheiro da minha menina.
– Mas legalmente ele não tem direito, visto que ela sendo maior de idade tem direito a…
– Eduardo já cansou de burlar o “legal”! Não seja ingênuo Daniel. E além do mais, eu sei que minha filha é uma desmiolada. E você sabe disso. Ela vai pegar esse dinheiro e torrar com as coisas mais inúteis possíveis. Vai sair daqui mundo a fora, com o violão numa mão e uma sacola de roupas na outra. Eu quero que a minha filha tenha um futuro. E infelizmente Eduardo é o único que consegue controlar Alexia. Ela tem medo dele.
– E o que quer fazer?
– Daniel, você já ouviu a história da família dos pássaros?
– Desculpe, não entendi…
– Bom, é a seguinte. Quando um passarinho nasce, a mamãe passarinho faz tudo por ele, até mastigar a comida pra ele, ela faz. Mas chega determinado momento, que ela vê que o filho precisa evoluir, precisa crescer…precisa aprender a sobreviver. E pra isso ela sabe que ele precisa aprender a voar. Mas como ensina tal coisa?
– Ela empurra ele do ninho, não é?
– Exatamente! Ela empurra ele do ninho e ele é obrigado a voar, se não quiser morrer.
– E o que essa metáfora toda significa?
– Que pra minha filha ser uma mulher de verdade, eu infelizmente terei que empurrar ela pro Eduardo. Faço questão que ela se forme. Ele é o único que pode fazer isso.
– E por que você acha que ele teria interesse no futuro de Alexia, se ele só sabe maltratar a menina?
– Simples. Você vai elaborar dois testamentos meus. Um, quando eu morrer. E um pra quando Alexia se formar.
– E o que faremos com eles?
– O primeiro dirá que Alexia só receberá sua parte da herança, incluindo 51% das ações da empresa, quanto tiver um diploma de graduação universitária, com todos os comprovantes necessários de que ela realmente estudou, pra evitar uma fraude. E até lá, ele será o gestor das finanças dela.
– Continuo sem entender o benefício dele nisso…
– Eu tenho dois bilhões de dólares investidos em jóias no banco, que já fiz questão de passar pro nome de Alexia. É maior do que toda minha fortuna. Meus pais juntaram e guardaram esse dinheiro em caso de um dia a empresa falir, nós não fiquemos na miséria.
– Miséria? Vocês vão viver tão bem quanto hoje. Ou até melhor…
– Eu sei. Pois então, desde o dia que eu cometi a burrice de contar isso pra Eduardo, quando eu achava que ele era a melhor pessoa do mundo, ele ficou de olho nessas jóias. E no nosso contrato de casamento, era o único bem não incluído. O único não partilhado. Caso Alexia conclua uma universidade e não seja maltratada nesse período, coisa que você será encarregado de vigiar, e for comprovado que ele fez o uso correto do dinheiro dela, ajudando a aumentar o montante, os três bilhões são dele, porém todo o resto passa a ser de Alexia.
– Continue…
– Assim que ela concluir a faculdade, gostaria que antes dele se apossar das jóias, você abrisse o segundo testamento, que anularia o primeiro, revogando os direitos dele como pai de Alexia, visto que ele não é o pai biológico, o que será um presente pra minha menina. Melhor ter um pai desconhecido que um canalha. E dando plenos direitos a minha filha de todos os meus bens, a sua herança e as jóias. Quero que ele fique na miséria. Quero que venha a público uma carta que vou escrever de próprio punho, e que só deve ser aberta no dia que todas essas coisas acontecerem. Nem você poderá lê-la até lá…
Daniel parecia meio chocado com tudo o que acabara de ouvir. Achava a ideia louca, porém inteligente:
– E quem te garante que até lá Alexia vai ser mais ajuizada?
– Já ouviu falar em pressentimento de mãe? Acredite em mim, Alexia vai se transformada numa pessoa melhor do que é hoje.
– Pelo Eduardo?
– Não Daniel, pelo amor. É o que motiva a gente a melhorar e se superar sempre!
– E por que você acha que ela encontrará tal amor?
– Eu simplesmente… sei!
Daniel respirou fundo, e tentou seu ultimo argumento, já se rendendo:
– Você sabe que existem coisas aí que não são exatamente legais. Vou ter que rebolar muito pra conseguir que isso tudo seja feito.
– Use meu dinheiro pra isso. Afinal, o dinheiro não compra quase tudo? Use todos os seus artifícios…
– Mas você nunca gostou de negócios obscuros Alexandra.
– Quando a vida da minha filha, e o sofrimento de um filho da mãe como esse está em jogo, perdemos um pouco de nossas ideologias.
– Será como quiser minha amiga. Farei o possível para que isso seja realizado.
– Faça o impossível.
– Eu não entendo, por que simplesmente não se divorcia dele, fala que ele não é o pai da Alexia. Não precisa dessa trama toda que parece enredo de novela das 21h do Gilberto Braga.
– Um dia você entenderá, apenas faça o que eu pedi, tudo bem?
– Suas ordens, minhas mãos!
-Ótimo!
– Mas você não vai morrer agora, então nem vamos precisar fazer isso tudo! Você vai ver…
– Venha cá meu amigo, e me dê um abraço.
Abraçaram-se, eram melhores amigos e cúmplices. Não havia ninguém no mundo que Alexandra confiasse mais que Daniel.
——-
Voltando aos dias atuais ….
Alexia estava petrificada na cadeira. De fato, era muita informação para uma noite. Já era madrugada quando Daniel acabara de contar toda a história. Oliveira, já havia toda a sua roupa tomada por suor. Esperava uma explosão de Alexia que poderia se comparar ao Big Bang.
A morena abaixou a cabeça, respirou fundo, e se levantou. Deixando todos na sala de delegacia sem dizer uma palavra. Oliveira ameaçou segui-la, mas ela o olhou de uma forma que ele entendeu perfeitamente que ela queria ficar sozinha. E assim saiu em seu carro, em meio a alguns repórteres insistentes na porta da delegacia, e nem se preocupou em procurar Juliana naquele momento, pela primeira vez, ela parecia desligada do mundo.
O sol começava a timidamente anunciar a chegada da manhã, e Alexia que andava há algum tempo nas areias da praia do Leblon, começou a se despir sem pudor nenhum e vagarosamente caminhou em direção a água. Descontou tudo o que sentia em braçadas largas na água salgada. Voltou, colocou sua roupa novamente, não podendo evitar o olhar de alguns surfistas que já apareciam na praia. Entrou em seu carro, e decidiu o que iria fazer.
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