Eras: A Guardiã da União

Capítulo III – Surpresas

Eras – A guardiã da União

Texto: Carolina Bivard


Ilustrações: Táttah Nascimento

Revisão: Isie Lobo, Naty Souza e Nefer


Todos os eventos que descrevo aqui, foram relatados posteriormente pelas pessoas envolvidas e me alegro poder colocá-los em letras para que saibam o que ocorreu com cada pessoa. Continuando…

Ela levantou da poltrona e se aproximou da cama, observando Brenna dormir em seu sono agitado. Algumas vezes minha filha fazia uma careta, como se sonhasse com algo ruim. A conselheira assistente estendeu a mão, duas vezes, para tocar o rosto da princesa, desejando abrandar a agonia que via estampada na expressão dela, mas recolheu a mão, receosa em acordá-la. Sentou-se na beirada da cama, contemplando o rosto alvo, emoldurado pelos cabelos castanhos e olhos azuis. Brenna gemeu, agitando-se no sono e Thara não se conteve. Acariciou seu rosto, falando palavras suaves para aquietá-la.

– Shiii. Fica tranquila. Estou aqui com você.

****

Bati na porta do quarto de minha mãe e escutei meu pai falando alto e nervoso. Ele atendeu, deu as costas para mim, deixando a porta aberta. Meu pai nunca tinha feito isso antes. Entrei e fechei a porta atrás de mim. Fiquei calada escutando a discussão dos dois. Era perturbador, porque nunca em minha vida vi os dois discutindo tão ferrenhamente na intimidade do quarto.

– Você me enlouquece, Êlia! Não vou deixá-la ir sozinha a Cadaz. Você terá que transpor as montanhas de Kardoshara e lá estará nevando, já. Elas estão geladas! Será que não pode ir com um contingente do exército? Por que tem que ir sozinha?

– E qual a explicação que eu daria ao comando para requisitar um contingente para ir a Cadaz? Além do que, os soldados que permaneceram aqui, são apenas o suficiente para proteção dos muros de Eras. Como deslocarei uma guarnição para me acompanhar? Não deixaria Eras desprotegida, Astor!

– Pai! – O chamei.

– Ah, garanto que conseguiria uma desculpa para o comando se quisesse e conseguiria realocar soldados para proteção. Isso tenho certeza!

Ele continuou a falar com ela, sem dar importância a mim.

– Demoraria demais e não temos tempo!

Minha mãe retrucou e sua paciência estava esgotando, pois ela raramente levantava a voz. Não que tivesse gritado com ele, porém o encarava raivosa.

– Mãe.

Chamei-a esperançosa para que me dessem atenção.

– Tudo para vocês é para ontem, não é?

– E espera o quê, diante do que lhe contei? Quer que eu deixe algo acontecer com Brenna?

Perdi minha paciência. Parecia que eu era uma sombra naquele quarto, pois nenhum deles me escutava.

– Vocês dois querem prestar atenção em mim!

– O que é, Tália?!

Finalmente prestavam atenção. Tinha levantado a voz e os dois se voltaram contra mim, me respondendo em uníssono. Eu não tinha a postura balizada de minha mãe e muito menos a temperança de meu pai, que perderam, devo dizer, enquanto discutiam.

– Pai, me deixa falar com minha mãe. Talvez ela não precise ir a Cadaz.

Minha mãe enrugou a testa, num gesto de incompreensão e meu pai ficou calado me olhando. Os dois esperavam que eu continuasse a falar. Revirei meus olhos, dirigindo-me a mamãe.

– Quer que eu fale com papai aqui no quarto? Por mim tudo bem, pois isso de esconder coisas dele me incomoda muito. Acho que me educaram mal quando eu era criança, nesse sentido. Deviam ter me dito: “Minha filha, não esconda nada de nenhum dos dois, exceto o que é relacionado aos Escritos”. Mas não! Vocês só me diziam que não podia esconder nada dos dois e hoje, tenho que manter minha boca fechada com quaisquer coisas relacionada a este lindo cargo que nós mulheres da família temos. – Respondi com deboche.

Meu pai estreitou os olhos, bufando. Virou-se para minha mãe.

– Você só sai daqui com uma diligência, entendeu? – Foi impositivo com a esposa e se virou para mim. – Espero que tenha mais bom senso, pois se Êlia tiver que ir a Cadaz, só sairá sozinha passando com o cavalo sobre mim!

Ele se encaminhou até a porta e virou novamente para nós.

– Êlia, eu juro que se me enganar e sair desse castelo sozinha, desta vez nos separamos. Eu sei que não posso dizer o que deverão fazer ou não. Quando nos casamos, você me deu a exata noção do que era, no entanto não aguento mais viver com o coração na mão. Antes era só você, agora trata-se da minha filha e minha neta também!

Ele saiu batendo a porta e minha mãe largou o corpo sobre a poltrona que estava atrás dela.

– Eu não posso criticá-lo. – Ela falou num suspiro. – Há muito tempo que entendo porque muitas Guardiãs não se casaram.

– Não somos proibidas de casar, mãe.

– Não, contudo nós escrevemos nossa história em pergaminhos para que futuras Guardiãs saibam quem foram suas antecessoras. Quantas você encontrou nos escritos que eram casadas?

– É, bem poucas. A maioria teve filhas de homens com que se deitaram apenas para engravidar. De qualquer forma, acho que papai se acalmará. Vim lhe contar uma coisa e tudo dependerá do que poderemos fazer com essa informação.

Contei tudo sobre o que conversei com Thara para minha mãe. Ela não emitiu qualquer palavra durante meu relato e apenas se levantou, abrindo a porta de seu quarto que dava para o jardim particular dela. Olhava para fora com as mãos unidas nas costas, escutando a tudo, sem se pronunciar. Esse gesto me levou para longe… Para muitos anos antes, quando ainda era uma garota. Quanto tempo se passou até que a Divina Graça cobrasse uma posição nossa de Guardiãs? Foram quase dezenove anos até ver minha mãe nesta postura novamente. Escutando, avaliando, vendo todas as possibilidades e buscando em sua mente a sabedoria dos Escritos para tomar uma decisão.

Naquela época, eu achava que esta postura vinha de sua régia educação militar. Como eu estava enganada! Depois de tantos anos, passei a estudar cada pergaminho daquela sala sagrada, junto com ela; após ler um a um e entender o nosso papel na história, hoje compreendo que essa postura de minha mãe nunca foi da guerreira, mas sim da Guardiã sábia, analisando todas as possibilidades para que a harmonia dos reinos de Tir e Terjor permanecessem. Ela suspirou e era a dica de que começaria a falar o que pensava. Me acomodei melhor na poltrona, pois hoje, sabia que nada era tão fácil. Já tinha tirado as minhas conclusões, também.

– Sabe que não podemos deixar que Thara toque os Escritos, não só pelo que eles contêm. Com Arítes foi diferente. Anos antes de tudo começar na Guerra de Sangue, a Senhora das Águas veio a mim autorizando que ela os pegasse. Certamente desfez o encantamento sobre Arítes.

– Eu sei que o encantamento dos Escritos poderia ferir Thara.

– Ferir não, Tália. Certamente a mataria. Não colocaria a vida de uma pessoa inocente em risco, para salvar Brenna.

– Eu também não, mãe, todavia é nossa melhor chance. Talvez se ficássemos com ela… Se nós mesmas manuseássemos, ela poderia ler e traduzi-los.

– Poderíamos tomar lições com Thara a respeito dessa língua.

– E quanto tempo acha que levaríamos para aprender? Não temos o tempo a nosso favor. – retruquei.

– O tempo nunca está a nosso favor. – Minha mãe inspirou fundo e se voltou para mim. – Mas você tem razão, Tália. É nossa melhor chance e nós, devemos decidir se podemos mostrar os Escritos para Thara. Embora a conheçamos desde moleca, acompanhando Tórus para cima e para baixo, apenas há pouco tempo está na nossa convivência.

– Eu confio nela.

– Você confia em muita gente. Por isso que Arítes é sua baliza neste sentido.

Minha mãe falou com aquele risinho irônico, fazendo com que me irritasse.

– Detesto quando faz isso! Para você, sou sempre indulgente demais, afinal de contas esse é meu título, não é? Sou a Guardiã da Indulgência.

Rosnei e ela gargalhou, me enraivecendo mais.

– Eu não acredito que ainda se irrita quando escarneço de você com isso.

Ela falava sorrindo, embora tentasse segurar o deboche.

– O que você queria? É minha mãe e meu dever é me irritar quando me provoca nas minhas falhas. Acha que Brenna algum dia deixará de se irritar comigo, quando falo que ela é temperamental demais?

– Isso não é uma falha sua, minha filha.

Ela se aproximou, me puxando para levantar e cingiu minha cintura, me encarando e acariciando meus cabelos.

– Esta é a maior beleza que tem, Tália. Eu me orgulho muito que seja assim. Em seu coração cabe o mundo todo e isso é maravilhoso. Agora, se me falar que confia nela porque viu em seus olhos…

– … Eu vi. Perscrutei seus olhos com o olhar de Guardiã. Ela é apaixonada por Brenna e é um amor puro, ingênuo até.

– Que seja. Mas ler a verdade na íris de alguém, sob o olhar de Guardiã, significa fazer perguntas sobre um assunto específico. Você perguntou a ela sobre a leitura dos Escritos? Falou sobre o que Brenna está passando?

– Lógico que não, mãe.

– Então, é o que digo. Não podemos confiar nela, ainda. Temos que achar uma forma de fazer estas perguntas específicas, sem sermos tão claras, a ponto dela entender o que queremos ou o que planejamos.

– Aí a senhora já está querendo demais, mãe. Como falaríamos sobre um assunto sem falar de verdade? Principalmente com ela que é sempre atenta aos detalhes. Hoje, quando falei sobre Brenna, porque queria saber o que esperar dela, percebi que ela entendeu a minha intenção. Percebeu também que vi o que sentia por Brenna.

– Você tem mais interação com ela do que eu, entretanto eu gostaria de observá-la. Tente levá-la até seu quarto, com a desculpa de resolver um problema. Invente alguma coisa. Estarei na sua sala de leitura. Quero ver como ela se comporta.

– Mãe, isso é espionagem da vida particular de alguém. – Respondi com tom de indignação.

– Não é, não. Isso é averiguar se estamos no caminho certo. Não estamos falando de um livro qualquer de uma biblioteca. Estamos falando de pergaminhos milenares que estão sob nossa proteção.

Pensei sobre o que ela falou e a verdade é que minha mãe estava novamente com a razão. Esse critério não poderia se aplicar ali. Afinal, as Senhoras dos Reinos não vivem nos espionando através de oráculos?

Enquanto estava num debate sobre como proceder em relação aos Escritos e a Thara, no quarto de minha filha aconteciam coisas bem interessantes.

***

Brenna acordou e tentou focar na pessoa que a observava. Thara tinha puxado a poltrona para perto da cama e, apesar de ter um livro encapado em couro nas mãos, ela olhava diretamente para o rosto apoiado no travesseiro. Minha filha estava de bruços e depois que viu a assistente do conselheiro Tórus ao lado da cama, voltou o corpo para cima, olhando o forro do dossel de sua cama. Ficou muda, causando desconforto na garota que vigiava seu sono.

– Sua mãe Tália estava preocupada com você, mas teve que sair para conversar com a rainha Êlia. Pediu para que eu ficasse aqui, caso necessitasse de algo.

– E por que pedir a você? Ela quer que converse comigo sobre responsabilidades como princesa ou algo assim?

Minha filha foi direta. Nunca usava de subterfúgios para expressar desagrados, ou para saber o que queria. Eu até achava que era uma virtude, todavia não em todos os momentos. Ser franca demais pode beirar a grosseria algumas vezes, ou até mesmo, revelar coisas que você não quer que outros saibam. Thara a olhou com uma sobrancelha elevada. Tinha ruborizado a princípio, contudo, depois da fala de Brenna, percebeu que ela tinha alguma desavença comigo.

– Não foi o que me pareceu quando a rainha Tália me chamou. Ela pediu para olhar uma transcrição para ver se conhecia em que idioma estava escrito e depois que lhe dei a resposta, foi falar com sua avó. Disse que não gostaria de deixá-la sozinha, porque não havia passado bem. Pareceu-me preocupação de mãe. Se há algo diferente disso entre você e ela, eu não sei.

Thara foi direta também, quebrando minha filha. O rosto da conselheira era sério, no entanto sereno. Brenna podia ser arredia, entretanto Thara não era do tipo que se deixava levar por irritações ou destemperos.

Brenna continuava olhando para o teto, colocando as mãos sob a cabeça e ruborizou, ligeiramente, diante da resposta da ruiva.

– Me desculpe. Você não tem nada a ver com isso. Às vezes, acho que minhas mães são zelosas demais. Muitas vezes me sufocam. Aliás minha família toda é assim.

– Quando alguém nos ama, pode exagerar na proteção. – A voz de Thara saía segura, porém suave. – Não que seja algo ruim sentirmos o amor de alguém por nós.

Minha filha a olhou e, pela primeira vez, permitiu-se encará-la, reparando seu rosto em detalhes. Não via nenhuma gota de sarcasmo, ou tom de repreensão. Sentia a conversa amena, sem pretensões por trás. Relaxou exalando um pouco de ar dos pulmões, cerrando os olhos brevemente. Voltou a encará-la.

– Não acho ruim sentir o amor delas por mim, no entanto parecem querer sempre que eu seja… ai, não sei.

– Meus pais me amam, mas não sabem muito como demonstrar isso. Eles são pessoas simples e tiveram que lidar com uma filha com um dom que os sábios chamaram de “sabedoria precoce”. Às vezes sinto falta de que meus pais simplesmente me abracem.

– Eles não te abraçam?

– Não com frequência. – Thara esboçou um sorriso sutil de lado. – Raramente para ser sincera. Digamos que uma vez por ano, quando faço aniversário.

Brenna a olhou, sem jeito. Reclamava de algo que aquela garota à sua frente pouco tinha na convivência com a família dela. Minha filha imaginou como seria se eu e Arítes agíssemos daquela forma.

– Não reclamo do amor de minhas mães ou meus avós, só gostaria…

– …que eles lhe ouvissem mais. – A conselheira completou.

– Exato.

Thara mordia o lábio, debatendo-se para não retrucar. Sentia um conforto morno naquela interação com Brenna e não queria aborrecê-la. Não queria quebrar a sensação gostosa que sentia circular em seu peito e ventre, ao escutar a voz dela. Permaneceu calada, não auxiliando muito no próprio intento de agradar a princesa. Brenna não era uma pessoa alienada e muito menos sem percepção das coisas. Aliás, desde muito cedo, fosse pelo treinamento do exército, ou pelos ensinamentos dos Escritos, ela aprendera a ler muitos sinais nas pessoas. Só não usava esta percepção conosco, seus parentes diretos.

– Pode falar. Acha que pareço uma criança. Não é isso que está pensando?

Perguntou irritada, fazendo Thara abrir o sorriso, para logo em seguida, forçar os lábios para prendê-lo. No entanto, seu rosto risonho a denunciava.

– Eu não acho você criança. Aliás, não consigo imaginá-la na infância.

– E por que, não?

– Nós nos conhecemos na sala de armas há algum tempo. Sempre te vi como uma pessoa obstinada. Você traz uma força dentro de si, que a mim parece como um vendaval. Muitas vezes fiquei imaginando como você seria quando criança, mas não consegui.

– Estou com medo das suas palavras. Daqui a pouco vai dizer que eu sou uma louca demoníaca.

Thara não aguentou o rebate irônico de minha filha e gargalhou. Eu nunca escutei Thara rir, apesar dela ser uma garota de dezoito anos. Sempre acreditei que tínhamos que viver cada idade e Thara me parecia muito mais velha, no entanto não era verdade. Ela era precoce e fora educada pelos sábios da academia de Eras. Sempre contida e sempre serena no jeito de se comportar. Coloquei a mão na boca para não emitir som e não chamar a atenção das duas. Sim, eu e minha mãe havíamos chegado ao quarto e aberto a porta, mas quando minha mãe viu que elas conversavam, puxou a porta e deixou uma fresta para que escutássemos aquela conversa, como duas feirantes olhando o movimento na barraca do comércio. Até tentei não fazer isso, entretanto minha mãe fez um gesto para eu calar a boca. Está certo que eu queria escutar também e estava muito, mas muito curiosa mesmo, para ver no que aquilo daria.

– Eu não acho você uma louca demoníaca, Brenna, muito pelo contrário. Isso foi algo que me chamou atenção.

– No bom ou no mau sentido? Do jeito que falou, parece que nunca fui criança.

– Digamos apenas que quando imagino você na infância, vejo uma criança escalando cortinas, subindo em lustres, laçando cavalos e não uma menina que brinca de esconde-esconde com os amiguinhos.

Nós não víamos o rosto de Thara, mas poderia jurar, pelo tom da voz, que ela sorria. De qualquer forma, eu soube de tudo depois e escrevi para colocar na estante, nos pergaminhos das Guardiãs.

Brenna riu com o que escutara de Thara. Ela já se encontrava sentada na cama, apoiada na cabeceira, ainda cobrindo o corpo com o lençol. Balançou a cabeça, sem conseguir forçar o mau-humor na fisionomia.

– O que há demais em escalar cortinas na infância? Você está sendo preconceituosa.

Brenna respondeu com outro sorriso encabulado, arrancando mais um riso de Thara.

– Não tem nada de mais, Brenna. Eu já falei que isso me atraiu… e… me fez reparar no seu jeito.

Thara tentou corrigir, mas o estrago já tinha acontecido. Brenna a olhou, espremendo ligeiramente os olhos, deixando um sorriso cafajeste escapar de seus lábios, fazendo a assistente de Tórus corar ligeiramente.

Thara não era ingênua e muito menos virgem. Já tinha tido seus relacionamentos, no entanto, nenhum deles fizera sentir o que experimentava, quando estava na presença de Brenna. Muitas vezes, na calada da noite em seu quarto, pensava que aquilo era uma loucura juvenil. Afinal, encontrava a princesa apenas algumas manhãs e por breves momentos. Mal trocavam palavras, enquanto treinavam na sala de armamentos do castelo. No início, parecia até que a presença dela incomodava a princesa, que sempre tivera aquele espaço somente para si, desde muito cedo. Ao longo do tempo, percebeu que aquele era o jeito de ser de Brenna. Quando empunhava uma arma, parecia que o sangue dela fervia como um vulcão. Sempre muito intensa e inquieta.

Algumas vezes o mestre de armas pedia para que Brenna e ela lutassem. A fúria que Thara via no olhar dela, a atraía como um inseto que se atrai pela luz de uma lamparina e, por vezes, lhe causava medo, principalmente quando Brenna se atirava sobre ela, como um animal se joga sobre a presa. A princesa nunca a machucou, mesmo que as habilidades na luta superassem as dela. Com o tempo, a conselheira passou a chegar mais cedo para treinar. Sentia uma necessidade de não se mostrar frágil diante da princesa. Se esforçou muito durante o último ano, levando Brenna a lhe parabenizar pelo seu progresso. Thara julgava o que sentiu naquele dia como algo bobo e pueril, no entanto sorriu por dentro. Não podia negar que aquela força devastadora de Brenna causava-lhe um calor no ventre do qual não conseguia controlar. Aqueles sentimentos fizeram com que se esforçasse mais e mais, chegando ao ponto de conseguir rivalizar numa luta com Brenna.

– Ei, almoça comigo? Minha mãe deve ter pedido a comida e tenho certeza que aquelas duas não vão parar de fofocar tão cedo e, minha mãe não virá para o almoço.

– Almoço com você, com uma condição. – Disse Thara sorrindo brejeira.

– Diga, nobre conselheira. – Brenna respondeu cínica.

– Fale-me o que suas mães representam para você? Se me responder, eu lhe digo por que perguntei. Posso garantir que é uma informação, no mínimo, interessante.

Brenna a encarou e já não achava aquela conversa engraçada ou atraente. Thara tinha sido invasiva demais, ao mesmo tempo, não queria se esquivar da resposta. Era como se há muito tempo esperasse por ela. Engoliu a saliva que se acumulou na boca, antes de responder. Baixou os olhos e fungou.

– Tudo. Às vezes sinto que nunca chegarei aos pés da compreensão que minha mãe Tália tem da vida e da bondade que existe no coração dela. Também acho que nunca chegarei a ser tão corajosa, segura e honrada quanto minha mãe Arítes.

– Algum dia cogitou falar isso para elas?

Brenna se calou, baixando o rosto e endurecendo o cenho; dica mais que clara para Thara mudar de estratégia para alcançar aquele coração tão vívido.

– Vou contar por que perguntei isso e talvez me compreenda. Não tem muito tempo sua mãe Tália estava sozinha na biblioteca do castelo quando entrei.

Thara pausou a fala para chamar a atenção de Brenna. Acertou no movimento, pois a princesa a encarou na expectativa que ela continuasse o relato.

– Fiz menção de deixá-la, já que estava sozinha e cercada de documentos. Imaginei que estivesse avaliando contas, petições do reino e outros documentos que concernem à coroa. Ela disse para eu ficar. Entrei e fui direto para a estante. Estava procurando uma lei antiga que ainda vigora em Eras e o conselho julgava obsoleta. Queriam analisá-la e caso não servisse mais, colocariam-na em pauta para mudanças. Depois de um tempo, escutei um suspiro e a voz de sua mãe me perguntando: “Se tivesse uma filha que ama muito e não alcançasse seu coração, o que faria?”

Brenna se acomodou na cama com os olhos fixos em Thara, esperando para ver qual a resposta que ela dera. Diante da mudez de Thara, minha filha perguntou ansiosa:

– O que respondeu?

– Respondi que não sabia. Por isso eu te perguntei.

– E não sabia mesmo, ou não quis responder?

Aquela questão angustiou Brenna. Ela nos amava demais, só não sentia como se fosse igual. Algo nela borbulhava e emergia uma força crua e bruta da qual não conseguia controlar ou entender.

– Ninguém sabe o que alguém traz dentro do peito. Eu, muitas vezes analiso, observo, contudo, saber ninguém pode realmente. A não ser que esta pessoa nos diga. Eu não sabia responder à pergunta dela.

– Acha que ela compreenderia se eu contasse isso?

– Acho que você mesma respondeu, Brenna. Sua mãe Tália é uma mulher compreensiva e bondosa e sua mãe Arítes é honrada. A rainha Tália eu conheço, mas não conheço a mãe Tália. Já a comandante Arítes eu não conheço e nem a mãe Arítes, no entanto, posso apostar pelo que falam dela que é uma mulher ponderada.

Algo cresceu dentro de Brenna, ao escutar o que Thara acabara de falar. Sentia-se exposta e foi com tudo para cima da conselheira.

– Você estava flertando comigo, mostrando que me quer e de repente, começou essa conversa tão pesada, por quê?

Minha filha perguntou de súbito, os olhos em fogo. Thara foi pega de surpresa e o choque estampou o rosto.

– O que é, Thara? Acha que não percebi?

Brenna continuou a empurrá-la com as palavras e Thara começou a rir, levantando-se da poltrona e, dirigindo-se até a mesa, ficou de costas para a princesa.

– Realmente você é uma força devastadora, Brenna! Sabia que é de bom tom não confrontar tão bruscamente os outros?

Falou raivosa, como se rosnasse.  Se perguntava como chegara até aquele ponto. Não tinha nada com a família Eras e não precisava se meter em assuntos alheios. Isto era o que Thara pensava.

– Como é? Desculpa, mas essa sou eu e pelo que me falou, você parecia me entender direitinho, minutos atrás.

Brenna respondeu, levantando da cama e caminhando em direção a Thara. A conselheira se voltou para ela, com a clara intenção de dar uma lição na princesa. Paralisou. Brenna estava de pé a poucos centímetros do corpo da ruiva, nua em pelo.

Esta era minha filha. Nunca em sua vida dormiu com roupas. Mesmo quando bebê, revirava-se tanto no berço que, todos os dias quando acordávamos para vê-la, a encontrávamos sem uma peça no corpo. Nem mesmo as fraldas.

Parece que a nossa dileta conselheira não reparara que, por baixo dos lençóis, não havia mais nada, além do corpo amorenado pelo sol dos campos de treinamento. A respiração de Thara pesou e ela, embora tentasse virar o rosto de lado, corria os olhos por cada porção de pele à sua frente. Tentou acalmar o ritmo do coração que tamborilava com aquela visão. Cerrou as pálpebras devagar, tomando um alento necessário para falar com a voz controlada.

– Por favor, princesa. Sei que invadi seu espaço pessoal tocando naquele assunto e…

– …Cala essa boca, Thara!

Brenna não sabia que se daria tão mal naquela disputa, ou tão bem. Até hoje não sei ao certo. Se ela achava que Thara havia se retraído por se sentir acanhada ou inibida, estava léguas enganada. A única coisa que a ruiva tentava evitar, era passar a carruagem por cima da princesa, o que não foi possível depois da ação que minha filha tomou. Brenna colou o corpo, peitando a conselheira que reagiu da pior forma… ou seria a melhor forma?


Nota: Atrasei um dia e acredito que semana que vem o capítulo virá também na quinta-feira, mas depois desse período de festas, voltarei a postar no dia correto.

Um excelente Ano Novo a tod@s e que 2019 traga bem-aventurança em nossas vidas!

Um grande beijo!



Notas:



O que achou deste história?

4 Respostas para Capítulo III – Surpresas

  1. Eitaaaaa, Brenna cheia de atitude! Tenho certeza que as duas bisbilhoteiras saíram correndo com medo do que vai vir a seguir! hahaha

    Estou adorando a história estar sendo contada do ponto de vista de Tália, muito legal mesmo!

    Feliz Ano Novo, que 2019 seja bem melhor que 2018!

    • Oi Preguicella! As festas foram boas?
      Então, as duas bisbilhoreiras terão mais uma surpresa! he he he
      Pois então, eu resolvi manter a história contada pela visão da Tália. No primeiro, ela contou tudo, aí até imaginei outra pessoa, como a Brenna, mas achei que não seria tão divertido quanto a Tália contando, além do que, ela faz o papel da terceira pessoa, quando não está inserida na cena específica. Vamos ver se consigo fazer isso direito! rsrsr
      Obrigada, Pregui!
      Um beijão para você!

  2. Menina de atitude rsss.
    Olha acho que já sou fã da Brenna, na verdade sou fã da família toda. Kkkk
    Acho que as duas bisbilhoteiras devem ter tomado um susto ou não…
    Ps: o natal foi abençoado e em família!
    Que esse ano que vai chegar seja bom, apesar dos pesares que tenhamos pensamentos positivos e muito amor no coração, porque olha vamos precisar. ??

    • Oi, Marcella! Como foi de festas?
      Então, acho que vai rolar uma surpresa ai para Brenna… rsrsrsr
      Vamos ver o que aguarda para a moça.
      Um beijão, Marcela e obrigada pelo carinho!!

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