Eu nunca gostava das férias. Depois que você passa um ano e meio fora de casa, aprende que tem coisas que você nunca sente falta. Uma delas é meu pai. É um homem arbitrário, arrogante. Infelizmente puxei alguns defeitos dele, mas eu jamais faria com uma filha ou filho o que ele faz comigo.
Foi um mês de muitas discussões. Nossa relação era basicamente essa. Ele me cobrava uma postura adulta, afinal segundo ele, eu já estava velha demais para ser inconsequente.
Eu ser inconsequente significava simplesmente sempre ter lutado para fazer o que eu realmente amo.
De fato, eu já estava “velha”. Em quatro anos eu faria 30, com uma vida completamente irregular e insegura. Passei por três faculdades: Geografia, Engenharia e Administração. Abandonei todos os cursos. Odiei todos! Resolvi fazer Jornalismo, e quando eu comecei a criar o rumo das outras três, meu pai me mandou para o exterior. Eu nunca quis nada disso. Pode parecer irônico para uma pessoa com a minha fama de durona, mas minha vocação é a Música.
Amo compor, amo cantar e toco cinco instrumentos: Violão, Guitarra, Baixo, Piano e Bateria. Sempre quis estudar música, me profissionalizar, mas meu pai sempre me tolheu, falando que isso era coisa de “vagabundo”. Na verdade, meu pai sempre me impediu de fazer tudo o que eu mais gostava. E sempre foi muito ausente. O que piorou depois que minha mãe morreu.
Quando minha mãe era viva, ele se controlava mais, porém, a perdemos para o câncer quando eu tinha 15. A partir daí ele simplesmente virou o monstro que é. Me batia muito. Aplicava uns castigos sem fundamentos. Sempre foi um monstro.
Somos de uma Família Tradicional de Vitória, temos muito dinheiro e posses. Mas se repete a velha história da “pobre menina rica”. Ao mesmo tempo, confesso que sou uma mulher acomodada. Eu tinha que ter tomado vergonha na cara e saído de casa cedo.
Pelo menos, agora, eu tinha um motivo para aguentar aquilo tudo, e pra mudar a minha vida. Era viver cada dia como se fosse menos um, pra encontrar a dona dos meus sorrisos.
Pensava em Juliana todos os dias. Falava com ela por telefone, quando eu tinha paz e privacidade em casa, e sempre reforçávamos as saudades. Lembrava dos beijos, das sapecagens que ela faz às vezes e a forma como sempre me surpreende. Foi o que me fez aguentar aquele mês.
Mas aquele mês, me trouxe uma coisa boa. Eu realmente percebi que meu sentimento por Juliana já ultrapassava as barreias de uma simples paixão. Eu a amava. E como a amava!!
E precisava mostrar pra ela o quanto. E mostrei.
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Despedir-me de Alexia foi algo muito difícil. Eu queria passar cada segundo do meu tempo com ela. Mas, eu precisava da minha família. E ela também precisava de mim. Afinal, família é o bem mais precioso que podemos ter.
Apesar da saudade, meus dias foram ótimos. Falava com Alexia, sempre que o pai chato dela não estava por perto. Ela me contava o quanto estava sendo difícil ficar lá. Mas mantive minha promessa que nas férias de final de ano, ela iria lá para casa.
Minha mãe fez as melhores comidas que sabia. Insistia que eu estava magra demais, que eu não comia direito na faculdade, e que eu iria ficar doente.
Meu Pai, apesar de passar o dia trabalhando, sempre que chegava me dava beijo de boa noite trazendo duas canecas de chocolate quente, tradição desde pequena.
E Carlos, estava bem. Sua doença estava controlada. Teve algumas complicações por conta de uma gripe, mas nada muito grave. Fazia parte de uma ONG que ajuda os portadores do vírus HIV a lidarem com a sua doença, e se aceitarem do jeito que são. Roberta ainda o procurara algumas vezes, mas ele fez questão de não corresponder a nenhuma tentativa de contato.
Eu cuidava dele, zelava por ele, sempre. Era meu irmão, e eu fazia tudo por ele sempre.
Mas algo me incomodava. Eu me sentia mentindo, enganando, traindo aquela família que me dava tanto amor. Eu escondia meu relacionamento, e não fazia ideia da reação que eles teriam. Resolvi contar apenas pro Carlos, por enquanto, que sempre fora meu confidente.
Ele não se surpreendeu. Disse que só pelas coisas que eu falava com ele, pela forma que pronunciava o nome dela e pelo olhar que demos na despedida no aeroporto, ele já desconfiava. Mas esperou eu contar. Encorajou-me, falando que eu não era menos mulher por conta disso, e que a única coisa que ele não aceitaria, é que eu não fosse feliz. E ainda findou o assunto com “É mana, ela é gostosa”! Rimos da conclusão dele e lhe dei um tapa, fingindo ciúme.
Os dias voaram, e com o tempo, a saudade, as lembranças, só me fizeram perceber que não tinha mais sentido eu e Alexia não namorarmos. Vivíamos um namoro, mas, tinha medo que ela não achasse que estávamos tão sério, achava que ela precisava daquele rótulo. Por isso eu havia decidido propor um namoro, assim que voltássemos para Portugal.
E as férias chegaram ao seu fim.