— Sua mãe tem ensinado isso a você desde quando?
Ela perguntou, suavemente, na tentativa de apaziguar a ira que subia como um bólido em meu corpo. Sua voz, além de suave, era resignada.
— Desde sempre e sempre falou que era nosso segredo. Não tem um dia de minha vida, que não passe pelo menos três horas do dia com a minha mãe e você sabe disso. No início, ela me colocava em seu colo e era como se fossem contos, mais tarde ela passou a dizer que, um dia, precisaria muito e que o reino dependeria do que eu soubesse dele, mas… – Inspirei fundo. — mas, há alguns anos, ela passou a responder minhas perguntas através de enigmas. No início me incomodava muito, porém depois, passei a pesquisar na biblioteca central do reino, coisas que falava e eu não compreendia muito.
— Por isso transformou minha vida num eterno marasmo. – A Tenente-Coronel sorriu. — Duas horas antes de amanhecer eu ficava plantada, vendo-a ler livros e livros na biblioteca; depois, quatro horas assistindo você treinar com o Mestre de Armas. “Grande Espaço Celeste”! Como eu queria estar no lugar do Mestre! Assim, pelo menos eu exercitava um pouco…
Eu não consegui me conter e sorri para ela. Arítes rodava a taça de vinho vendo o líquido mover, e em seu rosto, se figurava um ar melancólico. Não a interrompi em seus pensamentos. Estava ávida por ouvi-la.
— Após o almoço, você fazia as suas caminhadas pelas terras. Ia até o rio ou cavalgava pela floresta até o lago. Eram momentos bons para mim, pois respirava um pouco também.
— Você é filha da floresta. Percebia que se refazia também. Seu rosto abranda quando cavalgamos até o lago.
Pontuei e ela me sorriu.
— No retorno trancava-se com “a comandante” por horas e era quando ia aos meus afazeres pessoais ou do exército.
— Pelo menos, dispenso você cedo. Não deve se recolher tarde para dormir…
Peguei-a. Ela titubeou. Seus olhos contraíram e escureceram qual floresta em dias chuvosos. A apreensão voltou a enrijecer seus ombros. Minha mãe esmerou-se em me ensinar os sinais que cada corpo apresentava diante de situações. Calei-me, apenas observando.
— Eu durmo, no máximo, cinco horas por noite, Tália. Às vezes, até menos.
Continuei calada, esperando-a concluir. Ela, outra vez, inspirou fundo. Ali havia um segredo.
— Desde muito cedo, assim que ingressei para Escola de Armas, sua mãe veio até mim. Eu era nova, tinha apenas doze anos. Ela me disse que ensinaria tudo que ela sabia, mas com uma condição; que não revelasse a mais ninguém. Eu sempre a admirei como comandante e ainda a admiro muito, mas… Mas isto me fez retrair. – Ela suspirou mais uma vez. — Um dia, falei que sentia sua falta… ela me disse que bastava ver dentro do meu coração, que você estaria lá. Que havia um propósito e que eu fazia parte de seu destino. Pouco tempo depois, quando já era tenente, fui designada para sua proteção, Tália. Fiquei feliz, mas ao mesmo tempo, sabia que não tinha mais volta. Não podia arriscar sua segurança por minha vontade de ter sua amizade.
— Mas por que arriscaria minha segurança?
— Porque eu já compreendia o meu papel no destino. Sua mãe passou a me ensinar, além das artes da guerra, a história de nossos ancestrais. A história dos descendentes da floresta e dos descendentes do lago…
— Eu também a conheço e….
— Não! Você não conhece. Você conhece o que leu na nossa biblioteca e eu… eu tive os Escri…
Ela suspirou novamente e tinha a voz embargada. Olhei seu semblante abatido e sua expressão de assombro. Deixou que seus ombros relaxassem em desânimo. Algo estalou em minha mente.
— Você… Você leu os ““Escritos Sagrados””? Eles estiveram em suas mãos?!
Havia lido a respeito dos ““Escritos Sagrados”” em vários pergaminhos, mas eles sempre mencionavam como algo perdido, praticamente haviam se tornado uma lenda. Na verdade, em alguns pergaminhos, havia insinuações que eles foram destruídos no princípio dos tempos, na “Guerra do Caos”, em outros, que foram escondidos por guardiãs do lago, mas ninguém realmente sabia o que havia acontecido com eles.
— Sim.
Ela me olhava maravilhada e envolta em tristeza. Um paradoxo.
— Só posso dizer que o que tive nas mãos, foi a minha redenção e a minha maior tristeza.
Pela “Senhora das Águas”! Minha mãe tinha os “Escritos Sagrados” e havia partilhado com Arítes? Uma grande dor se alojou dentro de mim. Um sentimento de traição, desolação… Por que ela nunca me mostrou? Meu sentimento não era por Arítes ter lido os escritos e sim, por minha mãe não ter confiado em mim.
— Por que ela…
Eu caminhava de um lado a outro no cômodo, tentando entender o que minha mãe havia feito.
— Não pense que sua mãe a traiu, Tália.
Arítes falou, acredito por ter visto a minha reação.
— Tudo que ela tem feito até hoje é…
— Sim! Tudo que ela fez, o fez por mim. Porém, isso não tira o fato de ter me ensinado, ao longo destes anos, como ser uma governante e não ter me dado a confiança da “sabedoria antiga”! Antes mesmo de tê-los na mão, você sabia que os escritos eram o conhecimento da “antiga Eras”? Esse conhecimento vem anterior a “Guerra do Caos”.
— Sim, mas provavelmente você os verá, apenas…
— …na hora certa! É o que ela sempre fala.
— Ela não me mostrou todos os pergaminhos. Provavelmente, só os que eu precisava conhecer.
Calei-me e meus pensamentos corriam como uma manada de cavalos selvagens. Estava chocada com todas as informações que comecei a processar.
— Pelos “Mananciais Divinos”, Arítes! Você sabe o que está para acontecer? Toda essa movimentação de minha mãe…
— Não. Quer dizer, mais ou menos…
— Não seja esquiva, Arítes. Fala logo! Minha mãe sabia que eu nunca usaria de minha posição sobre você para lhe pressionar. Por isso, ela sempre confiou que esses segredos estivessem guardados, mas agora, tenho certeza que ela sabe o que estamos conversando neste exato momento, então diga tudo!
Arítes relaxou. Tive a impressão que pensava o mesmo que eu.
— Ela me contou, ao longo dos anos de treinamento, que a “Guerra do Caos” foi provocada por dissidentes da hierarquia do povo da floresta, onde havia homens insatisfeitos com a “Divina Graça” e a “Senhora das Águas”. Achavam que a força masculina poderia ser maior que a força feminina. Isto aconteceu, quando guerreiros do norte tentaram invadir todos os domínios que se estendiam ao sul do continente e eles veneravam um “Deus” masculino chamado…
— Serbes!
— Isso mesmo.
— Ainda o veneram e soube que Terbs está se rendendo a esse “Deus”. O que me faz presumir, que esta guerra que está se aproximando, não seja só pelos grãos e pela seca.
Uma luz de compreensão passou sobre meus olhos e, pelo olhar que Arítes me presenteou, passou pelos dela também.
— “A Batalha de Sangue”!
Falamos ao mesmo tempo e Arítes virou-se para a porta do jardim particular de meu quarto e olhou ao longe. Bebeu um grande gole de vinho e se deixou perder em seus pensamentos.
— Pelos pergaminhos que você leu, sabia que viria em nosso tempo?
Perguntei ainda atônita.
— Pelos pergaminhos que li e pelo que sua mãe me contou, sabia que era possível, mas não era certo. Talvez eu quisesse deixar essa informação ali, soterrada pela minha consciência…
— Entendo. Talvez, eu fizesse o mesmo.
Aproximei-me da mesinha e peguei a taça de vinho que Arítes tinha enchido para mim, mas não havia tocado. Caminhei e fiquei ao lado de Arítes, olhando o horizonte através da porta e dando um grande gole na rubra bebida, da mesma forma que Arítes o fazia. Não era hora de ter meus sentidos entorpecidos, mas era hora para esvair a minha tensão, com todas as informações que havia escutado e compreendido. Eu poderia continuar magoada com minha mãe, mas preferi entender seus motivos. Ela sabia o que aconteceria e durante tantos anos, cumpriu seu papel resignada e sem poder compartilhá-lo com quem fosse. Um sentimento de solidariedade me tomou. “Quanto minha mãe sofreu sozinha por ter todo esse conhecimento? ”
— Eu senti sua falta…
Falei com a voz embragada. Arítes virou seu rosto para mim e seu olhar era de pura emoção.
— Você não sabe o quanto eu sofri por estar perto e ao mesmo tempo ter que me distanciar. Eu não podia, Tália. Fiz uma promessa de lhe proteger, acima de tudo, e entendo a sua mãe. Ela também não poderia falar algo, que talvez nunca ocorresse no nosso tempo. Provavelmente, chegaria a hora dela passar todo o seu conhecimento para que você se incumbisse da segurança dos “Escritos Sagrados”. Só uma “Guardiã do Lago” pode tê-lo em mãos.
— Ela lhe contou isso?
— Sim. Contou-me que ele está em poder de sua família há gerações. Disse que as “Guardiãs” sempre geram mulheres e que, desde os primórdios, todas foram grandes guerreiras.
……
— Majestade, os terbeanos nunca foram nossos inimigos. Toda essa tensão está crescendo, pelo desespero e a fome do povo, mas talvez possamos travar uma aliança pacífica e duradoura.
Tórus olhou de soslaio para minha mãe e o rosto dela permanecia impassível. Ela tentava não demonstrar qualquer contrariedade com o rumo que as discussões tomavam. Seus olhos e ouvidos estavam atentos aos relatos, mas sem interferir.
— Poderíamos tentar um acordo com o rei Badir. Soube que está ansioso para que seu filho mais velho se case, pois está adoentado e gostaria de deixar seu reino encaminhado.
— E o que sugere?
Perguntou Vergás, outro conselheiro que se sentava de frente para Tórus.
— Bem… Pensei que a nossa princesa não tem um pretendente e sua idade…
— Quer que nossa princesa seja parte de um acordo político?
Vergás inquiriu Tórus, se posicionando no mesmo momento, não deixando o outro terminar a frase. Seu tom transparecia indignação e até certo asco. Minha mãe permanecia imparcial, mas tentou estudar os gestos de Vergás, para tentar decifrar se ele estava sendo sincero, ou apenas encenava uma repulsa pela sugestão de Tórus.
— Não é isso, Vergás! – Falou Tórus. — A princesa está com vinte e um anos e sabemos que não se interessa por qualquer rapaz aqui do reino. Talvez se ela conhecesse Belard… Poderíamos simplesmente fazer uma recepção aqui em Eras para que os dois se conhecessem e…
— Desculpem-me interromper, mas acredito que possa expressar a minha opinião como comandante e como parte integrante do conselho.
Minha mãe se virou diretamente para Tórus.
— Com todo respeito, conselheiro, não acredito que a princesa se interessaria por um homem, do qual nunca tenha visto anteriormente. Com certeza, esta não é a postura que uma mulher eriana costuma ter. Concorda comigo?
Minha mãe jogava com a cultura de nosso povo. As mulheres erianas eram conhecidas pelo orgulho de sua liberdade de escolha nos relacionamentos ou no trabalho. Não havia distinção de gênero. Todas as mulheres poderiam ingressar na vida militar, assim como, se fosse gosto do homem optar por cuidar da casa, poderia fazê-lo. Porém, durante o reinado de meu pai, algumas coisas começaram a modificar. Não por imposição, mas talvez por um longo período de paz. As famílias cresceram e muitas mulheres passaram a dedicar-se aos cuidados e educação dos filhos, relegando ao segundo plano o treinamento militar. Ao mesmo tempo, muitos homens se afastaram da tarefa de partilhar a educação destes e dedicavam-se mais a cultura da terra e outras atividades profissionais.
— Mas eu não estou falando para obrigarmos a princesa, comandante Êlia. Apenas se…
Tórus tentava se explicar para o conselho que se mostrava contrafeito com ideia.
— Conselheiro Tórus, isto não é uma decisão que compete ao conselho. Se acaso, quiser fazer o oferecimento da festa para que a princesa Tália conheça o filho do rei Badir, deve perguntar diretamente a ela.
Disse o general Galian, fazendo com que todos os conselheiros balançassem a cabeça em consentimento. Depois de mais algumas discussões sobre o assunto, meu pai encerrou a questão, designando o conselheiro Vergás para falar sobre o assunto comigo.
Minha mãe saiu da sala acompanhando meu pai até os aposentos dele. Ele andava cansado com estas discussões. Minha mãe o deixou e pediu para Galian acompanha-la até o quartel.
— Minha senhora, se me permite…
— Galian, deixe as formalidades. Fomos companheiros de esquadrão há muitos anos e peço seu apoio para o meu retorno efetivo.
— Todos nutrem um profundo carinho e respeito por você, Êlia. Você nunca deixou de revisar ou visitar as tropas. Não acredito que venha a ter dificuldade.
— Eu não sei, Galian. As coisas mudaram muito estes últimos anos.
— Você acha que…
Galian balançou a cabeça em negativa.
— … Todos sabem, muito bem, por que houve a “Guerra do Caos” e quais foram as suas consequências. Não seriam estúpidos.
— Depois do que ouvi hoje no conselho, acho que seriam.
— Tórus não é metade do que foi o pai, e você sabe disso. Se Ravine ainda vivesse…
Minha mãe segurou o braço de Galian e o parou de chofre.
— Não toque neste assunto, Galian, por favor. Arítes é uma boa mulher e uma excelente Tenente-Coronel. Não merece ser lembrada que sua mãe faleceu em seu parto. Sinto, desde sua infância, que ela se culpa por isso.
— Ninguém tem culpa por uma fatalidade destas. Você era muito amiga de Ravine e sabe que foi um risco que ela decidiu correr. O curandeiro avisou e ela negou a extração do bebê.
Os dois recomeçaram a andar, lado a lado.
— Ravine amava Arítes muito antes dela nascer. Julian, seu marido, morreu na batalha e nem soube que Ravine estava grávida. Ela o amava muito e fazer a extração da criança que ele gerou, antes da hora, não passou nenhum minuto pela cabeça dela. O duro foi convencer o pai de que ela queria que tirassem a criança à força, quando chegasse o momento. Achei, a princípio, que ele rejeitaria Arítes, mas depois que viu a neta, tornou-se um avô dedicado, sendo seu pai e mãe, suprindo todas as suas necessidades e a cobrindo de amor e dedicação. Uma pena não ter visto sua neta se tornar esta magnífica mulher.
— O comandante Cétriz era um homem maravilhoso e um general valoroso.
— Ravine me pediu para que treinasse sua filha, pessoalmente. Pediu-me para transformá-la em uma grande guerreira… uma general e sinceramente, tenho certeza que ela sabia, exatamente, quem ela estava gestando.
— Não se recente por Tália não seguir seus passos?
Minha mãe sorriu veladamente.
— E quem disse que ela não seguirá?
Desta vez, foi Galian que a parou.
— Tem treinado Tália?
— Não. Não neste sentido que pensou. Mas ela treina desde sempre. Sabe que ela nunca se deixou levar pela vontade de Astor. Por Astor, ela realmente casaria com alguém que pudesse protegê-la, como se no povo eriano existisse esse tipo de distinção de quem protege e quem é protegido. Talvez ela se anime a fazer o exame para entrar no exército esse ano. Vou tentar falar com ela, mas creio, sinceramente, que a habilidade de Tália seja outra, Galian…
Minha mãe findou a conversa, voltando a caminhar à frente de seu general.
………………….
— Então, por que minha mãe não me treinou?
A porta se abriu e Arítes retesou o corpo.
— À vontade, Arítes. Espero que tenham conversado bastante.
Minha mãe se voltou para mim.
— Respondendo ao seu questionamento, minha filha, é porque, eventualmente, nasce uma “Guardiã” em que seu maior valor é o julgamento de caráter. Não que não seja uma guerreira, mas o problema é que quando se tem esta dádiva, também com ela, vem a benevolência. Vem a capacidade de perdoar qualquer erro. Por isso, a necessidade de ser acompanhada por alguém, cujo objetivo maior é a sua segurança.
— E como sabe que eu sou…
— Eu sempre soube, filha. Quando era criança, você sempre sabia quem de seus amiguinhos, seria capaz de fazer algo para lhe ferir, mas sempre tinha em mente algo para desculpá-los. Não era assim?
Olhei para Arítes e ela pressionava seus lábios para segurar o riso. Empurrei-a com o ombro.
— Isso mesmo! Segure esse sorriso, senão transformo sua vida na sala de treinos, em um poço de lava.
Minha mãe riu.
— Bom, acho que temos muito a conversar…
………………………
— Preste atenção, Tália! O que eu falei sobre observar o pé do atacante antes do golpe?
— Você foi muito rápida, não consegui me esquivar! Garanto que minha mãe não treinava você com essa grosseria toda!
Arítes alinhou junto a seu corpo, a lança que acabara de me derrubar. Enxugou o suor da testa, em desânimo.
— Não, Tália. Sua mãe falava uma única vez e enquanto eu não acertasse um único golpe ou defesa, ela não parava de me atacar. Não emitia o menor som e caso eu não conseguisse, eu não era dispensada até o amanhecer. Após isto, eu ia para o serviço do exército sem dormir e na noite seguinte, ela fazia exatamente a mesma coisa. Assim que comecei, fiquei três dias sem dormir. Meu desespero foi tanto que, na última noite, avancei sobre ela em um golpe colérico, derrubando-a com uma cabeçada.
— Não acredito que minha mãe fez isso com uma criança de doze anos!
— E eu não acredito que você ache que sua mãe não o faria.
Continuava sentada no chão, olhando Arítes de baixo para cima e pensando no que acabara de me contar. Pensei em como minha mãe era rígida, ao me cobrar as coisas que me mandava pesquisar. Ela não brigava comigo. Simplesmente continuava me perguntando, e perguntando, e perguntando, de diversas formas até me lembrar do que ela tinha dito no dia anterior. Eu acabava formulando respostas, a partir do que já havia estudado e ela questionava os pontos errados na minha resposta, exaustivamente.
— É. Acho que minha mãe é capaz sim. Ela tem um jeito bem peculiar de cobrar as coisas da gente. Tudo bem. Vamos lá.
Levantei-me e empunhei a lança. Arítes balançou levemente a cabeça e sorriu ao me escutar.
— Que foi?
— Nada. Estava pensando no que sua mãe falou sobre você.
Seu sorriso, não só permanecia, como aumentava.
— Ah, você não está falando sobre meu poder de julgamento, benevolência e perdão!
— E não é? Acabou de arranjar um motivo, para a forma com que sua mãe ensina.
Nesse momento, ela me irritou muito com o sorrisinho idiota dela. Girei meu corpo, agachando e passando a lança transversalmente pelas pernas de Arítes. Derrubei-a. Ergui meu corpo e arremeti a ponta da lança sobre seu pescoço, parando a poucos centímetros.
— Vai parar com essa palhaçada e continuar me ensinando?
Perguntei, orgulhosa. Mas meu orgulho foi quebrado no instante em que me vi derrubada por suas pernas trançadas às minhas. Arremessei minha lança para longe de modo a não machuca-la na queda. O problema é que caí sobre ela e isso me desorientou. Ela me segurou, amparando minha queda e ficamos nos olhando bem de perto. Seus olhos tomaram uma tonalidade de verde escuro e seu sorriso começou a desfazer. Estávamos paralisadas e nos encarando. Já havia apreciado a sua beleza antes, mas não de tão perto. Seus cabelos longos estavam presos em um rabo de cavalo, mas algumas mechas caiam soltas sobre seus lindos olhos verdes e face alva. Não resisti e estendi minha mão para tocá-la. Ela se levantou rapidamente, me levando junto e afastando-se de mim.
— Bom, você me derrubou, então… podemos passar para o treino com espadas.
Ela falou sem me olhar e não sei por que, senti uma ponta de decepção.
Treinamos com a espada e eu estava em um estágio bem mais avançado do que na luta com lanças e bastões, que quase nunca utilizava nos treinos com o Mestre de Armas. Não nos falamos mais. Eu estava perdida em meus pensamentos e, pelo visto, ela nos dela. A noite caiu e paramos, pois, esta minha nova atividade, era desconhecida e resguardada dos olhos de meu pai e do resto do reino. Fui para meus aposentos me banhar e me vestir para o jantar.