Quando o papo sobre o seriado começou, já sabia aonde aquilo iria terminar. Carlos, na boa intenção, acabou forçando uma situação que estávamos fugindo. Mas no final das contas, foi bom. Se não fosse daquele jeito não sei quando teríamos coragem para contar.
Depois que Juliana revelou para os pais a nossa relação a coisa ficou feia na casa. Judith fez menção que poderia desmaiar. Juliana tentou acudir a mãe, mas foi interceptada por seu pai, que disse que ela não ajudaria em nada, pois aquilo tudo era culpa dela.
Enquanto isso eu me preocupava em acalmar Carlos. Ele imaginou que seus pais não reagiriam da melhor forma, mas jamais cogitou a possibilidade deles terem aqueles pensamentos tão preconceituosos. Mas percebeu que não conseguiria ajudar, no estado de nervos que estava e se acalmou.
Eu não me aguentava mais. Sou estourada desde sempre e estava tendo um autocontrole absurdo. Respirava lenta e profundamente a cada ofensa, agora dirigidas a mim também.
Mas minha paciência cessou no momento que uma bofetada atingiu o rosto de Juliana pelas mãos de Judith. Saí de mim, fui pra cima de Judith e tive uma enorme vontade de lhe dar um tapa no rosto, mas apenas a afastei da filha.
Gritei com todo meu pulmão que eu a amava, e que a faria feliz. Que seria melhor que eles pensassem direito e aceitassem. Que já tínhamos o resto do mundo pra nos julgar, e que não precisávamos que eles fizessem isso. Os dois se recolheram para o quarto, sem dizer mais nenhuma palavra. Juliana estava sentada no sofá, com as mãos no rosto, chorando muito. Carlos agora era quem a acudia. Fiquei sem ação. Sentei ao seu lado e consegui apenas passar o braço por trás dela. Por um momento pensei na reação que meu pai teria. Talvez ele não fosse ligar, como não ligou para o fato de eu não passar as férias em casa, ou usaria isso para me maltratar mais ainda, me humilhar, e reforçar o argumento de que nunca fui a filha que ele quis ter.
Esses pensamentos se perderam no momento em que Juliana se jogou no meu colo, ainda chorando, pedindo para que eu nunca a abandonasse. Minha vontade foi de chorar junto com ela. Não aguentava vê-la daquele jeito, estava doendo igualmente em mim. Mas ela precisava de um porto seguro naquele momento. E eu a daria toda segurança necessária. Carlos nos deixou por um momento sozinhas. Conversamos e fazemos promessas de nunca abandonar uma a outra, juras de amor eterno.
E decidimos que não poderíamos continuar ali. Tínhamos que sair daquela casa, não eramos mais bem vindas.
Ligamos para Mary, perguntando se poderíamos passar o resto das férias na casa dela. E que depois explicaríamos o motivo. Ela claramente preocupada, colocou a casa a nossa disposição.
Arrumamos nossas coisas rapidamente e pedimos que Carlos nos levasse até lá.
Contamos tudo a Mary, que ficou completamente horrorizada com tudo. Disse que poderíamos ficar lá o tempo que quisesse, pois o apartamento era grande, o pai dela pouco ficava em casa e o irmão tinha comprado um apartamento só pra ele.
Pediu a Carlos que fosse com ela ao mercado, pois abastecia a geladeira. Fiz questão de pagar as compras, mas minha oferta foi rapidamente rejeitada. E assim eles saíram para as compras, enquanto eu e Alexia aproveitamos para dormir um pouco. Estávamos emocionalmente exaustas.
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– Achei! Esse biscoito aqui Juliana adora! – disse Carlos, enquanto ajudava Mary com as compras.
– Eu sei! Lá em Portugal ela saía catando ele nos mercados, mas era difícil de achar. Carlos para de empurrar o carrinho e olha pra Mary:
– Olha Mary, muito obrigada por tudo o que você tá fazendo pela minha irmã e pela minha cunhada. Não tenho ideia de como te agradecer um dia.
– Então não agradeça. Juliana sempre foi uma boa amiga pra mim. E Alexia, por mais que tivéssemos nossos estranhamentos, é uma ótima pessoa. Tudo bem que ela já me deixou pelada na porta do dormitório – riu – já soube dessa história?
Carlos riu junto com Mary:
– Já sim! Alexia não é fácil. Mas Juliana me disse que ela mudou muito.
– Não acredito que tenha mudado, só está sendo que ela sempre foi, por trás daquele muro de auto-proteção que existia em torno dela.
– Isso quer dizer que ela pode vir a ter deixar pelada na porta de casa de novo? – sorriu maliciosamente
Mary corou. Carlos fez questão de se retratar:
– Calma Mary, é só uma brincadeira. – riu – se eu te colocar perto daquele balcão ali você se confunde com os tomates.
– Odeio minhas reações corporais! Não posso nem ficar sem graça ou envergonhada, que ele me denuncia – sorriu
Ouve um breve silêncio que foi logo interrompido pelo celular de Carlos.
– Alô? Oi Luciana! O que mandas?
Mary fechou um pouco o cenho. Ela era claramente interessada em Carlos, e mesmo ele falando para todos que Luciana era como uma irmã, ela ficava enciumada. Carlos se afastou um pouco para falar no celular, enquanto Mary escolhia outros biscoitos para levar para as meninas. Quando voltou, ele estava visivelmente preocupado. Ela não se agüentou e teve que perguntar o que tinha acontecido:
– Que cara é essa? Algum problema?
– Era Luciana. Ela nunca me escuta. Se preocupa demais com o marido – Mary sorriu disfarçadamente, feliz pela tal Luciana ser casada – e com a filha. E acaba não se cuidando direito. Me ligou pra avisar que está no hospital, fazendo um tratamento de urgência. Ela tem que tomar os coquetéis nos horários certos. Sempre esquece, por conta de uma poeira no tapete, ou um nariz escorrendo do filho.
– Entendi. Mas, ela corre risco?
– Nós sempre corremos riscos Mary. Tanto quando todos. Tem gente que não é soropositivo e morre atropelada, assassinada, engasgada com biscoito, e de outras formas. Mas não é por isso que não nos devemos nos cuidar mais que os outros. E o pior, eu nem posso vê-la, pois hospital é um lugar perigoso pra mim.
– Claro. Adoro perguntas indiscretas – sorriu
– O filho da Luciana e o Marido, tem HIV?
– Não. Luciana contraiu HIV através de uma transfusão de sangue que precisou receber depois de um acidente de carro que sofreu. O banco de sangue cometeu uma falha daquelas e deixou passar o sangue soropositivo. Eles ganharam um bom dinheiro com o processo que abriram, mas infelizmente, a doença não foi embora com isso.
– Eu entendi. Nossa, mas isso é muito triste. Qualquer coisa, que precisarem, estou aqui! – Mary disse segurando a mão de Carlos.
– Você não existe Mary. Muito obrigada por tudo. Você é um anjinho nas nossas vidas!
– Eu amo Juliana, e adoro todos vocês. Faria muito mais se pudesse. – segurou novamente a mão de Carlos.
Carlos sentiu uma enorme vontade de beijar Mary ali mesmo, no super mercado. Mas tinha medo de ser rejeitado, afinal, ela sabia que ele era soropositivo, e isso complicava tudo.
Enquanto isso, Mary sentiu o clima do momento e esperou por Carlos tomar a atitude de beijá-la, mas frustrou-se quando o rapaz apenas a abraçou e continuaram com as compras.