— Sei que você gosta de mim, Tétis, mas sua cara não tá enganando muito. Quem te mandou vir aqui? Minha mãe ou Arítes?
Ela olhou para mim, relaxou os ombros e sorriu mais aberto, enquanto se debruçava na mureta da varanda ao meu lado. Ficamos as três apoiadas, olhando, por instantes, a praça.
— As duas. – Ela respondeu gargalhando. – O que está acontecendo? As duas estão com cara de desespero. O que está aprontando, Tália?
— Ignorando elas. Dessa vez, foram elas que aprontaram comigo. Foram longe demais. Só não posso falar o que foi.
— Tudo bem. Eu acredito em você.
— Acredita? – Perguntei espantada.
— Pela forma que elas estão agindo em relação a você e pela forma que eu vi como as tratou com indiferença, não tenho dúvidas. — Ela sorriu de lado, tomando um pouco do vinho que estava em seu cálice. – Só nunca imaginei um dia ver a comandante Êlia e a general Arítes tão inseguras. Foi divertido.
Nós três gargalhamos.
— Para, Tétis! Também não quero que as pessoas percebam isso. Eu estou chateada com algumas ações delas. Só quero que elas parem de fazer determinadas coisas.
— Tudo bem, mas daqui a pouco, se não entrarem, vai acontecer um assassinato. Arítes está surtando de ciúme. Toma cuidado, Eileen!
A coronel apontou para Eileen, com a mão que segurava a taça, e sorriu de lado.
— Ei, não tenho nada com isso!
— Ela que se atreva. – Falei fechando o cenho.
–Ih! Acho que a coisa tá feia, então. – Debochou Tétis. – Relaxa, Tália. Não acho que virão aqui, mas acho que ela vai te vigiar a tarde toda. – Riu.
Suspirei me calando por alguns segundos.
— Tudo bem, vou entrar para o salão, mas depois vou sair discretamente. Não estou com ânimo para continuar nessa recepção. O almoço já acabou, o baile começou e o protocolo já foi cumprido. Não estou conseguindo me divertir mesmo.
— Eu que não vou embora. Adoro dançar. Vou procurar alguém para me acompanhar. – Eileen falou enquanto caminhava de volta ao salão.
— Vou entrar também, Tália.
— Vai lá. Eu vou retornar pela porta do canto e já tomo o rumo da saída do salão.
****
— Eileen voltou. – Cochichou Arítes.
— E Tália está saindo pela porta do canto para o corredor. – Minha mãe replicou.
As duas confabulavam sobre as minhas ações. Observavam tudo, como se estivessem espionando.
— Vocês duas tem que se entender. Vou procurar Tália. Ela vai ter que me escutar, ainda mais agora.
— Ainda mais agora, por quê?
— Ora, porque…. Agora que se declararam, vão se desentender por besteira? — Minha mãe tomou um grande gole de vinho. – Ah, o que eu estou fazendo? – Esfregou os olhos. — Estamos metidas nessa confusão com Tália por omitir coisas. – Virou-se para Arítes. – Antes de sair de Tir, a Senhora das Águas me contou uma coisa…
Arítes olhava para a comandante sem entender nada do que ela falava.
— Olha, Arítes, não é para ficar nervosa, só…
Ela deu uma pausa. Não sabia como falar.
— Por favor, comandante, está me assustando. Serbes não morreu? Natust vai voltar com seu exército?
— Não é nada disso! – Falou desconcertada. – Vem. Eu não posso falar aqui.
Puxou Arítes pelo braço, saindo do salão. Abriu a primeira porta que encontrou. Quando entraram, ela fechou atrás de si. Era a biblioteca particular real.
— Olha, você tem que arrumar um jeito de se acertar com Tália. Eu vou procura-la hoje. Vou tentar saber por que ela está tão chateada comigo e por que está agindo assim, e vou contar a ela, a mesma coisa que vou te falar agora. A Senhora das Águas me pediu para prepara-las primeiro, mas….
— Fale logo, Êlia. Pelo amor da Divina Graça, está me deixando nervosa!
— Não é nada demais, é uma coisa boa, só é… Ah! Vai lá. Uma de vocês está grávida, e não foi nenhuma escapulida de ninguém. A filha é de vocês duas, mesmo.
Minha mãe viu o corpo de Arítes amolecer diante de si. Amparou-a para que não caísse no chão e a arrastou até um pequeno divã que se encontrava num canto. Pediu um guarda para que chamasse Tétis. Deixou minha namorada aos cuidados dela, enquanto ia a meu encontro.
Ela bateu na minha porta e quando abri, vi uma grande preocupação em seus olhos. Deixei-a entrar. Não estava com disposição para essa discussão, mas em algum momento esta conversa teria que acontecer. Pelo olhar desesperado de minha mãe, acreditava que ela tinha entendido bem o meu recado. Questionou-me porque estava agindo assim, contei sobre a conversa com a “Senhora das Águas”, na noite anterior, após ela ter saído de meu quarto. Ela se desculpou. Contou a história dela, e as questões que envolveram para que não me falasse nada. Pediu mais desculpas. Falei que não era o caso relacionado a Chad e sim, a atitude dela ao longo de toda a minha vida. Discutimos de novo. Ela prometeu não esconder mais nada de mim e disse que, já que deveria ser sincera em tudo, me daria uma notícia. Eu desmaiei.
Acordei em minha cama, com Arítes segurando minha mão. Olhei ao redor e, que ironia! Vi a mesma cena que durante estes dois longos meses, circundou nossas vidas. Estávamos apenas eu, Arítes e minha mãe no quarto, por mais uma questão que permeava nossas vidas. Minha mãe estava de pé, de costas para nós, olhando para o jardim.
— Por favor, Tália, não me expulsa. Faço o que você quiser. Falo tudo de mim, mas não me coloca para fora do quarto.
Ela falava desesperadamente, enquanto acariciava minha mão, sentada na cama ao meu lado.
— Arítes, depois a gente conversa sobre isso. Não consigo nem pensar direito. Me dá um beijo…
Ela me beijou. Me ajeitei no travesseiro e minha mãe ainda olhava através do portal.
— Mãe!
Ela se voltou com um olhar risonho. Não sorria realmente. Eram seus olhos que estavam brilhantes.
— Vocês conseguem imaginar a vergonha que foi acordar nos braços da Senhora das Águas quando ela me contou?
— Você desmaiou?
— E vocês duas, não? Imagina se algum dia eu poderia pensar que tivesse uma neta gerada por vocês duas! Pensei que vocês pudessem adotar, ou fazer um acordo com algum amigo, ou sei lá…. Viajarem para algum lugar distante, para que uma das duas escolhessem um homem para gerar o filho de vocês. Mas isso?
— Quem de nós está grávida? Ela falou?
— Não. Só falou que uma de vocês engravidou quando fizeram amor e a “Espada Macha” estava junto a vocês.
Lembrei-me imediatamente.
— Pela Divina Graça! Só tem três ou quatro dias… – Sussurrei.
— Talvez por isso, não saibam quem de vocês está gestando. Ela disse que uma instabilidade aconteceu uns dias atrás e que uma grande energia emanava da espada. As senhoras se juntaram para sondar, preocupadas com essa atividade. Tir estava caindo em sombras e temeram que Serbes tivesse se apossado da espada. Perceberam a concentração próxima a Eras, mas era uma energia boa, de criação. Um tempo mais tarde, sentiram um novo núcleo de vida. Quando Miray e Tuli retornaram, confirmaram que vocês estiveram… ah… Juntas, lá no rancho.
— Odeio quando as pessoas prestam atenção na gente fazendo amor! – Falei aborrecida.
— Desculpa, Tália, mas a minha casa do rancho não é tão grande assim, para barulhos não serem escutados, através das paredes. Sinto muito.
Enquanto eu fechava a cara, minha mãe sorria.
— Então a coisa foi boa, mesmo.
— Mãe, para!
Minha mãe riu, mas dava para perceber que ela estava muito feliz e apesar do susto, eu também. Passei a minha mão sobre meu ventre que foi enlaçada pela mão de Arítes. Sorrimos felizes. Ela me beijou e uma lágrima escorreu de meu olho.
— Vão querer casar antes ou depois do nascimento?
— Antes! – Falamos juntas.
— Então assim que Astor chegar, conversamos com ele e marcamos a data. Ele vai surtar e não tiro a razão dele. Há alguns dias ele ainda se encontrava enfeitiçado, a filha dele passou para a patente mais alta do exército, a guerra explodiu. Depois soube que Arítes era a “Protetora” em meio a uma batalha com nossos soldados enfeitiçados por Serbes, porque foi quando consegui falar com ele. Quase morreu e agora terá uma neta gerada por sua filha e outra mulher. Pela Deusa! Se eu não tivesse certeza que esse homem me amasse tanto, estaria caindo de medo de uma separação.
Ficamos mudas diante das palavras de minha mãe. Conhecia bem meu pai. Ele era um homem calmo e centrado, mas quando surtava, só minha mãe para segurá-lo. O problema é que a minha mãe estava metida até o ultimo fio de cabelo em tudo isso. Não queria nem imaginar o que ela faria para acalmá-lo.
— Eu quero logo!
Falei quase como se estivesse fazendo pirraça, na perspectiva de meu pai encrencar.
****
Vinte e cinco dias depois estávamos às voltas com nossas roupas para o casamento. Fiz questão de casar com a roupa oficial do exército para cerimônias sagradas. Custei muito a conquistar meu espaço e não queria ceder. Minha mãe casara de vestido, mas a escalada dela no exército havia sido natural. A minha tinha sido uma conquista pessoal e, para Eras, foi uma necessidade. Não sabia como Arítes casaria. Ela não quis me contar.
Minha mãe estava na sala do comando, montando a segurança do dia do casamento.
— Galian, você não poderá averiguar o perímetro. Estará entre os convidados de honra.
— Êlia, me desculpe, mas se depender de você, todo o exército se espremerá como mágica no salão entre os convidados de honra.
Minha mãe sorriu fraco, diante da reprimenda do general. Ele tinha razão. A felicidade dela era tanta, que não conseguia pensar nas consequências de desfalcar o comando naquele dia, para que partilhassem a sua felicidade.
— Desisto. Você tem razão. Há poucos dias estávamos em guerra e é sabido em toda Tejor sobre o casamento de Tália.
— Deixe conosco, Êlia. Saboreie esse momento com sua filha. – Falou Gwinter.
— E Arítes? Não a vi ontem e hoje ainda não apareceu por aqui.
— Esteve aqui, hoje, mais cedo. Estava pálida como um papiro. Você, por acaso, colocou uma espada no peito dela para que casasse com sua filha?
Gwinter falou gargalhando da própria piada. A comandante o olhou também sorrindo.
— Vou deixá-los. Realmente não tenho condições de montar a segurança. Vou tratar de ser rainha e mãe das noivas.
— Você tem que se orgulhar mesmo, Êlia. Essas duas são mulheres maravilhosas e você foi, na maior parte, responsável por isso. Ravine e Julian com certeza estão radiantes no “paraíso Velhedes” ao verem o que a filha deles é hoje.
Gwinter não sabia o quanto as palavras dele acariciaram o coração da comandante. O sorriso se abriu, largo, nos lábios de minha mãe, como há muito tempo não acontecia. Despediu-se e tomou rumo ao interior do castelo. Subiu as escadas que levavam a ala dos quartos dos guardas pessoais, apressada. Chegou ao destino que havia traçado em sua mente. Bateu à porta.
— Arítes. Está aí?
Bateu mais duas vezes, até que a porta fosse aberta.
— Êlia, algum problema?
— Você está bem?
— Sim, estou.
A comandante entrou no quarto. Olhou em volta e viu apenas uma cama de casal.
— Tétis não está mais aqui com você?
— Não. Os oficiais não estão mais aquartelados. Ela voltou a morar na casa dos pais. Acho que ainda estou aqui, porque foi meu quarto a vida toda. Bom, pelo menos depois que me tornei a guarda pessoal de Tália. – Sorriu nostálgica.
— Em breve você estará em outro quarto. – A comandante devolvia o sorriso feliz. — Vim te ajudar com a sua roupa. É essa mesma que quer usar?
— É sim.
Não só os lábios de Arítes sorria, como seu rosto e olhos se iluminavam.
****
Cheguei pelo corredor com meu pai me acompanhando de um lado, e minha mãe do outro. Eles me levariam através da passagem entre os convidados no salão, até o patamar em que a sacerdotisa nos esperava para realizar a cerimônia. Olhei ao longo do corredor e Arítes chegava acompanhada de seu tio, Tórus e a esposa dele. Meus olhos se perderam nos verdes dos dela, após observá-la inteira. Ela estava linda e eu me assustei com suas vestes.
— Mãe? A Arítes…
— Sim, ela está me substituindo no comando e como tal, deve trajar a veste de comandante para cerimônias sagradas. – Sorriu. – E olha que não fui eu que a indiquei para o cargo. Só comuniquei que estava me aposentando.
— O alto comando escolheu?
Perguntei, inflada pela visão de minha noiva naquele traje. Minha mãe meneou a cabeça em afirmação. A comandante Êlia estava querendo descansar dessa vida, afinal. Conseguiu que sua grande amiga Ravine, repousando no empíreo dos guerreiros, tivesse orgulho de sua filha.
— Por que não me convocaram para a escolha do comando?
Lá estava eu, revoltada novamente, antes da entrada para a passagem de nosso casamento. Meu pai bufou!
— Vamos parar de chilique agora, Tália! Ninguém convocou porque era surpresa para o casamento. Entendeu ou quer audiência pública para explicação?
Tomei a maior bronca. Meu pai era assim. Custava a se estressar, mas quando o fazia, falava na maior irritação. Ai de mim se retrucasse. Minha mãe encolheu os ombros, reprimindo um riso. Era como se ela falasse: “Não olha para mim que essa discussão é de vocês.” Como sempre, irônica. Eu ri. Afinal, quem numa hora dessas pensaria o que pensei?
Arítes e seus acompanhantes emparelharam conosco. Eu não cansava de sorrir e vi uma lágrima descer sobre a face de minha noiva, emocionada. Seguimos ao longo do corredor de convivas sob a música da sinfônica de cordas do reino. Mal consegui ver quem estava presente, mas reparei nos rostos felizes. Alguns ainda lembro, por terem feito parte de nossa caminhada até aqui. Tétis, sorria ao lado de Mardox. Era isso mesmo que estava vendo? Chad de mãos dadas com Belard?! Ah! As filhas das senhoras dos reinos! Elas estavam presentes e me admirei por Tuli estar às voltas com tantas crianças e um homem sorridente, ao seu lado, ajudando a acalmá-los. “Fique quieta, filha, não é hora”, ele dizia. “Gastor, veja onde se meteu a peste do Teréz, que eu vou ver para onde Magar se enfiou”. Dizia ela para o homem que presumi ser seu marido.
Enfim, ao chegarmos à beira do tablado real, vislumbrei a verdadeira benção de nosso enlace. À esquerda, estavam a Senhora das Águas e a Senhora do Fogo e à direita, a Senhora da Floresta e a Senhora do Metal.
Meus pais me deixaram e Tórus e sua esposa deixaram Arítes.
Sem descrições por agora, no entanto posso dizer que a minha felicidade e minhas emoções eram muitas. Não fomos abençoadas. Nós somos abençoadas!
****
Quinze dias depois…
Chegamos ao castelo depois de nossa lua de mel na cabana. Fui direto falar com meus pais. Parece que eles estavam querendo a cabana, depois que nós chegássemos. Esses dois não tinham jeito. Iriam sair de fininho e inventaram uma desculpa, para que eu presidisse as reuniões com os conselheiros e fizesse as audiências públicas durante aquela semana.
— Eu tô preocupada com Arítes.
Falei, enquanto jantava com meus pais, antes deles partirem para a cabana no dia seguinte.
— O que houve?
— Ela começou a passar mal, depois de dez ou onze dias que estávamos na cabana.
— Como passar mal?
Minha mãe perguntou.
— Passar mal, oras. Teve tonteiras e vomitava logo de manhã. Pediu para não colocar a loção perfumada que o mestre herbário fez para mim, dizendo que não estava aguentando o perfume. Será que ela não gosta da minha loção e nunca falou?
— Onde ela está agora, que não jantou conosco? – Minha mãe inquiriu.
— Foi ao comando, mas ia se deitar, logo depois. Estava passando mal agora à noite também.
— É ela que está grávida. Agora já sabemos. – Meu pai falou displicente.
— O quê?! — Falei alarmada.
Ele me olhou indiferente e continuou.
— É ela que está grávida. Vocês não sabiam quem estava grávida, certo? E nem foram falar com a sacerdotisa-curandeira para ver se conseguiam descobrir, correto? Então agora a gente já sabe. Já tem mais de um mês e meio e ela está tendo tudo que sua mãe teve quando engravidou de você.
Mais uma vez, ele falava como se fosse a coisa mais corriqueira dos reinos.
— Pai! – Exclamei colocando a minha mão no meu ventre. – Não pode ser…
— E por que não? – Perguntou minha mãe com um sorriso cínico.
— Você sabia? – Perguntei, já irritada.
— Claro que não, Tália. Falei que não esconderia mais nada de você, mas não deixa de ser interessante esse arranjo. – Sorriu jocosa novamente.
Levantei de rompante.
— Onde você vai, mocinha?
Meu pai perguntou, por ter me levantado sem ter terminado a refeição.
— Vou vê-la… Vou conversar com ela… sei lá! Como estão tão calmos?!
Falei irritada, me dirigindo à porta do salão e ainda pude escutar as gargalhadas dos dois, além de ouvir meu pai fazendo uma piadinha que achei a “maior sem graça”.
— Vai. Vai, que agora você vai ver o que passei com sua mãe, quando engravidou…
****
— Como assim? Eu é que estou grávida? Eu lembro que…
— Que, o quê?
— Bom, eu é quem fez… ah! Deixa para lá!
— Calma, Arítes! Você não está feliz? Você não quer?
— Lógico que estou feliz! É lógico que quero. Só que achava que, pela forma que foi, bem…. Esquece. Nada foi lógico, nessa história.
Eu sorri, pois, minha esposa estava ligeiramente desorientada e, para falar a verdade, eu também. Mas vamos combinar que não foi só ela que fez aquele dia, se é que vocês me entendem. Beijei seus lábios, pousando minha mão sobre seu ventre. Ela me olhou, fundo. Vi suas pupilas dilatadas e não sei como as minhas estavam, mas reparei que ela se perdia em seus pensamentos e nos meus olhos.
— Estou com medo… Estou feliz, mas com medo.
Minha mente vagueava por toda a nossa história. Arítes era o início de muitos sentimentos, e era a base sólida de minhas certezas. Eu queria ser feliz. Agora eu estava completamente feliz.
Beijei seus lábios, delicadamente. Pousei meu rosto junto ao dela e sussurrei no seu ouvido. “Eu te amo”!
Mesmo recostada na cama, conseguiu desvencilhar e capturar minha boca. Permaneceu com os lábios unidos aos meus, num carinho delicado. Nós nos sentíamos na exata dimensão de nossos sonhos, devaneando na força de nossas emoções. Nossos sonhos eram simples; nos amar e viver a nossa felicidade.
Levei minha mão a seu rosto, fazendo um carinho terno, perdendo-me no sabor de sua boca. Meus sentidos estavam entorpecidos. Ela me fazia isso.
— Faz amor comigo.
Ela pediu, entre nossos lábios. O que eu poderia fazer? Nada além de me encaixar no corpo da atual comandante, e deixa-la conduzir meus atos. Vi desfazer de minhas vestes, com calma. À medida que ia retirando minha farda, ela sorria observando minha pele eriçar sob seu toque.
— É lindo olhar seu corpo reagir a mim…
Alguns anos mais tarde…
Eu entrava no quarto de nossa filha, no intervalo da audiência pública. Meus pais chegariam hoje da estadia que tiveram em Terbs, para a apresentação oficial do filho da rainha Chad de Kamar com o príncipe Belard de Terbs. Isso mesmo que vocês leram. Ela deixou o trono de Kamar para seu filho mais velho e se casou com o príncipe de Terbs. Teve um temporão há uma lua atrás. Foi uma gestação difícil, pois Chad já chegara aos quarenta e cinco anos e teve que ser assistida, a todo tempo, pela sacerdotisa-curandeira.
Olhei encantada para a cama que continha o pequeno corpo depositado. Amava minha filha. Ela era linda! Pelo menos aos meus olhos de mãe. Arítes estava em uma reunião séria, com o comando. Alguns movimentos aconteciam no Norte e isso a preocupava.
Escutei passos atrás de mim e olhei minha mãe se aproximando, pé-ante-pé, para não acordar a “briguentinha” da neta dela. Isso mesmo. Apesar da mistura, nossa filha era uma “encrenqueirinha”, briguenta e mal-humorada. Tudo bem que, quando ela ria, era a menina mais doce do mundo e esquecia logo as brigas, dando tudo que tinha nas mãozinhas, para se desculpar. O mal humor era da minha esposa, viu, gente!
— Chegaram? – Eu sussurrava.
— Há pouco. Como ela está?
— Travessa. Hoje me deu um susto danado. Pulou do tablado, agarrando-se na espada do intendente, no meio da audiência. Cadê, que eu conseguia fazer ela soltar a espada do coitado?
Minha mãe tapou a boca para não rir e não acordá-la.
— Como estão Chad, Belard e o menino?
— Ótimos. Chad está radiante. Ela queria uma menina dessa vez, mas veio o pequeno e ela não para de paparicar.
Caminhamos para fora do quarto, para não acordar Brenna*.
— Eu ainda não entendo porque ela tem cabelos castanhos do clã de Arítes e os olhos azuis do nosso clã. Isso nunca aconteceu. Sempre se puxa um clã ou outro. De que clã ela é, afinal? Em que tradições vamos educa-la?
— Você ainda não leu todos os pergaminhos dos “Escritos Sagrados” que lhe dei, não é?
— E eu tenho tempo, por acaso? Vocês não param mais sossegados aqui em Eras.
Minha mãe abanou as mãos impaciente como se dissesse: “Não queria responsabilidades? Agora aguenta.”
— Por quê? Tem algo que fale sobre isso nos “Escritos”?
— Conhece as regras. Você lê, estuda e eu te oriento. Sem isso, nada feito. Não entendeu ainda a forma como ensino?
Minha mãe sorriu de lado. Balancei minha cabeça, com um leve sorriso no rosto também. Ela não tinha jeito.
Chegamos ao fim dessa história. Como disse no início, nem tudo presenciei, mas escutei atenta aos relatos para poder passar para vocês. Tentei ser o mais fidedigna possível, para transmitir a impressão dos sentimentos e vivências de cada pessoa envolvida. Eu gosto de histórias. Principalmente aquelas verdadeiras que são como romances saídos da boca de um bardo.
Fiquem bem e sejam felizes como eu e Arítes somos!
Fim!